sábado, 30 de setembro de 2017

Um terço do solo do planeta está severamente degradado

"Cuidar dos solos é fundamental para o futuro da produção de alimentos. Mas, também, o solo pode absorver grandes quantidades de carbono, perdendo apenas para os oceanos. Ao contrário, a erosão libera carbono no ar. Por isto, é urgente adotar boas práticas e decrescimento das atividades antrópicas, para que a terra seja um lugar seguro" escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 22-09-2017.

Eis o artigo.

“É preciso 500 anos para construir dois centímetros de solo vivo e apenas segundos para destruí-lo” (Stephen Leahy, 2013)
Um terço do solo do Planeta está severamente degradado e o solo fértil está sendo perdido a uma taxa de 24 bilhões de toneladas por ano, de acordo com o estudo “Perspectiva Global de la Tierra (GLO)”, apoiado pela Secretaria da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas, em colaboração com sócios colaboradores.
O estudo “Perspectiva Global de la Tierra” (2017) é considerado o estudo mais abrangente deste tipo, mapeando os impactos interligados da urbanização, mudanças climáticas, erosão e perda de florestas. Mas o maior fator de degradação é a expansão da agricultura industrial.
O declínio alarmante da qualidade dos solos deve continuar à medida que aumenta o número de habitantes e o nível de renda da população mundial – o que eleva a demanda de alimentos e a demanda por terra produtiva. Aumento da demanda com redução da oferta, aumenta os riscos de conflitos, como os vistos no Sudão, no Chade e em outras regiões do mundo.
O cultivo pesado, as colheitas múltiplas e o uso abundante de agrotóxicos químicos aumentaram os rendimentos no curto prazo, em detrimento da sustentabilidade a longo prazo. Nos últimos 20 anos, a produção agrícola aumentou três vezes e a quantidade de terras irrigadas dobrou, observa o relatório. Ao longo do tempo, a sobre-exploração dos solos diminui a fertilidade e pode levar ao abandono da terra e, finalmente, à desertificação.
O relatório observou que a diminuição da produtividade pode ser observada em 20% das terras cultivadas do mundo, 16% das terras florestais, 19% das pastagens e 27% das pastagens. A agricultura industrial é boa para atender a demanda por alimentação humana, mas não é sustentável.
A degradação dos solos varia de região para região. A má gestão da terra na Europa representa cerca de 970 milhões de toneladas de perda de solo por erosão a cada ano, com impactos não apenas na produção de alimentos, mas também na biodiversidade, na perda de carbono e na resiliência de desastres. Os altos níveis de consumo de alimentos em países ricos, como o Reino Unido, também são um dos principais impulsionadores da degradação.


Porém, o pior impacto acontece na África subsaariana, onde há o maior crescimento demográfico do mundo, as maiores taxas de pobreza e o maior número de pessoas passando fome no mundo. E o futuro do continente pode estar comprometido em decorrência da degradação ambiental, da perda de biodiversidade e dos danos às terras aráveis e à produção de comida. A recomendação básica é que os governos africanos e os doadores internacionais invistam na gestão da terra e do solo, criando incentivos sobre os direitos à terra, seguras para incentivar o cuidado e a gestão adequada dos terrenos agrícolas.
O declínio da produtividade dos solos acontece no contexto de uma crise hídrica. 40% dos africanos (mais de 330 milhões de pessoas) não têm acesso à água potável, e metade das pessoas que vivem em áreas rurais não tem acesso. O problema mais grave é na África subsaariana, onde mais de 320 milhões de pessoas não têm acesso. A África subsaariana foi a única região do mundo que não atingiu as metas dos objetivos de desenvolvimento do milênio (ODM).
Outro fator que agrava a situação dos solos e ameaça a produção de alimentos é o aquecimento global e as ondas de calor que alteram a estabilidade e a normalidade dos períodos de chuva. Os eventos climáticos extremos são muito prejudiciais à agropecuária. A pecuária contribui muito para o desmatamento e é grande emissora de gás metano, que é mais de 20 vezes mais poluente do que o CO2.
Cuidar dos solos é fundamental para o futuro da produção de alimentos. Mas, também, o solo pode absorver grandes quantidades de carbono, perdendo apenas para os oceanos. Ao contrário, a erosão libera carbono no ar. Por isto, é urgente adotar boas práticas e decrescimento das atividades antrópicas, para que a terra seja um lugar seguro. O reflorestamento com espécies nativas e o crescimento das plantas podem recuperar os terrenos, sequestrar carbono e liberar oxigênio. A recuperação dos solos passa também pela permacultura, a agricultura orgânica, por uma dieta mais vegetariana e um redimensionamento da sobrecarga ambiental da economia e da população mundial.

Referências:

Ian Johnson y Sasha Alexander. Perspectiva Global de la Tierra (GLO), UN, 2017

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/571972-um-terco-do-solo-do-planeta-esta-severamente-degradado)

No Brasil, 45% da população ainda não têm acesso a serviço adequado de esgoto sanitário

No Brasil, 45% da população ainda não têm acesso a serviço adequado de esgoto. O dado consta no Atlas Esgotos: Despoluição de Bacias Hidrográficas divulgado pela Agência Nacional de Águas (ANA) e pelo Ministério das Cidades.
A reportagem é de Andreia Verdélio, publicada por Agência Brasil, 25-09-2017.

O estudo traz informações sobre os serviços de esgotamento sanitário no país, com foco na proteção dos recursos hídricos, no uso sustentável para diluição de efluentes e na melhor estratégia para universalização desses serviços.
O Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) considera como atendimento adequado de esgoto sanitário o uso de fossa séptica ou rede de coleta e tratamento de esgoto. Dentro desse critério, 55% dos brasileiros dispõem do serviço adequado.
A publicação aponta que 43% são atendidos por sistema coletivo (rede coletora e estação de tratamento de esgotos); 12%, por fossa séptica (solução individual); 18% têm o esgoto coletado, mas não é tratado; e 27% não têm qualquer atendimento.
Foram realizadas avaliações em cada um dos 5.570 municípios do país, sempre considerando as diversidades regionais e a abordagem por bacia hidrográfica. No estudo, são consideradas exclusivamente as residências urbanas e não foi avaliada a prestação do serviço na área rural.
O documento divide o país em 12 regiões hidrográficas: Amazônica, Tocantins-Araguaia, Atlântico Nordeste Ocidental, Parnaíba, Atlântico Nordeste Oriental, São Francisco, Atlântico Leste, Atlântico Sudeste, Atlântico Sul, Uruguai, Paraná e Paraguai.

Investimentos

De acordo com o Atlas Esgotos, a universalização do esgotamento sanitário na área urbana do país necessitaria de R$ 150 bilhões em investimento, tendo como horizonte o ano de 2035. Cerca de 50% dos municípios, que precisam de serviço de tratamento convencional de esgoto, demandam 28% do valor estimado. Já 70 dos 100 municípios mais populosos requerem solução complementar ou conjunta e concentram 25% do total de investimento.
Os custos com coleta e com tratamento variam conforme a região, sendo maiores no Norte e menores no Sudeste. Para o Brasil como um todo, os gastos com coleta representam 2,7 vezes mais do que os previstos em tratamento.
Entretanto, segundo a ANA e o ministério, apenas o aporte financeiro não é suficiente para a universalização, sem capacidade adequada de administração do serviço. No país, existem vários exemplos de sistemas de coleta e tratamento de esgoto que foram abandonados ou sequer entraram em operação devido a problemas associados a gestão.
Na maioria dos municípios (4.288) o serviço é prestado pela própria prefeitura ou há um prestador que precisa aprimorar a capacidade de gestão. Entretanto, parte significativa da população urbana (87 milhões de habitantes), projetada para 2035, está nos municípios cujo prestador de serviço tem situação institucional consolidada.
Segundo o Atlas Esgotos, os serviços de esgotamento sanitário podem ser prestados de forma indireta, quando delegados para autarquia municipal, companhia estadual ou concessionária privada; ou de forma direta, sem prestador de serviço, sendo realizado pelas próprias prefeituras.
O estudo ressalta que, mesmo com as duas possibilidade de organização, há municípios sem coleta e tratamento de esgoto.
Nesse contexto, 2.981 municípios têm delegado os serviços de saneamento (forma indireta), sendo que cerca de 50% deles têm coleta e tratamento de esgotos, alcançando pelo menos 10% dos habitantes. Por outro lado, 2.589 municípios não têm prestador de serviço, e apenas 5% desse grupo oferecem tratamento coletivo de esgoto.
A forma indireta de gestão é adotada pelas cidades maiores que delegam, na maior parte das vezes, o serviço para companhias estaduais. Nos municípios de pequeno porte, o serviço fica a cargo das prefeituras. Ao observar as regiões, na porção leste do país (Nordeste, Sudeste e Sul), é possível identificar que a maioria dos municípios tem serviço de esgotamento sanitário delegado, enquanto mais a oeste (Norte e Centro-Oeste) predominam aqueles cuja responsabilidade pela prestação do serviço recai sobre as prefeituras.

