domingo, 27 de maio de 2018

PGB – Partido Golpista Brasileiro = MDB


Por Antônio de Paiva Moura

(Sem nunca ter elegido um presidente da República, o PMDB esteve sempre no poder)

            O MDB (Movimento Democrático Brasileiro) surgiu por oposição à ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido único no início da ditadura militar de 1964. O MDB, como movimento conseguiu catalisar as forças contrárias ao regime militar.
            1º Golpe – Em 1979 passou a denominar-se PMDB e desde então assumiu o caráter clientelista dominador de currais eleitorais, onde prevalece o patrimonialismo. Virar as casacas, abandonar o movimento democrático foi um golpe nas correntes progressistas de sua original formação.
            2º Golpe – Em 1984 José Sarney criou a Frente Liberal que acabou sendo o PFL. Em seguida fez coligação com o PMDB na chapa de Tancredo Neves à presidência da República.  Como Tancredo faleceu antes de tomar posse, o vice Sarney assumiu a presidência. Se permanecesse no PFL não teria apoio do PMDB para governar. Sarney, então, pulou para o BMDB. Os interesses particulares e oligárquicos levaram o governo Sarney ao fracasso com uma brutal inflação. O PMDB foi o principal responsável por tal crise porque fez de Sarney seu refém.
            3º Golpe – Itamar Franco, que havia sido ligado ao PMDB, era vice de Fernando Color de Melo. Por conveniência filiou-se ao PRN mas, em seguida passou a discordar do Plano Color para a Economia. Por isso desligou-se do PRN. No processo de Impeachment de Color, em 1992, a bancada do PMDB foi decisiva e Itamar Franco assumiu a chefia do governo.
            4º Golpe – Para manter a governabilidade com apoio do Congresso, Lula teve que destinar ao PMDB os cargos mais importantes do executivo. Ministério das Minas Energia, onde ancoram a Petrobras, Eletrobras; Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Se não fosse assim Lula teria sofrido golpe institucional com perda de seu mandato. No Governo Dilma Rousseff, apesar de o PMDB acumular a maioria dos ministérios, o seu parceiro de chapa, vice-presente da República Michel Temer, PMDB, queria mais: o seu lugar na presidência. Para conseguir seu intento, contou com o apoio do presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, PMDB. O resto da história todo mundo já sabe.
            5º Golpe – Em 2014, como Fernando Pimentel havia sido colega de Antônio Andrade, PMDB, na formação do Ministério de Dilma, convidou-o para fazer parte da chapa ao governo de Minas Gerais. Da mesma forma que Michel Temer, Antônio Andrade não se conformava com a condição de substituir eventualmente o governador e rompeu com Pimentel, traindo a coligação. Em 2018, Adenclever Lopes, presidente da Assembléia Legislativa de Minas Gerais permitiu a tramitação do processo de Impeachment contra o governador Fernando Pimentel. Se não se consumar o golpe institucional com o afastamento do governador, a traição e o golpe político já foram consumados.
            6º Golpe – Em 2017, quando não havia mais coligações a serem traídas e nem a quem dar golpe institucional e assumir o poder, o PMDB tenta dar um golpe no povo. Como o partido ficou desgastado com tantos figurões processados e julgados, seus dirigentes pensaram que voltar à denominação antiga MDB, apagará da memória coletiva essa imagem negativa. O camaleão é assim: Quando percebe algum perigo por perto, muda de cor e se confunde com os objetos em seu redor para enganar seus algozes.
            A par de tais fatos históricos os candidatos a presidência da República já começam a rechaçar coligação com o MDB. Ciro Gomes declarou à repórter Sueli Costa que não aceita míngüem do MDB em sua chapa. Para ele esse partido é uma quadrilha de mafiosos. Mas vê dificuldade de quem quer que seja que se eleger presidente, formar uma base parlamentar no Planalto.

Razões para não ser privatista e moralista

Texto escrito por José de Souza Castro:

