domingo, 29 de outubro de 2017

Adoecemos a Terra e a Terra nos adoece

"De uma ou de outra forma, todos nos sentimos doentes física, psíquica e espiritualmente. Há muito sofrimento, desamparo, tristeza e decepção que afetam grande parte da humanidade. Já o dissemos: da recessão econômica passamos à depressão psicológica. A causa principal deriva da intrínseca relação existente entre o ser humano e a Terra viva. Entre ambos vigora um envolvimento recíproco", escreve Leonardo Boff, escritor, teólogo e filósofo.

Eis o artigo.

Nossa presença na Terra é agressiva, movemos uma guerra total à Gaia, atacando-a em todas as frentes. A consequência direta é que a Terra fica doente. Ela o mostra pela febre (aquecimento global), que não é uma doença, mas aponta para uma doença: sua incapacidade de continuar nos oferecer tudo o que precisamos. A partir de 2 de setembro de 2017 ocorreu a Sobrecarga da Terra, vale dizer, as reservas da Terra chegaram ao fundo do poço. Entramos no vermelho. Para termos o necessário e, pior, para manternos o consumo suntuário e o desperdício dos países ricos, devemos arrancar à força os bens e serviços naturais para atender as demandas. Até quando a Terra aguenta? A consequência será que teremos menos água, menos nutrientes, menos safras e os demais itens indispensáveis para a vida.
Nós, que consoante a nova cosmologia, formamos uma grande unidade, uma verdadeira entidade única com a Terra, participamos da doença da Terra. Pela agressão aos ecossistemas e pelo consumismo, pela falta de cuidado da vida e da biodiversidade adoecemos a Terra.
Isaac Asimov, cientista russo, famoso por seus livros de divulgação científica, escreveu um artigo a pedido da revista New York Times, (do dia 9 de outubro de 1982) por ocasião da celebração dos 25 anos do lançamento do Sputinik que inaugurou a era espacial, sobre o legado deste quarto de século espacial. O primeiro legado, disse ele, é a percepção de que, na perspectiva das naves espaciais, a Terra e a humanidade formam uma única entidade, vale dizer, um único ser, complexo, diverso, contraditório e dotado de grande dinamismo, chamado pelo conhecido cientista James Lovelock, de Gaia. Somos aquela porção da Terra que sente, pensa,ama e cuida.
O segundo legado, consoante Asimov, é a irrupção da consciência planetária: Terra e Humanidade possuem um destino comum. O que se passa num, se passa também no outro. Adoece a Terra, adoece juntamente o ser humano; adoece o ser humano, adoece também a Terra. Estamos unidos pelo bem e pelo mal.
Mas também ocorre o inverso: sempre que nos mostramos mais saudáveis, cuidando melhor de tudo, recuperando a vitalidade dos ecossistemas, melhorando nossos alimentos orgânicos, despoluindo o ar, preservando as águas e as florestas é sinal que nós estamos revitalizando a nossa Casa Comum.
Segundo Ilya Prigogine, cientista russo-belga, prêmio Nobel em química (1977), a Terra viva desenvolveu estruturas dissipativas, isto é, estruturas que dissipam a entropia (perda de energia). Elas metabolizam a desordem e o caos (dejetos) do meio ambiente de sorte que surgem novas ordens e estruturas complexas que se auto-organizam, fugindo à entropia e positivamente, produzindo sintropia (acumulação de energia: Order out of Chaos, 1984).
Assim, por exemplo, os fótons do sol são para ele, inúteis, energia que escapa ao queimar hidrogênio do qual vive. Esses fótons que são desordem (rejeito), servem de alimento para a Terra, principalmente para as plantas quando estas processam a fotossíntese. Pela fotossíntese, as plantas, sob a luz solar, decompõem o dióxido de carbono, alimento para elas e liberam o oxigênio, necessário para a vida animal e humana.
O que é desordem para um serve de ordem para outro. É através de um equilíbrio precário entre ordem e desordem (caos: Dupuy, Ordres et Désordres, 1982) que a vida se mantem (Ehrlich, O mecanismo da natureza, 1993). A desordem obriga a criar novas formas de ordem, mais altas e complexas com menos dissipação de energia. A partir desta lógica, o universo caminha para formas cada vez mais complexas de vida e assim para uma redução da entropia (desgaste de energia).
A nível humano e espiritual, se originam formas de relação e de vida nas quais predomina a sintropia (economia de energia) sobre a entropia (desgaste de energia). A solidariedade, o amor, o pensamento, a comunicação são energias fortíssimas com escasso nível de entropia e alto nível de sintropia. Nesta perspectiva temos pela frente não a morte térmica, mas a transfiguração do processo cosmogênico se revelando em ordens supremamente ordenadas, criativas e vitais.
Quanto mais nossas relações para com a natureza forem amigáveis e entre nós, cooperativas, mais a Terra se vitaliza. A Terra saudável nos faz também saudáveis.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/572940-adoecemos-a-terra-e-a-terra-nos-adoece)

Quem faz mais pelo clima na América Latina?

Em seu primeiro ano de vida, o Acordo de Paris já passou por testes difíceis. Desde que entrou em vigor, em 4 de novembro de 2016, o pacto para evitar o aquecimento global perdeu um dos seus principais aliados, os Estados Unidos. E isso logo após 2016 virar recordista como o ano mais quente, segundo a própria Nasa.
A reportagem é de Nádia Pontes, publicada por Deutsche Welle, 25-10-2017.
Nos vizinhos ao país governado por Donald Trump, historicamente uma área de influência americana, há quem mantenha a agenda climática em dia, garante Pablo Vieira, diretor da NDC Partnership.
"México e Costa Rica estão na liderança", resume Vieira, à frente da iniciativa global para assessorar os países a baixar suas emissões, conforme prometeram no Acordo de Paris.
Para que a principal meta do pacto tenha sucesso – limitar a elevação da temperatura a 1,5°C até o fim deste século –, só há uma receita: reduzir drasticamente as toneladas de gases estufa liberadas na atmosfera. Cada país decidiu como participar dessa missão na chamada Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês).
Na América Latina, apenas Colômbia e Suriname ainda não ratificaram o acordo. E o maior poluidor da região, Brasil, parece não estar rumo a um caminho mais limpo.

Os grandes poluidores

Da América Latina vêm cerca de 10% das emissões globais. Brasil e México são pesos-pesados desta balança: no ranking global dos poluidores, ocupam sétima e nona posição, respectivamente, ou mais da metade das emissões da região.
"Vemos sinais desastrosos vindos do Brasil, totalmente contra a corrente", diz sobre a política ambiental Eduardo Viola, pesquisador da Universidade de Brasília e autor do livro Brazil and Climate Change, Beyond the Amazon.
"Houve mais retrocessos que avanços, sem dúvida. O Congresso tem aprovado leis que contribuem para o aumento de emissões", afirma Rachel Biderman, diretora-executiva do WRI Brasil (World Resources Initiative), citando decretos e leis que reduzem áreas de conservação, estimulam a ocupação ilegal de áreas na Amazônia e flexibilizam o licenciamento ambiental.
No caso do Brasil, o fim do desmatamento é crucial para queda de CO2 - o que o país prometeu fazer em 2020, segundo sua NDC. "A taxa de desmatamento atual está 70% acima da meta de 2020", aponta Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. Apesar do recuo recente de 16% anunciado pelo governo, a situação é considerada crítica. "É uma queda que não nos recupera do pornográfico aumento das taxas de desmatamento dos últimos anos", diz Rittl.

A trajetória do México, por sua vez, é avaliada como positiva. "O México trabalhou anos na implementação de uma política nacional para impulsionar a economia de baixo carbono, a mais avançada entre os latinos", pontua Viola.
O país, que já cobra imposto daqueles que poluem mais, tem tudo para se tornar um polo mundial de difusão de boas práticas, afirma Vieira. Mesmo antes de assinar o Acordo de Paris, os mexicanos já sabiam quanto custaria a mudança para diminuir suas emissões - cerca de 1,3 bilhão de dólares. Uma conta que nenhum outro país da América Latina fez, afirma Vieira, da NDC Partnership.
Entre os exemplos citados por Vieira estão medidas simples de adaptação a eventos extremos, que ficam mais comuns com o avanço das mudanças climáticas. "Estão implementando um sistema de aviso eficiente por celular, pra prevenir morte e destruição no caso de enchentes, por exemplo".

Bons exemplos

A América Latina é detentora de muitos recursos cobiçados: 25% das terras férteis do planeta, 22% da floresta mundial, 31% da água potável, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Ao mesmo tempo, é uma região extremamente vulnerável às mudanças do clima. Segundo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), os impactos da elevação da temperatura ameaçam corais, derretimento das geleiras, erosão costeira com elevação do nível do mar, eventos extremos e enfraquecimento da Floresta Amazônica.