Carga orgânica

Conforme o estudo, o Brasil produz cerca de 9,1 mil toneladas de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) por dia, parcela orgânica dos efluentes vindos do esgoto doméstico. Desse total, 48% são provenientes de 106 municípios com população acima de 250 mil habitantes.
A DBO é um dos mecanismos usados para medir a poluição das águas e a qualidade do tratamento de esgoto. Quanto mais DBO, maior o grau de poluição na água.
De acordo com o atlas, durante o tratamento, 60% de DBO precisam ser removidos. Entretanto, na maioria das cidades brasileiras (4.801) os níveis de remoção da carga orgânica são inferiores a 60% da quantidade gerada.
Os baixos níveis de remoção são encontrados em todas as regiões, em especial no Norte e no Nordeste. Dos 5.570 municípios, 70% removem no máximo 30% da carga orgânica gerada.
No outro extremo, apenas 769 cidades (14%) têm índices de remoção de DBO superiores a 60%, concentradas principalmente na Região Sudeste. Apenas 31 dos 100 municípios mais populosos conseguem remover carga orgânica acima de 60%.
Em relação à unidades da Federação, apenas o Distrito Federal remove mais de 60%. Os estados de São Paulo e Paraná chegam perto desse índice, enquanto que nos demais estados os índices são menores.
No país, de toda a carga orgânica gerada (9,1 mil toneladas de DBO/dia), somente 39% são removidos nas estações de tratamento de esgoto.
Com isso, uma parcela significativa de poluentes é lançada diretamente nos corpos d’água das bacias, “comprometendo a qualidade das águas para diversos usos, com implicações danosas à saúde pública e ao equilíbrio do meio ambiente”, de acordo com a publicação. Pelo menos, cerca de 110 mil quilômetros de cursos d’água, notadamente na porção leste do país, têm baixa qualidade de água. O atlas está disponível na página da ANA.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/572032-no-brasil-45-da-populacao-ainda-nao-tem-acesso-a-servico-adequado-de-esgoto-sanitario)

Mudanças climáticas têm consequências devastadoras para a saúde da população, alerta a OMS

Os furacões Irma e Maria, que devastaram o Caribe, são “um trágico lembrete de que o clima do nosso mundo está mudando, com efeitos devastadores para a saúde”, alertou o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus. Declaração foi feita na abertura da 29ª Conferência Pan-Americana da Saúde, que teve início nesta segunda-feira (25), em Washington. Fenômenos naturais ocuparam o centro dos debates.
A reportagem foi publicada por ONU Brasil, 25-09-2017.

A Conferência Pan-Americana da Saúde reunirá até o final da semana (29) representantes de todos os Estados-membros da OPAS para discutir os rumos da cooperação técnica que a agência desenvolve com cada país. O evento acontece apenas de cinco em cinco anos, sendo a instância deliberativa mais elevada do organismo regional. Durante o encontro, as nações que integram a OPAS escolherão um novo diretor para a entidade.
Os furacões Irma e Maria, que devastaram o Caribe, são “um trágico lembrete de que o clima do nosso mundo está mudando, com efeitos devastadores para a saúde”, alertou o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus. Declaração foi feita na abertura da 29ª Conferência Pan-Americana da Saúde, que teve início nesta segunda-feira (25), em Washington. Fenômenos naturais ocuparam o centro dos debates.
O dirigente máximo da agência da ONU acrescentou que a OMS tem feito o possível para dar apoio “aos pequenos Estados insulares, que são os menos responsáveis pelas mudanças climáticas, mas o que estão mais em risco”.
Dirigindo-se aos representantes de países caribenhos e também do México — recentemente atingido por dois terremotos —, a chefe da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Carissa Etienne, expressou condolências pelas mortes e pela destruição provocada pelas catástrofes.
“Comprometemo-nos a trabalhar com todos vocês para garantir o rápido restabelecimento e funcionamento efetivo de seus sistemas de saúde. As perdas econômicas resultantes desses desastres, incluindo seus impactos físicos diretos, serão astronômicas”, afirmou a dirigente. Etienne enfatizou ainda que a reconstrução será enorme e difícil, sobretudo para os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, para os pobres e mais vulneráveis.

Os números dos desastres no México e em Dominica

Na semana passada (19), um terremoto de 7,1 graus na escala Richter atingiu o México, deixando ao menos 249 pessoas mortas e outras 1,8 mil feridas. No início do mês (7), outros tremores — de intensidade 8,1 — já haviam afetado o sul do país. Segundo as autoridades nacionais, nenhum dos 94 estabelecimentos de saúde da Cidade do México sofreu danos severos e todos estão operando completa ou, ao menos, parcialmente.
Em Dominica, uma das ilhas caribenhas arrasadas pelos furacões Irma e Maria, 85% das moradias foram danificadas pelas tempestades. Água e alimento são escassos. Uma equipe da OPAS que esteve no país na semana passada relatou que serviços críticos de diálise e transfusão de sangue não estavam disponíveis para a população.
Em resposta à crise, o Departamento do Reino Unido para o Desenvolvimento Internacional (DFID) liberou 2,5 milhões de libra esterlinas para ampliar as iniciativas de saúde nas zonas afetadas. Saiba mais sobre a situação do Caribe clicando aqui.

Conferência elegerá novo diretor da OPAS

A Conferência Pan-Americana da Saúde reunirá até o final da semana (29) representantes de todos os Estados-membros da OPAS para discutir os rumos da cooperação técnica que a agência desenvolve com cada país. O evento acontece apenas de cinco em cinco anos, sendo a instância deliberativa mais elevada do organismo regional. Durante o encontro, as nações que integram a OPAS escolherão um novo diretor para a entidade.
Dominica apresentou a candidatura de Carissa Etienne, que é a atual diretora da OPAS. Ela tomou posse em 2013. Até o momento, Etienne é a única gestora apresentada para disputar o cargo. Conforme o regulamento, a dirigente pode renovar seu mandato por mais cinco anos.
Ao longo das atividades da Conferência, a OPAS divulgará o informe Saúde nas Américas+2017, que atualiza a situação de saúde em cada um dos 52 países e territórios da região.
Entre as pautas do 29ª encontro, estão políticas de combate ao tabagismo; as consequências da violência para o bem-estar da população; e estratégias de prevenção do câncer cervical. Também será discutida a Agenda de Saúde Sustentável das Américas, que foi desenvolvida pelos próprios países-membros da OPAS e servirá de marco para o trabalho regional voltado para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Durante a semana, serão realizados ainda vários eventos paralelos sobre temas como desigualdades no acesso a saúde; mudanças climáticas e saúde; saúde dos migrantes; melhorias dos serviços de saúde para melhorar gerenciamento de doenças não transmissíveis; políticas para promover uma alimentação saudável; e segurança no trânsito. Saiba mais sobre a programação da 29ª Conferência clicando aqui.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/572136-mudancas-climaticas-tem-consequencias-devastadoras-para-a-saude-da-populacao-alerta-a-oms)

Atlas Esgotos revela mais de 110 mil km de rios com comprometimento da qualidade da água por carga orgânica

Apenas 39% da carga orgânica é removida das mais de nove mil toneladas de esgotos gerados diariamente no Brasil, índice muito abaixo dos 60% de remoção mínima fixados pelo Conama. País tem 3.738 municípios sem estação de tratamento de esgotos e precisa investir R$ 149,5 bilhões até 2035 para universalizar serviços e aumentar a segurança hídrica das cidades em termos de qualidade da água.
A informação é de Agência Nacional das Águas — ANA, publicada por EcoDebate, 28-09-2017.