Leio hoje na “Folha de S.Paulo” que os acionistas da empresa telefônica Oi aprovaram em assembleia orçamento de R$ 74,6 milhões para remuneração de sua diretoria durante o ano de 2018, valor 73% maior do que o aprovado no ano passado. Tudo bem, se a Oi não tivesse decidido, em 2016, apelar à Justiça para tentar sobreviver ao elevado endividamento e estivesse agora em recuperação judicial com dívida de R$ 65 bilhões.
A Oi resultou do processo de privatização das telefônicas na década de 1990, pelo governo Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. E agora, no governo Temer, do MDB, se volta a falar de privatizações sob a alegação moralista de combate à corrupção. Como se não houvesse, como se depreende dessa decisão da Oi, corrupção no setor privado.
Na década de 90 ainda havia justificativa econômica para privatizações, o que não ocorre agora, como bem observa André Araújo, que faz um levantamento sobre a importância das estatais no mundo. O autor é advogado formado pelo Mackenzie. Foi diretor do Sindicato Nacional da Indústria Eletroeletrônica e da Associação Brasileira da Associação Brasileira da Indústria Eletroeletrônica, entre outros cargos. Atualmente, tem um blog no site GGN.
Os grandes alvos dos privatistas que atuam no Brasil, depois de perderem força no resto do mundo, são: Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES, todas estatais que impulsionam o desenvolvimento econômico brasileiro. Juízes moralistas deram as mãos aos neoliberais, “para juntos liquidarem com as empresas estatais e venderem tudo o que o Estado criou a partir dos anos 50”, lamenta André Araujo, para quem as prioridades e os desafios de hoje são diferentes daqueles da “Era Thatcher”.
Que acabou, “mas esqueceram de avisar aos privatistas brasileiros”.
O autor observa que 13 das vinte maiores empresas de petróleo do mundo são estatais que detêm 91,4% das reservas mundiais, como a Statoil da Noruega, e as quatro primeiras petroleiras no ranking das 20 maiores: Sinopec, China National Peroleum, Saudi Aramco e Petro China.
Todas de olho no petróleo do Pré-Sal brasileiro.
“Na Europa, grandes empresas estatais são eixos da economia de países ricos e de economia solida”, diz Araujo. Mesmo grandes multinacionais privadas têm forte participação do Estado, caso da Renault.
Na relação de empresas estatais europeias, ele cita a Électricité de France, a italiana ENEL, a francesa SNCF, a alemã Deutsche Bahn e a italiana FS, dos setores elétrico e ferroviário. “O padrão das ferrovias por toda a Europa é de empresas estatais, assim como bancos, empresas de energia e de telecomunicações; na Suécia são 49 empresas estatais com valor de mercado de 60 bilhões de dólares, submetidas ao Serviço Nacional de Auditoria, padrão de referencia no mundo”, diz André Araujo.
O governo francês controla, em conjunto com Itália, Espanha e Alemanha, o Airbus Group, segunda maior empresa aeronáutica do mundo. Também é estatal a RAI, maior rede de televisão e rádio da Itália. “França e Itália têm larga tradição de grandes e eficientes empresas estatais como eixo da economia”, assegura o autor.
Na Alemanha, diz Araujo, o Estado da Baixa Saxônia controla a Volkswagen, enquanto o Estado federal alemão comanda a Deutsche Telekon, grande empresa de telecomunicações  com forte participação na British Telecom. É também dono do banco de fomento KfG, financiador de exportações alemãs, enquanto estados federados controlam 11 bancos regionais importantes para a economia alemã.
Na Coreia do Sul, estatais controlam a energia, as ferrovias, o petróleo e as telecomunicações, além de coordenar de forma central os grandes conglomerados. No México, a energia elétrica é estatal, assim como a Pemex, na área petrolífera. O Chile não abre mão do controle estratégico de sua maior matéria prima de exportação, o cobre. No Japão, o Estado controla a maior parte das ferrovias, a telefonia e o tabaco. Na Holanda o Estado controla o maior banco, o ABN, e a maior parte dos serviços públicos. Polônia, Singapura, Israel, Noruega, Suécia, Hungria, Romênia, Áustria e Malásia têm entre 40 e 50% da economia estatizada.
Referência do neoliberalismo, os Estados Unidos têm setores que permanecem estatais, como a geração de energia hidroelétrica (TVA), o financiamento à agricultura e às exportações, a grande maioria dos transportes coletivos nas áreas metropolitanas, os portos e aeroportos, o transporte ferroviário de passageiros, o saneamento em geral, os financiamentos à exportação (Eximbank), à construção naval. “Na imensa malha rodoviária americana há raríssimas concessões de rodovias para firmas privadas, é quase 100% gestão estatal com ou sem pedágio”, acrescenta Araujo.
Segundo ele, o gigantesco sistema estadunidense de seguro de hipotecas residenciais é de controle estatal. Na opinião do autor, há plena noção de que certos setores da economia precisam do Estado. “Os EUA não operam por ideologia na economia e sim por pragmatismo, combinando Estado e mercado como pode e deve ser feito, de acordo com as circunstâncias”.
Por isso, no setor agrícola, a Commodity Credit Corp., inteiramente estatal, financia os agricultores americanos com recursos do Tesouro, somando aproximadamente 200 bilhões de dólares por ano.
Na China, exemplo atual de desenvolvimento econômico, 70% das grandes empresas são estatais que já se encontram presentes em todo o mundo. No Brasil, a chinesa State Grid é a maior detentora de linhas de transmissão e controladora da segunda maior distribuidora do País, a CPFL. Enquanto o Brasil vem encolhendo desde a derrubada de Dilma Rousseff, “a expansão geopolítica e econômica da China se dá por empresas estatais, na linha de frente do secular processo de engrandecimento da China como potencia mundial”.
“A ironia é trágica”, comenta Araujo. “Os privatistas brasileiros querem desestatizar empresas fundamentais para um projeto nacional de desenvolvimento e os potenciais compradores são Estatais chinesas que agem no Brasil como parte de um plano de longo prazo do Estado chinês. Nossos privatistas medíocres, cegos e antipatriotas, não enxergam o País como um grande projeto nacional, sua miopia vê apenas a Bolsa de Nova York e a opinião de seus corretores e agências de rating”.
Tem muito mais. Aos interessados, recomendo a leitura completa do artigo aqui.
(fonte: blog da Kika Castro)

O devastador negócio do tráfico de areia


É o recurso natural mais requisitado, depois da água. O rápido crescimento urbano do planeta transformou esse humilde material em um bem escasso. Sua exploração excessiva tem efeitos ambientais devastadores
A reportagem é de Carmen Gómez-Cotta, publicada por El País, 19-05-2018. 