A Costa Rica parece ter entendido esta mensagem desde muito cedo. "Eles estão muito bem organizados e elegeram áreas prioritárias de ação, que vão além da ação climática e tem a ver com mobilidade, saúde pública, qualidade do ar, economia, e redução da dependência de importação de combustível fóssil", elenca Vieira. Entre as metas estipuladas na NDC da Costa Rica está se tornar uma economia carbono neutro até 2021. Mas o país representa apenas 0,01% das emissões globais.
O pesquisador Eduardo Viola destaca o progresso feito no Chile. "É o país da América Latina disparadamente mais avançado na energia solar. O país entrou num caminho virtuoso", afirma. No extremo territorial da região, o Uruguai também parece não ter perdido sua NDC de vista. O avanço das torres eólicas tende a diminuir as emissões do setor de energia, a principal fonte de CO2 no pequeno país.

Poderia ser melhor

A Argentina, criticada pela baixa ambição ao apresentar sua NDC, está em processo de revisão. Responsável por cerca de 10% das emissões da América Latina, a poluição dos argentinos é mais intensa: cerca de 4,7 toneladas por habitante, contra 3,9 toneladas dos mexicanos e 2,6 dos brasileiros, segundo Sérgio Margulis, do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS).
"Nós observamos muitas oportunidades perdidas no começo da implementação da NDC entre diferentes níveis de governo. Faltou coordenação entre os setores", avalia Karina Marzano, do Programa Regional Segurança Energética e Mudanças Climáticas na América Latina da Fundação Konrad Adenauer (KAS), que acaba de publicar um estudo sobre o tema.
Depois da "pressão" para ratificar o acordo, o desafio para latino-americanos será encontrar meios para cumpri-lo. "Na verdade, os planos, as metas (NDCs) foram muito políticas. Houve pouca conversa com setores, como energia, agricultura, transporte, etc. Agora, os países estão vendo como vão fazer para implementar o que prometeram", analisa Margulis.
Ainda assim, não se pode subestimar a influência que Trump pode exercer sobre a América Latina. "Principalmente sobre o México", pontua Viola. "O peso Trump pode ter um impacto muito negativo na região. Um peso de uma força predatória de quem não está nem aí para mudanças climáticas e políticas ambientais", resume.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/573044-quem-faz-mais-pelo-clima-na-america-latina)

Uma Verdade Mais Inconveniente: entre os impactos e a esperança para o fim da crise climática

Com lançamento previsto para 9 de novembro, novo documentário do Al Gore mostra os efeitos do aumento das temperaturas da Terra e os caminhos da negociação até o Acordo de Paris.

A reportagem é de Thaís Herrero e publicada por Greenpeace, 26-10-2017.

Quando em uma das cenas finais de seu novo documentário, Al Gore questiona quanto tempo o movimento para combater a crise climática levará para triunfar, ele recorre a uma frase de Martin Luther King para responder "não muito". "Porque nenhuma mentira pode durar para sempre. Quanto tempo? Não muito porque o arco moral do universo é longo, mas este inclina-se em direção à justiça", cita.
Seu segundo documentário, chamado Uma Verdade Mais Inconveniente, estreia no Brasil no dia 9 de novembro e traz a mensagem esperançosa de que o movimento para combater o aquecimento do planeta – e cortar emissões de gases que agravam o fenômeno – está num ponto de virada. E vemos com exemplos da história que o caminho é longo, mas que chegaremos lá. Nesse ponto de virada já estiveram movimentos como o da abolição, como o movimento anti-apartheid décadas atrás e o do direito ao voto às mulheres. Esses movimentos, diz Al Gore, fizeram a sociedade escolher sobre o que era certo ou errado.
O documentário mostra como as mudanças climáticas já estão afetando grande parte da população mundial. Seus efeitos são vistos em inundações em cidades ricas, como Miami Beach e Nova York. Mas também – e em maior gravidade – em países em desenvolvimento, como as Filipinas. Em 2013, o país asiático vivenciou o maior tufão já registrado na história, que deixou milhares de mortos e desabrigados. E retrata os caminhos até a assinatura do Acordo de Paris – e o seguido retrocesso, quando Donald Trump tirou os Estados Unidos do acordo. Mesmo assim, 169 países já ratificaram o acordo, e a mudança está a caminho.

Cine-debate

Na noite de 24 de outubro, o Greenpeace participou de uma sessão especial do documentário, seguida de um debate. Entre os convidados estavam Fabiana Alves, especialista em Clima do Greenpeace Brasil, Alfredo Sirkis, representando o The Climate Reality Project, André Nahur, coordenador do Programa Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil e Delcio Rodrigues, da ClimaInfo como mediador.
Entre os temas levantados por eles e pela plateia estiveram os retrocessos da agenda política atual. O governo brasileiro, apesar de ter assinado o Acordo de Paris, aprova no Congresso um pacote de retrocessos à legislação ambiental brasileira, que podem aumentar o desmatamento na Amazônia, um dos principais fatores de emissão do país.
Para o Brasil, as consequências do aumento da temperatura global já estão acontecendo. E foi consenso entre os participantes e a plateia que as mudanças climáticas são um problema ambiental e social. Aumento da seca, diminuição da produção de grãos e inundações são apenas alguns exemplos de realidades que já acontecem aqui. O Nordeste seria uma das regiões mais afetadas no Brasil. E cidades como Santos e Rio de Janeiro poderiam ter parte de suas infraestruturas destruídas pelo aumento do nível do mar.
Apesar do contexto negativo da política brasileira e da saída de Trump do Acordo de Paris, o mundo caminha para adotar políticas concretas que revertam as mudanças climáticas. O mundo deve resistir aos retrocessos e continuar o caminho em direção à diminuição das emissões de CO2 e às energias renováveis.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/573062-uma-verdade-mais-inconveniente-entre-os-impactos-e-a-esperanca-para-o-fim-da-crise-climatica)

Saia justa de Aécio e Gilmar no WhatsApp

Texto escrito por José de Souza Castro:

Mal assumiu o governo de Minas em 1983, Tancredo Neves começou a articular a sucessão do general Figueiredo na presidência da República. No ano seguinte, derrotada a luta pelas Diretas Já, ele foi indicado candidato pela Aliança Democrática. Em 1985, Tancredo foi eleito presidente do Brasil. O que ele mais temia, durante suas articulações, era ter seu telefone grampeado pelo governo federal.
Quando precisava falar com um correligionário ao telefone, sempre que podia o governador usava o telefone do amigo Murilo Valle Mendes, na mansão do presidente da Construtora Mendes Júnior no Bairro das Mangabeiras, vizinha ao palácio construído pelo governador Juscelino Kubitschek e que serviu de residência a todos os governadores mineiros. Entre eles, o neto de Tancredo, que parece não ter aprendido com o avô naquele tempo, mesmo sendo seu secretário particular.
Houvesse aprendido, Aécio Neves não teria se metido neste ano de 2017 numa saia justa com o ministro Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
“O relatório da Polícia Federal, tornado público pelo STF, revelou que 46 ligações foram realizadas via WhatsApp entre os telefones de Aécio Neves e Gilmar Mendes, de fevereiro a maio de 2017. Uma das ligações aconteceu no dia em que Gilmar deu uma decisão favorável ao tucano”, informa nesta semana o jornal “Folha de S.Paulo”.
Um dos telefonemas entre Aécio e Gilmar foi grampeado no dia 26 de abril pela Polícia Federal, com autorização do STF, no âmbito da Operação Patmo. O senador mineiro pede a Gilmar Mendes que telefone para o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e lhe diga para acompanhar a posição de Aécio, que é “mais sensata”, num projeto de lei que seria votado naquele mesmo dia no Senado, tratando de abuso de autoridade.
Além de prometer telefonar a Flexa Ribeiro, Gilmar disse a Aécio que já havia telefonado para os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Antônio Anastasia (PSDB-MG). Quatorze segundos depois de encerrar o telefonema com Gilmar, Aécio ligou para Flexa Ribeiro e avisou que “um amigo nosso em comum” ligará e fará umas ponderações. Aécio, Flexa e Anastasia faziam parte da Comissão de Constituição e Justiça do Senado que acabou aprovando o texto defendido por Aécio e Gilmar.
Vinte e dois dias depois, Aécio foi afastado do Senado (e substituído por Tasso Jereissati na presidência do PSDB) por ordem do Supremo. Motivo, a gravação feita por Joesley Batista, do frigorífico JBS, sobre um pedido de R$ 2 milhões feito por Aécio para arcar com os custos da própria defesa na Lava Jato. Em delação premiada, Joesley afirmou ainda que pagou R$ 63 milhões como propina em 2014, quando Aécio era candidato a presidente.
Segunda-feira, em entrevista em Porto Alegre, Gilmar disse ser ilegal a divulgação de interceptações que não sejam úteis ao processo, classificando-a de “fofocagem no plano das instituições”. E ensinando: “É um certo assanhamento, uma certa irresponsabilidade, só que feita não por ativistas, mas por gente que tem responsabilidade institucional: delegado, ministro, juiz… isso não pode se fazer. Isso é abuso de autoridade.”
É o mesmo Gilmar Mendes que no dia 18 de março do ano passado suspendeu a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil, com base numa interceptação telefônica feita ilegalmente pela Polícia Federal entre o ex-presidente da República e a então presidente Dilma Rousseff. A decisão foi proferida em ação apresentada pelo PSDB e pelo PPS.
Classificando a nomeação de Lula como uma falsidade e sem entrar no mérito da divulgação ilegal de uma gravação telefônica ilegal, Gilmar Mendes afirma na sua decisão: “O objetivo da falsidade é claro: impedir o cumprimento de ordem de prisão de juiz de primeira instância. Uma espécie de salvo conduto emitida (sic) pela Presidente da República”.
O erro de concordância não vem ao caso. Irrelevante, diante de tudo que já se viu e ouviu de Aécio Neves e Gilmar Mendes – dois tucanos que se cheiram.