O lançamento de esgotos nos corpos hídricos sem o tratamento adequado compromete a qualidade da água, principalmente próximo às áreas urbanas, e pode até inviabilizar o atendimento aos usos dos recursos hídricos, sobretudo o abastecimento humano, além de impactar a saúde da população. O Atlas Esgotos: Despoluição de Bacias Hidrográficas revela que menos da metade (42,6%) dos esgotos do País é coletada e tratada. Apenas 39% da carga orgânica gerada diariamente no País (9,1 mil t) é removida pelas 2.768 Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) existentes no Brasil antes dos efluentes serem lançados nos corpos d´água. O restante, 5,5 mil toneladas, podem alcançar os corpos hídricos. A Resolução Conama 430 (2011) prescreve o tratamento de pelo menos 60% da DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio), antes do lançamento. Do total de municípios, 70% não possuem uma estação de tratamento de esgotos.
O levantamento foi coordenado pela Agência Nacional de Águas (ANA) em conjunto com a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, com a colaboração de instituições federais, estaduais e municipais. Na terça-feira, dia 26/9 às 16 horas, em solenidade de lançamento do Atlas na sede da ANA, em Brasília, as informações de cada um dos 5.570 municípios serão disponibilizadas no Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH).
Pelo olhar dos recursos hídricos, o estudo levanta o índice de coleta de tratamento dos esgotos e o percentual de remoção de carga orgânica em cada um dos 5.570 municípios e os classifica em categorias de acordo com a capacidade de diluição da carga recebida pelos respectivos corpos receptores (ilimitada, ótima, boa, regular, ruim, péssima ou nula). A partir dessa análise, o Atlas Esgotos oferece os níveis de eficiência de tratamento requeridos para cada município e os caminhos para a estruturação institucional das prestadoras de serviços de coleta e tratamento de esgotos em todo País, de forma que os investimentos apontados tenham efetividade.
O Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil (ANA – 2015) mostrou que 21% dos pontos de monitoramento em corpos d’água próximos a áreas urbanas resultaram num Índice de Qualidade das Águas ruim ou péssimo, enquanto para todo o universo de pontos monitorados os resultados ruim ou péssimo foram cerca de 7%.Os esgotos não coletados (38,6%) têm destinos diversos: fossas rudimentares ou negras, lançamento em rede de águas pluviais ou em sarjetas, disposição direta no solo e nos corpos d’água. Os esgotos coletados e não tratados (18,8%) são lançados em corpos hídricos pelas prestadoras de serviço.
A legislação estabelece quatro classes de rios conforme a quantidade de poluição por mg/l. De acordo com o Atlas Esgotos, mais de 110 mil km de trechos de rio estão com a qualidade comprometida devido ao excesso de carga orgânica, sendo que para 83.450 km não é permitida a captação para abastecimento público devido à poluição hídrica. Com relação aos outros 27.040 km de rios, é permitido captar, mas o tratamento tem que ser avançado.
Os maiores desafios estão concentrados na porção Leste do País e no Semiárido. Dos 14% de municípios que tratam pelo menos 60% da carga orgânica coletada, a maioria está no Sudeste. Considerando as 27 unidades da federação, apenas o Distrito Federal remove mais do que 60% da carga orgânica, chegando a 82%. Em São Paulo, apesar de 70% dos municípios removerem mais de 60%, sendo que 61 removem mais de 80%, o índice de remoção do estado, assim como o do Paraná, é de 50%. (todos os estados, na página 44).

Capacidade de Diluição:

Dos 5.570 municípios, 21% tem capacidade ruim e 20% ótima para diluição dos esgotos (página 59). A região com maior desconformidade é a que a abrange o litoral do Rio de Janeiro onde 30,7% da extensão dos corpos analisados estão em desconformidade com a legislação. Lá, 19 das 21 cidades pertencem à RMRJ. Na UARH do Tietê (SP), 17,8% da extensão dos corpos estão em desconformidade e no litoral paulista, 22,4%.
A unidade de menor desconformidade é a Região Hidrográfica Amazônica, por sua capacidade de diluição da carga orgânica já que concentra 53% da vazão de água disponível do País, mas abriga apenas 7% da população brasileira. No Sudeste, por exemplo, a população é seis vezes maior, mas possui 4% da disponibilidade hídrica (página 54). O Semiárido, Minas Gerais e São Paulo merecem atenção pelo número de municípios e contingente populacional próximo a corpos hídricos com diluição ruim ou péssima (página 60).

Prestação do Serviço:

O levantamento revela que pouco mais da metade dos brasileiros que vivem em áreas urbanas (55%) tem acesso a serviços de tratamento de esgoto considerados adequados, ou seja, uma solução individual (fossa séptica) ou coleta seguida de tratamento. A situação do atendimento da população urbana brasileira com serviços de esgotamento sanitário pode ser caracterizada da seguinte forma: 43% é atendida por sistema coletivo (rede coletora e estação de tratamento de esgotos), 12% é atendida por solução individual (fossa séptica), 18% da população se enquadra na situação em que os esgotos são coletados, mas não são tratados, e 27% é desprovida de atendimento, ou seja, não há coleta nem tratamento de esgotos.

Investimentos e Fortalecimento Institucional:

Os investimentos necessários até 2035 para universalizar os serviços de esgotamento sanitários nos 5.570 municípios foram estimados em R$ 149,5 bilhões. Foram propostas soluções que podem ser alcançadas por meio de tratamentos:
Convencionais: requer remoção de DBO de 60% a 80%;
Avançados: requer remoção de DBO superior a 80%;
Complementares: precisam de novo corpo hídrico receptor, despejo no solo ou reuso de efluentes para municípios com baixa disponibilidade hídrica em relação à carga recebida e sem interferência da carga orgânica lançada rio acima;
Conjuntas: soluções de tratamento conjunto entre os municípios da bacia hidrográfica devido ao impacto que o lançamento da carga orgânica causa nos demais municípios localizados rio abaixo dos lançamentos;
Semiárido: processos com elevada remoção de microrganismos patogênicos ou reuso de efluentes (página 68).
Em função da situação institucional, o ATLAS de Esgotos estabeleceu as seguintes categorias:
Grupo A: Situação Institucional Consolidada (1.282 municípios): investimentos em obras;
Grupo B: Situação Institucional Intermediária (1.690 municípios): desenvolvimento institucional e investimentos em obras;
Grupo C: Situação Institucional Básica (2.598 municípios): estruturação do prestador, desenvolvimento institucional e investimentos em obras.
(páginas 80 e 81)
Clique aqui para ter acesso ao Atlas Esgotos A partir de terça-feira, 26/09, às 16 horas, também estarão disponíveis um hotsite, uma animação sobre o estudo e as fichas com as informações de cada um dos 5.570 municípios para consulta.

Esclarecimentos sobre as atribuições legais:

No Brasil, a prestação dos serviços de saneamento é feita pelos estados ou municípios. A União não presta serviços de saneamento. Por isso, a regulação desses serviços (que inclui abastecimento de água, tratamento de esgoto e destino de águas fluviais e resíduos sólidos) também é local. O Brasil não possui agência reguladora federal para serviços de saneamento. Para saber qual é a agência reguladora dos serviços de saneamento em seu estado ou município, consulte o Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades. A Lei 11.445/2007 estabelece as diretrizes nacionais para os serviços de saneamento.
A Agência Nacional de Águas regula o acesso e o uso da água bruta nos rios de gestão federal. A Lei 9.433/1997 estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos. Um dos instrumentos de gestão da Lei das Águas é o enquadramento de classe dos corpos d’água por categoria de uso, que varia de um (menos poluída) a quatro (mais poluída).
Embora a competência legal para regular e fiscalizar a prestação de serviços de saneamento não seja uma atribuição da ANA, faz parte de suas atribuições, estabelecidas pela Lei 9.984/2000 , elaborar para o planejamento dos usos dos recursos hídricos nas bacias hidrográficas. Complementar ao Atlas de Esgotos, o Atlas Brasil Abastecimento Urbano de Água da ANA traz informações sobre mananciais, sistemas produtores e propõem soluções para a abastecimento público dos 5.570 municípios.
De acordo com a Constituição, o domínio de um curso d’água, portanto a condução da gestão, é federal quando o rio atravessa mais de um estado ou faz fronteira. Quando a nascente e a foz do corpo d’água estão dentro dos limites do estado, a gestão é de responsabilidade do governo do estado. Para saber se um rio é federal ou estadual, consulte o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos.
Os índices foram obtidos a partir de informações das prestadoras de serviço e complementados com dados secundários disponíveis.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/572152-atlas-esgotos-revela-mais-de-110-mil-km-de-rios-com-comprometimento-da-qualidade-da-agua-por-carga-organica)

E o Partido da Guerra controlou a Casa Branca

Narrativa de uma captura: como Donald Trump abandonou as promessas de acabar com as guerras inúteis dos EUA — e adotou uma postura ainda mais agressiva que seus antecessores
Por Serge Halimi, no Le Monde Diplomatique francês | Tradução: Inês Castilho