Mergulhar por um dos maiores recifes de coral nas primitivas águas das Ilhas Gili. Percorrer as infinitas praias de areia branca de Lombok. Sucumbir à cativante espiritualidade de Bali. Ficar maravilhado com os templos e vulcões de Java. Descobrir os orangotangos da selva de Bornéu. Ficar surpreso com os dragões de Komodo. São algumas das maravilhas da Indonésia, país de sonho composto por 17.500 ilhas. Um paraíso que corremos o risco de perder, porque está afundando lentamente.
O motivo? A atividade clandestina dos ladrões de areia, que de noite se aproximam da costa para roubá-la e vendê-la no mercado negro. No começo da década de 2000, o comércio ilegal de areia na Indonésia chegou a uma situação tão extrema que o país começou a perder território. Atualmente 25 ilhas já desapareceram e, com elas, suas praias.
A areia é hoje o recurso natural mais requisitado do mundo, depois da água e à frente dos combustíveis fósseis. Ela se transformou em um bem muito valioso, imprescindível às civilizações modernas. “Nossa sociedade está literalmente construída sob areia”, diz Pascal Peduzzi, chefe da unidade de Mudança Global e Vulnerabilidade do Programa das Nações Unidades para o Meio Ambiente e autor do relatório Areia, mais escassa do que pensamos (2014).
Tudo o que nos cerca contém areia: o cimento, o vidro, o asfalto, os aparelhos eletrônicos. Até os plásticos, os cosméticos e a pasta de dentes contêm esse elemento. Mas seu principal uso é a construção, que consome um quarto da areia do planeta. Pelos grãos angulares e desiguais da areia de praia, esta adere melhor ao se fabricar cimento; de modo que o boom imobiliário devora quantidades enormes desse recurso. A regulamentação escassa em muitos países encoraja a presença de redes mafiosas.
De acordo com um relatório das Nações Unidas, 54% da população mundial vive em áreas urbanas e se prevê que o número aumente até 66% em 2050, sendo a Índia e a China os dois países em que o aumento será maior. Esse desenvolvimento urbano exige enormes quantidades de areia para o cimento. Uma casa de tamanho médio precisa de 200 toneladas; um hospital, 3.000; um quilômetro de estrada, 30.000. Por ano são extraídos 59 bilhões de toneladas de materiais ao redor do mundo; até 85% é areia para construção, diz Pascal Peduzzi.
O problema é que a formação de areia é um processo natural lento, que precisa de anos, e a demanda é superior à capacidade de regeneração e fornecimento da própria natureza. “A nível mundial, consumimos o dobro de areia que os rios podem transportar, de modo que precisamos escavar em outras parte”, explica Nick Meynen, do Escritório Europeu do Meio Ambiente. “Agora ela é obtida dragando rios e, em escala bem menor, fundos marinhos. A estimativa é que entre 75% e 90% das praias do mundo estão diminuindo”.
As consequências ao meio ambiente são irreversíveis: destruição dos habitats, degradação dos leitos marinhos, aumento de materiais em suspensão, aumento da erosão... Se o ritmo vertiginoso da extração de areia continuar, as gerações futuras verão entornos de paisagens lunares, praias de rocha e ondas agitadas, rios e pântanos secos, territórios áridos e extinção da flora e da fauna. “Todas essas mudanças ambientais colocam em risco os ecossistemas nos rios, deltas e áreas costeiras, de modo que existem inúmeras espécies ameaçadas, de pequenos crustáceos a golfinhos de rio e crocodilos”, diz Aurora Torres, pesquisadora do Centro Alemão à Pesquisa Integral da Biodiversidade. E isso não é tudo. “Não somos conscientes do efeito cascata que essa degradação causa em nosso bem-estar”, alerta, já que a exploração excessiva de areia é ligada a um aumento de secas, inundações, vulnerabilidade contra tempestades e tsunamis e a proliferação de doenças infeciosas, como a malária. Também pode expulsar a população dos locais mais afetados e transformar as pessoas em refugiados climáticos.
Não é preciso viajar à Indonésia para comprovar os efeitos do tráfico de areia. O negócio está em alta no Marrocos. Armados com simples pás, os trabalhadores ilegais carregam a areia em lombos de burro a caminhões de transporte. Entre Safim e Essaouira, no oeste do país, o contrabando transformou a costa dourada em uma paisagem rochosa. A areia é obtida até do Saara. Apesar de não ter a qualidade da areia das praias, as cidades de hoje precisam tão desesperadamente desse recurso finito e limitado que o obtêm de qualquer lugar.
As Ilhas Canárias são um dos principais destinos espanhóis da areia desse deserto, de acordo com denúncia da ONG Western Sahara Resource Watch (WSRW), que há anos investiga o material que sai do porto de El Aiune (Saara) em direção à Espanha para a regeneração de praias e construção de edifícios. “As Canárias importam areia do Saara; a praia de Las Teresitas é um exemplo conhecido”, diz Cristina Martínez, porta-voz da WSRW.
O Ministério da Agricultura e Pesca, Alimentação e Meio Ambiente da Espanha admite que a areia das praias do país é um recurso muito escasso. “A Lei de Costas de 1988 estabeleceu uma série de medidas para limitar a extração de materiais rochosos naturais nos trechos finais dos leitos dos rios e proibiu taxativamente a extração de areia para construção”, diz um porta-voz. O ponto 2 do artigo 63 dessa lei proíbe as extrações de areia para a construção, com exceção à criação e regeneração de praias. O Ministério de Fomento acrescenta que a tendência atual espanhola é “usar areia de trituração, que é a gerada pelos seres humanos através da trituração de material de construção”.
O negócio da areia é tão lucrativo que se tornou um fenômeno mundial, expandindo-se na mesma velocidade que a urbanização. O que há um quarto de século era uma matéria-prima comum, abundante e barata, é hoje um recurso escasso. Sua exploração é difícil de se controlar, porque está ao alcance de todos. Apesar de existirem cada vez mais leis que regulamentam sua extração, ainda não é o suficiente. “Em muitos casos o problema não é a ausência de leis e sim sua falta de aplicação”, diz a pesquisador Aurora Torres.
Essa aplicação frouxa das leis cria o cenário perfeito para que apareçam grupos organizados que controlam o negócio. Na Índia essas máfias são particularmente poderosas, porque têm ligações com a Administração e podem ter acesso aos processo de contratação. A extração e venda de areia nesse país são regulamentadas a nível provincial, mas o Governo central não é firme no cumprimento da lei. A corrupção é palpável. “Normalmente, os políticos estão envolvidos e controlam diretamente o negócio ilícito de areia” afirma Sumaira Abdulali, ecologista, fundadora da Fundação Awaaz e uma das principais vozes de denúncia em seu país. “Os dirigentes consideram que colocar restrições a esse negócio deteria os ambiciosos planos de crescimento da Índia”. O país extrai por ano 500 milhões de toneladas de areia, alimentando uma indústria que movimenta 42 bilhões de euros (185 bilhões de reais). As redes de extração de areia utilizam frequentemente pessoas em condições deploráveis, sem equipamento e ferramentas, mergulhando no fundo dos rios com um balde metálico.
