domingo, 30 de julho de 2017

Geopolítica: a Rússia volta ao Caribe



Acossada por Washington na Europa Oriental, Moscou dá o troco na Nicarágua: investimentos em Saúde, uma base do Glonass (alternativa ao GPS) e um canal que pode ofuscar o do Panamá
Por Vinicius Mendes, no Le Monde Diplomatique

“É a primeira vez que um presidente russo visita a Nicarágua”, afirmou um eufórico Daniel Ortega, presidente do país centro-americano, diante de Vladimir Putin em uma sala abarrotada anexa do aeroporto de Manágua, em julho de 2014. A televisão estatal cobria o encontro ao vivo desde a aparição do avião presidencial no horizonte da cidade até o desembarque do governante da Rússia na pista.
“Estamos muito felizes de recebê-lo em nossa terra”, continuou Ortega. Após os rápidos discursos, ambos se fecharam na mesma sala e tiveram uma reunião de 20 minutos. Então, uma hora após pousar, a aeronave de Putin já levantava voo novamente rumo à Argentina.
A visita não estava prevista na agenda oficial do Kremlin, que incluía apenas encontros com Raúl e Fidel Castro, em Havana, Cristina Kirchner, em Buenos Aires, e Dilma Rousseff, em Brasília, durante os cinco dias de viagens pela região. “A rapidez do encontro serviu apenas para dar ao governo de Ortega a fotografia que ainda não tinha ao lado do seu principal aliado político e econômico desde que chegou ao poder, em 2007”, explica o jornalista francês Fabrice Le Lous, que edita um semanário do jornal La Prensa, um dos poucos independentes do país.
As questões importantes possivelmente já haviam sido tratadas com Serguei Lavrov dois meses antes, quando o chanceler russo ficou algumas horas a mais no país encontrando autoridades locais.
A Rússia e seu presidente voltaram a pairar sobre a Nicarágua há dez anos, quando Daniel Ortega ganhou sua primeira eleição presidencial desde a guerra civil. Logo nos primeiros meses de seu governo, recebeu de Putin doações de 100 mil toneladas de trigo e cerca de 500 ônibus e 500 veículos fabricados pela Lada para modernizar a frota de transporte urbano e de táxis de Manágua. Apesar do discurso oficialista, a oposição se alarmou.
“A maioria dos veículos da imprensa da Nicarágua foi comprada pelo Estado e teve toda a linha editorial modificada. Entre os canais de televisão, quatro são oficialistas. Se você assiste um deles sem conhecer a realidade do país, acha que ele é o melhor do mundo”, conta Le Lous.
No ano da reeleição de Ortega, em julho de 2011, a Rússia voltou a demonstrar apoio aos nicaraguenses: os dos países assinaram um acordo em Moscou que previa doações regulares de trigo catalogadas como “ajuda humanitária”. No ano seguinte, um navio russo desembarcou a primeira remessa de 100 mil toneladas avaliada em US$ 35 milhões no porto de Corinto, no Pacífico. À época, a coordenadora do Conselho de Comunicação e Cidadania e primeira-dama, Rosario Murillo, que hoje também é vice-presidente, afirmou que as doações colaborariam para manter o preço da farinha no mercado interno e, assim, estabilizar a inflação. Em 2015, a Rússia enviaria outras 160 mil toneladas do cereal para a Nicarágua.
As relações generosas entre russos e nicaraguenses, porém, atingiram outras áreas: em projetos paralelos, a Rússia doou ao parceiro centro-americano US$ 37 milhões em dinheiro e prometeu construir um grande hospital em Manágua, cujo plano previa custos em torno de US$ 41 milhões.
Segundo números da Secretaria de Integração Econômica Centro-Americana (Sieca), as exportações da Nicarágua para a Rússia cresceram 178% entre 2006, último ano sem Ortega no poder, e 2010, quando ele já planejava sua reeleição. As trocas comerciais desse tipo passaram de US$ 7,8 milhões em 2006 para US$ 21,7 milhões em 2010.
As importações também tiveram um crescimento significativo: de US$ 24,8 milhões em 2006 para US$ 78,9 milhões em 2012. A diferença entre os seis anos foi de 218%, a maior taxa entre todos os países da América Central. Em casos como o de El Salvador e Guatemala, o volume de importações chegou a cair.
Enfim, o Banco Central da Nicarágua divulgou no ano passado que recebeu US$ 151 milhões em doações russas entre 2007 e 2016, quantias usadas para custear despesas com equipamentos de prevenção de desastres naturais e para o setor agrícola. Deste volume, a maior parte – R$ 119 milhões – foi enviada entre 2011 e 2013, o que representa 79% do total das remessas de Moscou.
Apesar do crescimento desses valores, o professor Rafat Ghotme, do departamento de Relações Internacionais da Universidade Militar Nueva Granada, na Colômbia, acredita que não é possível comparar o “retorno” russo à América Latina com a época da União Soviética, quando financiou e deu apoio político aos regimes de Cuba e da própria Nicarágua. O volume de trocas ainda é muito pequeno, diz ele. “As atividades comerciais estão presentes, ainda que com altos e baixos, durante décadas: por exemplo, a venda de armas a países da América Latina representa menos de 15% das exportações totais de armas provenientes da Rússia”.
“Se é difícil discernir se as relações atuais estão mais focadas no comercial do que no estratégico, pode-se dizer que a estratégia diplomática russa não é suficiente em tamanho nem em alcance”, completa.
Aporte militar
Desde o começo do ano passado, a presença russa na Nicarágua passou a chamar a atenção da imprensa internacional pelo crescimento das trocas envolvendo armas e equipamentos de guerra, como tanques e radares. Em junho de 2016, o diário britânico Daily Mail publicou uma extensa reportagem afirmando que os recentes investimentos militares da Rússia no país centro-americano lembravam a Guerra Fria.
Na mesma época, o embaixador nicaraguense em Moscou, Juan Ernesto Vásquez, afirmou em um encontro com empresários e diplomatas, na capital russa, que os dois países estavam no “nível mais alto” de relações políticas da história.
A afirmação de Vásquez levou em conta não apenas a parceria atual, mas as relações com a União Soviética nos anos 1970, quando o governo comunista europeu apoiou financeiramente a guerrilha liderada por Daniel Ortega para derrubar a família Somoza, que estava no poder desde a década de 1920. Com a vitória dos rebeldes de esquerda – chamados de sandinistas –, os soviéticos tentaram estabelecer uma conexão semelhante à que existia com Cuba desde a revolução de Fidel Castro, em 1959. As relações foram rompidas em 1990, ano da queda da URSS e do início da guerra civil na Nicarágua.
As trocas militares começaram em 2013, quando o governo nicaraguense construiu, com o aporte financeiro russo, um campo de treinamento militar em Manágua batizado de Marechal Zhukov, em homenagem a um chefe militar soviético da Segunda Guerra Mundial. Naquele mesmo ano, os dois países promoveram diversos encontros para tratar da ajuda que a Rússia enviaria ao país centro-americano no controle do crime organizado e do tráfico de drogas. Em 2014, enfim, o parlamento da Nicarágua aprovou a construção de uma estação russa de navegação de satélites em seu território.
Para além da estação, no ano passado o Estado nicaraguense comprou 50 tanques de guerra T-72, quatro lanchas patrulheiras equipadas com metralhadoras, dois barcos com mísseis instalados e um número não divulgado de aviões de combate da Rússia. O pacote foi avaliado em cerca de US$ 80 milhões, mas as especulações dão conta que o país centro-americano, um dos mais pobres da América Latina, não vai pagar nada por eles.
Ainda em abril de 2016, o vice-ministro de Indústria da Rússia, Alexander Morozov, disse que seu país concederia um empréstimo de R$ 250 milhões de dólares à Nicarágua para a aquisição de um sistema de radares, aeronaves e para a modernização do aeroporto da Manágua, além de custear as obras de moinhos para processamento de grãos.
“A relação entre Putin e Ortega não é ingênua. É motivo de suspeitas que haja um interesse claro da inteligência russa escondido sob um discurso de informação pública. As doações de trigo, ônibus, carros e tanques não são de graça. Eles vão cobrar de alguma forma”, disse o general Hugo Torres, que lutou na guerrilha sandinista e hoje é um dos poucos opositores a Ortega, ao diário La Prensa.
Segundo Le Lous, o armamento nicaraguense alertou os países vizinhos, além de criar uma instabilidade nas relações com a Costa Rica, que já é uma rival em discussões sobre demarcações marítimas na Corte de Haya. “Todos os governos ficaram surpresos. Não há nenhuma guerra em vista. O combate ao narcotráfico se dá nas selvas ou no mar, onde não se luta com tanques”, diz. “A Costa Rica chegou a manifestar seu repúdio”, completa.
Glonass
Em abril, após anos de obras, a Rússia inaugurou a estação de navegação de satélite que fora aprovada pelo parlamento em 2014 próximo ao lago Nejapa. Trata-se do Glonass (Sistema Global de Navegação por Satélite), uma aposta de Putin para encerrar o monopólio do GPS estadunidense e, de quebra, levantar dúvidas sobre as instalações russas em um território localizado a 3 mil milhas de Washington (5 horas de avião) – a metade disso no caso de Miami, na Flórida.
Segundo o Instituto Nicaraguense de Telecomunicações e Correios (Telcor), as instalações servirão para combater narcotraficantes, prevenir desastres naturais e monitorar mudanças climáticas. Já para uma das poucas fontes que levantam dúvidas sobre o projeto dentro do país, o consultor civil de segurança Roberto Cajina, o excesso de segredos sobre as operações russas em Nejapa são indicações de que o discurso oficial tenta mascarar algo. “Não há informações sobre nada do que se faz ali. É estranho”, diz.
Entre os projetos, estão o de construir um canal semelhante ao do Panamá, historicamente sob domínio dos Estados Unidos, no território nicaraguense. A obra seria financiada com dinheiro chinês e tocada por administradores russos. Nenhum veículo da imprensa internacional conseguiu descobrir quem seria o investidor da China interessado no negócio.
“Não há acesso a informação na Nicarágua. As autoridades não respondem as dúvidas dos jornalistas. Quando algum ministro fala com a imprensa, é demitido no dia seguinte, como aconteceu com María Auxiliadora Chiong, da pasta de Economía Familiar. Portanto, não se sabe nada dos interesses russos no país”, pensa o jornalista Fabrice Le Lous.