(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/10/25/aecio-neves-gilmar-mendes/#more-14639

domingo, 22 de outubro de 2017

Portugal: as causas ocultas do mega-incêndio

Um naturalista português explica: florestas foram substituídas por eucaliptos; e o campo desumanizou-se em favor da monocultura. Como isso tornou a tragédia inevitável?
Por Jorge Paiva

Há notícias de incêndios florestais em Portugal desde o século XII, mas não eram devastadores, apesar de nessa altura não termos corporações de bombeiros, nem os meios atuais para os combater. Nessa altura, a nossa floresta natural, que designamos genericamente por carvalhal, era dominada por “folhosas” (árvores de folha caduca), não sempre-verdes e resinosas, como os pinheiros, nem sempre-verdes e ricas em óleos essenciais, como os eucaliptos. Como é do conhecimento geral as resinas e essências são altamente inflamáveis. Por isso, arde mais rápida e facilmente um pinhal ou um eucaliptal do que um carvalhal.
Das causas que mais contribuíram para o derrube da nossa floresta autóctone, foram os descobrimentos e respetiva expansão, pois eram necessários entre dois mil a quatro mil carvalhos para construir uma nau. A frota da “Campanha de Ceuta” foi composta por duzentas a trezentas naus, para a rota do comércio da Índia construíram-se setecentas a oitocentas naus e para a ocupação do Brasil cerca de quinhentas. Portanto, durante essa época, foram derrubados mais de cinco milhões de carvalhos. Mais tarde, a instalação da rede ferroviária, que exigiu enorme quantidade de lenha para as máquinas e travessas de carvalho para assento dos trilhos, e a intensa pecuária também constituíram relevantes contributos para o desaparecimento da nossa floresta natural.
Na segunda metade do século XIX foram criados os Serviços Florestais, para arborizar as nossas montanhas, praticamente desarborizadas. Deu-se, então, início a uma floresta de produção mono-específica com o pinheiro-bravo. Hoje sabemos que não devíamos ter “pinheirado” desta maneira monótona as nossas montanhas. Mas, em pleno século XX, já com a nossa enorme área de pinhal contínuo, quando havia fogos florestais, eles não tinham as características devastadoras dos atuais. Isto porque as nossas montanhas estavam humanizadas não só pelo pessoal dos Serviços Florestais, como também pelo povo que permanecia na zona do pinhal, pois o pinhal dava-lhe o “mato” para a cama do gado, matéria combustível, madeira e resina. Desta maneira, os fogos florestais eram debelados logo no início, pois o pessoal florestal e o povo estavam nas proximidades da deflagração do sinistro. Além disso, os Serviços Florestais estavam também apetrechados com maquinaria e tecnologia suficientes para debelarem os fogos florestais e os guardas-florestais, que viviam na floresta, conheciam-na muitíssimo bem. Havia incêndios, mas nunca tão devastadores e catastróficos como os atuais.
A desumanização das nossas montanhas teve várias causas. Uma, foi a maneira como se deixou eucaliptar o país. Repetimos o que já tínhamos feito com o pinheiro, mas com a gravidade de agora todos saberem que isso não se devia fazer. Como já dissemos, os eucaliptais, tal como os pinhais (resinosos), também ardem melhor que as florestas de folhosas, por produzirem essências. Com o eucaliptal contínuo contribuiu-se estrondosamente para a desumanização das nossas montanhas. Com o pinhal, a população rural estava lá, para colher a resina, para cortar o mato, para apanhar as pinhas e lenha e para cortar um pinheiro. Como os eucaliptos servem quase exclusivamente para a indústria de celulose e como só dá cortes de dez em dez anos, a população não fica no monte durante dez anos a olhar para uma árvore à espera que ela cresça: vem-se embora e vai lá só de dez em dez anos para o corte.
Além do grande contributo que o eucaliptal deu para a desumanização do nosso meio rural, houve ainda mais fatores que contribuíram para isso.
Um, foi o delapidar dos Serviços Florestais pelos sucessivos governos, desde 1975. Diminuíram drasticamente o número de guardas-florestais e de técnicos florestais, degradando, simultaneamente, não só o patrimônio construído (abandono das casas florestais da montanha, com milhões de euros de prejuízo), como também o patrimônio tecnológico desses serviços, que deixou de ser funcional. Assim, além do povo, as nossas montanhas deixarem de ter guardas e técnicos florestais, que com a sua tecnologia e experiência ajudavam a apagar, de imediato, os incêndios no seu início, pois conheciam muitíssimo bem a floresta e a montanha. Não é com voluntários que se combatem adequadamente incêndios florestais. Tenho muita consideração por todo o voluntário, mas os profissionais têm de estar sempre presentes em qualquer agremiação voluntária. Não se deve escamotear a verdade. Não me recordo de mortes de guardas e técnicos florestais em incêndios florestais. Este ano já morreram vários bombeiros voluntários e arderam várias viaturas de voluntários. Infelizmente, isto são fatos e não mentiras.
Finalmente, outro fator que contribuiu para a desumanização rural foi a drástica mudança nos processos de agricultura e melhores condições de vida. Antigamente, a charrua era puxada por animais. Esses animais, no inverno, ficando nas cortes por baixo das moradias, ajudavam a aquecer as casas. Por outro lado, era necessário roçar o mato dos pinhais para a cama do gado, apanhar pinhas e lenha para combustível, mantendo-se os pinhais mais limpos de material incandescente. Os animais foram substituídos pelos tratores ou outros veículos e as moradias passaram a ser aquecidas com gás ou eletricidade. Além disso a resina deixou de ser rentável e o resineiro, uma presença florestal vigilante e dissuasora, quase desapareceu. Nas matas nacionais, também passou a haver acumulação de material lenhoso inflamável, por falta de capacidade pessoal, técnica e econômica dos Serviços Florestais.
O resultado de tudo isto não foi apenas a desumanização, foi também a acumulação de material lenhoso altamente inflamável (resinoso ou com essências) nas florestas de produção (pinhais e eucaliptais), que foram plantadas, praticamente, sem regra. Assim, não só se tornou mais fácil a deflagração de um incêndio, como também se propaga muito mais velozmente pela acumulação de material inflamável e pela falta de vigilância humana próxima, que era feita pelos Serviços Florestais e pela população rural.
Como toda a gente sabe, os incêndios florestais no nosso país são praticamente todos resultantes de ações humanas, por descuido, vingança, piromania e, valha a verdade, por interesses inconfessáveis. Considero que os noticiários das televisões, com as figuras dos locutores tendo como “pano de fundo” imagens dos incêndios durante todo o noticiário, incentiva os pirômanos. É de todos conhecida a “estranheza” da maioria dos incêndios se iniciarem durante a noite e quase simultaneamente em vários locais. Toda a gente sabe que, quando se noticia um suicídio, não se devem mostrar imagens, pois estas constituem um fator precipitador de suicídios em doentes mentais com tendência suicida.
Além de terem acabado com os Serviços Florestais, “obrigaram” o povo a abandonar os montes por estarem eucaliptados. Correia da Cunha bem demonstrou que Portugal estava a ficar demograficamente desequilibrado, mas os políticos não o quiseram ouvir (aliás, não convinha). Já que não querem humanizar minimamente as montanhas com vigias durante o Verão, ao menos façam a ordenamento do território. Ribeiro Telles e tantos outros bem têm alertado para esta urgência, mas, igualmente, os governantes nada têm feito. Arranjam sempre desculpas de vária ordem, quando a única razão para que isso ainda não tenha sido feito é não só porque dá imenso trabalho, como também porque daria muitos problemas com os proprietários rurais. Além disso, os resultados de um trabalho desses não são imediatos, o que é mau para “angariação” de votos nas eleições seguintes.
Enquanto não se reorganizarem convenientemente (com profissionais e tecnologia adequada) os Serviços Florestais e não se efetuar o devido ordenamento do território, vamos continuar a ter “piroverões”, noticiados de modo inqualificável pelas televisões, por continuarmos a ter governantes incapazes, que não estão para ter trabalho e aborrecimentos.
Assim, a consequência final será realmente a desertificação, com as nossas montanhas cobertas de rocha nua, pois sem vegetação o solo é completamente arrastado pelas águas pluviais.