Como a Índia, nenhum dos países que vivem um período de expansão e prosperidade urbana sem precedentes estão dispostos a deter esse lucrativo negócio. Uma vez que a areia está cada vez mais em alta, esses cenários são caldo de cultura para seu contrabando, que está crescendo em outras partes do mundo. E quanto mais esse recurso é explorado em excesso, mais rápido aumentam os impactos no meio ambientes e na economia a nível global.
A China usa 57% do cimento do mundo e é também o principal produtor mundial. Com tudo o que usa, poderia construir por ano um muro de 27 metros de largura por 27 de altura ao redor da Terra, de acordo com Pascal Peduzzi. A maioria da areia usada sai do lago Poyang, uma das maiores reservas de água doce e hoje a maior mina de areia do mundo, segundo pesquisadores de Harvard. Por ano são extraídos desse lago 236 milhões de metros cúbicos de areia, e os efeitos ao meio ambientes são devastadores.
E não se trata somente de cobrir as necessidades imobiliárias de sua população: desde 2014, a China construiu sete ilhas artificiais no arquipélago de Spratly, no Pacífico Sul, que disputa com Taiwan e o Vietnã. O dano ao ecossistema marinho é irreparável. Uma das principais consequências que mais preocupam os ecologistas é que está destroçando as barreiras de coral que existem nessa área, que usam como base para construir o novo território. Seu vizinhos Vietnã, Malásia, Filipinas e Taiwan também expandiram seu território nesse arquipélago, mas nenhum o fez com a magnitude e velocidade da China.
Mas liderando os países que estão aumentando seu território de maneira artificial encontra-se Singapura, que além disso é o maior importador per capita de areia do mundo. Nos últimos 40 anos cresceu 130 quilômetros quadrados em terra (20%) utilizando 637 milhões de toneladas de areia. E ainda pretende aumentar mais 100 quilômetros quadrados antes de 2030. Os principais fornecedores são países vizinhos: Indonésia, Filipinas, Vietnã, Myanmar (antiga Birmânia) e Camboja. Mas todos eles começam a ver como suas reservas escasseiam e estão parando as exportações, o que disparou o preço da matéria-prima em 200%.
O primeiro a fazê-lo foi a Indonésia, após ver como muitas de suas ilhas afundavam e desapareciam. Em 2007 decidiu acabar com todos os negócios de areia, especialmente com Singapura, seu principal exportador. Uma decisão que lhe custou uma disputa política com seu vizinho sobre os limites exatos de suas fronteiras e o direito de uso desse recurso.
Em 2017, o Governo do Vietnã anunciou que se o ritmo da demanda continuasse como estava, em 2020 ficaria sem areia. Ao mesmo tempo, o Ministério de Minas e Energia do Camboja anunciou que impediria todas as exportações de areia a Singapura, que na última década comprou desse país, de acordo com dados das Nações Unidas, mais de 72 milhões de toneladas, equivalente a 624 milhões de euros (2,75 bilhões de reais). Mas muitos especialistas duvidam que a situação tenha mudado. “No Camboja governa uma cleptocracia que saqueia os recursos naturais em detrimento do meio ambiente”, afirma George Boden, diretor da ONG Global Witness.
Os Emirados Árabes Unidos são outros dos maiores importadores de areia, apesar de estarem cercados de deserto. Como consequência da erosão do vento, essa areia não é a mais adequada ao cimento porque é de baixa qualidade. Nas últimas décadas, Dubai importou da Austrália enormes quantidades de areia para a construção de diversos complexos e edifícios. Só para a torre Burj Khalifa, a mais alta do mundo, com 828 metros, foram necessários 110.000 toneladas de cimento. E as ilhas Palm, um projeto ainda não terminado formado por três conjuntos de ilhas que aumentará em aproximadamente 520 quilômetros a superfície das praias de Dubai, devoraram 385 milhões de toneladas de areia, com um custo de 10 bilhões de euros (44 bilhões de reais).
O mercado manda. E a demanda de areia está em alta. Nada irá deter a exploração excessiva e o comércio ilegal desse recurso se a sociedade internacional não unir forças. “Os Governos e líderes políticos devem aumentar sua consciência sobre o tema e procurar alternativas ao uso de areia”, diz Peduzzi. E é necessário fazê-lo rápido, porque o tempo joga contra.
Em um país como a Espanha, que vive do turismo, a erosão das praias pode causar estragos na economia. Não é preciso somente uma regulamentação legal nacional – que já existe – e sim padrões internacionais que regulem a extração e obriguem países como a Índia, Marrocos e Camboja a cumprir as regras do jogo para preservar o meio ambiente e a economia tanto de seus países como de terceiros.
“Nossa dependência da areia é enorme e em um futuro próximo não vamos deixar de usá-la”, diz Peduzzi. Mas sua utilização pode ser racionalizada com medidas como evitar a construção de infraestrutura desnecessária, planejá-la para que dure mais e modernizar as existentes. Várias equipes de pesquisa em todo o mundo estudam materiais alternativos na construção, a partir da reutilização de entulho e vidro, mas hoje não existe nada que possa responder à enorme demanda desse recurso. “Em áreas que não têm um ritmo de desenvolvimento elevado, a reciclagem de materiais de construção pode cobrir parte da demanda, mas os países que estão experimentando um rápido desenvolvimento urbano não podem satisfazer a necessidade de areia com a reciclagem”, afirma Torres. Além disso, o preço do material alternativo costuma ser mais alto e causa mais emissões de gases de efeito estufa em sua produção.
“É absolutamente necessário criar uma regulamentação internacional para evitar o descumprimento que certos países cometem”, diz Sumaira Abdulali. E isso significa saber a quantidade de areia usada a nível local e global, assim como a quantidade que pode ser reposta através de processos naturais. “É preciso conhecer quais são as reservas e supervisioná-las para que a lei seja cumprida”.
Caso contrário, nesse ritmo, o dragão de Komodo, os recifes de coral e amplas áreas do deserto do Saara estão a caminho de se transformarem em recordações que as futuras gerações só poderão ver em fotografias e documentários.
(fonte:  http://www.ihu.unisinos.br/579225-o-devastador-negocio-do-trafico-de-areia)