Bastaram alguns meses para que os Estados Unidos se retirassem do acordo internacional de Paris sobre as mudanças climáticas, adotassem novas sanções econômicas contra a Rússia, invertessema dinâmica de normalização das relações diplomáticas com Cuba, anunciassem sua intenção de denunciar o acordo nuclear com o Irã, dirigissem uma advertência ao Paquistão, ameaçassem a Venezuela com uma intervenção militar e se declarassem preparados para atacar a Coreia do Norte “com um fogo e uma ira que jamais se viram antes neste mundo”. Desde que a Casa Branca mudou de inquilino em 20 de junho passado, Washington somente melhorou suas relações com as Filipinas, o Egito, a Arábia Saudita e Israel.
A responsabilidade de Donald Trump nessa escalada não é exclusiva. Os neoconservadores eleitos por seu partido, os democratas e os meios de comunicação o ovacionaram quando, durante o outono passado, ordenou a realização de manobras militares na Ásia e mandou lançar 59 mísseis contra uma base aérea na Síria (1). Pelo contrário, ele foi impedido de atuar quando explorou as possibilidades de uma aproximação com Moscou – e inclusive viu-se obrigado a promulgar um novo pacote de sanções estadonudenses contra a Russia. Definitivamente, o ponto de equilíbrio da política externa dos Estados Unidos resulta cada dia mais da soma das fobias republicanas (Irã, Cuba, Venezuela), amiúde compartilhadas pela maioria dos democratas, e das aversões democratas (Rússia, Síria), referendadas pela maioria dos republicanos. Se existe um partido de paz em Washington, não é detectável por enquanto.
Contudo, o debate presidencial do ano passado sugeria que o eleitorado estadunidense pretendia romper com a tendência imperial dos Estados Unidos (2). Em primeiro lugar, Trump não fez campanha sobre temas de política externa. Mas quando abordou esses assuntos, foi para sugerir uma linha de conduta em grande medida oposta à do establishment de Washington (militares, especialistas, think tanks, revistas especializadas) e à que segue atualmente. Ao prometer subordinar as considerações geopolíticas aos interesses econômicos dos Estados Unidos, dirigia-se ao mesmo tempo aos partidários de um nacionalismo econômico (“America First”), numerosos nos estados industrialmente devastados, e aos que se convenceram dos méritos do realismo, depois de quinze anos (3) ininterruptos de guerra, com a deterioração progressiva da situação ou o caos generalizado (no Afeganistão, Iraque e Líbia). “Nossa situação estaria melhor se não estivéssemos nos ocupando do Oriente Médio há quinze anos” , concluía Trump em abril de 2016, convencido de que a “arrogância” dos Estados Unidos havia provocado “um desastre atrás do outro” e “custado a vida de milhares de cidadãos estadunidenses e bilhões de dólares”.
Esse diagnóstico, inesperado por parte de um candidato republicano, coindicia com o sentimento da fração mais progressista do Partido Democrata. Peggy Noonan, que escreveu os discursos mais destacados de Ronald Reagan e de seu sucessor imediato, Georges H. Bush, ressaltava então: “Em matéria de política exterior, [Trump] posicionou-se à esquerda de Hillary Clinton. Ela é belicista, deseja com demasiado afinco utilizar a força armada e lhe falta discernimento. Será a primeira vez na história moderna que um candidato republicano às eleições presidenciais se posicionará à esquerda de sua rival democrata, o que fará com que a situação se torne interessante”. (4)
Interessante, a situação ainda é — mas não exatamente como previu Noonan. Enquanto “a esquerda” postula que a paz deriva não da intimidação das demais nações, mas de relações mas equitativas entre elas, Trump, totalmente indiferente ao sentimento da opinião pública mundial, opera como um embaixador em busca do melhor “negócio” (“deal”) para ele e seus eleitores. Assim, o problema das alianças militares não é tanto, de seu ponto de vista, que ameacem ampliar confitos, em vez de dissuadir as agressões, mas que custem muito dinheiro aos estadunidenses. E que, forçados a pagar a conta, estes vejam como seu país se converte em “uma nação do Terceiro Mundo”. “A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) está obsoleta – repetia Trump em 2 de abril de 2016, durante um comício. Defendemos o Japão, a Alemanha, e só nos pagam uma fração do que nos custa. A Arábia Saudita cairia se saíssemos de lá. É preciso mostrar-se disposto a abandonar a mesa; se não, nunca se obterá um bom acordo”.
O presidente dos Estados Unidos esperava alcançar esse “bom acordo” com Moscou. Uma nova postura teria revertido a deterioração das relações entre as duas potências, favorecendo uma aliança contra o Estado Islâmico (ISIS) e reconhecendo a importância da Ucrânia para a segurança russa. A atual paranoia estadunidense relativa a tudo o que se relacione com o Kremlin leva a esquecer que em 2016, depois da anexação da Crimeia e a intervenção direta de Moscou na Síria, Barack Obama também relativizava o perigo representado pela Rússia. Segundo Obama, as intervenções russas na Ucrânia e no Oriente Médio eram apenas improvisações, “sinais de debilidade de Estados-clientes a ponto de escapar dele”. (5)
Ele acrescentava: “O russos não podem nos mudar ou enfraquecer de maneira significativa. É um país pequeno, um país fraco, e sua economia não produz nada que outros queiram comprar além de petróleo, gás e armas”. O que então temia de seu homólogo russo era sobreturdo… a simpatia que inspirava em Trump e seus partidários: “37% dos eleitores republicanos aprovam Vladimir Putin, o ex-chefe da KGB. Ronald Reagan deve estar se revolvendo na tumba!”. (6)
Desde janeiro de 2017, o sono eterno de Reagan recuperou sua tranquilidade. “Os presidentes chegam e se vão, mas a política não muda”, concluía Putin (7). Algum dia, os historiadores estudarão essas semanas durante as quais convergiram os esforços dos serviços de inteligência norte-americanos, dos dirigentes do setor favorável a Hillary, no Partido Democrata, da maioria dos representantes eleitos republicanos e dos meios de comunicação hostis a Trump. Seu projeto comum? Impedir qualquer aliança entre Moscou e Washington.
Os motivos de cada um eram diferentes. Os serviços de inteligência e alguns elementos do Pentágono temiam que uma aproximação entre Trump e Putin os privasse de um inimigo apresentável, uma vez destruído o poder militar do ISIS. Os dirigentes democratas favoráveis a Hillary estavam impacientes para transferir sua inesperada derrota a outros : o “hackeamento” dos dados do Partido Democrata, imputado a Moscou, servia. Os neoconservadores “que haviam promovido a guerra do Iraque, que detestavam Putin e que consideravam que a segurança de Israel não era negociável” (8) escandalizaram-se diante das tentações neo-isolacionistas de Trump.
Finalmente, os meios de comunicação, em particular o New York Times e o Washington Post, sonhavam com um novo “caso Watergate”. Não ignoravam que seus leitores – burgueses, urbanos, com formação – detestavam apaixonadamente o presidente eleito, desprezavam sua vulgaridade, seus tropismos de extrema direita, sua violência, sua incultura (9). E, como consequência, buscariam qualquer informação ou rumor que pudesse provocar sua destituição ou sua demissão forçada. Um pouco como em Assassinado do Expresso Oriente, o romance de Agatha Christie, cada um tinha, definitivamente, suas razões para golpear o mesmo alvo.
[…]
Pouco mais de uma semana antes que Trump assumisse suas funções, o jornalista e advogado Glenn Greenwald – a quem devemos a publicação das revelações de Edward Snowden sobre os programas de vigilância massiva da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) – alertava sobre o transcurso dos acontecimentos. Observava que os meios de comunicação norte-americanos haviam se tornado “a ferramenta mais valiosa” dos serviços de Inteligência. Ao mesmo tempo, parecia-lhe que os democratas, “ainda chocados por um fracasso eleitoral tão inesperado como traumatizante”, “haviam perdido a razão e aderiam a qualquer avaliação, elogiavam qualquer tática, aliavam-se a qualquer canalha ” (10).
[…]
Compreende-se por que o “hackeamento” dos dados do Partido Democrata, atribuído pelos serviços de inteligência norte-americanos à Rússia, enfeitiça o Partido Democrata e a imprensa. Dois pássaros num só tiro: ele permite deslegitimar a eleição de Trump e o impede de promover qualquer tipo de aproximação com Moscou. Mas não é extravagante que os EUA ofendam-se diante da ingerência de uma potência estrangeira nos assuntos internos de outro Estado?
E quem se lembra de que não foi o Kremlin quem espionou as conversas telefônicas de Angela Merkel, mas sim a Casa Branca de Obama? Quando o ex-diretor da CIA James Clapper formulou algumas perguntas a um representante – republicano – da Carolina do Norte, Thom Tillis, em janeiro, este rompeu tal silencio. Recordou que os Estados Unidos “haviam se envolvido em 81 eleições diferentes, desde a Segunda Guerra Mundial”. E prosseguiu: “Isso não inclui os golpes de Estado nem as ‘mudanças de regime’, através das quais temos pretendido mudar a situação a nosso favor. Já a Rússia atuou da mesma maneira em 36 ocasiões”. Melhor não esperar que um ponto de vista semelhante atenue os ataques do The New York Times contra as desonestidades de Moscou.
[…]
Hoje, o diário novaiorquino está na vanguarda da preparação psicológica da população para um conflito contra a Rússia. Contra dinâmica semelhante apenas a resistência se impõe. À direita, o vice-presidente Mike Pence mencionava na Estônia o “espectro da agressão” russa e, mais tarde, animava a Geórgia a unir-se à OTAN, para finalmente louvar Montenegro, que acaba de somar-se à aliança militar. Longe de preocupar-se com essa avalanche de gestos provocadores, que provocam um aumento da tensão entre as duas grandes potências (sanções comerciais contra Moscou, expulsão de diplomatas estadunidenses por parte da Rússia), o New York Times brinca com fogo. Gabava-se, em 2 de agosto, da “reafirmação do compromisso norte-americano de defender as nações democráticas contra os países que as ameaçariam”. Em seguida lamentava que o sentimento de Pence “não fosse experimentado e comemorado igualmente pelo homem para o qual trabalhava na Casa Branca”. Mas a essa altura pouco importa, dizendo a verdade, o que Trump continue sentindo. O presidente dos Estados Unidos já não está em condições de imprimir sua vontade nesse assunto.
Em setembro, manobras militares russas sem precedentes desde a queda do muro de Berlim deviam mobilizar cerca de 100 mil soldados, marines e aviadores nas imediações da Ucrânia e dos países bálticos. Isso ofereceeu material ao New York Times para um artigo de capa que lembra a campanha de pânico que o jornal alimentou em 2002-2003 contra as supostas “armas de destruição em massa” do Iraque. Não faltava nem o coronel estadunidense que anunciava de modo sombrio: “A cada manhã, quando nos despertamos, sabemos quem é a ameaça”, nem o inventário do arsenal russo, nem a menção de veículos de combate da OTAN que, entre Alemanha e Bulgária, “detêm-se para deixar que as crianças subam a bordo”… Mas o mais delicioso neste modelo de jornalismo (no mesmo barco que o Exército) foi seguramente o momento em que, para localizar os exercícios de Moscou na Rússia e Bielorrússia, o New York Times recorreu à expressão “na periferia da OTAN” (11)…
De agora em diante, qualquer tentativa de apaziguamento com Moscou que venha de Paris ou de Berlim será julgado como “favorável aos Acordos de Munique”, por um establishment neoconservador que retomou o controle em Washington; e criticado rapidamente pela quase totalidade dos meios de comunicação norte-americanos.
Saberão os Estados europeus deter a engrenagem militar que se desenha? Têm vontade de fazê-lo? A crise coreana deveria recordar-lhes que Washington mostra-se indiferente ante os pratos quebrados longe de seu território. O senador republicano Lindsey Graham, preocupado em conferir credibilidade à ameaça nuclear do presidente Trump no Extremo Oriente , deixou escapar em 1º de agosto que “se milhares de pessoas morrem, morrerão lá, não aqui”.  Acrescentou que o presidente dos Estados Unidos compartilhava de seu sentimento: ”Ele me disse”.