* Publicado originalmente no jornal Públicoem 2013, este texto foi reproduzido pela revista digital Buala em 18/6/2017.

(fonte:  http://outraspalavras.net/posts/portugal-as-causas-ocultas-do-mega-incendio/)

Desmatamento na Amazônia: o que comemoramos

O governo federal divulgou nessa terça-feira, em Brasília, que a taxa de desmatamento na Amazônia caiu 16% entre agosto de 2016 e julho de 2017 em relação ao mesmo período anterior. Com isso, a derrubada volta a cair depois de dois anos de tendência de alta, mas não há real motivo para celebração.
A reportagem é publicada por Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAM, 17-10-2017.

“Bom que caiu a taxa, mas temos de focar em acabar com o desmatamento. Já passou da hora de o Brasil pensar somente em comando e controle e passar a trabalhar as políticas públicas que estimulam aqueles que não desmatam e que produzem de maneira sustentável. Só assim poderemos comemorar”, afirma o diretor-executivo do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), André Guimarães.
“Adicionamos 6.624 quilômetros quadrados desmatados na Amazônia – somando tudo desde o início da série histórica, é uma Alemanha e um Portugal destruídos”, afirma o pesquisador sênior do IPAM, Paulo Moutinho. “Enquanto ficarmos comemorando as quedas das taxas, vamos fechar os olhos para o fato que estamos apenas destruindo florestas em um ritmo mais lento, mas a destruição continua.”
Em 2016, o Brasil desmatou 7.893 km2 na Amazônia e, no ano anterior, 6.207 km2. A taxa ainda é muito mais alta do que a meta proposta pelo próprio governo, em 2009, de chegar a 3,5 mil km2 em 2020.
Com isso, também fica em xeque a capacidade do país de cumprir sua parte no Acordo de Paris, compromisso global de redução de emissão de gases estufa: são mais 330 milhões de toneladas de CO2 emitidos pelo desmatamento em 2017, quando deveríamos reduzir de 36% a 39% essas emissões até 2020, em relação aos níveis de 1990. E isso na véspera da 23ª Conferência do Clima da ONU, que acontecerá em novembro, na Alemanha.
O desmatamento na Amazônia também não traz benefícios ao país, pelo contrário: proteção florestal, num contexto de mudança climática, representa a manutenção de um regime climático mais estável, incluindo a ocorrência de chuvas, tão necessária para a produção agrícola. Sem florestas, haverá impactos econômicos consideráveis na produção no campo no futuro.
“Tudo indica que essas quedas são flutuações que existem desde 2012, pelo menos. Mas o fato é que todo ano uma área enorme é desmatada na região. Só vamos comemorar quando o desmatamento chegar a zero”, diz Moutinho.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/572748-desmatamento-na-amazonia-o-que-comemoramos)

Desastres naturais levam 24 milhões de pessoas por ano a situações de pobreza

Catástrofes naturais fazem com que, anualmente, 24 milhões de indivíduos sejam levadas à miséria, alertou na semana passada o secretário-geral da ONU, António Guterres. Dirigente pediu mais compromisso com marcos globais para combater a ameaça dos desastres. Segundo novo relatório do Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNISDR), fenômenos extremos deslocam cerca de 14 milhões de pessoas por ano.
A reportagem foi publicada por ONU Brasil, 1610-2017.

Catástrofes naturais fazem com que, anualmente, 24 milhões de indivíduos sejam levadas à miséria, alertou na semana passada o secretário-geral da ONU, António Guterres. Dirigente pediu mais compromisso com marcos globais para combater a ameaça dos desastres. Segundo novo relatório do Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNISDR), fenômenos extremos deslocam cerca de 14 milhões de pessoas por ano.
Produzida a partir de dados de 204 países, a pesquisa do UNISDR alerta que, dos dez países mais suscetíveis à destruição e à consequente migração associada aos fenômenos extremos, oito são do Sul e Sudeste da Ásia.
“À exceção das mortes e dos graves ferimentos (verificados) em situação de desastre, não há golpe mais esmagador do que a perda do lar, que é frequentemente o local de trabalho em muitos dos países mais afetados”, explicou o representante especial do secretário-geral da ONU para o tema, Robert Glasser. O relatório da agência da ONU foi divulgado por ocasião do Dia Internacional para a Redução de Desastre, lembrado em 13 de outubro.
Na Índia, 2,3 milhões de pessoas estão sob a ameaça de, no futuro, ter de se deslocar por causa da devastação provocada por catástrofes naturais. Na China, o número estimado pela agência da ONU é de 1,3 milhão. O gigante oriental é seguido por Bangladesh (1,2 milhão), Vietnã (1 milhão), Filipinas (720 mil), Mianmar (570 mil), Paquistão (460 mil), Indonésia (380 mil), Rússia (250 mil) e Estados Unidos (230 mil).
O modelo estatístico utilizado pelo organismo da ONU tem por objetivo fornecer dados para cálculos de migrações a longo prazo. Não foram incluídos números relativos a deslocamentos causados por desastres “lentos”, como secas ou enchentes provocadas pela elevação do nível dos oceanos.

Desastres geram pobreza

Em pronunciamento para o dia internacional, o secretário-geral da ONU, António Guterres, ressaltou que “uma média de 24 milhões de pessoas são empurradas para a pobreza, a cada ano, pelos desastres”. “Pobreza, urbanização acelerada, governança frágil, a deterioração dos ecossistemas e as mudanças climáticas estão acentuando o risco de desastres”, afirmou o chefe das Nações Unidas.
O dirigente máximo do organismo internacional avaliou que, com sistemas eficientes de alerta precoce e evacuação, países já conseguem evitar índices massivos de mortes em desastres.
“Agora, temos que focar em reduzir o sofrimento humano e o número de pessoas afetadas”, defendeu Guterres. “Medidas práticas incluem a realocação de pessoas vivendo em zonas de perigo; a implementação de códigos de construção (civil) sólidos; e a preservação de ecossistemas protetores. Reduzir as emissões de gases do efeito estufa é fundamental. A mudança climática está agravando a frequência e a intensidade elevadas de eventos climáticos extremos.”
O secretário-geral cobrou compromissos mais ambiciosos para alcançar as metas do Acordo de Paris e lembrou de outro marco global estabelecido para auxiliar países a prevenir catástrofes — o Marco Sendai para a Redução de Risco de Desastre. Adotado há dois anos pelos Estados-membros da ONU, esse documento “é essencial para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, afirmou Guterres.

PNUD faz apelo por sustentabilidade

Também por ocasião da data, o administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Achim Steiner, lembrou que regiões da Ásia já são afetadas atualmente por desastres naturais.
Recorde de inundações em Bangladesh, Índia e Nepal tornaram a vida miserável para cerca de 40 milhões de pessoas. Mais de 1,2 mil pessoas morreram, e muitas outras perderam suas casas. Plantações foram destruídas, e muitos locais de trabalho, inundados. Enquanto isso, na África, nos últimos 18 meses, 20 países declararam estado de emergência pela seca, com grandes deslocamentos ocorrendo em toda a região do Chifre”, disse.
O chefe da agência da ONU fez um apelo por um mundo sustentável. “Enquanto a catástrofe silenciosa de 4,2 milhões de pessoas que morrem prematuramente todos os anos por causa da poluição ambiental, principalmente relacionada ao uso de combustíveis fósseis, recebe relativamente pouca atenção da mídia, está cada vez mais nítida a consequência dos gases de efeito estufa, concentradores de calor, em eventos climáticos extremos.”
Segundo Steiner, já existe um claro consenso na comunidade científica sobre a relação entre aquecimento global e a gravidade de desastres.
“O aumento das temperaturas está aumentando a quantidade de vapor de água na atmosfera, levando a chuvas e inundações mais intensas em alguns lugares, e a secas em outros. Algumas áreas experimentam ambas, como foi o caso deste ano na Califórnia, onde um recorde de inundações seguiu-se a anos de seca intensa.”

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/572780-desastres-naturais-levam-24-milhoes-de-pessoas-por-ano-a-situacoes-de-pobreza)

O FMI desmente Trump e Macron: "Mais impostos sobre os ricos são necessários para reduzir a desigualdade"

O respeitado Fiscal Monitor do Fundo Monetário Internacional defende que o aumento da carga fiscal sobre os rendimentos mais elevados não freia o crescimento. "Há espaço para alíquotas mais elevadas daquelas aplicadas agora"

A reportagem é de Ettore Livini, publicada por Repubblica, 13-10-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.