Desmatamento na bacia do Xingu dobra entre março e abril; área desmatada chega a 12 mil hectares no mês

A área desmatada na floresta amazônica que cerca a bacia do Rio Xingu chegou a 12.342 hectares apenas em abril. O número é mais que o dobro do registrado no mês anterior, quando cerca de 5 mil hectares foram desmatados entre os estados de Mato Grosso e do Pará, cortados pelos quase 2 mil quilômetros de extensão do rio.
Os dados coletados pelo satélite Sentinel-1, processados pelo Sistema de Indicação por Radar de Desmatamento na Bacia do Xingu (SiradX) e divulgados pelo Instituto Socioambiental (ISA), indicam que o desmatamento disparou no estado de Mato Grosso, que concentra 81% da área desmatada.
A reportagem é de Isabella Macedo, publicada por Congresso em Foco, 20-05-2018.

Segundo o ISA, o aumento do desmatamento na região pode ser atribuído à diminuição das chuvas e à abertura de uma área de quase 4 mil hectares no município de Querência. Não se sabe se o proprietário da área possui licença para o desmate da área, que deve ser destinada à lavoura de grãos com base no uso e ocupação do solo.
Desde o início do ano, quando o monitoramento por meio do satélite Sentinel-1 começou, pelo menos 23.860 hectares foram desmatados na região. A bacia do rio Xingu, um dos afluentes do Rio Amazonas, tem sua nascente no Parque Indígena do Xingu, que abriga diversas terras indígenas e unidades de conservação e proteção ambiental. A região representa 12% da Amazônia Legal.

Garimpos preocupam

As finalidades dos desmatamentos nos dois estados são diferentes. Enquanto no Pará o desmatamento é focado em exploração garimpeira, no Mato Grosso a agropecuária é o principal motivador dos desmates. Apesar de ter os índices de desmatamentos mais baixos em relação ao estado vizinho, mais da metade das derrubadas no Pará aconteceram em terras indígenas e em unidades de conservação, o que é ilegal.
Esses desmatamentos na área paraense da bacia do Xingu representam uma atividade “preocupante”, de acordo com o ISA, especialmente as registradas na terra indígena Kayapó. Por ser uma região que concentra ouro nos leitos dos rios, é especialmente atraente para garimpeiros. Além disso, a chegada da seca, que diminui o nível dos rios, pode facilitar a passagem de maquinários pesados para o local.
Já existem dois garimpos de ouro na região, um na vizinhança da terra indígena e outro em uma região isolada dentro da área Kayapó, ligada a garimpos maiores com atividade residual.
“Há necessidade de se realizar ações firmes para frear a intensificação do garimpo. As operações de fiscalização, apesar de serem pontualmente efetivas, não têm conseguido estancar a exploração ilegal”, diz o relatório, que recomenda ainda que as operações contem com ações de inteligência para rastrear a chegada de mercúrio e fiscalizar a comercialização do ouro e das vias de acesso aos garimpos.
Além da Kayapó, a terra indígena Ituna/Itatá também é considerada crítica pelos altos índices de desmatamento. De acordo com o primeiro relatório do SiradX, a área é alvo de um processo de ocupação desde 2014, que atingiu o ápice no segundo semestre de 2017. Em 2013, a região registrou desmatamento de apenas 7 hectares, número que saltou para 1.349 em 2017.
Além dos prejuízos ambientais com o desmatamento e possibilidade de contaminação da água e do solo durante a exploração do mineral, o avanço do garimpo também pode ter impactos na vida dos povos indígenas. Em janeiro deste ano, por exemplo, o movimento Munduruku Ipereg Ayu comunicou, por meio de carta, que uma aldeia na terra indígena Munduruku, também no Pará, foi extinta por causa do garimpo ilegal.
“O garimpo invadiu tudo, corrompeu com doenças nossos parentes e matou a floresta e as roças, trazendo doenças, prostituição, uso de álcool entre os homens e mulheres e drogas entre os mais jovens”, diz trecho da carta direcionada ao Ministério Público Federal (MPF) e à Fundação Nacional do Índio (Funai) (leia a íntegra da carta).

SiradX

O aumento no ritmo do desmatamento na região pode ser observado desde janeiro deste ano, com o auxílio do satélite Sentinel-1, da Agência Nacional Europeia (ESA, na sigla em inglês), que possui uma tecnologia que permite gerar imagens “através das nuvens”. O ISA criou uma série de algoritmos para processar as informações coletadas pelo satélite. Os dados e imagens passam ainda por analistas e são verificados em campo pela Rede de Monitoramento do Xingu, que também inclui o Instituto Kabu, a Associação Floresta Protegida e o Instituto Raoni.
Com o monitoramento sem dependência de boas condições climáticas, a fiscalização pode ser mais eficaz, aponta Rodrigo Balbueno, do Instituto Kabu. Antes era necessário aguardar o processamento e análises de imagens satélite, o que podia levar semanas. “Estávamos trabalhando sempre com o fato consumado. Quando a fiscalização chegava na região, a madeira já tinha ido embora e não tinha rastro de nenhuma atividade. Nossa ação era sempre posterior ao dano”.
O especialista em geoprocessamento do ISA, Juan Doblas, também afirma que agora é possível monitorar a região durante todo o ano, medida que era considerada urgente. “A pressão no Xingu está crescendo com a construção de empreendimentos, abertura de áreas para lavoura de grãos, intensificação da grilagem, roubo de madeira e mineração ilegal”, afirma.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/579170-desmatamento-na-bacia-do-xingu-dobra-entre-marco-e-abril-area-desmatada-chega-a-12-mil-hectares-no-mes)

domingo, 20 de maio de 2018

‘O produto que a indústria de alimentos vende é a dúvida’