Os Estados Unidos
O jornal Washington Post foi o primeiro da imprensa estadunidense a mostrar preocupação com a movimentação russa na Nicarágua. Em uma reportagem publicada no mesmo mês da inauguração do Glosnass, o periódico levantou suspeitas de que o projeto tenha o objetivo de espionar manobras estadunidenses ou retaliar a existência de bases militares dos EUA na Europa Oriental. De acordo com o texto, o Departamento de Estado já está alerta sobre a presença dos russos no país centro-americano, e inclusive nomeou funcionários com experiência em diplomacia russa para trabalhar na embaixada de Manágua.
Segundo Rafat, da Universidade de Nueva Granada, a presença da Rússia na Nicarágua é parte de um projeto do Kremlin de reequilibrar novamente o poder com os Estados Unidos, aproveitando-se da orientação anti-americana de alguns países, como a Nicarágua e a Venezuela, ou do interesse em estabelecer soberania, como o Equador, gerando desconforto em aliados dos EUA na região, como a Colômbia.
“Moscou tem investido significativamente na região, ainda que o volume do seu comércio, estimado em 14 bilhões de dólares anuais, segue sendo relativamente pequeno se comparado com os quase US$ 300 bilhões de intercâmbio da América Latina com a China”, explica ele.
“Os intercâmbios comerciais da Rússia com a América Latina estão em direta relação com a nova distribuição do poder no sistema internacional contemporâneo: a transição da multipolaridade e equilíbrio em lugar da unipolaridade e da hegemonia estadunidenses”, finaliza.

(fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=491016)

Como o bife do seu prato explica o desmatamento na Amazônia


A reportagem é de Eduardo Pegurier e foi originalmente publicada pelo ((o))eco e reproduzida por El País, 21-07-2017.

Os números amazônicos costumam ser imensos. A Amazônia Legal abrange 61% do território do Brasil e contém 40% do rebanho nacional. O gado é mantido em cerca de 400.000 fazendas espalhadas pela região, com tamanhos que variam de alguns poucos até dezenas de milhares de hectares. Então, quando a ONG Imazon terminou um novo e detalhado levantamento sobre os frigoríficos da região, a grande surpresa foi encontrar um número pequeno: apenas 128 instalações de frigoríficos ativos, pertencentes a 99 empresas, são responsáveis por 93% do abate anual, algo como 12 milhões de cabeças de gado.
Já era sabido que os frigoríficos são o gargalo da cadeia de criação do gado. Mas o levantamento do Imazon é inédito porque revelou a geografia da pecuária na Amazônia, vista pela zona de influência destes pouco mais de cem abatedouros. Para se ter uma ideia, ocupar a capacidade de abate anual de um único frigorífico de grande porte demanda uma área de pasto de quase 600.000 hectares, três vezes maior do que o município de São Paulo. O conjunto de frigoríficos analisados no estudo, operando a plena capacidade, demandaria uma área de pasto de 68 milhões de hectares (maior do que o estado de Minas Gerais). Essa quantidade supera a soma dos pastos hoje existentes na região, indicando que o futuro da atividade gerará mais desmatamento.
Esses resultados reforçam o acerto de um processo em curso. Desde 2009, com início no Pará, o Ministério Público Federal pressiona os frigoríficos da região a assinar o chamado TAC da Carne. TAC é abreviação de Termo de Ajuste de Conduta, uma espécie de contrato entre o MPF e cada frigorífico que o assina, o qual passa a ser obrigado a fiscalizar a origem do gado que compra para barrar o "boi de desmatamento".
Paulo Barreto, pesquisador do Imazon que liderou o estudo, compara: "é como se para conversar sobre o problema, houvesse duas opções, reunir num auditório os representantes destas cem empresas frigoríficas ou, como alternativa, alugar cinco estádios como o Maracanã para colocar todos os fazendeiros envolvidos na criação do gado". A análise que detalhou a influência de tão poucos frigoríficos sobre quase todo o rebanho amazônico envolveu trabalho de detetive e tecnologia de geoprocessamento. A primeira etapa foi obter os endereços de todos os frigoríficos de maior porte e confirmá-los usando imagens de satélite de alta definição, para verificar se naqueles locais havia instalações típicas da atividade, como currais e tanques de tratamento de água.
A partir daí, os pesquisadores queriam responder a pergunta: qual era a zona potencial de compra de cada frigorífico? E dois, como essa zona potencial se relaciona com as áreas já desmatadas e as que estão sob maior risco de desmatamento no futuro próximo?
O primeiro passo era descobrir a distância máxima que cada frigorífico alcançava nas compras de gado. Isso foi feito através de entrevistas telefônicas com os gerentes de frigoríficos e cruzamentos de dados. Havia casos curiosos, como um frigorífico no Acre, que não adquiria boi mais longe do que a 20 km das suas portas, e, no extremo oposto, no Amazonas, havia outro que comprava a mais de 1.000 km de distância, indo até Roraima, para compensar a falta de gado na sua região na época da seca.
O estudo lidou com duas categorias de frigoríficos, aqueles que têm licença SIE (Sistema de Inspeção Estadual), que podem vender carne nos seus estados, e SIF (Sistema de Inspeção Federal), que podem vender no país todo e exportar. Em média, frigoríficos com licenças estaduais têm capacidade para abater 180 animais por dia e compram de fazendas que podem estar a até 153 km de distância. Os frigoríficos com licença nacional abatem 700 animais por dia e vão buscá-los a uma distância que chega a 360 km.
Baseado nas distâncias máximas, o segundo passo era estabelecer a área potencial de compra dos frigoríficos. Hora de voltar à tecnologia geoespacial. "O Imazon tem um mapeamento completo de estradas oficiais e informais na Amazônia, uma base que vem sendo atualizada desde 2008", conta Amintas Brandão Jr., outro dos autores do estudo. "Rodamos uma análise espacial em que você insere no software as coordenadas do frigorífico e a distância máxima que ele compra, digamos, 100 km. Daí, o software sozinho percorre todas as estradas e rios navegáveis acessíveis àquele frigorífico até atingir os tais 100 km. Assim, conseguimos delinear uma zona potencial de compra".
Segundo Brandão, o diferencial do trabalho foi este, estabelecer a área de influência de cada frigorífico usando a rede de infraestrutura, a malha de estradas e rios navegáveis por onde o gado pode ser transportado.O somatório das regiões de influência dos 128 frigoríficos analisados abrange a quase totalidade das áreas embargadas pelo Ibama e 88% do desmatamento ocorrido na Amazônia entre 2010 e 2015.