O Fundo Monetário Internacional redescobre-se como Robin Hood e lança sua receita "fiscal" para reduzir as desigualdades sociais: taxar os ricos para ajudar os pobres. O oposto das reformas com a chancela de Donald Trump e Emmanuel Macron.
A solução do FMI vem do tradicional (e influente) Fiscal Monitor de Washington. Os tons, no estilo da casa, são contidos e acadêmicos. Mas a substância é clara: as melhores práticas econômicas recomendam aplicar aos contribuintes de renda alta alíquotas significativamente mais elevadas em relação às atuais, que estão em constante diminuição. Muitos estudos – admitem os homens de Christine Lagarde - defendem que um aperto no parafuso fiscal nos ricos pode prejudicar o crescimento. Tese que o Fundo rejeita taxativamente: "Os resultados empíricos não confirmam qualquer hipótese deste tipo, pelo menos para aumentos progressivos da carga tributária não excessivos".
O FMI, obviamente, não dá os nomes dos países e nem aponta o dedos para ninguém. O diagnóstico do Fiscal Monitor, porém é sem apelação: as economias mais avançadas – é a síntese - viveram durante as últimas três décadas um aumento acentuado nas desigualdades. A culpa é do nítido aumento da riqueza nas mãos do 1% mais rico da população. Uma montanha de ouro que de alguma forma goza de um tratamento fiscal privilegiado não só para acessibilidade dos Tios Patinhas às mais variadas (e nem sempre legais) formas de otimização fiscal: a alíquota máxima média dos países mais industrializados da OCDE - calcula um blog de Vito Gaspar, responsável pelos estudos tributários do FMI - despencou de 62% em 1981 para 35% em 2015.
O estudo do Fundo, obviamente, rapidamente encontrou uma leitura política própria.

O Partido Trabalhista de Jeremy Corbin já o assumiu para as suas propostas fiscais: uma taxa de 45% para aqueles com rendimentos acima dos 80 mil libras (pouco menos de 100 mil euros), subindo para 50%, além dos 123 mil. Na direção oposta movimentaram-se por sua vez Paris e a Casa Branca, identificados por muitos como o alvo do estudo do Fundo: Donald Trump acabou de anunciar uma série de cortes de impostos cujos principais beneficiários seriam justamente os mais ricos. O plano de Macron, por sua vez, prevê um corte do chamado "imposto sobre as fortunas", uma espécie de enxugamento sobre a "patrimonial" que gravava sobre os bens dos franceses mais ricos.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/572680-o-fmi-desmente-trump-e-macron-mais-impostos-sobre-os-ricos-sao-necessarios-para-reduzir-a-desigualdade)

Por que denunciar privatizações na Petrobras e Eletrobrás

Texto escrito por José de Souza Castro:

Está sendo discutido na comissão especial da medida provisória 795, que era presidida pelo senador tucano José Serra, se o Brasil quer mesmo impedir que empresas brasileiras continuem participando, como fornecedoras de equipamentos, nos projetos de exploração do petróleo no próprio país. O governo, autor da MP, gostaria de deixar tudo a fornecedores estrangeiros.
O Partido dos Trabalhadores vai combater essa MP, garante o líder do partido na Câmara dos Deputados, Carlos Zarattini, como se vê aqui. Ele afirma que o objetivo da MP é dar aos equipamentos importados o mesmo tratamento tributário dado aos equipamentos produzidos no Brasil, o que enterraria “a indústria naval, a indústria de equipamentos, a tecnologia desenvolvida pela Petrobras e pelas empresas que fornecem à Petrobras”.

E a Fiesp, tão barulhenta com seus patos, no passado, se mantém silenciosa. Não se ouve ali um único quá quá quá “em defesa da indústria nacional de petróleo e gás”.
No discurso feito no dia 10 deste mês na Câmara dos Deputados, ao revelar que José Serra deixara a presidência da comissão, Zarattini buscou uma explicação: “Do jeito como estão as coisas criminalizadas nesse país, provavelmente ele seria considerado um criminoso por estar beneficiando a indústria estrangeira de produção de equipamentos de exploração de petróleo e gás”.

É difícil esquecer, passados sete anos, o que teria dito José Serra à diretora de desenvolvimento de negócios e relações com o governo da petroleira Chevron, Patrícia Padral. Conversa revelada pelos papéis secretos do Departamento de Estado vazados pelo Wikileaks, mostrando que, quando Serra se preparava para disputar as eleições presidenciais, o governo dos Estados Unidos já estava focado em conseguir bons acordos no Brasil para as petroleiras Chevron e Exxon, mesmo que tivesse que espionar a Petrobras.

O Brasil tem muito a perder. O assunto ficou esquecido no discurso de Zarattini, mas muita gente já tomou conhecimento de um estudo feito pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados sobre a MP 795. Nele se diz que, se aprovada, a MP pode resultar na não arrecadação de R$ 1 trilhão com o óleo do pré-sal, considerando toda a extração das reservas, caso o preço do barril de petróleo Brent fique em US$ 60. O preço vem subindo e hoje está na casa dos US$ 56.

Pelas regras da medida provisória, lê-se aqui, a participação do Brasil em cada barril — na prática, a porcentagem que o país recebe de cada um deles — passará de 59,7% para 40%, uma das mais baixas do mundo. O estudo mostra que, por exemplo, a China possui uma participação de 74% sobre o petróleo extraído em seu território, os Estados Unidos de 67%, a Rússia de 66%, e o Reino Unido fica com 63%.

O restante fica com as multinacionais do petróleo, entre as quais se destacam as dos Estados Unidos.
O governo dos Estados Unidos, ainda sob Barack Obama, tinha bons motivos para apoiar o golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff e pôs em seu lugar Michel Temer. Derrubar este não será nada fácil. Donald Trump, ainda mais que Obama, tem bons motivos para não deixar. Logo depois de ser eleito, Trump escolheu como secretário de Estado o engenheiro Rex Tillerson, que, para assumir, renunciou à presidência da Exxon Mobil, cargo ocupado por ele desde 2006.

Já se vê por aqui os bons serviços de Rex Tillerson, com participação ou não de José Serra, não por acaso o primeiro ministro de Relações Exteriores do governo Temer. No último leilão de áreas petrolíferas promovido por Temer, a Petrobras se uniu à Exxon para explorar os principais campos de petróleo ainda em águas rasas. A Chevron, por sua vez, não perde por esperar pelos próximos leilões das áreas do pré-sal…

Um dos objetivos do golpe, ficou mais do que evidente, era acabar com a participação exclusiva da Petrobras nos campos do pré-sal, vinda do governo Lula. E não para aí. A entrega da Eletrobrás vem a seguir – ou simultaneamente.

Sobre isso, enquanto a Fiesp, a Fiemg e que tais se calam, outros falam. O líder do PT destaca um deles, José Luiz Alquéres, que adverte: “a privatização não pode ser feita para arrumar trocados para o tesouro e, sim, para montar um sistema elétrico adequado para o século 21, para uma economia de baixo carbono. Preste atenção: só vemos em alguns momentos um mar de ignorante e lobistas, sem contar especuladores dando as cartas e fazendo proposições.”

O que se quer com a privatização da Eletrobrás, diz Alquéres, é descontratar a energia barata produzida nas antigas usinas hidrelétricas para que ela seja fornecida ao chamado mercado livre, com preço aumentado substancialmente. Além de pagar mais caro, o consumidor brasileiro vai perder o controle sobre as águas, sobre a energia limpa das hidrelétricas, particularmente as de Minas Gerais, de Furnas e as da CHESF do Rio São Francisco.

“Nós temos que denunciar isso”, discursa Zarattini. “É óbvio que não está em conta nesse modelo a chamada modicidade tarifária, porque o que interessa é a maximização dos lucros. É óbvio que o modelo de tarifa vai subir. E é importante a gente notar que quem está à frente desse modelo, desenvolvendo esse modelo, não é outro senão o secretário executivo do Ministério de Minas e Energia, senhor Paulo Pedrosa, ex-presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica. Exatamente os que mais vão ganhar com esse novo modelo, onde os comercializadores do mercado livre, sem bater um prego na madeira, vão ganhar uma importante fatia de milhões, de bilhões de reais que estão envolvidos no mercado de energia”.

Completa o deputado petista: “Nós temos que denunciar isso porque, como diz o senhor José Luiz Alquéres, quem está operando essa transformação, essa manipulação, são lobistas que nada entendem do mercado de energia, ou aqueles que entendem e entendem tão bem que querem desviar bilhões de reais para interesses privados, tirando do consumidor, que é o povo brasileiro.”
É isso: DENUNCIEMOS!

(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/10/16/privatizacoes-petrobras-eletrobras/#more-14593)

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Peixes diminuem de tamanho à medida que a temperatura do oceano aumenta

Um dos peixes economicamente mais importantes está diminuindo em peso corporal, comprimento e tamanho físico total à medida que a temperatura do oceano aumenta, de acordo com uma nova pesquisa do professor R. Eugene Turner, da LSU Boyd, publicada na Geo: Geography and Environment. O tamanho médio do corpo do Brevoortia patronus (Gulf Menhaden) um pequeno peixe pescado nos EUA, das costas do Maine ao Texas – diminuiu cerca de 15% nos últimos 65 anos.
A reportagem é de Alison Satake, publicada por Lousiana State University, editada e traduzida por Henrique Cortez e reproduzida por EcoDebate, 09-10-2017.