O pesquisador Boyd Swinburn diz que pressão dos fabricantes atrasa políticas públicas para conter obesidade e doenças crônicas

Boyd Swinburn entende que passou da hora de colocar a indústria de alimentos ultraprocessados nos trilhos. O professor de Nutrição Populacional e Saúde Global da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, usa a expressão “sindemia” para descrever o que está ocorrendo. Não estamos mais falando de uma epidemia de obesidade, mas da junção de uma série de problemas que passam a agravar um ao outro.
Diabetes, doenças do coração, câncer: três dos maiores fatores de mortalidade no mundo têm associação com a obesidade – embora possam também estar ligados a outros fatores. Para ele, o discurso impulsionado pela indústria de que a conscientização do consumidor tratará de resolver o problema é simplista. E desigual, na medida em que quem pode mais passa a comprar alimentos de melhor qualidade.
Em abril, o professor passou por Brasília para participar do Congresso Brasileiro de Nutrição (Conbran). Ele falou sobre um de seus interesses fundamentais: formular, identificar e monitorar políticas públicas que funcionem. Swinburn é um dos nomes à frente do INFORMAS, uma rede de organizações e pesquisadores voltados a essa finalidade. Afinal, se a obesidade se tornou um problema global, se as empresas são as mesmas mundo afora, é possível que a solução aplicada aqui também faça sentido acolá, ainda que com adaptações.
Uma das possibilidades no momento é usar a rotulagem frontal dos alimentos para desestimular o consumo de produtos não saudáveis. Há uma série de modelos, mas Swinburn reiterou em Brasília o apoio ao sistema defendido pela Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável. A ideia é colocar sinais que alertem o consumidor sobre o excesso de sal, açúcar, gorduras e gorduras saturadas, além de acusar a presença de edulcorantes e gorduras trans.
O INFORMAS criou modelos de avaliação dessas políticas públicas pensando em quais argumentos conseguem persuadir formuladores e políticos. A rede conta com pesquisadores de 22 países interessados em desenvolver estratégias comuns quanto a temas como publicidade, rotulagem, composição dos alimentos, tributação e logística.
Swinburn deixa claro: é inútil procurar por uma bala de prata. E a tarefa de convencimento dos formuladores de políticas se torna mais difícil quando há um interesse que se sobrepõe à saúde pública. “O produto que eles vendem é a dúvida. A indústria do cigarro se valeu disso durante muito tempo, e agora a indústria de alimentos se tornou especialista em semear a dúvida na ciência”, critica.
Confira a seguir os principais trechos da conversa.
Você disse que não há uma solução mágica. Mas sabemos o que pode ser mais efetivo em lidar com a epidemia de obesidade?
A análise do que foi feito até aqui sobre modelos mostra que o mais eficiente são políticas públicas. Impostos sobre bebidas adoçadas, restrições na publicidade de alimentos, políticas alimentares em escolas e ambientes públicos. Geralmente, políticas públicas custam muito menos do que programas governamentais. E, no nível de política pública, você atinge toda a população, enquanto um programa é direcionado a um segmento.
Esse debate sobre políticas regulatórias está avançando rapidamente no mundo. O que tem promovido essa aceleração?
Há um enorme impulso da OMS e da sociedade civil, de acadêmicos, de formuladores de políticas públicas. Mas também há uma enorme reação da indústria de alimentos. Eles têm bolsos muito profundos e habilidade para converter poder econômico em poder político para garantir que as políticas implementadas não prejudiquem seus lucros. Isso é o que temos no momento.

Os políticos estão espremidos no meio, com um grupo dizendo que precisamos de políticas públicas e outro grupo dizendo que não. Os políticos tendem a ficar assustados quando há dois grupos muito significativos batendo à porta, e acabam por congelar a ação. Então, quase nenhum país tem avançado rapidamente no campo político. O Chile fez o maior progresso porque tinha um ministro e um senador dando realmente duro para fazer a política ser implementada.
Já que você falou do Chile, temos visto um grande esforço da indústria em mostrar que essas políticas não estão funcionando. Como você vê esses esforços?
Essa é uma tática clássica das indústrias. Desacreditar as evidências. O produto que eles vendem é a dúvida. A indústria do cigarro se valeu disso durante muito tempo, e agora a indústria de alimentos se tornou especialista em semear a dúvida na ciência. As linhas clássicas que usam são de dizer que não existe evidência de que determinada política será efetiva em reduzir a obesidade.
O que fizeram no México, por exemplo, foi selecionar alguns dados para dizer que a taxação de refrigerantes não está funcionando. Não importa que os dados completos nunca tenham sido divulgados, nem que esse tipo de conclusão não tenha sido submetido a uma revisão pelos colegas. No Chile estão fazendo o mesmo. E no Brasil.
Você falou algumas vezes sobre o Guia Alimentar brasileiro. Qual sua opinião geral sobre o Guia? O que poderia ser melhor?
Quando eu vivia na Austrália, tínhamos um trabalho sobre sustentabilidade e colocamos no guia alimentar. Houve uma grande briga por alguns anos e a indústria ganhou. Todo o trabalho sobre sustentabilidade foi jogado fora, não foi incluído. Tentamos e perdemos. Os Estados Unidos tentaram e perderam. Mas o Brasil venceu. E agora é um modelo mundial para guias alimentares.
O desafio é implementar e levar todas as políticas públicas na direção de incluir as dimensões social e ambiental. Falar sobre educação alimentar. Fazer publicidade social voltada à alimentação saudável.
No Brasil e em outras partes do mundo há uma demanda crescente por alimentos frescos, mas muitas vezes isso acaba por não ser acessível a classes baixas. Como fazer com que essa demanda não crie uma nova faceta da desigualdade?
Se você não faz nada, e a obesidade continua nas manchetes dos jornais, as pessoas que ganham dinheiro suficiente, que têm bom acesso a informação, que têm tempo para lidar com isso, vão procurar um estilo de vida mais saudável. Isso fará crescer a desigualdade.
Então, para evitar que isso aconteça, é preciso ter políticas específicas pró-igualdade, como subsídios para os mais pobres e impostos sobre bebidas adoçadas. Esses impostos atingem de maneira mais dura os mais pobres porque têm um impacto maior no bolso. Políticas que restringem o marketing de fast-food e a oferta de fast-food no entorno das escolas. Você pode decidir que não haverá McDonald’s próximo a uma escola de baixa renda. As políticas precisam facilitar às pessoas pobres fazer escolhas saudáveis.
(fonte: http://outraspalavras.net/ojoioeotrigo/2018/05/o-produto-que-industria-de-alimentos-vende-e-duvida/)