Desmatamento futuro

O estudo gerou uma previsão de onde estarão as próximas áreas desmatadas na Amazônia. De novo, os pesquisadores recorreram aos softwares de análise geoespacial. Eles dividiram a Amazônia Legal em quadrados com 1 km de lado. Para cada um deles, foi estimada a probabilidade de desmatamento baseada na presença de fatores que o estimulam, como disponibilidade de transporte por estrada ou rio, distância até mercados e potencial da terra. Criaram, assim, um mapa de probabilidade de desmatamento para toda a Amazônia Legal. Usaram a área desmatada nos três anos anteriores, 1,7 milhão de hectares (17 mil km2), como estimativa do total de desmatamento que poderá ocorrer no triênio 2016 a 2018. Em seguida, a partir do mapa de probabilidades, determinaram quais são as áreas com maior chance de ocorrência de novos desmatamentos. A última etapa foi sobrepor as zonas de influência de compras dos frigoríficos. A coincidência entre as duas áreas foi de 90%.
Em outras palavras, se entre 2016 e 2018 a taxa de desmatamento recente se repetir, 90% das novas perdas de floresta estarão dentro da área de influência de compra de 128 frigoríficos.

Consequências

"Da perspectiva da fiscalização, o trabalho pode ajudar no controle do desmatamento mostrando onde estão os 'hot spots', os pontos onde há mais floresta e/ou chance de desmatamento", diz Brandão.
Para Barreto, "chama atenção como um número pequeno de empresas está no fim da cadeia que envolve quase 400.000 pecuaristas". Segundo ele, isso confirma que está certo o caminho de envolver os frigoríficos na fiscalização do desmatamento, como obrigam os acordos com o MPF. Mas destaca que 30% do abate é feito por frigoríficos que não assinaram acordos. Isso significa que não fiscalizam a origem dos seus bois. Pior, esses frigoríficos estão na mesma área de atuação daqueles que assinaram os acordos e, assim, se tornam alternativas para a venda de gado criado em pastos abertos ilegalmente.
O estudo do Imazon criou um panorama detalhado da influência que os frigoríficos podem ter sobre o desmatamento. "Já temos um mapa, as tecnologias estão disponíveis para rastrear o gado da sua origem até o local de abate", diz Barreto. "Falta agora uma pressão consistente e punições para criadores e frigoríficos que compactuam com crimes ambientais". Ele diz que isso aconteceu no caso da febre aftosa, quando o setor percebeu que perderia os mercados mundiais se não fosse feito um programa efetivo de vacinação. A pressão do mercado funcionou para os fazendeiros se organizarem e firmarem parcerias com o governo. Para Barreto, um bom começo seria uma nova rodada de aperto sobre o setor liderada pelo MPF e pelo Ibama.
O Brasil alcançou um bom controle de febre aftosa, um feito e tanto. Se quiser, pode fazer o mesmo para acabar com a pecuária que derruba floresta. Será um enorme passo rumo ao desmatamento zero na Amazônia.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/569901-como-o-bife-do-seu-prato-explica-o-desmatamento-na-amazonia)

Um planeta literalmente coberto de plástico


O ecologista industrial Roland Geyer mede a produção, o uso e o destino de todos os plásticos já fabricados, incluindo fibras sintéticas
A reportagem é de Julie Cohen, publicada por University of California. A matéria foi reproduzida por EcoDebate, 24-07-2017. A tradução e edição são de Henrique Cortez.


Mais de 8 bilhões de toneladas métricas. Essa é a quantidade de plásticos, de origem humana, criados desde que a produção em grande escala de materiais sintéticos começou no início dos anos 50. É suficiente para cobrir todo o país da Argentina e a maioria do material agora reside em aterros sanitários ou no ambiente natural.
Tais são os resultados de um novo estudo liderado pelo ecologista industrial Roland Geyer, da UC Santa Barbara. A pesquisa, publicada na revista Science Advances, fornece a primeira análise global da produção, uso e destino de todos os plásticos já fabricados, incluindo fibras sintéticas.
“Não podemos continuar com o negócio como de costume, a menos que queremos um planeta literalmente coberto de plástico”, disse o autor principal, Geyer, professor associado da Escola Bren de Ciências e Gestão Ambiental da UCSB. “Este artigo fornece dados rígidos, não apenas quanto ao plástico que fizemos ao longo dos anos, mas também a sua composição e a quantidade e tipo de aditivos que o plástico contém. Espero que essa informação seja usada pelos formuladores de políticas para melhorar estratégias de gerenciamento de finais de vida para plásticos “.
Geyer e sua equipe compilaram estatísticas de produção de resinas, fibras e aditivos de várias fontes da indústria e sintetizaram-nas de acordo com o setor de tipo e consumo. Eles descobriram que a produção global de resinas e fibras plásticas aumentou de 2 milhões de toneladas em 1950 para mais de 400 milhões de toneladas em 2015, superando a maioria dos outros materiais artificiais. Exceções notáveis são aço e cimento. Embora esses materiais sejam usados principalmente para construção, o maior mercado de plásticos é a embalagem, que é usada uma vez e depois descartada.
“Aproximadamente metade de todo o aço que fabricamos entra em construção, por isso terá décadas de uso; O plástico é o oposto “, disse Geyer. “Metade de todos os plásticos se tornam resíduos após quatro ou menos anos de uso”.
E o ritmo da produção de plástico não mostra sinais de desaceleração. Da quantidade total de resinas plásticas e fibras produzidas de 1950 a 2015, cerca de metade foi produzida nos últimos 13 anos.
“O que estamos tentando fazer é criar as bases para o gerenciamento sustentável de materiais”, acrescentou Geyer. “Simplesmente, você não consegue gerenciar o que você não mede, e então pensamos que as discussões sobre políticas serão mais informadas e com base em fatos, agora que temos esses números”.
Os pesquisadores também descobriram que, até 2015, os seres humanos produziram 6,3 milhões de toneladas de resíduos de plástico. Desse total, apenas 9% foram reciclados; 12 por cento foram incinerados e 79 por cento acumulados em aterros sanitários ou no ambiente natural. Se as tendências atuais continuam, observou Geyer, cerca de 12 bilhões de toneladas métricas de resíduos de plástico – pesando mais de 36 mil que o edifício Empire State Buildings – estarão em aterros sanitários ou no ambiente natural em 2050.
“A maioria dos plásticos não se biodegrada em nenhum sentido significativo, de modo que o desperdício de plástico, que os seres humanos geraram, poderia estar conosco por centenas ou mesmo milhares de anos”, disse a coautora Jenna Jambeck, professora associada de engenharia da Universidade da Geórgia. “Nossas estimativas ressaltam a necessidade de pensar criticamente sobre os materiais que usamos e nossas práticas de gerenciamento de resíduos”.
Dois anos atrás, a mesma equipe de pesquisa publicou um estudo na revista Science que mediu a magnitude dos resíduos de plástico no oceano. Eles descobriram que dos 275 milhões de toneladas métricas de resíduos de plástico gerados em 2010, cerca de 8 milhões entraram nos oceanos do mundo. Esse estudo calculou a quantidade anual de resíduos de plástico usando dados de geração de resíduos sólidos; A nova pesquisa usa dados de produção de plástico.
“Mesmo com dois métodos muito diferentes, obtivemos praticamente o mesmo número de resíduos – 275 milhões de toneladas métricas – para 2010, o que sugere que os números são bastante robustos”, disse Geyer.
“Há pessoas vivas hoje que se lembram de um mundo sem plásticos”, disse Jambeck. “Mas os plásticos tornaram-se tão onipresentes que você não pode ir a qualquer lugar sem encontrar resíduos de plástico em nosso meio, incluindo nossos oceanos”.
Os pesquisadores são rápidos em avisar que eles não procuram eliminar o plástico do mercado, mas defendem um exame mais crítico do uso de plástico.
“Existem áreas onde os plásticos são indispensáveis, como a indústria médica”, disse o coautor Kara Lavender Law, professor de pesquisa da Sea Education Association em Woods Hole, Massachusetts. “Mas eu acho que precisamos examinar cuidadosamente o uso de plásticos e perguntar se ele faz sentido”.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/569934-um-planeta-literalmente-coberto-de-plastico)

Gota d'água

REGINA MACHADO*

O detalhe que esclarece o todo, a gota d’água sobre uma folha ao amanhecer, que reflete o universo e dá a entender o entorno do aqui e agora. Momentos que o olhar de repente entende.
Bormes-les-Mimosas, conhece? Passei por lá há alguns anos. Lugar lindo na Côte d’Azur, encostas acobreadas, mansões discretamente luxuosas, florestas de pinheiros extensas e bem preservadas. Beleza!