Menhaden constituiu cerca de metade da pesca de peixe do Atlântico e do Golfo do México, num valor estimado em, aproximadamente, US$ 129 milhões em 2013. São espécies costeiras que se reproduzem no oceano e se mudam para estuários onde os peixes jovens crescem de um até dois anos de idade. A temperatura da superfície do ar e do mar na costa atlântica e no Golfo do México aumentou constantemente, especialmente nos estuários, onde a troca de calor ocorre de forma eficiente entre o ar e o mar. Os menhaden adultos retornam para o oceano onde são pescados com redes de cerco.
Menhaden é uma importante fonte de alimento para aves, focas, baleias e outros animais. Portanto, as consequências do encolhimento de Menhaden, no tamanho do corpo, se estendem por toda a cadeia alimentar.
Turner calculou as mudanças de peso e comprimento desses peixes usando dados coletados pelo National Marine Fisheries Service. De 1955 a 2008, cerca de 495,000 menhaden do Atlântico foram coletados pela agência. De 1964 a 2010, foram coletados cerca de 510 mil menhaden do Golfo do México. Os dados mostram um declínio no peso e comprimento anual entre os peixes de 3, 4 e 5 anos de idade. Por exemplo, um peixe de 4 anos capturado em 2010 pesou 11 por cento menos do que um peixe de 4 anos capturado em 1987.

Referência:

Turner R Eugene. Smaller size-at-age menhaden with coastal warming and fishing intensity. Geo: Geography and Environment. 2017, 4(2): e00044. DOI: 10.1002/geo2.44

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/572496-peixes-diminuem-de-tamanho-a-medida-que-a-temperatura-do-oceano-aumenta)

'Novo analfabetismo': por que tantos alunos latino-americanos terminam ensino fundamental sem ler ou fazer contas

A conclusão do ensino fundamental é uma etapa essencial da vida estudantil, mas para grande parte dos alunos latinos-americanos ela é concluída sem que sejam aprendidas habilidades mínimas.
Segundo um informe recente do Instituto de Estatísticas da Unesco, braço da ONU para a educação, grande parte dos jovens da América Latina e do Caribe não alcançam os níveis exigidos de proficiência em capacidade leitora ao concluírem o que no Brasil equivale à segunda etapa do ensino fundamental, em geral, aos 14 anos.
A reportagem é de Ángel Bermúdez, publicada por BBC Brasil, 11-10-2017.

O estudo diz que, em média, 36% das crianças latino-americanas no ensino fundamental não estão atingindo as habilidades mínimas de leitura. Em matemática, esse índice sobe para 52%.
Em números absolutos, 19 milhões de adolescentes do continente concluem o fundamental "sem conseguir níveis mínimos" de compreensão nessas áreas.
Especificamente no Brasil, dados compilados pela plataforma QEdu com base no Prova Brasil 2015 dão a dimensão do problema nessa etapa do ensino: apenas 30% dos alunos da rede pública saem do 9º ano com aprendizado adequado em leitura e interpretação.
Em matemática, apenas 14% dos alunos do 9º ano aprenderam o adequado em resolução de problemas.

'Novo analfabetismo'

Silvia Montoya, diretora do Instituto de Estatísticas da Unesco, considera "dramática" a ausência de compreensão de leitura em tantos estudantes do continente.
"O fato de haver crianças sem competências básicas, no que se refere a ler parágrafos simples e extrair informações deles, é o que eu consideraria uma nova definição de analfabetismo", diz ela à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC.
"No mundo de hoje, ter um nível mínimo de alfabetização já não é (apenas) saber ler o próprio nome e escrever algum fato da vida cotidiana. Carecer de compreensão leitora é uma espécie de incapacidade de se inserir na sociedade, poder votar e entender as propostas dos candidatos, entender seus próprios direitos e deveres como cidadão. Afeta todas as dimensões."
E, prossegue Montoya, a leitura é uma habilidade básica, sobre a qual se constroem as demais capacidades estudantis.
"Sem essa competência, estamos gerando crianças e adolescentes que vão (vivenciar) diretamente muitas frustrações pessoais e de integração social e profissional. Sem entender textos, é muito difícil avançar em qualquer área."
A situação se agrava quando se leva em consideração o grau de exigências do mundo atual, em que a informação disponível é complexa e tem diferentes graus de qualidade e confiabilidade - o que exige leitores com senso crítico e habilidade de interpretação.

Uma escola que não funciona

E se antes o desafio da América Latina era o da inclusão dos alunos ao sistema de ensino, hoje a questão é mais qualitativa do que quantitativa.

O relatório da Unesco afirma que "o desperdício de potencial humano evidenciado pelos dados confirma que levar as crianças à sala de aula é apenas metade da batalha. Agora, temos de garantir que todas as crianças naquela sala de aula estejam aprendendo as habilidades básicas de que precisam em leitura e matemática, no mínimo".
"Agora, a realidade é que as crianças estão dentro do sistema educativo, mas há uma inabilidade da escola em dotá-los do nível de aprendizado razoável e mínimo para as circunstâncias que demanda o mundo hoje e no futuro", afirma Montoya.
E isso é resultado de uma série de problemas, como formação deficiente que não prepara os docentes para lidar com os desafios de sala de aula, problemas de infraestrutura, numerosas perdas de dias letivos por conta de greves e outras questões - além, também, da própria situação socioeconômica dos estudantes, que "podem vir de lares de baixa renda e contar com menor apoio familiar".
"Há uma combinação de fatores que podem variar em cada lugar, mas evidentemente há uma ausência de políticas específicas para enfrentar o problema", afirma Montoya.
Ela agrega que é preciso analisar os currículos, a formação de docentes - para garantir que sejam capazes de ensinar crianças vindas de contextos sociais difíceis -, contar com um ambiente e uma infraestrutura adequados e ter uma rede de políticas sociais de apoio.
No Brasil, uma nova base nacional curricular, documento do Ministério da Educação que vai definir diretrizes de ensino, está atualmente em fase de consulta pública.
"Não há como resolver (o problema da educação) sem uma visão integral do sistema educacional", opina Montoya.
O problema não se restringe à América Latina - é um drama global.
O relatório da Unesco calcula que, no mundo, haja 617 milhões de crianças e adolescentes - o equivalente a três vezes a população total do Brasil - incapazes de entender minimamente um texto ou resolver problemas matemáticos básicos, o que seria esperado em sua idade escolar.
Na África Subsaariana, 88% dos alunos concluem os estudos equivalentes ao fundamental com problemas de compreensão em leitura. Para efeitos comparativos, esse índice cai para 14% na América do Norte e na Europa.

(fonte:  http://www.ihu.unisinos.br/572562-novo-analfabetismo-por-que-tantos-alunos-latino-americanos-terminam-ensino-fundamental-sem-ler-ou-fazer-contas)

Número de crianças obesas se multiplica por dez em quatro décadas

O mundo enfrenta uma crise global de má nutrição causada tanto pela falta de comida como pelo consumo de alimentos processados pouco saudáveis. Os dois problemas estão relacionados com a pobreza e a desigualdade social e ameaçam cada vez mais os países em desenvolvimento, alerta um estudo publicado nesta quarta-feira pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em colaboração com instituições acadêmicas do Reino Unido.
A reportagem é de Nuño Domínguez, publicada por El País, 11-10-2017.