Referências
(1) Ver Michael Klare, “La transformación de Donald Trump en jefe guerrero”, Le Monde diplomatique em espanhol, maio de 2017.
(2) Ver Benoît Bréville, “Estados Unidos está cansado del mundo”, Le Monde diplomatique em espanhol, maio de 2016.
(3) “Today”, NBC, 21 de abril de 2016.
(4) Peggy Noonan, “Simple patriotism trumps ideology”, The Wall Street Journal, Nova York, 28 de abril de 2016.
(5) “The Obama Doctrine”, entrevista com Jeffrey Goldberg, The Atlantic, Boston, abril de 2016.
(6) Coletiva de imprensa de 16 de dezembro de 2016.
(7) Le Figaro, París, 31 de mayo de 2017.
(8) Michael Crowley, “GOP hawks declare war on Trump”, Politico, Arlington, 2 de março de 2016.
(9) Ver “El desconcierto de la ‘intelligentsia’ estadounidense”, Le Monde diplomatique em espanhol, dezembro de 2016.
(10) Fox News, 12 de janeiro de 2017. No dia anterior, Greenwald havia detalhado suas declarações em “The deep state goes to war with president-elect, using unverified claims, as Democrats cheer”, The Intercept, 11 de janeiro de 2017.
(11) Eric Schmitt, “US troops train in Eastern Europe to echoes of the cold war”, The New York Times, 6 de agosto de 2017.

(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/partido-da-guerra-controlou-a-casa-branca/)

domingo, 24 de setembro de 2017

Nível de gelo no Ártico em 2017 é a oitavo menor da história; Há 16 anos a região não atinge nível acima da média


O mês de setembro é a época em que o Ártico atinge sua extensão mínima anual de gelo. Os resultados de 2017, que acabam de ser divulgados e estão bem abaixo da média histórica, são uma oportuna lembrança de que devemos trabalhar com ainda mais empenho para alcançar o objetivo de 1,5º C estabelecido por quase 200 países no Acordo de Paris. Os números do Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo dos EUA (NSIDC) mostram que o gelo marinho atingiu um mínimo de 4,64 milhões de quilômetros quadrados em 13 de setembro, 1,58 milhões de km2 abaixo da média. Há 16 anos, o Ártico não registra uma extensão de gelo acima da média de setembro. A marca é a oitava menor da história.
A reportagem foi publicada por WWF Brasil, 20-09-2017.

Em nenhum lugar, os efeitos de um clima de aquecimento vêm sendo sentidos de forma mais rápida e mais profunda do que no Ártico. Mesmo que o mundo atenda aos termos do Acordo de Paris, o Ártico ainda deverá aquecer 3° a 5°C a mais, afetando a rica biodiversidade da região e a vida daqueles que dependem disso.
O aquecimento adicional é em grande parte devido a um retorno de resultados. À medida que o aquecimento da água e do ar derretem o gelo do Ártico, o oceano recém-descoberto absorve ainda mais energia solar. O oceano exposto também significa mais transporte marítimo no Ártico, acompanhado de emissões de carbono negro que se instalam no gelo e absorvem ainda mais calor – uma reação desenfreada que está derretendo o Ártico como o conhecemos.
O líder do programa Ártico do WWF, Alexander Shestakov, relembrou as declarações feitas em agosto pelo presidente da Finlândia, Sauli Niinistö, de que se perdermos o Ártico, perdemos o globo: “Isto é a realidade. As emissões, tanto de gases de efeito estufa quanto de carbono negro do aumento do transporte marítimo do Ártico, estão criando uma verdadeira tempestade no Ártico. Exortamos os estados do Ártico e outros a priorizarem a redução das emissões de carbono negro e a cooperarem ainda mais na consecução dos objetivos de Paris”.
Para o líder global da prática climática e energética do WWF, Manuel Pulgar-Vidal, “a tendência contínua de perda de gelo do mar no Ártico mostra que a comunidade global tem muito trabalho a fazer para atingir o objetivo de 1,5° C. É fundamental que possamos trabalhar juntos de forma imediata em soluções já disponíveis para ajudar a reduzir as emissões de dióxido de carbono, expandindo a implantação de energia renovável, no Ártico e em todo o mundo”.

Sobre o Acordo de Paris

O Acordo de Paris, aprovado em dezembro de 2015, compromete quase 200 países a empreenderem todos os esforços para limitar o aumento da temperatura global a 1,5° C e, assim, evitar alguns dos piores impactos de um planeta aquecido.
O ano de 2016 foi o mais quente registrado. No ano passado, a temperatura média global anual subiu para um recorde de 1° C acima dos níveis pré-industriais. Mesmo que possamos parar as emissões hoje sem prejudicar a economia global, as temperaturas continuarão aumentando em alguns décimos de grau nas próximas décadas.
Limitar o aquecimento a um aumento médio de 1,5º C resultaria em uma redução do aumento do nível do mar, ondas de calor tropicais mais curtas e potencialmente menos eventos climáticos extremos, como as devastadoras chuvas e inundações que afetaram recentemente a Índia, Estados Unidos, Bangladesh e Nepal.

Sobre o mínimo de gelo do mar

O gelo do mar do Ártico geralmente atinge sua menor extensão anual em setembro.
A extensão mínima em 2017 é a 8ª mais baixa registrada desde que o monitoramento por satélite começou em 1979.
Após uma série de ondas de calor do Ártico no outono passado, o NSIDC relatou a maior extensão de gelo do mar já registrada em março.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/571947-nivel-de-gelo-no-artico-em-2017-e-a-oitavo-menor-da-historia-ha-16-anos-a-regiao-nao-atinge-nivel-acima-da-media)

O futuro do Brasil está na abundância de fontes renováveis e não nos combustíveis fósseis

Com abundância de fontes renováveis no país, governo brasileiro insiste em investir em energias do passado, ofertando blocos para exploração de petróleo e gás, que financiam a crise climática, fomentam a corrupção e enfraquecem as economias mundo afora.
A reportagem é de Nathália Clark e Silvia Calciolari, publicada por EcoDebate, 21-09-2017.
Fato já constatado até por especialistas do setor, a era do “ouro negro” está definitivamente ficando no passado. O mundo tem experimentado um processo de renovação energética sem precedentes, onde as energias renováveis estão desempenhando um papel crucial e essencial, já que as reservas fósseis estão se esgotando. Ambientalmente sustentáveis, socialmente justas e economicamente viáveis, fontes como solar, eólica e de biomassa têm se tornado cada vez mais baratas e populares. Com o planeta em alerta vermelho por conta de eventos cada vez mais severos causados pelas mudanças climáticas, projetos ligados a combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás se tornaram investimentos de alto risco.