Até que, de alguns anos para cá, a cada verão, um pedacinho mais seco pegava fogo. Claro que tem os idiotas de passagem que jogam lixo, toco de cigarro, fralda, pela janela do carro. E isqueiros. Mas a imbecilidade não basta para explicar os incêndios em todo o sul da Europa – França, Espanha, Portugal, Itália… E não precisa ser um gênio para relacionar esse fenômeno com o aquecimento global. Não é isso o que me chamou a atenção.

A gota d’água foi uma reportagem TV, mostrando milhares de refugiados do incêndio no departamento do Var, Costa Azul da França, proprietários residentes no local, ou estivantes em campings, gente que foi deslocada de casas ou caravanas confortáveis durante a noite, para ginásios e estádios ao abrigo do fogo. A reportagem mostrava o recenseamento desses refugiados que, desamparados, faziam fila para serem registrados e poderem depois ir procurar um colchonete para dormir.
Essa cena me lembrou outra que vem se repetindo ultimamente, a dos refugiados dos naufrágios no Mediterrâneo, que ainda mais numerosos fogem da fome, da seca, da incompetência e brutalidade de ditadores velhos ou novos. Os da Costa Azul têm a esperança de voltar para suas casas, pois os bombeiros, exaustos, ja estão conseguindo controlar o incêndio, apesar da vetustez dos Canadairs, que não dão conta dos incêndios em todo o sul do continente. Mas para que ter uma casa caríssima numa paisagem devastada? Hoje no rádio já falavam de reconstituir a floresta, mas lembrando que uma árvore de verdade leva quarenta anos para ornar uma paisagem com grandeza. E quanto tempo vai levar para reconstruir cidades destruídas, de famílias, escolas e amigos desaparecidos? Será que um dia vão refazer aquela riqueza de pedra, cores e perfumes que foi o suk de Alep? Fora o Líbano e a Grécia, ninguém mais quer receber imigrantes escapados de bombardeios cruzados sobre suas pobres casas. Parece que só países pobres têm espaço para receber os pobres do mundo.

Apesar da desproporção, acho que tem a ver. A irresponsabilidade dos incendiários involuntários da Costa Azul é nada perto da destruição planetária de florestas e águas doces e salgadas, perpetradas em nome de interesses agrários, petrolíferos, pesqueiros… As casas da Riviera, as tradicionais cabanas redondas de aldeias africanas, as casas seculares de cidades sírias… A tartaruguinha morta no incêndio dos pinheirais é uma gota d’água que reflete os elefantes mortos por alguns quilos de marfim, dos rinocerontes supostos redourar a virilidade de alguns desanimados do amor, dos pássaros sem árvore para nidificar. Tudo que embelezava e pertencia a quem vivia e conhecia de perto cada folha, cada amanhecer.
O olhar perdido dos escapados do incêndio não tem nem de longe o mesmo desespero dos africanos que atravessaram o Mediterrâneo e que escaparam à gana dos passadores/traficantes, depois de atravessar desertos, de ficarem presos na Líbia destruída, esperando um resgate bem improvável. Mas é uma gota d’água refletindo o sofrimento sem fim dos excluídos.

* REGINA MACHADO é Pesquisadora associada ao CREPAL. Tese sobre a ficção das fazendas de café escravagistas no vale do Paraíba disponível em https://tel.archives-ouvertes.fr/tel-01086733

(fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2017/07/29/gota-dagua/)

A desintegração da Petrobrás

Texto escrito por José de Souza Castro:

A Petrobras vem oferecendo extraordinário reforço de caixa à TV Globo, principalmente, com suas campanhas publicitárias. O anjo da guarda dos comerciais feitos pela agência de publicidade NBS, mais do que proteger a rede de postos de combustíveis e os consumidores, está amparando veículos de comunicação de massa numa época de retração do mercado publicitário brasileiro.

A outra campanha, criada pela Heads, ao afirmar que “a Petrobras mudou e está seguindo em frente”, é tapa na cara de quem leu a “Carta aberta à Sociedade Brasileira sobre a desintegração da Petrobrás”, que acaba de ser divulgada pela Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet). Sim, Petrobrás, com acento. A Aepet, pelo visto, ainda não se conformou com a retirada do acento agudo, feito no governo Fernando Henrique Cardoso. Talvez, como consolo ao presidente de então, por não ter podido mudar o nome da estatal para Petrobrax, para que ele soasse melhor aos ouvidos estrangeiros a quem o governo tucano queria privatizar toda a empresa, como fez com a Companhia Vale do Rio Doce, na bacia das almas. O governo Temer vai vendendo aos pedaços, mas também na mesma bacia.

O anjo da guarda certamente não conseguiu proteger o posto Petrobras que há anos funciona em frente ao restaurante Roda D’Água, em Juatuba, a 40 quilômetros de Belo Horizonte. Neste fim de semana, ele estava operando sem bandeira de distribuidora. Não sei o motivo. Se for retração das vendas de combustível, deve piorar com o último reajuste feito pela Petrobras.

Não sei também quanto a Petrobras está gastando em publicidade, para nos enganar, diante do rápido declínio da empresa – e do governo Temer.

A Petrobras parece que não se acha obrigada a dar tal informação. A última vez que informou sobre investimentos em publicidade, pelo que verifiquei no Google, foi em março de 2015, quando ela se viu obrigada a tirar do ar a campanha “Superação”, criada para tentar reverter a crise de imagem desencadeada pela Operação Lava Jato.

Dilma ainda estava no governo. Um de seus adversários, o deputado José Carlos Aleluia, do DEM baiano, reclamou junto ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), pedindo mudança na campanha. O Conar deliberou notificar a empresa, que decidiu cancelar a campanha. Na época, informou-se que a Gerência de Comunicação Institucional da Petrobras contou em 2013 com orçamento de cerca de R$ 1,2 bilhão para patrocínios, contratos de publicidade, atendimento a imprensa e planejamento institucional da marca.

Essa fonte valiosa de dinheiro para alguns setores empresariais privilegiados, como o Grupo Globo, pode secar na mesma rapidez com que a Petrobras se desintegra. E o Brasil com ela.

Vamos ao que diz a carta aberta da Aepet, que pode ser lida na íntegra AQUI.

A atual direção da Petrobras, presidida por Pedro Parente, sobre o qual escrevi em maio de 2016, transformou “lucros em prejuízos com a desvalorização de seus ativos, preparando o caminho para as privatizações e desintegração da companhia; interrompeu uma série histórica de 22 anos de reposição de reservas (aumento de reservas superior à produção); entregou o mercado de combustíveis aos concorrentes, por meio da política de preços, ao possibilitar o aumento das importações em 41% em um ano, onerando as contas do país e operando nossas refinarias a 77% da capacidade, contra 98% em 2013”.

Afirma a Aepet que a Petrobras não precisa vender ativos para reduzir seu nível de endividamento. “Ao contrário, na medida em que vende ativos ela reduz sua capacidade de pagamento da dívida no médio prazo e desestrutura sua cadeia produtiva, em prejuízo à geração futura de caixa, além de assumir riscos empresariais desnecessários. A alienação de ativos é uma escolha política e empresarial, e revelamos que ela é desnecessária”, diz.

A redução da dívida pela simples apreciação do real, acrescenta, “é 37% maior do que a Petrobrás planeja arrecadar com as privatizações que nos próximos dois anos devem somar US$ 19,5 bilhões, por meio de crescentes parcerias na área de Exploração e Produção, além de Refino, Transporte, Logística, Distribuição e Comercialização. Em entrevista coletiva com jornalistas, em 11.01.2017, o diretor financeiro, Ivan Monteiro, anunciou que a Petrobrás tinha recursos em caixa da ordem de US$ 22,00 bilhões, suficientes para honrar todos os compromissos, nos próximos 30 meses. Ao afastar-se da Petrobrás, o ex-presidente Bendine já havia registrado a existência de saldo de caixa superior a R$ 100,00 bilhões ou US$ 27,00 bilhões ao câmbio da época”.

Aldemir Bendine se afastou da Petrobras no dia 30 de maio do ano passado, sendo substituído por Pedro Parente, após o impeachment de Dilma Rousseff.