No mundo já há 124 milhões de crianças e jovens — entre cinco e 19 anos — que sofrem de obesidade, um número dez vezes maior do que o registrado há quatro décadas. Enquanto o problema segue crescendo entre os mais jovens, o avanço da desnutrição está diminuindo a nível global. Se estas tendências continuarem nos próximos anos, em 2022 haverá no mundo mais crianças e jovens obesos do que desnutridos, acrescenta o trabalho, que também ressalta que há outros 213 milhões de garotos e garotas com sobrepeso. À este problema é preciso somar o dos 192 milhões de crianças e jovens com desnutrição moderada e aguda, um problema que afeta especialmente países asiáticos, como a Índia.
“A obesidade também é uma consequência da má nutrição”, explica Chiara di Cesare, especialista em saúde pública da Universidade de Middlesex e coautora do estudo, publicado nesta quarta na revista médica The Lancet, e cujos dados por países podem ser observados aqui. O estudo analisou mais de 2.000 estudos sobre o índice de massa corporal de adultos, crianças e adolescentes que inclui dados de 128 milhões de pessoas para estimar as taxas de sobrepeso, obesidade e desnutrição em 200 países.
“A obesidade também é uma consequência da má nutrição A região com mais crianças obesas é a Polinésia, onde mais de 30% das crianças e jovens estão obesos. Em seguida estão outras regiões de países em desenvolvimento com taxas próximas a 20% na Ásia e no Norte da África, como Arábia Saudita, Iraque, Kuwait e Egito. América Latina também é uma das regiões onde mais cresceu a obesidade entre as crianças, explica Di Cesare. A nível global, 5,6% das garotas e 7,8% dos garotos estão obesos. Em 1975, o primeiro ano analisado, as cifras eram de 0,7% e de 0,9%, respetivamente. Quando analisados os dados apenas do Brasil, os números são ainda mais altos: entre os meninos, a prevalência é de 12,7% e, entre as meninas, de 9,4% —em 1975, era de 0,9% para ambos e, em 2000, quando houve um estirão de crescimento, de 5,7% entre eles e de 5% entre elas.
“Ainda não está clara qual é a explicação para que se tenha tanta obesidade nestes países, embora uma das razões possa ser as mudanças bruscas no mercado de alimentação e a chegada das comidas processadas com baixo valor nutritivo”, ressalta a especialista. Enquanto a obesidade entre jovens avança nos países em desenvolvimento, o crescimento está estancando na Europa e nos EUA, mas só após décadas de avanço e com uma prevalência que continua sendo muito alta, alertam os autores do trabalho.
Se o impacto da desnutrição é visível e de curto prazo — certa de três milhões de crianças morrem por estas causas a cada ano —, o da obesidade é crônico, pois fomenta doenças como a diabetes, os problemas cardiovasculares ou o câncer, que aparecem após décadas. Com esta tendência, se não se tomarem medidas “sérias” contra a obesidade, “se colocará em risco desnecessário a saúde de milhões de pessoas, o que elevará os custos humanos e econômicos”, alertou Leanne Riley, especialista da OMS e coautora do estudo.
Majid Ezzati, pesquisador do Imperial College e um dos coordenadores do trabalho, ressalta que “a maioria de países ricos resistiram a estabelecer impostos e regulação para mudar os hábitos alimentares das crianças e, assim, evitar a obesidade infantil”. “Mais importante é que existem muito poucas políticas e programas dedicados a facilitar o acesso a comidas saudáveis como os grãos integrais, frutas e vegetais para famílias pobres. A impossibilidade de comprar comida saudável pode levar à desigualdade social e à obesidade”, acrescenta.
A transição entre a desnutrição e o sobrepeso e a obesidade pode acontecer de forma rápida em países em desenvolvimento que passam de ter falta de comida a um acesso facilitado a alimentos e bebidas processadas com alto teor de gorduras, sal e açúcares e poucos nutrientes essenciais, alertam os autores. Ao mesmo tempo, “os países desenvolvidos mostram um estancamento do avanço da obesidade, mas é possível que o que esteja acontecendo é uma redução só entre os mais ricos e um avanço entre os setores mais desfavorecidos”, adverte Di Cesare.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/572560-numero-de-criancas-obesas-se-multiplica-por-dez-em-quatro-decadas)

Café História da semana

Projeto inovador de quadrinhos digitais estreia com ficção sobre Segunda Guerra Mundial
“Protanopia” é um quadrinho multiação, animado e que o próprio leitor controla a partir de tablets e celulares. Aplicativo é gratuito. Clique aqui para ler a notícia. 
 


 

Historiador comenta novo “Call of Duty”, famoso game que está que volta à II Guerra Mundial

Game multiplataforma que será lançado em novembro já foi objeto de estudo de dissertação de mestrado em História defendida no Brasil.

Historiadora cria blog para registrar o dia a dia de sua pesquisa no Egito

“Diário de campo de uma egiptóloga portuguesa no Egito” foi lançado nesta terça-feira e também tem a função de difundir o debate sobre o Egito Antigo.
 




Hidrocídio brasileiro: a matança das águas

São Francisco, Araguari, Paracatu, Tocantins, Javaés. Os rios brasileiros agonizam. “Não sabemos o que será e nem como será, só sabemos que estamos preparando o inferno para as gerações futuras.”
Por Roberto Malvezzi (Gogó)

A cada dia chega a notícia da morte de um rio, ou de que um rio famoso agoniza. Afluentes dos grandes rios brasileiro estão sendo mortos às centenas, aos milhares, num verdadeiro hidrocídio, isto é, a matança das águas.

Esses dias nos chegou a visão do leito seco do Paracatu, um dos maiores afluentes do São Francisco. No ano passado, em Macapá, me contaram que a pororoca do rio Araguari estava extinta. Esse ano, no Acre, me informaram que o prognóstico científico é de que o rio do Acre seque em dez anos.
Em Miracema, quando estive lá no ano passado, quase atravessamos o rio Tocantins a pé, com a água alcançando no máximo a cintura. Ali mesmo nos contaram que o rio Javaés, que faz a Ilha do Bananal, considerada a maior ilha fluvial do mundo, também tinha secado.

O Velho Chico agoniza a olho nu, com pouco mais de 500 m³/s, e na sua foz o mar avança São Francisco adentro, já salinizando as águas antigamente doces das comunidades ribeirinhas.
Nosso ciclo das águas, que se origina na Amazônia e depois se espalha por todo território brasileiro, chegando até Buenos Aires, Assunção e Montevideo, está sendo estrangulado pelas atividades predadoras que precisam destruir a vegetação para se impor. Ao destruir a Amazônia matamos a bomba biótica que injeta água na atmosfera; ao destruir o Cerrado matamos nossos maiores reservatórios naturais, aquíferos como o Bambuí, Urucuia e Guarani. A riqueza derivada da rapinagem não tem fôlego e também entrará em colapso com o colapso de nossas águas.

Não sabemos exatamente o que será e nem como será, só sabemos que estamos preparando o inferno para as gerações futuras.

Mesmo assim não nos conformamos. Como diz uma frase atribuída a Martin Luther King, “se eu soubesse que o mundo acabaria amanhã, mesmo assim hoje eu plantaria uma árvore”.

(fonte: http://outraspalavras.net/blog/2017/10/13/hidrocidio-brasileiro-a-matanca-das-aguas/)

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Wallerstein: tempos de incerteza caótica

Cresce a instabilidade global. Atores políticos antes previsíveis alteram seu comportamento bruscamente. Antecipar o futuro torna-se quase impossível. A crise estrutural aprofunda-se

Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Inês Castilho

Você está confuso com o que acontece no mundo? Eu também estou. Todo mundo está. Essa é a realidade subjacente e contínua de um sistema-mundo caótico.
Numa situação caótica, há mudanças constantes e dramáticas nas prioridades de todos os atores. Num dia, as coisas parecem correr de modo favorável, do ponto de vista de certo ator. No dia seguinte, a perspectiva parece muito desfavorável.
Além disso, parece não haver possibilidade de predizer que posição os atores assumirão no momento seguinte. Comportam-se de maneiras que pensávamos impossíveis, ou no mínimo improváveis, surpreendendo-nos repetidamente. Mas estão simplesmente tentando maximizar sua vantagem, ao mudar de postura sobre uma questão importante, mudando também as alianças que farão para conseguir aquela vantagem.
Nem sempre o sistema-mundo esteve mergulhado no caos. Muito pelo contrário! O sistema-mundo moderno, como qualquer sistema, tem suas regras de funcionamento. Essas regras possibilitam que tanto os de fora quanto os participantes avaliem o comportamento provável de diferentes atores. A aderência às regras de comportamento expressa o funcionamento “normal” do sistema.
Somente quando o sistema atinge um ponto em que não é possível retornar a um equilíbrio (móvel) que renova suas operações normais é que ele entra numa crise estrutural. A incerteza caótica é uma característica central dessa crise estrutural.
No começo de setembro de 2017 houve três dessas mudanças dramáticas em prioridades e alianças. A que atraiu maior atenção foi o anúncio, pelo presidente dos EUA Donald Trump, de que havia chegado a um acordo com os líderes democratas do Congresso – senador Chuck Schumer e deputada Nancy Pelosi – para promulgar uma medida de (1) ajuda emergencial para o furacão no Texas e estados vizinhos, sem impor quaisquer condições, combinada com (2) aumento do teto do endividamento, por três anos.
Esse acordo foi significativo por duas razões. Primeiro, porque Trump havia se comprometido a não negociar com os democratas. E mais, essa negociação foi aparentemente nos termos estabelecidos pelos democratas. Mais importante ainda, Trump fez esse acordo sem informar, até o último minuto, a liderança republicana no Congresso – o deputado Paul Ryan e o senador Mitch McConnell, que se sentiram compreensivelmente atacados por essa ação. Segundo, e ainda mais surpreendente, ele adiou por seis meses o fim do programa DACA, celebrado pelo ex-presidente Barack Obama. O DACA foi projetado por Obama para permitir a permanência, nos EUA aos chamados dreamers, imigrantes “ilegais” que chegaram ao país na infância. Trump prometera cancelar o programa no primeiro dia do seu mandato.
Por quanto tempo esse acordo irá durar, ainda não se sabe. Mas seu simples anúncio perturbou, provavelmente por um longo tempo, a relação de confiança entre Trump e os congressistas republicanos. Foi por certo uma virada dramática.
Menos notada, mas muito importante, foi o anúncio, pelo governo da Indonésia, da mudança, para Mar de Natuna Norte, do nome das águas imediatamente ao norte do país. Esse ato aparentemente inócuo pode ser entendido em termos de história das reivindicações marítimas nas águas do leste e sudeste da Ásia. Há algum tempo, a China tem reivindicado a maior parte desses mares e construído bases em ilhas ou mesmo rochas neles localizadas.
As reivindicações chinesas foram contestadas pelas Filipinas, Taiwan e Vietnã, e também pelos Estados Unidos. Até agora, a Indonésia tentou manter-se neutra nessas disputas e até se ofereceu como mediadora. O ato de renomear as águas ao norte do país é, contudo, uma proclamação dos direitos indonésios a águas reclamadas pela China. Anunciar publicamente essa disputa é não apenas um ato contra a China como também uma atitude muito “dura” da Indonésia. A China imediatamente sinalizou seu desagrado com a renomeação. A Indonésia não está recuando.
A terceira virada em alianças é menos dramática porque já acontece há algum tempo. Todavia, agora assumiu uma forma dramática. A Turquia parece ter renunciado a suas obrigações como membro da OTAN, ao decidir pela compra de um sistema militar russo de mísseis terra-ar, que não é “interoperável” pelos aliados da OTAN.
Esse ato é considerado um grande giro nas antigas relações turcas com a Europa Ocidental e os Estados Unidos. Da perspectiva turca, é simplesmente uma resposta a atos hostis de membros da OTAN contra ela. Tem ainda implicações para alianças geopolíticas e grandes arranjos econômicos. É uma maneira de relegar ao passado disputas entre a Turquia e a Rússia sobre a Síria e o Irã. Também aqui é preciso averiguar o quanto durará.
Viradas dramáticas são o arroz com feijão cotidiano de uma crise estrutural. Isso significa que viveremos em incerteza caótica até que a crise estrutural seja resolvida em favor de uma das duas pontas da bifurcação. Precisamos concentrar nossas análises e nossas ações naquilo que torna mais provável o lado progressista da bifurcação ultrapassar, no médio prazo, o lado reacionário, para a resolução dessa luta.