Por serem os principais emissores dos gases que causam o efeito estufa, os combustíveis fósseis estão diretamente relacionados ao financiamento da crise climática global. A fim de evitar essa associação e cumprir com o compromisso assumido em Paris em 2015, países no mundo todo têm investido seriamente na transição de suas matrizes energéticas. Ainda assim, governos como o do Brasil, cuja abundância em recursos naturais encontra poucos paralelos, contraditoriamente insistem em priorizar fontes fósseis em detrimento das renováveis. No próximo dia 27, a Agência Nacional do Petróleo e Gás (ANP) vai contra os apelos globais por um novo modelo de desenvolvimento econômico-energético e intensifica a agenda de leilões de blocos para exploração de petróleo e gás no país.
“A cada dia, as pessoas estão cada vez mais ligando os pontos entre empresas que investem em fósseis e o caos climático e as injustiças socioambientais . Mas não é só isso. Essa indústria também está associada a casos de corrupção junto aos governos nacionais em vários países”, alerta Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina e coordenadora nacional da COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida.
“No Brasil, a Operação Lava Jato revelou os esquemas de propina mostrando que essas empresas fazem de tudo para controlar o mercado no qual pretendem investir, agindo sem transparência e com truculência. Chega de fertilizar o subsolo brasileiro com corrupção”, enfatiza Nicole.

Corrupção e caos climático


A 14ª Rodada de Licitações irá ofertar 287 blocos em 11 bacias sedimentares marítimas e terrestres. Das 36 empresas que foram aprovadas para participar do certame, mais 60% são estrangeiras e pelo menos cinco delas estão envolvidas em casos de corrupção. Empresas como a Shell e ExxonMobil, por exemplo, compartilham casos de esquemas ilícitos envolvendo o governo nigeriano. A esta última ainda se soma o histórico agravante de ter omitido conhecimento sobre as mudanças climáticas há mais de meio século. Já a empresa Petronas, da Malásia, teve um de seus executivos preso por suspeita de superfaturar uma operação de exploração de petróleo. A Rosneft, empresa de petróleo comandada pelo governo russo, está sob investigação em um caso que levou o ministro do desenvolvimento econômico a ser preso. Outras empresas, como a indiana Cairn Energy, são acusadas de espionagem por obter informações privilegiadas do governo sobre negociações com empresas estrangeiras interessadas em investir na Índia.
Casos recentes, como os esquemas de propina da Petrobras e da Queiroz Galvão, no Brasil, demonstram como a corrupção da indústria fóssil está em várias parte do mundo. São empresas dispostas a tudo para conseguir controlar o mercado, em aliança com governos corruptos que agem sem qualquer transparência, consulta e diálogo para com as suas populações, e menos ainda com as comunidades diretamente impactadas por esses empreendimentos.
Para o engenheiro Juliano Bueno de Araújo, coordenador de campanhas climáticas da 350.org e fundador da COESUS, “a ANP age de forma irresponsável, sorrateira e criminosa ao não explicitar no edital da 14ª Rodada a autorização para gás não convencional, colocando em risco a vida, a segurança alimentar e hídrica de milhões de brasileiros. Dessa forma eles estão enganando o povo brasileiro, e isso nós não vamos aceitar.”

Energias responsáveis

Além da falta de transparência, a indústria fóssil também usa e abusa da falsa e ilusória promessa de progresso e desenvolvimento, com geração de renda e empregos, para limpar a sua imagem junto à sociedade. Mas o Rio de Janeiro, sede do leilão e o maior produtor de petróleo e gás do país, é uma prova viva do contrário. Vivenciando uma das mais graves crises econômicas de sua História recente, o estado que mais depende do dinheiro sujo dos fósseis amarga as piores taxas de crescimento econômico do Brasil.

“O Rio de Janeiro é o exemplo cabal de falência de uma indústria que está com os dias contatos em todo o mundo, aliada à corrupção e reprodutora de um modelo ultrapassado de geração de energia. Isso sem falar que a cidade está vulnerável aos impactos das mudanças climáticas, como aumento do nível do mar, deslizamentos, doenças epidêmicas, entre outras ocorrências que atingem toda a população“, atesta Juliano. Em oposição a essa realidade, um novo horizonte se amplia com o crescimento exponencial das energias limpas. Hoje, o setor de renováveis emprega mais de oito milhões de pessoas, sendo a China a campeã, com 3,5 milhões de empregos, e o Brasil vem em segundo lugar, com quase um milhão de trabalhadores no ramo.
Com grande potencial, o Brasil deve estimular e atrair investimentos para a produção de equipamentos para a geração de energias renováveissolar, eólica e de biomassa. “Já há estudos que comprovam que a indústria de baixo carbono gera 18 vezes mais empregos que a fóssil e, depois de instalada, proporciona a geração de energia 40% mais barata”, completa o engenheiro.
“Neste momento, o mundo passa por um difícil teste de eventos climáticos catastróficos. As pessoas precisam saber que o presente e o futuro do planeta dependem de uma única decisão: deixar os fósseis no chão de uma vez e olhar para o céu priorizando a energia livre, responsável, com justiça ambiental e climática”, finaliza Juliano.
Fonte: COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida e 350.org Brasil e América Latina

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/571923-o-futuro-do-brasil-esta-na-abundancia-de-fontes-renovaveis-e-nao-nos-combustiveis-fosseis)

sábado, 23 de setembro de 2017

Escravidão atinge 40 milhões de pessoas no mundo, diz ONU

Ao menos 40 milhões de pessoas no mundo ainda são vítimas da escravidão, enquanto outras 152 milhões de crianças são obrigadas a trabalhar. Dados divulgados nesta terça-feira, 19, pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam que a escravidão moderna é ainda uma realidade.
A reportagem é de Jamil Chade, publicada por O Estado de S. Paulo, 19-09-2017.

O levantamento aponta que mulheres e meninas são desproporcionalmente afetadas. Elas representam 71% das pessoas em situação de escravidão, quase 29 milhões.
Pelo menos 16 milhões de pessoas trabalham em condições de escravidão como empregadas domésticas, na construção civil ou na agricultura. Na indústria do sexo, são 5 milhões de vítimas pelo mundo. Outras 4 milhões de pessoas são obrigadas a trabalhar pelas próprias autoridades.
No caso das Américas, quase 2 milhões de pessoas ainda seriam vítimas da escravidão moderna, segundo o levantamento. São 24 milhões na Ásia e 9 milhões na África.
O que também chama a atenção das autoridades é que uma a cada quatro vítimas da escravidão é menor de idade, cerca de 10 milhões de crianças. Dessas, 5,7 milhões ainda são obrigadas a se casar. No que se refere ao trabalho infantil, o principal empregador é a agricultura, onde estão 70% dos menores. No setor de serviços, estão 17% das vítimas.
O epicentro do problema do trabalho infantil continua sendo a África, com 72,1 milhões de pessoas. Na Ásia, são 62 milhões, contra 10,7 milhões nas Américas.

Forçado

Outro fator considerado pela ONU é o número de casamentos forçados, um indicador que também apontaria para uma situação de dependência total. No ano passado, 15,4 milhões de pessoas estariam nessa situação. Nos últimos cinco anos, ocorreram 6,5 milhões desses casamentos.
Para Guy Ryder, diretor-geral da OIT, o mundo não atingirá suas metas de desenvolvimento sustentável enquanto não aumentar de forma dramática os esforços para lutar contra essa realidade. "O fato de que, como sociedade, ainda temos 40 milhões de pessoas na escravidão moderna é uma vergonha para todos", alertou Andrew Forrest, presidente da fundação Walk Free. "Isso precisa acabar", apelou.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/571834-escravidao-atinge-40-milhoes-de-pessoas-no-mundo-diz-onu)

Globalização, guerras, exploração da criação: pela primeira vez em 10 anos o número de indigentes do planeta mostra um preocupante aumento


Na sexta-feira, acossados talvez por tantas notícias de ataques sangrentos, lançamentos de mísseis intercontinentais e violências cruéis, tenhamos perdido uma informação muito importante que merecia bem mais atenção e destaque. Após dez anos de números em baixa, e pela primeira vez na era da tão famigerada globalização dos mercados, o número de pessoas em sofrimento por falta de alimento no nosso planeta Terra aumentou, atingindo a cifra de 815 milhões.

A reportagem é de Damiano Serpi, publicada por Il sismografo, 16-09-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.