A nova direção intensificou a desvalorização de ativos para posterior venda. Verdade que essa desvalorização, dirigida pelo mesmo diretor financeiro, Ivan Monteiro, já ocorria desde 2014. O valor contábil dos ativos foi reduzido em R$ 113 bilhões em três anos. “Em 2015, a companhia teve um lucro bruto de 98,5 bilhões de reais e líquido de 15 bilhões. A desvalorização transformou o lucro em prejuízo de 34 bilhões, não distribuindo dividendos aos acionistas e ajudando a criar a imagem de empresa quebrada, divulgada pela grande mídia”, afirma a Aepet.

“Como ensinam os especialistas”, prossegue a carta aberta, “a desvalorização de ativos deve ser efetuada gradualmente, ao longo dos anos e não abruptamente, como foi feito, pois reflete um valor de momento que pode vir a ser revertido. Foi o que fizeram as grandes companhias internacionais de petróleo neste mesmo período. As desvalorizações prestaram-se para o passo seguinte, foi a justificativa para a venda de ativos”.

Essa carta tem seis páginas. A ela a Aepet acrescentou anexos que ocupam 26 páginas. Eles têm os seguintes subtítulos: Desintegração de atividades; Pré-Sal; Dívida; O pagamento da dívida sem privatizações; Os prejuízos contábeis e a desvalorização de ativos; A queda das reservas; Conteúdo local; A venda de ativos e a desintegração; A venda de 90% da malha de gasodutos Nova Transportadora Sudeste (NTS), de 2,5 mil km por US$ 5,19 bilhões; O irrisório valor de venda da Liquigás; A venda da BR Distribuidora; A venda de 66% do Campo de Carcará; Venda de participações em refinarias; A venda da Gaspetro para a Mitsui; Venda da Participação na Petroquímica Suape e Citepe para a Alpek; Venda de fatias nos campos Iara e Lapa do pré-sal no “Acordo Geral de Colaboração (Master Agreement) com a francesa Total” por US$ 2,2 bilhões; Doação do Campo de Xerelete e Xerelete Sul para a Total; Nomeação de Pedro Parente para a Presidência da Petrobrás; Conflitos de interesse na Petrobrás; A experiência da Total.

Os interessados terão excelente leitura nesses anexos. Só não garanto que sairão satisfeitos, ao final. Indignados, provavelmente.

O documento assinado pela diretoria da Associação termina assim: “Diante de todas as razões expostas, a AEPET considera que os prejuízos causados à companhia pelos atos praticados são de inteira responsabilidade dos membros da atual diretoria e do Conselho de Administração da Petrobrás, pelos quais deverão responder perante a nação.”

Espero que sim, e sem demora.

(fonte:  https://kikacastro.com.br/2017/07/24/desintegracao-petrobras/#more-14148)

[Copacabana] Breves e livres associações sobre o que chamamos elite


por Eduardo Leal Cunha

Num momento da nossa história nacional em que a dita elite politica deve estar –  como me diz um amigo – preocupada em não haver uma grife elegante para tornozeleiras eletrônicas, talvez seja interessante poder ao menos associar livremente sobre o que entendemos como elite.
Dito isso, meu primeiro pensamento é que a nossa compreensão do que seja elite parece, ao menos para a maioria das pessoas, estar atrelada à imagem de área vip, tome ela a forma do camarote de um show ou casa noturna ou simplesmente a de um bloco do carnaval da Bahia, no qual uma corda e um cordão humano mal remunerado separam algumas pessoas de determinadas outras. Todas estas, figuras imaginárias de um outro sintagma que procura dar conta do que entendemos como elite: gente diferenciada.
Para Zigmunt Bauman, os pobres e os excluídos tendem a ser percebidos como viscosos, como capazes de nos arrastar para o lodo da exclusão social, nos transformando em perdedores[1]. Nossa concepção de elite parece se apoiar quase inteiramente na construção de barreiras que nos protejam desse visco. Barreiras que nos legitimam como seres diferenciados, imunes à pobreza, mas também à lei.
Ser da elite não parece significar a posse de nenhum atributo especial – como aqueles que antes poderíamos associar a valores aristocráticos – e assim o pertencimento à elite nada implica além da distinção em relação aos que a ela jamais terão acesso, sobretudo os pobres e os pretos ou os quase brancos quase pretos de tão pobres, como cantam Gil e Caetano nos lembrando do Haiti. Por isso, o esforço permanente em erguer e manter as barreiras que nos separam e mantém a distinção, a ferro e fogo.
Ser de elite é estar à margem da maioria, o que confere uma espécie de legitimidade ao nosso dito jeitinho brasileiro, pois quando temos acesso ao camarote e nos separamos da plebe ignara (como se dizia antigamente) o jeitinho deixa de ser sinal de esculhambação e passa a ser signo de autoridade ou de reconhecimento, o que nos dá o direito de pressionar um colega ministro pela liberação do imóvel irregular onde adquirimos um apartamento incompatível com a nossa renda ou de receber na calada da noite um empresário com o qual tenho uma consistente relação de troca de favores.  Aliás, como todos sabemos, um dos charmes maiores da área vip é poder convidar um pobre mortal a compartilhar conosco nossos privilégios enquanto a massa se espreme em filas ou contra o cordão de isolamento.
Ter o privilégio de ser da elite é assim ocupar determinados lugares inacessíveis à maioria, e é por isso que essa geografia do privilégio me leva à geografia da cidade do Rio de janeiro – onde morei grande parte da minha vida, contemplando de longe tanto as favelas nos morros quanto as coberturas da Vieira Souto – e me perguntar sobre Copacabana.
Por que em Copacabana se diz bom dia aos vizinhos? Por que, ao contrário, durante os cinco anos em que morei na fatia mais nobre da cidade maravilhosa, no coração de Ipanema, deparei tantas vezes com pessoas incapazes de trocar duas palavras simpáticas, de falar sobre o tempo num rápido passeio de elevador? Por que, ainda nesse dito bairro nobre, um velho ator insistia em não agradecer sempre que segurávamos a porta para que ele passasse, ou por que outro ilustre vizinho, financista bem-sucedido, jamais segurava a porta para que qualquer outro alguém passasse?
Para não falar das lixeiras do prédio elegante, aquelas que precisamos abrir e despejar nossos sacos de lixo para que desabem sobre uma grande lixeira comum nos subterrâneos do edifício, mas que a maioria dos moradores, gente diferenciada, se recusava a abrir, talvez para não se contaminar com odores quaisquer, talvez para que nem mesmo seus dejetos se misturassem indevidamente. Enfim, deixavam lá seus sacos no corredor, junto à portinha da lixeira, para que o porteiro, gente comum, terminasse o serviço.
Por que em Copacabana é diferente e a chamada classe média decadente e empobrecida daqueles prédios cheios de vizinhos ainda tem uma boa noção do que seja civilidade? Por que lá um garoto de 10 anos, embora ainda não tenha aprendido a limpar os pés da areia da praia antes de entrar no elevador, já sabe, no entanto, que deve segurar a porta e esperar quem está cruzando a entrada do prédio, a 15 metros de distância?
Por que os nossos nobres jogam latas vazias pelas janelas dos seus automóveis enquanto aqueles que vivem dessas latas jogadas nas ruas, tantas vezes nos pedem licença ou agradecem quando se abaixam e se metem entre nossas pernas elegantes e bem vestidas para catá-las? Que sentido damos a nobreza? O que seriam e a quem pertenceriam no Brasil de hoje os gestos nobres?
Entender isso talvez nos permita entender um pouco mais sobre o que chamamos de elite. Até mesmo para não nos enganemos acreditando que no Brasil só conservadores e gente de direita são vítimas dessa ilusão do distinguir-se ou solitários culpados das barreiras cotidianamente erguidas para que ela se mantenha, ou ainda beneficiários exclusivos das trapaças que nela se legitimam.
Lembro do lançamento do livro de uma amiga, conhecida militante de esquerda, quando um jovem e brilhante advogado, colega da mesma militância, talvez por ser tão jovem, brilhante, e até generoso por ser de esquerda e lutar pelas classes populares, se achou no direito de furar a fila enquanto quase uma centena de pessoas se espremiam entre os corredores. Somos todos iguais, mas talvez nós, que, podendo nos achar melhores pela nossa classe, formação ou posição politica, abrimos mão desse direito para nos admitir iguais a todos os outros, bem, talvez nós sejamos no fundo um pouco melhores.
Temos pessoas da elite, afinal, ocupando diversos setores do espectro político,indivíduos que parecem ver como essência da distinção social o direito a desrespeitar o outro, numa espécie de narcisismo sem dor, sem risco e sem culpa. Uma dispersa legião de vencedores que acredita que venceu, e só isso importa, pois como nos lembra Richard Sennett, no capitalismo dito avançado, o vencedor leva tudo[2].
A tudo isso, prefiro definitivamente Copacabana, onde a velha elite já aprendeu, em geral com a idade, que a ruína é destino inevitável dos seres humanos,  e que aos oitenta anos nos tornamos todos iguais perante um degrau alto demais, a rua sem calçada ou a fila do banco. Onde os jovens, que talvez já nem sonhem em fazer parte da elite, acham simplesmente que é melhor e mais prático tratar os outros como iguais. Ali, tudo é meio junto e misturado, e os narcisismos das pequenas e grandes diferenças, ou as ilusões de distinção, são postos diariamente à prova pelo convívio inevitável com o outro  e com os limites da nossa tolerância e dos nossos preconceitos.
Entender a elite como os portadores de pulseirinhas coloridas exibidas orgulhosamente a seguranças talvez nos ajude ainda a entender o porque desse sentimento tão compartilhado aqui e ali, explícita, discreta ou implicitamente, de que precisamos castigar o Partido dos Trabalhadores, essa raça  da qual precisamos nos livrar de uma vez por todas (termo e expressão do ilustre Senador Jorge Bornhausen), bando de penetras em festa de bacana, gente que não tem nem o bom gosto necessário para gastar os frutos da corrupção, que talvez não tenha sequer um sítio em Atibaia, mas certamente tem alma de pobre, como lembrou entusiasmadamente ao próprio Lula,numa dessas famosas interceptações telefônicas,o também ilustre Prefeito Eduardo Paes, gente que não vai a Ipanema ou ao Leblon das novelas da Globo, gente com ambições de suburbano que talvez mereça, no máximo, um lugar na praia de Copacabana, de preferência naquele pedacinho onde o sol já não bate por conta da sombra dos edifícios de onde os Neves, os Collor de Mello ou os Marinho eventualmente saúdam o ano novo.
Por fim, última associação, lembro do clássico Viva o povo brasileiro[3], de João Ubaldo Ribeiro (imortal da Academia de Letras e, segundo ele mesmo, também da Academia da Cachaça), no qual a ficção nos demonstra poética e didaticamente como a construção da nossa elite se deu desde o princípio na contramão da formação do nosso povo e da nossa nação, o que talvez nos explique porque tantas vezes temos a impressão de que seus movimentos parecem desejar simplesmente destruir esse povo e essa nação, como destruíram ao menos grande parte do encanto de uma tarde em Copacabana retirando-lhe tão somente o brilho do Sol.
Eduardo Leal Cunha é psicólogo e psicanalista. Doutor em Saúde Coletiva (IMS/UERJ). Professor do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Sergipe. Pesquisador Associado do Centre de Recherches Psychanalyse Médecine et Société da Universidade de Paris VII – Diderot.
[1]Bauman, Zigmunt Mal-estar napós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1999
[2]Sennett, Richard. A corrosão do caráter. Rio de Janeiro: Record, 2004.
[3]Ribeiro, João Ubaldo Viva o povo brasileiro. São Paulo: Alfaguara Brasil, 2008.