“Maio de 68 é algo como um momento simbólico de crise da civilização”. Entrevista com Edgar Morin


"Tenho a impressão que Maio de 68 é algo assim como um momento simbólico de crise da civilização, onde surgem algumas aspirações profundas, quase antropológicas (mais autonomia, mais comunidade), que declinam e renascerão sob outras formas", opina o pensador Edgar Morin.
A entrevista é de Michel Wieviorka, publicada por Clarín-Revista Ñ, 04-05-2018. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Como interpretou Maio de 68 em seu momento? O que fica dele? E como surgiu a ideia de escrever “La brèche” (A brecha) com Claude Lefort e Cornelius Castoriadis?

Começarei pela pré-história. Depois de 1963, e ao ter conhecimento do movimento estudantil em Berkeley (Califórnia), em 1964, interessei-me pelo que nessa época chamei de a constituição de um grupo de idade adolescente com autonomia própria, entre a casca da infância e a integração no mundo adulto. Um grupo de idade com seus uniformes, sua linguagem, sua música, seus ritos, etc.

E em 1968, antes do mês de maio, fique surpreso com o surgimento de revoltas estudantis não apenas nos Estados Unidos, como também no Egito, Polônia, nos países ocidentais. Dei uma conferência em Milão sobre o caráter internacional dessas revoltas: perguntei-me como era possível que o mesmo tipo de movimento de protesto surgisse em sistemas políticos e sociais tão diferentes como a democracia popular, a ditadura egípcia ou a democracia dos países ocidentais. O denominador comum é que essas revoltas se levantavam contra a autoridade dentro dos diferentes sistemas.

Em março de 1968, Henri Lefebvre, que era professor em Nanterre (Paris), pediu-me que o substituísse durante uma viagem que tinha previsto fazer a China. Quando chego a Nanterre, vejo se distanciar alguns furgões da polícia e um pequeno e agitado ruivo que não para de gritar: não sabia nesse momento que se tratava de Dany Cohn-Bendit. Entro em meu papel e me disponho a dar a aula de Lefebvre. Nesse momento, um grupinho de jovens irados exclama: “Não tem aula! Não tem aula!”. Proponho uma votação: “Se querem a aula, eu a dou; se não, não a dou”. Uma enorme maioria vota em favor da aula, o grupinho de agitados me aponta o dedo: “Morin, polícia”, cortam a eletricidade e, portanto, não dou a aula.

Inteiro-me da existência do Movimento de 22 de Março e dos motivos que o geraram. Minha impressão era que tudo estava em estado de ebulição e que iria ocorrer algo. Meu jovem amigo e colaborador Bernard Paillard, que seguia os acontecimentos do interior, comenta que uma parte do movimento de Nanterre se deslocou ao campus Jussieu. De modo que, em inícios de maio, dirijo-me a Jussieu, onde todas as salas estão ocupadas por grupos de estudo. Vou à procura de Lefort e Castoriadis e os convido para irmos ver. Estamos em inícios do mês de maio. Sendo assim, nosso trio está muito centrado no acontecimento e, graças à presença constante de Bernard Paillard, acompanho todo o assunto e compareço com frequência na Sorbonne ocupada.

Publico, então, uma primeira série de artigos no Le Monde sob o título La commune étudiante. Sou o único que pode informar desse movimento. Nem os universitários, nem os jornalistas tem qualquer antena ali dentro. Esses artigos foram republicados depois em La brèche. Acompanho, pois, os acontecimentos e peripécias e, em fins de maio, publico outra série de artigos: Une révolution sans visage. Por sua parte, Lefort e Castoriadis também redigem um texto.

Há alguns episódios dignos de ser recordados: Lapassade, transbordando de felicidade, queria que um grupo de rock tocasse na Sorbonne, e eu, que conhecia os responsáveis da revista Salut les copains, consigo lhe enviar um artista de rock. Encontro-me também na Sorbonne com Maurice Clavel, que exclama levantando os braços: “Isto é a idade média!”.

Hoje, em 2018, falar de Maio de 68 é evocar uma época muito distante. O que permanece mais vivo em sua memória? É o lado imaginário, cultural, o lado da subjetividade do movimento?

O que fica vivo são, de entrada, algumas recordações muito intensas. Algumas presenças nessa Sorbonne ocupada, transformada. A primeira semana de maio de 1968 foi para mim admirável. A paralisia do Estado para que todo mundo falasse na rua. As consultas psicanalíticas ficaram esvaziadas de repente, todos os que sofriam do estômago melhoraram, etc. Quando a normalidade regressou, tudo isso também voltou.

Essa primeira semana é um pouco como em minha adolescência, em junto de 1936, quando todo mundo se falava. Tenho recordações maravilhosas dessa Sorbonne em festa, da realização de um acontecimento impossível. Recordações dessa guerra civil sem mortos, exceto em Flins [onde morreu afogado um adolescente de dezessete anos, em uma manifestação de estudantes em apoio aos grevistas de uma fábrica Renault], desse jogo sério em que jogávamos a revolução sem correr o risco de que houvesse mortos apesar da violência dos enfrentamentos. Uma ausência, pois, de amargura.