Segundo as conclusões do relatório “The State of Food Security and Nutrition in the World 2017” elaborado pelas agências das Nações Unidas, FAO, FIDA e PAM, durante o ano de 2016 um adicional de 38 milhões de pessoas encontraram sérias dificuldades na obtenção de alimento suficiente, em comparação com o ano anterior. Em termos percentuais, aproximadamente 11% da população mundial, ou seja, uma vez e meio toda a Europa e duas vezes toda a América do Norte, agora vive em condições de indigências, a ponto de não dispor nem mesmo de itens de primeira necessidade, tais como pão ou água.

As explicações para essa mudança de rumo nos números globais de quem está em condições de penúria, devem ser procuradas principalmente na proliferação dos conflitos armados em algumas áreas geográficas do mundo e nas súbitas mudanças de clima. Mudanças climáticas, em grande parte devidas ao aumento da temperatura média do planeta, que estão provocando choques contínuos, com chuvas torrenciais, secas improvisas e prolongadas, tempestades e inundações. Esses eventos climáticos que têm violento impacto nas economias locais estão causando fome, êxodos e migrações em massa.
Esses últimos dados, embora importantes por si só porque nos dão o quadro de uma alteração negativa da condição geral do homem no planeta, também nos contam algo a mais. A teoria, apregoada até o exagero ao longo das últimas três décadas, de que, apesar de eventuais desvios ou anomalias, o saldo da globalização da economia e dos mercados seria de qualquer forma positivo, porque o sistema sempre geraria uma diminuição constante do número de pessoas aflitas pela fome e carência de itens primários, não é mais tão indefectível como nos levaram a crer.

Até recentemente, na verdade, qualquer tentativa de explicar ao mundo econômico e político que a globalização não pode ser desvinculada de uma ideia de equidade e justiça em defesa do valor "homem" foi rechaçada pelos seus defensores mais intransigentes precisamente com justificativas baseadas em estatísticas numéricas mundiais, que evidenciavam uma constante diminuição das pessoas em condições de extrema pobreza.

No longínquo 2002, até mesmo São João Paulo II tentou sacudir as consciências do mundo falando de uma globalização por si só neutra e, portanto, possível de ser moldada de acordo com as necessidades reais do homem e dos seus valores inalienáveis. Mas ninguém, então, entendeu a abrangência de suas palavras, e nos limitamos a defender que justamente a globalização traria uma melhoria geral da vida dos homens em todo o planeta.
Até sexta-feira, dizia-se que a globalização desenfreada e sem qualquer tipo de correção teria sempre permitido a um maior número de pessoas sair do estado de indigência e, portanto, dispor das ferramentas necessárias para garantir para si, pelo menos, os itens básicos necessários para a vida. Por um longo tempo foi praticamente assim, pelo menos na lógica impessoal e fria dos números. Ninguém poderia opor-se a essa convicção, considerando que hoje a sociedade raciocina apenas com base nos percentuais e estes pareciam estar do lado dos defensores dessa ideia universal da globalização sem freios ou limites.

Para todos nós, mesmo em face das incongruências de um sistema que tornava ainda mais evidente a diferença entre aqueles que são muito ricos e quem é cada vez mais pobre, inclusive era propalada a ideia de que a globalização fosse, afinal, o único verdadeiro antídoto para o problema da fome no mundo. Ou seja, precisávamos nos contentar com um sistema claramente desequilibrado e que criava um monte de "desperdícios", mas que ainda assim tinha entre seus méritos o de ser capaz, de alguma forma, de reduzir constantemente o número dos chamados "muito pobres". Talvez aquele resultado fosse limitado e representasse apenas uma migalha, mas, alegava-se, era melhor pouco do que nada.
Agora o sonho de uma globalização benéfica, apesar de todo o desperdício que carregava consigo, parece desvanecer como neve ao sol. Os dados que nos foram fornecidos na sexta-feira indicam que está ocorrendo uma inversão de tendência e que as causas não podem ser negligenciadas ou silenciadas. De fato, ou a globalização, como a vivenciamos até agora, terminou o seu ciclo perfeito, ou estamos começando a pagar a conta por não querer colocar regras para um sistema que se baseou por mais de 20 anos apenas no lucro e na livre circulação dos capitais. Provavelmente a mais verdadeira das duas teorias seja a segunda.

Por tempo demais, permitimos qualquer coisa em nome de uma agressiva globalização que devia tornar a todos nós mais ricos e desenvolvidos. Em nome dessa desenfreada corrida para uma produção ao menor custo, ao máximo lucro, às compras na internet, á facilidade de movimentação dos capitais, bens e pessoas, culpada ou egoisticamente permitimos que, muitas vezes, se iniciassem ferozes conflitos armados regionais e, efeito menos evidente no curto prazo, mas exponencialmente mais perigoso no longo prazo, que houvesse uma extremo abuso da natureza e dos seus recursos como se fossem ilimitados. Ao fazer tudo isso não percebemos, ou melhor, não quisemos perceber, que parte daquele lucro obtido nada mais era que a antecipação conspícua de um crédito cujo reembolso estávamos transferindo por completo às gerações futuras ou a quem já vivia situações de semi-pobreza ou pobreza absoluta.
O medo, agora, não é tanto que a globalização não esteja mais na moda e deva ser substituída por uma nova ordem econômica mundial a ser inventada, mas sim que não seja mais possível garantir os extraordinários resultados prometidos, justamente porque chegou à hora de pagar o pesado tributo pelas nossas escolhas de sacrificar tudo, até mesmo a Criação, a uma teoria que nos prometia desenvolvimento e riqueza infinitos. A tudo isso, devemos ligar as palavras de simples bom senso que o Papa Francisco nos endereçou durante a conferência de imprensa no avião que o levava de volta a Roma depois da viagem apostólica à Colômbia.
Ao responder a uma pergunta sobre como os furacões Irma e Harvey pudessem estar ligados de alguma forma à mudança climática causada pelas atividades humanas e sobre essa nova corrida das nações às armas de destruição em massa, o Papa usou as palavras da Bíblia para lembrar a todos que "o homem é um tolo, um teimoso que não vê", antes de acrescentar que por trás de certas opções existe sempre e somente o "deus bolso". Muitos torceram seus narizes ao ouvir palavras tão diretas, outros as julgaram fortes, talvez até demais. Na verdade, são apenas palavras de bom senso que fotografam a situação atual que cada um de nós pode perceber diretamente na vida cotidiana e para as quais precisamos nos apressar a por remédio. O homem trocou cada valor importante, da dignidade humana ao respeito pela natureza, para obter rapidamente um alto lucro considerado, erroneamente, a baixo custo. O homem não soube olhar para além do seu nariz e seguiu apenas o cheiro da moeda, do dinheiro, dos capitais a receber e reinvestir. Nesse jogo perverso, muitos homens tornaram-se um instrumento nas mãos de poucos outros homens para gerar lucro, explorando ao mesmo tempo o que a criação oferece-nos de graça como o ar, a água, o calor, o vento e assim por diante.
As guerras e os conflitos se multiplicaram também porque as armas tornaram-se uma maneira fácil e segura de fazer negócios desenfreados aparentemente sem riscos para o produtor. Para muitos parecia um negócio polpudo e livre de contraindicações vender armas para aqueles que queriam usá-las em territórios distantes. O lema era "que façam todas as guerras que quiserem e até se matem, desde que façam isso entre si e longe da gente". No entanto, não foi bem assim e as guerras, embora de forma indireta e desigual, contribuíram para gerar o atual problema da imigração que vem atemorizando toda a Europa. O ambiente, a natureza e a Criação cada vez mais se tornaram uma rica prateleira de supermercado onde se podia pegar tudo que nos servisse sem ter que pagar nem mesmo o preço da compra. Preço que conscientemente repassamos para as costas dos povos que já sofriam um estado de subdesenvolvimento prolongado ou para a conta em aberto das gerações futuras, que mais do que nós terão que lidar com um planeta Terra devastado, depauperado e em péssimo estado de saúde.