fontes: http://jornalggn.com.br/noticia/breves-e-livres-associacoes-sobre-o-que-chamamos-elite-por-eduardo-leal-cunha

domingo, 23 de julho de 2017

Catástrofe climática: a Terra inóspita e inabitável

"A Terra pode ficar inabitável, pois são muitos os processos que estão afetando a capacidade de sobrevivência da humanidade. Provavelmente, a Terra não ficará desabitada, mas a qualidade de vida da população mundial poderá reduzir bastante em um Planeta degradado. O Holoceno garantiu 10 mil anos de estabilidade climática. O Antropoceno e a grande aceleração das atividades antrópicas estão desequilibrando o clima e transformando a biosfera em um habitat inóspito e inabitável", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 19-07-2017.

Eis o artigo.

“Para cada mil pessoas dedicadas a cortar as folhas do mal, 
há apenas uma atacando as raízes.” Henry Thoreau

A revista New York Magazine (NYMag) publicou, no dia 09-07-2017, uma matéria denominada “The Uninhabitable Earth” – pintando no pior cenário, um Armagedon climático – que se tornou viral e foi comentada amplamente em diversos países e passou a ser o artigo mais lido da revista. Infelizmente, pouco se falou sobre o assunto no Brasil. A matéria, com chamada de capa, feita a partir de entrevistas com cientistas renomados, traz uma visão catastrófica do efeito do crescimento das atividades antrópicas sobre os ecossistemas e as mudanças climáticas. A repercussão foi enorme. Houve muita comoção pelo tom apocalíptico, reproduzido por uma grande revista que tem respeitabilidade e repercussão imediata.
O texto começa assim: “It is, I promise, worse than you think” (Prometo, é pior do que você pensa). O subtítulo diz do que se trata: “Fome, colapso econômico e um sol que nos cozinha: o que as mudanças climáticas podem causar – mais cedo do que você pensa”. Evidentemente, o autor está tratando de um cenário extremo e de baixa probabilidade, mas que pode ocorrer se nada for feito para mudar os rumos da insustentabilidade do crescimento econômico e suas externalidades ambientais.
Desta forma, o jornalista David Wallace-Wells realmente conseguiu assustar. A seguir segue uma tentativa de resumir alguns dos principais pontos da matéria.

Primeira parte

Na primeira parte, denominada “Apocalipse, espiando além da reticência científica” o autor explica que a ansiedade sobre os efeitos do aquecimento global em relação à elevação do nível do mar, é justificável, mas apenas arranha a superfície dos horrores que podem acontecer no espaço de tempo da vida de um adolescente de hoje. A elevação do nível dos oceanos é ruim, muito ruim, mas fugir do litoral é um problema menor. Na ausência de um ajuste significativo de como bilhões de seres humanos produzem e consomem, partes da Terra provavelmente se tornarão inabitáveis e outras partes ficarão terrivelmente inóspitas, antes do final deste século.
David Wallace-Wells diz que até mesmo pessoas que reconhecem as mudanças climáticas são incapazes de compreender seu alcance. No inverno passado, em diversos dias, a temperatura do Polo Norte ficou 60 a 70 graus mais quentes do que o normal, derretendo o PERMAFROST. Até recentemente, o permafrost não era uma grande preocupação dos cientistas, porque, como o nome sugere, era um solo permanentemente congelado. Mas o permafrost do Ártico contém 1,8 trilhão de toneladas de carbono, mais do dobro do que atualmente está suspenso na atmosfera terrestre. Quando se descongela e é liberado, esse carbono pode evaporar-se como o metano, que é 34 vezes mais poderoso do que o CO2. Ou seja, mesmo que a humanidade pare de emitir gases de efeito estufa nas atividades industriais e nos automóveis, o efeito feedback do metano do permafrost pode elevar a temperatura a níveis infernais. Na Antártica não é diferente. O “parto” da Plataforma Larsen C é mais um dos sinais de alarme.
A ocupação, dominação e exploração humana sobre os ecossistemas, juntamente com efeito estufa e a acidificação dos solos e das águas está provocando a 6ª extinção em massa das espécies. O Antropoceno é como uma “máquina de guerra”, todos os dias, o ser humano coloca mais munição. Atualmente, estamos adicionando carbono na atmosfera a uma taxa extremamente elevada. Isto é o que Stephen Hawking tinha em mente quando disse que a nossa espécie precisa colonizar outros planetas no próximo século para sobreviver e o que levou Elon Musk a anunciar seus planos para a colonização do planeta Marte.

Segunda parte

Na segunda parte da matéria da NYMag, “O calor mortal, transformando Nova Iorque em Bahrain”, David Wallace-Wells mostra que os seres humanos, como todos os mamíferos, são motores de calor. Sobreviver significa ter que esfriar continuamente, como cães ofegantes. Para isso, a temperatura precisa ser suficientemente baixa para que o ar atue como uma espécie de refrigerador, extraindo calor da pele para que o motor possa continuar bombeando. Mas as ondas mortais de calor estão tornando a vida impossível em algumas regiões, pois em temperaturas muito altas, dentro de horas, um corpo humano seria cozido até a morte por dentro e por fora.
O autor reporta que na região açucareira de El Salvador, cerca de um quinto da população tem doença renal crônica, o resultado presumido da desidratação de trabalhar nos campos. Desde 1980, o planeta experimentou um aumento de 50 vezes no número de locais com calor perigoso ou extremo. Um aumento maior virá em breve. Os cinco verões mais quentes da Europa desde 1500 ocorreram desde 2002 e, em breve, simplesmente estar ao ar livre, nessa época do ano será insalubre para grande parte do globo. A quatro graus, a onda mortal de calor europeia de 2003, matou 2.000 pessoas por dia. Mesmo que atingindo os objetivos de Paris de dois graus de aquecimento, cidades como Karachi e Calcutá se tornarão próximas a inabitáveis. A crise será mais dramática no Oriente Médio e no Golfo Pérsico, onde, em 2015, o índice de calor registrou temperaturas tão altas que a sensação térmica chegou a 163 graus Fahrenheit (72º C). Assim, num futuro próximo, o Hajj se tornará fisicamente impossível para os 2 milhões de muçulmanos que fazem a peregrinação a cada ano a Meca.