(fonte: http://outraspalavras.net/capa/wallerstein-tempos-de-incerteza-caotica/)

Catalunha: depois da polícia, os tanques?


Até os neoliberais inteligentes sugerem ao governo espanhol negociar. Mas Mariano Rajoy recrudesce — ou por cálculo eleitoral, ou porque à “nova” direita já não importa nem as aparências democráticas
Por Nuno Ramos de Almeida, de Barcelona

O Tribunal Constitucional mandou anular a sessão de segunda-feira do Parlamento catalão, na qual o presidente do governo da Catalunha, Carles Puigdemont, apresentaria os resultados do referendo de 1º de outubro, antes mesmo da sessão ter sido formalmente convocada. Apesar das várias ofertas de mediação para tentar que governos espanhol e catalão se encontrem e falem sem condições prévias, como referiu à estação de televisão La Sexta o vice-presidente da Generalitat, Oriol Junqueras, a verdade é que Mariano Rajoy, presidente do Governo espanhol exige, para conversar, a rendição dos catalães.E a pressão segue em várias frentes. O responsável pela polícia catalã, Josep Lluís Trapero, e os dirigentes das associações independentistas Assembleia Nacional Catalã (ANC) e Omnia Cultural foram responder em Madrid no tribunal da Audiência Nacional por acusações de sedição.Apesar de repetir todos os dias, como um mantra, que a Catalunha continuará a ser parte de Espanha, o governo de Rajoy ultima um decreto que facilite a saída de empresas da região rebelde para outras partes de Espanha. Segundo o vice-presidente catalão, “o governo espanhol pressionou os bancos Sabadell e a Caixa para saírem da Catalunha com métodos que não usam governos democráticos”. Métodos à parte, o banco Sabadell já confirmou a saída para Alicante, justificando a “necessidade de defender os seus acionistas e os seus depositantes”, perante um cenário de anúncio de Declaração Unilateral de Independência (DIU), e não podendo arriscar ficar fora do euro e do guarda-chuva do Banco Central Europeu.
Uma decisão que tem dois lados, como sublinha em entrevista ao i, a sair na próxima segunda-feira, o antigo porta-voz da Candidatura de Unidade Popular Unitária (CUP, autonomista de esquerda) no Parlamento da Catalunha, David Fernàndez. “Se a Caixa e o Sabadell se forem, perdem grande parte dos seus negócios aqui; no caso da Caixa isso significa cerca de 50% de seu faturamento”, afirmou. Mais do que medidas econômicas está-se assistindo a um segundo turno do referendo de 1º de outubro, em que algumas das grandes empresas catalãs tomam uma posição ativa contra uma possível independência, a exemplo do que fizeram as suas congêneres escocesas, nomeadamente o Banco da Escócia, quando da realização do referendo sobre a eventual independência dessa parte do Reino Unido.
O fato de o ministro das Finanças espanhol, Luis de Guindos, elaborar uma lei para facilitar a saída das empresas da Catalunha, em caso de uma Declaração Unilateral de Independência, prova duas coisas: que o governo de Rajoy joga armas pesadas contra os independentistas, ao mesmo tempo que implicitamente admite que uma independência de fato da província não é totalmente impossível. A situação está num verdadeiro impasse. Rajoy só aceita negociar caso a Catalunha desista da ideia de ser independente, e pelo seu lado, a Generalitat quer negociar para acordar com Madrid os termos da realização de uma alteração legal que permita a realização de um referendo com a anuência de todos, a qual possibilite aos catalães decidir os termos da sua relação com Espanha, como cantou a célebre banda britânica Clash: Should I Stay Or Should I Go?.
Apesar de parecer ter os tanques e a força na mão, a atitude de Rajoy nesta crise tem motivado críticas duras da imprensa internacional, com destaque para a influente revista Economist. “Qualquer acordo [entre os governos catalães e espanhol] tem de incluir a opção de um referendo para a independência”, considera a revista. Ela critica a via repressiva espanhola para resolver o problema, e afirma que a gestão da crise que Rajoy fez, não é mais do que atirar gasolina ao fogo. Para a revista britânica, a saída da Catalunha será um mau negócio para todos. A capa da edição desta semana é todo um programa: “Não é demasiado tarde para evitar a ruptura com a Espanha”, e isso só é possível com diálogo, coisa que Rajoy parece incapaz de fazer. “Para evitar a calamidade, perguntem aos catalães o que querem realmente”, avisa o editorial da Economist, que recorda a via eficiente como o Reino Unido resolveu o problema escocês e aconselha que o governo espanhol promova um referendo e dê a escolher aos catalães “um novo acordo constitucional”, que inclua “mais autonomia e poder de criar e recolher mais impostos próprios, mais proteção da língua catalã e um certo reconhecimento dos catalães como nação”.
O problema da lógica racional da imprensa internacional é que ela não vive na Espanha e ignora que grande parte das pulsões do conflito têm a “racionalidade” do nacionalismo. Na Espanha, quando se fala em nacionalismo é para falar de bascos, catalães e galegos, ignorando o discurso nacionalista hegemônico que é o espanholista. Só assim se percebe que, no dia seguinte à greve geral na Catalunha, o El País tivesse uma foto com um grupo de 31 pessoas nas ruas de Barcelona, quando se manifestaram centenas de milhares de pessoas nesse dia; ou que os jornalistas da TVE da Catalunha tenham feito um comunicado para protestar por terem sido proibidos de filmar e exibir, na emissão da televisão pública, as imagens da repressão policial no dia 1º de outubro, que provocou cerca de 900 feridos.
O que impede a resolução do conflito não é só Madrid recear que um referendo pudesse dar uma hipotética vitória aos independentistas, é Mariano Rajoy ter a certeza que inflamar os sentimentos nacionalistas espanhóis pode-lhe garantir uma vitória por maioria absoluta, à Erdogan, numas próximas eleições antecipadas em Espanha. Ou os catalães têm a força suficiente – com a ajuda da União Europeia, que entende o potencial economicamente explosivo desta crise – para colocar as duas partes a negociar, ou a ação de Mariano Rajoy será demasiado previsível: evocar o artigo 155 da Constituição que extingue a autonomia, fazê-lo aprovar pelo Senado, onde o PP tem maioria, e caso o seu governo seja censurado e derrubado no parlamento, ir para eleições antecipadas. Ficaríamos com um quadro em que Madrid teria maioria absoluta do PP e na Catalunha deixariam de existir eleições e autonomia por muito, muito tempo. Num país da Europa que se ufana da democracia teríamos uma situação de clara repressão a uma comunidade e nação histórica. Naturalmente, isso só seria possível com o tornar a democracia espanhola uma espécie de ditamole e uma farsa, que iriam pagar não só os catalães, mas os espanhóis no seu conjunto.

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