Porém, nem tudo está perdido. O homem ainda pode mudar a sorte que parece estar marcada e limitar os danos que serão deixados para aqueles que virão depois de nós. Nenhum processo em funcionamento é tão irreversível a ponto de impedir que o homem se empenhe para salvar o próximo e a criação. Contudo, precisamos começar imediatamente e, em primeiro lugar, devemos deixar de ser tão tolos ou, melhor dizendo, falsamente ingênuos diante das decisões que devem ser tomadas. Não há muito tempo para recolocar o planeta no caminho certo, e são necessários homens de boa vontade e não mais encantadores de serpentes.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/571772-globalizacao-guerras-exploracao-da-criacao-pela-primeira-vez-em-10-anos-o-numero-de-indigentes-do-planeta-mostra-um-preocupante-aumento)

Contra a territorização evangélica de qualquer lugar

FÁBIO PY*

As cenas de traficantes da Região da Ilha do Governador, do Morro do Dendê, que gravaram um vídeo mandando o povo de terreiro destruir seus próprios símbolos são para amedrontar. Contém imagens e sons de uma apologética de medo patrocinada pela arma na mão. Sobre isso não se pode relativizar. Mesmo mediante as muitas imagens de violências que chegam pelos noticiários, pelas mídias, a ação dos traficantes armados mandando os próprios povos de terreiros a destruir seus templos e seus ícones são simbólicas. Também mostram uma perspectiva de higienização territorial dessa nova onda de evangélicos. Pois, não basta destruir os espaços religiosos. Devem obrigar, com os fuzis em riste, os próprios membros das religiões afro destruam seus símbolos, de seu centro do mundo. No ato filmado se tem uma violência dobrada, quiçá triplicada: Ele está repleto de muitas expressões do sadismo territorial-religioso que os fundamentalismos trajados na linguagem da batalha espiritual atualizam para os dolorosos nervos expostos nas favelas.
Mesmo com a confusão da quantidade de imagens e noticias, penso que deve-se dizer que como cristão, de corte protestante evangélico, um ato como esse de violência extrema pouco tem a ver com o cristianismo. Para isso, lembro um pouco das Escrituras Sagradas: Jesus não era cristão. Ele era judeu! Logo, assim, para época, não construía uma religião “pura”, “sem-mancha”. Seu segmento SEMPRE dialogou com os demais ritos e culturas ao redor. Ele SEMPRE foi permeado e utilizou elementos de outras tradições religiosas, como, por exemplo: o rito inicial nas águas, orações soltarias, a escolha de pessoas para seguir sem moradias,… Tudo isso. E, até, a própria noção de ressurreição não é originalmente do ambiente cristão. Portanto, a ideia de pureza religiosa impregna essa territorização evangélica das favelas do Rio, é uma expressão racista do cristianismo. Ela que é uma noção que data do inicio do século XX no ambiente americano chamado de fundamentalismo religioso. Assim, ao inverso desse seguimento, assumindo a diversidade que forma o cristianismo e ajuda a desenvolver até os dias de hoje, reconhecemos que é vergonhoso assistir as cenas da destruição do local de culto afro pelos chamados “traficantes de Jesus”. Pois, a aceitação do outro é uma pratica que perpassa importantes textos das Escrituras cristãs, e que se faz presente em toda história do cristianismo.
Além disso, uma ação como essa vai contra a própria ação política dos protestantes evangélicos desde a formação do Brasil. Eles, que apoiaram a diversidade religiosa e de culto. Apoiaram a diversidade porque no passado eram ainda mais uma minoria no país. Portanto, a garantia desse dispositivo legal seria uma estratégica para a continuação e até uma propagação das celebrações evangélicas. Nesse sentido, é ainda mais alarmante a percepção de que existem pastores que incentivam tal territorização da violência contra os povos de terreiro. Sim! Existem religiosos que vêm auxiliando os traficantes contra qualquer grupo ou ser humano de confissão diferente da dele, principalmente, dos ritos afro. Só para dizer. Esse cristianismo virulento, intolerante não representa a postura histórica dos protestantes evangélicos. Muito menos eles dão tônica de todo setor. Dão essa impressão porque suas violências chamam atenção dos canais e mídias. O que não é por menos, claro.
Assim, marcando posição se diz que se é contra qualquer territorização evangélica levada pelos “traficantes de Jesus” nas comunidades da Ilha do Governador, Rio de Janeiro. Sua perspectiva de pureza religiosa violenta, racista só mancham mais de sangue das favelas do Rio. E, o que é menos importante (do que o ambiente de violências nas favelas) mancham ainda mais o desenho feito sobre o setor evangélico no país. O que respinga no rosto do setor mais dialogal e aberto cristão que está mais preocupado com teorias e leituras, sem se interessar em se sujar a mão na construção pedagógica de alternativas no dia-a-dia desse setor tão largo que cresce exponencialmente nas últimas décadas.
* FÁBIO PY é professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da UENF, Doutor em Teologia pela PUC-RIO.

(fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2017/09/18/contra-a-territorizacao-evangelica-de-qualquer-lugar/)

sábado, 16 de setembro de 2017

Por que nos esquecemos das vítimas de catástrofes ambientais da Índia e do continente africano?



As cidades indianas de Mumbai, Bangalore e Chennai; a cidade mais populosa do Paquistão, Karachi; e a capital de Bangladesh, Dakha, somam mais de 1.400 vítimas desde junho e milhões de afetados após as piores chuvas de monção que atingiram o Sudeste Asiático em anos. No Nepal, as chuvas torrenciais deixaram 150 mortos e 90.000 casas devastadas.
Na província de Guizhou, na China, os deslizamentos de terra por chuvas torrenciais causaram a morte de mais de 50 pessoas, e em cidades como Donguan, Shenzhen, Zhongshan e Zhuhai, foi declarado alerta vermelho pelas chuvas e 70.000 pessoas foram evacuadas. No total, 41 milhões de pessoas na região sofrerão muito para conseguir alimentos e enfrentarão um aumento de doenças como a malária e o tifo durante os próximos meses.
A reportagem é publicada por El País, 11-09-2017.

No continente africano, a capital de Serra Leoa, Freetown, teve um número não oficial de 1.000 mortos, muitos dos quais menores de idade, além de centenas de milhares de afetados por uma das piores inundações da história e um mortífero deslizamento de terras.
Em Niamey, capital do Níger, milhares de pessoas precisaram ser evacuadas em poucos dias, pelo medo de que se repetisse uma tragédia humana como a de junho, com a morte de 44 pessoas durante as já frequentes chuvas torrenciais.
Nos Estados Unidos, o furacão Harvey deixou 60 vítimas em Houston, Texas. E ainda que a maioria dos leitores e leitoras saiba mais sobre a gestão do desastre em Houston do que em Freetown ou qualquer outra cidade localizada no hemisfério sul, os números de mortos indicam que as inundações do mês de agosto mataram 25 vezes mais pessoas na África do que o furacão Harvey nos Estados Unidos.
O apartheid climático se torna evidente na arena midiática, ainda que tenha sido o presidente Donald Trump a se retirar do acordo climático de Paris, e não, por exemplo, o mandatário de Serra Leoa, Ernest Bai Koroma, que reconhece a urgência de se reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, os desastres naturais exacerbados pela mudança climática provocam 60.000 mortes por ano, com uma incidência maior nos países com índices mais baixos de desenvolvimento. Segundo um índice anual elaborado pela universidade norte-americana Notre Dame, os países mais vulneráveis à mudança climática são a República Centro-africana, Chade, Eritreia, Burundi e Sudão, seguidos pelo Iêmen, Afeganistão e a República Democrática do Congo. E tal como alerta a Iniciativa de Crescimento da África, da Brookings Institution, o continente tem sete dos 10 países mais vulneráveis à mudança climática.
Já falamos do risco que correm as cidades costeiras da África pela mudança climática. Nas capas dos jornais com maior tiragem, entretanto, as vítimas de Houston adquiriram maior importância do que as de Freetown, Karachi, Mumbai e Donguan juntas. Não deveríamos começar a dar mais visibilidade e apoio às castigadas Houston do Sul global, que acumulam muito mais vítimas e afetados, problemas e desafios, do que a cidade texana? Alguém escutou palavras de apoio de Leonardo DiCaprio, ativista contra a mudança climática e protagonista do filme Diamantes de Sangue, sobre o caso dessas pedras em Serra Leoa? Mas DiCaprio fez uma doação de 1 milhão de dólares (3 milhões de reais) aos afetados texanos. Uma referência, por menor que seja, às tragédias climáticas do Sudeste Asiático por parte de Sandra Bullock, Chris Brown, JLo, as Kardashian e Beyoncé, que fizeram doações milionárias a Houston? Alguns acordes em memória das vítimas africanas por parte do Coldplay, que fez uma música em tributo a Houston?
Os que até o momento demonstraram sua solidariedade com Freetown, por exemplo, foram as próprias nações africanas. O presidente togolês, Faure Gnassingbe, e o presidente da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), Marcel Alain De Souza, doaram 500.000 dólares (1,5 milhão de reais) em agosto para alimentos e assistência médica. Senegal, por sua vez, doou 100.000 dólares (308.000 reais), e Costa do Marfim contribuiu com uma tonelada e meia de produtos médicos. E apesar do presidente Ernest Bai Koroma ter pedido ajuda urgente à comunidade internacional para enfrentar a tragédia de Freetown, a União Europeia se comprometeu a mandar somente 300.000 euros (1,10 milhão de reais) a Serra Leoa. Quantidade que comparada à doada pelo Governo da China, que fez uma contribuição de 1 milhão de dólares (3 milhões de reais) ao país...

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/571593-por-que-nos-esquecemos-das-vitimas-de-catastrofes-ambientais-da-india-e-do-continente-africano)