Terceira parte

Na terceira parte da matéria da NYMag, “O fim da comida, rezando por campos de milho na tundra”, David Wallace-Wells diz que nas culturas de cereais os rendimentos da colheita diminuem 10% para cada grau de aquecimento. O que significa que, para uma população de 11 bilhões de habitantes, poderemos ter 50% menos de grãos para oferecer. E o efeito do aquecimento global sobre as proteínas animais serão pior. A perda de solos será dramática, especialmente nos trópicos. A seca pode ser um problema ainda maior do que o calor, com algumas das terras mais aráveis do mundo passando rapidamente para o deserto. O quadro já é preocupante hoje, com a ONU alertando de que 20 milhões de pessoas podem morrer de fome na Somália, Sudão do Sul, Iêmen e Nigéria.

Quarta parte

Na quarta parte da matéria da NYMag, “Pragas climáticas, o que acontece quando o gelo bubônico derrete”, David Wallace-Wells relata que o gelo funciona como um livro do clima, mas também é uma história congelada, com pragas armazenadas que podem ser reanimados quando descongelados. Atualmente, estão presos no gelo do Ártico, doenças que não circularam no ar há milhões de anos. O que significa que nosso sistema imunológico não teria ideia de como lutar quando essas pragas pré-históricas emergem do gelo. O Ártico também armazena insetos aterrorizantes nos tempos mais recentes. Já no Alasca, pesquisadores descobriram os restos da gripe de 1918 que infectaram até 500 milhões e mataram cerca de 100 milhões de pessoas – cerca de 5% da população mundial e quase seis vezes mais do que morreram na Primeira Guerra Mundial.

Quinta parte 

Na quinta parte da matéria da NYMag, “Ar irrespirável, uma poluição (smog) mortal que atinge milhões de pessoas”, David Wallace-Wells considera que até o final do século, os meses mais legais da América do Sul tropical, da África e do Pacífico provavelmente serão mais quentes do que os meses mais quentes no final do século XX. Nossos pulmões precisam de oxigênio, mas isso é apenas uma fração do que respiramos. Com o aumento da concentração de CO2, em comparação com o ar que respiramos agora, a capacidade cognitiva humana diminui em 21%. Em 2090, cerca de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo estarão respirando um ar poluído, acima do nível “seguro” definido pela OMS. Documentos mostram que, entre outros efeitos, a exposição da mãe grávida ao ozônio aumenta o risco de autismo da criança. Já morrem cada dia mais de 10 mil pessoas das pequenas partículas emitidas pela queima de combustível fóssil. A cada ano, 339 mil pessoas morrem de fumaça de incêndios, em parte porque a mudança climática prolongou a temporada de fogo florestal. O que preocupa ainda mais as pessoas é o efeito que teria sobre as emissões, especialmente quando os incêndios provocam uma queda nas florestas decorrentes da turfa. Os incêndios são especialmente ruins na Amazônia que sozinha fornece 20% do nosso oxigênio. O “airpocalypse” chinês de 2013 tem afetado as atividades econômicas do país e foi responsável por um terço de todas as mortes na China.

Sexta parte

Na sexta parte da matéria da NYMag, “Guerra perpétua, a violência cozida no calor”, David Wallace-Wells relata que os climatologistas são muito cuidadosos ao falar sobre a Síria e querem crer que, embora a mudança climática tenha produzido uma seca que contribuiu para a guerra civil, não é justo dizer que o conflito é o resultado do aquecimento. Mas há pesquisadores que conseguiram quantificar algumas das relações não óbvias entre temperatura e violência: para cada meio grau de aquecimento, eles dizem, as sociedades verão entre um aumento de 10 e 20% na probabilidade de conflitos armados.

Sétima parte

Na sétima parte da matéria da NYMag, “Colapso Econômico Permanente, tenebroso capitalismo em um mundo meio pobre”, David Wallace-Wells ridiculariza o mantra do neoliberalismo de que “o crescimento econômico nos salvaria de todos e de tudo”. Mas no rescaldo da crise financeira de 2008, um crescente número de historiadores que estudam o que chamam de “capitalismo fóssil” começaram a sugerir que toda a história do rápido crescimento econômico, que começou um pouco antes do século 18, não é o resultado da inovação, mas simplesmente da descoberta dos combustíveis fósseis e todo o seu poder energético. Com o pico do petróleo, voltaremos a uma economia do “estado estacionário”. Além do mais, cada grau Celsius de aquecimento custa, em média, 1,2% do PIB. Os limites ambientais devem levar a economia global à estagnação secular.

Oitava parte

Na oitava parte da matéria da NYMag, “Oceanos Envenenados, Sulfeto de hidrogênio e o esqueleto”, David Wallace-Wells declara que o mar se tornará um assassino. O nível do mar vai subir no mínimo um metro. Um terço das principais cidades do mundo estão na costa, para não mencionar suas usinas de energia, portos, bases da marinha, terras agrícolas, pescas, deltas de rios, pântanos e plantações de arroz.
O naufrágio das benfeitorias é apenas o começo. No momento, mais de um terço do carbono do mundo é absorvido pelos oceanos – ainda bem, ou então teríamos muito mais aquecimento. Mas o resultado é o que se denomina “acidificação do oceano”, que, por si só, pode aumentar meio grau de aquecimento neste século.
Há também o “branqueamento de corais” – isto é, morte de corais – que é uma notícia muito ruim, porque os recifes suportam tanto quanto um quarto de toda a vida marinha e fornecem alimentos para meio bilhão de pessoas. Acidificação dos oceanos frita as populações de peixes. Nas águas ácidas, as ostras e os mexilhões terão dificuldade em cultivar suas conchas. Quando o pH do sangue humano cai tanto quanto o pH dos oceanos, induz convulsões, comas e morte súbita.
A absorção de carbono pode iniciar um ciclo de feedback em que as águas sub-oxigenadas produzem diferentes tipos de micróbios que tornam a água ainda mais “anóxica”, primeiro em “zonas mortas” do oceano profundo, depois gradualmente em direção à superfície.

Nona parte

Na nona parte da matéria da NYMag, “O Grande Filtro, nossa curiosidade atual não pode durar”, David Wallace-Wells pondera que não existe uma vontade de esclarecer os efeitos da mudança climática. Certamente essa cegueira não durará, pois, o mundo que estamos prestes a habitar não o permitirá. Em um mundo de seis graus mais quente, o ecossistema terrestre vai ferver com tantos desastres naturais. Os furacões mais fortes virão com mais frequência, e teremos de inventar novas categorias para descrevê-los.
Em síntese, o autor considera que é preciso avaliar melhor os danos já causados ao planeta. A Terra pode ficar inabitável, pois são muitos os processos que estão afetando a capacidade de sobrevivência da humanidade. Provavelmente, a Terra não ficará desabitada, mas a qualidade de vida da população mundial poderá reduzir bastante em um Planeta degradado. O Holoceno garantiu 10 mil anos de estabilidade climática. O Antropoceno e a grande aceleração das atividades antrópicas estão desequilibrando o clima e transformando a biosfera em um habitat inóspito e inabitável.
Indubitavelmente, David Wallace-Wells conseguiu assustar muita gente. Mas, principalmente, conseguiu fazer as pessoas discutirem os cenários negativos para os quais o mundo está caminhando na medida que mantém o atual modelo de produção e consumo, sem respeitar o fluxo metabólico entrópico e os limites do meio ambiente.
Creio que vale a pena ler o artigo “The Uninhabitable Earth” e as centenas de respostas que foram publicadas logo a seguir. Para contribuir com a discussão indico abaixo algumas referências das pessoas que concordaram, aquelas que discordaram do tom, mas concordam com os perigos potenciais do aquecimento global e aquelas que discordam:

Artigos que defendem o uso de uma linguagem catastrófica como forma de alerta:

JOE ROMM. We aren’t doomed by climate change. Right now we are choosing to be doomed, 11/07/2017 
KEVIN DRUM. Our Approach to Climate Change Isn’t Working. Let’s Try Something Else. 10/07/2017 
Steve Rousseau. Did New York Magazine Make Its Climate Change Story Too Scary? 10/07/2017 
SUSAN MATTHEWS. Alarmism Is the Argument We Need to Fight Climate Change. New York magazine’s global-warming horror story isn’t too scary. It’s not scary enough, 10/07/2017 
ROBERT HUNZIKER. Uninhabitable Earth? 14/07/2017 
Ian Johnston. Earth could become ‘practically ungovernable’ if sea levels keep rising, says former Nasa climate chief, 14/07/2017 

Artigos que consideram sérias as ameaças, mas não defendem o uso de uma linguagem catastrófica:

ROBINSON MEYER. Are We as Doomed as That New York Magazine Article Says? Why it’s so hard to talk about the worst problem in the world, JUL 10, 2017 
Eric Holthaus. Stop scaring people about climate change. It doesn’t work. Jul 10, 2017 
Michael E. Mann, Susan Joy Hassol and Tom Toles. Doomsday scenarios are as harmful as climate change denial, 12/07/2017 
Michael Le Page. Uninhabitable Earth? In fact, it’s really hard to fry the planet. A controversial article says we’re heading for the worst-case warming scenarios. But while we can’t rule out extreme warming, it’s not our most likely future, 12 July 2017 
JOHN TIMMER Climate scientists push back against catastrophic scenarios. In both the popular and academic press, scientists argue against worst cases. 12/07/2017 
Ian Johnston. Climate change doomsday warning of ‘rolling death smog’ and ‘perpetual war’ criticised by scientists, Independent, 13/07/2017 
David Roberts. magazine climate story freak you out? Good. It’s okay to talk about how scary climate change is. Really, 11/07/2017 
Judith Curry. Alarm about alarmism, July 15, 2017 

Artigos contra o tom catastrófico e que acreditam que ainda há esperança:

EMILY ATKIN. The Power and Peril of “Climate Disaster Porn”. Climate scientists say New York magazine’s cover story about global warming is unnecessarily apocalyptic. But can fear help the planet? July 10, 2017
Warner Todd Huston. NY Magazine Claims Planet Earth Will Soon Become Uninhabitable, Turns Into Giant Mess, 11/07/2017 
Rachel Becker. Why scare tactics won’t stop climate change. Doomsday scenarios don’t inspire action, 11/07/2017 
Oren Cass. Truth Is Just a Detail. Pundits invested in climate-change alarmism praise even shoddy work—as long as it comes to the right conclusions. July 11, 2017
ANDREW FREEDMAN. No, New York Mag: Climate change won’t make the Earth uninhabitable by 2100, 11/07/2017
Climatefeedback. Scientists explain what New York Magazine article on “The Uninhabitable Earth” gets wrong, 12/07/2017
Mark Tercek. Don’t Panic, Do Act: A Climate Resource With Real Solutions, 14/07/2017

Entrevista com David Wallace-Wells sobre o artigo “The Uninhabitable Earth”

REBECCA FISHBEIN Are Humans Doomed? A Q&A With The Author Of NY Mag’s Terrifying Climate Change Story`, 10/07/2017
Wikipedia. The Uninhabitable Earth, 11/07/2017

Referências:

David Wallace-Wells. The Uninhabitable Earth. Famine, economic collapse, a sun that cooks us: What climate change could wreak — sooner than you think. NYMag, 09/07/2017
Versão revisada e comentada do artigo pelo próprio autor: David Wallace-Wells. The Uninhabitable Earth, Annotated Edition. The facts, research, and science behind the climate-change article that explored our planet’s worst-case scenarios, 14/07/2017

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/569801-catastrofe-climatica-a-terra-inospita-e-inabitavel)

Estudo revela que humanidade já produziu 8,3 bilhões de toneladas de plástico. Somente 9% foi reciclado


Cientistas calcularam que 8,3 bilhões de toneladas foram fabricadas de 1950 a 2015; 79% do total foi para aterros ou meio ambiente.
Uma nova pesquisa mostra que o ser humano produziu 8,3 bilhões de toneladas de plástico, desde o início a produção em massa desse material, em 1950, até 2015. A maior parte já virou lixo e quase 80% do material está agora em aterros sanitários ou no meio ambiente.
A reportagem é de Fábio de Castro, publicada por O Estado de S. Paulo, 19-07-2017.

O estudo, publicado nesta quarta-feira, 19, na revista Science Advances, foi liderado por cientistas das universidades da Geórgia, da Califórnia e da organização oceanográfica Sea Education Association (SEA) - todas dos Estados Unidos. Segundo os autores, a pesquisa faz "a primeira análise global da produção, uso e destino de todo o plástico já fabricado".
Das 8,3 bilhões de toneladas de plástico produzidas até 2015, cerca de 6,3 bilhões já foram descartados. De todo esse lixo, apenas 9% foi reciclado, 12% foi incinerado e 79% está acumulado em aterros ou poluindo o ambiente natural.
O estudo também mostra que a produção de plástico acelerou nos últimos anos: metade da produção de 8,3 bilhões de toneladas ocorreu nos últimos 13 anos do período estudado, isto é, entre 2002 e 2015.
Nesse ritmo, segundo os cientistas, a quantidade de plástico jogada em aterros ou no ambiente chegará a 13 bilhões de toneladas até 2050. A quantidade atual, em 2017, é estimada em 9,1 bilhões de toneladas.
"A maior parte do plástico não é biodegradável em nenhum sentido, portanto o lixo plástico gerado pelos humanos poderá permanecer conosco por centenas ou até milhares de anos", disse uma das autoras do estudo, Jenna Jambeck, professora da Universidade da Geórgia.
Para realizar a pesquisa, os cientistas compilaram estatísticas de produção de resinas, fibras e aditivos de diversas fontes industriais e sintetizaram os dados de acordo com tipo e setor de consumo.
Segundo o estudo, em 1950, a produção de plástico era de 2 milhões de toneladas anuais. Em 2015, ela já era de 400 milhões de toneladas por ano. Com isso, dizem os cientistas, o plástico ultrapassou vários outros materiais no ranking dos mais produzidos pela humanidade. Atualmente, os mais produzidos são os materiais relacionados à construção civil, como aço e cimento.
Os cientistas afirmam, porém, que o aço e o cimento são usados principalmente para construção, enquanto o plástico tem seu maior mercado nas embalagens, que na maior parte das vezes são utilizadas uma só vez e descartadas.
"Mais ou menos metade de todo o aço que é produzido vai para a construção, e por isso terá décadas de uso. Com o plástico acontece o contrário. Metade do que é produzido se torna lixo com quatro anos ou menos de uso", disse o autor principal da pesquisa, Roland Geyer, também da Universidade da Geórgia.
Segundo Geyer, o estudo tem o objetivo de criar os fundamentos para uma gestão sustentável de materiais. "Dito de forma simples, não é possível fazer a gestão do que não foi medido. Então, achamos que as discussões sobre políticas públicas ficarão mais informadas e baseadas em fatos agora que temos esses números", disse Geyer.

Plástico nos mares e oceanos

A mesma equipe de pesquisadores publicou em 2015, na revista Science, um estudo que calculou a quantidade de plástico no ambiente marinho. A estimativa é de que só no ano de 2010, mais de 8 milhões de toneladas de plástico foram jogadas nos oceanos.
"Existe gente viva atualmente que ainda se lembra de um mundo sem plástico. Mas esse material já se tornou tão onipresente que não conseguimos ir em lugar algum sem encontrar lixo plástico no ambiente, incluindo os oceanos", disse Jenna.
Os autores do estudo destacaram que não têm a pretensão de remover o plástico do mercado, mas de incentivar um exame mais crítico do uso do material.
"Há áreas nas quais o plástico é indispensável, especialmente em produtos desenhados para a durabilidade. Mas acho que precisamos olhar com mais cuidado para o nosso caro uso dos plásticos e devemos nos perguntar quando o uso desses materiais fazem ou não fazem sentido", afirmou outra das autoras do estudo, Kara Lavender Law, da SEA.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/569861-estudo-revela-que-humanidade-ja-produziu-8-3-bilhoes-de-toneladas-de-plastico-somente-9-foi-reciclado)

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