As relações com Claude Lefort e Cornelius Castoriadis, com quem escreveu ‘La brèche”, eram intelectualmente excelentes, mas não havia debate entre vocês?

Havia diferenças, mas estávamos na mesma longitude de onda. Ao contrário do que acreditavam trotskistas, maoístas, etc., convencidos de que iria começar uma revolução, para nós era a brecha. Algo que abriria uma brecha debaixo da linha de flutuação da civilização burguesa ocidental. Não a revolução. A única divergência girou em torno de uma palavra. Lefort insistiu em que dedicássemos o livro aos “irados”; eu não queria, mas ao final cedi.

Quando ele pensava nos “irados”, referia-se a uma parte dos jovens do Movimento de 22 de Março. Nós três dizíamos coisas diferentes, mas éramos complementares e sabíamos que não era o início da revolução.

Inicialmente, é um movimento estudantil, um movimento da juventude, não é um movimento operário. Só mais tarde e muita relutância, o assunto se torna uma mobilização sindical. Vocês debatiam sobre o proletariado, a classe operária, o movimento operário?

Mostrei em meus artigos que, diferente de outros países, o movimento se circunscreveu ao estudantil, na França incluiu também uma parte da juventude operária e estudante dos liceus. A duração e a intensidade do movimento acabaram por ativar os sindicatos, reacionários inicialmente, ainda que acabaram se lançando sobre essa brecha para arrancar do governo concessões fundamentais. Uma vez obtidas essas concessões, as coisas apaziguaram. O que também me surpreendeu foi a vontade de Georges Pompidou (primeiro-ministro) em acalmar a situação negociando e conferindo concessões.

Houve manifestações impressionantes, assisti a uma delas na rua Beaubourg, em companhia de Paul Thorez, o filho pequeno do casal Thorez (Maurice Thorez foi secretário geral do Partido Comunista francês de 1930 até sua morte em 1964). Esse movimento demonstrava, por fim, o vazio de uma civilização que se queria triunfante, que acreditava se dirigir para uma harmonia. Nessa época, Raymond Aron, que estava equivocado, via na sociedade industrial a atenuação fundamental de todos os grandes problemas; pois bem, inclusive antes da crise econômica de 1973, Maio de 68 manifestou uma profunda crise espiritual da juventude.

As grandes aspirações daquela adolescência em relação ao mundo de adultos eram: mais autonomia, mais liberdade, mais comunidade. Os trotskistas e os maoístas disseram: “Podemos realizar essas aspirações”. Houve uma transferência de fé; inicialmente, houve uma revolta, o comunismo libertário, e depois o movimento foi captado pelo trotskismo e o maoísmo com a promessa de realizar as aspirações juvenis por meio da revolução.

Houve em 1968 momentos mágicos, mas aquilo não poderia durar.

É possível dizer que o movimento se apagou de supetão com a manifestação em favor de De Gaulle-Malraux, que bruscamente destruiu tudo e voltou a impor a ordem. Mas, o certo é que Maio de 68 existiu!

Deve-se talvez ao fato de que o movimento não era político? Que seu problema não era a política clássica, o poder do Estado: o dia em que a política recupera seus direitos, o movimento está acabado, porque a política reaparece...

Sim. Mas, é possível dizer que a política se infiltrou através do maoísmo e o trotskismo e que perverteu o movimento. A base do movimento era para mim supra e infrapolítica. Por isso, seguem sendo símbolos tão poderosos o Movimento de 22 de Março e Dany Cohn-Bendit. Ao contrário, subestimei voluntariamente e ocultei um pouco todas as bobagens do movimento, as consignas de estilo “CRS-SS”, por exemplo. Quis considerar tudo isso como subprodutos, quando de qualquer modo eram elementos importantes.

E depois?

No ano universitário que seguiu, dediquei meu seminário da Escola de Estudos Superiores em Ciências Sociais para as interpretações das interpretações de Maio de 68.

Fiz exatamente o mesmo que você, mas dez anos mais tarde, estando na faculdade como professor ajudante na Universidade Paris-Dauphine! Todos os sociólogos importantes haviam dado sua opinião, e não só a favor do movimento!

Tinham os que diziam: “Eu já tinha previsto tudo”, quando nunca haviam previsto nada! Havia diferentes interpretações, que me dediquei a passar pela peneira da reflexão. O que me interessava era refletir ao quadrado.

Em 1978, por ocasião do aniversário dos dez anos, voltei a escrever um artigo para Le Monde. Nessa época, o acontecimento continuava me parecendo enorme. Por uma parte, tudo havia mudado; por outra, não havia mudado nada.

Toda uma série de tendências neolibertárias derivaram de Maio de 68. O feminismo não esteve presente, mas saiu dali, o movimento dos homossexuais também. Roland Barthes era um homossexual envergonhado antes de 68, depois aceitou a si mesmo.

Produziram-se mudanças nos costumes por mais que nada mudasse na sociedade. Realizei, junto com Nicole Lapierre e outros, uma pesquisa que foi publicada em um livro intitulado um pouco tontamente La femme majeure: nouvelle féminité, nouveau féminisme. O estudo era interessante. Antes de Maio de 68, a imprensa feminina dizia: “Cozinhe bem para seu marido, mantenha-se bonita”, etc. A partir desse momento, a problematização substitui a euforia. Essa imprensa começa a falar das dificuldades da vida: o envelhecimento, o marido que tem uma amante, os filhos que se vão. Essa problematização começa a ganhar numerosos setores da sociedade.

Há duas lógicas distintas, talvez opostas, desencadeadas por Maio de 68. Por um lado, está a brecha da qual fala. E, por outro, muitos não se identificam em absoluto com o que descreve. Alguns militantes passam à clandestinidade, quase convertidos em terroristas, os maoístas não estão muito longe disso. Prospera o marxismo às vezes doutrinário, sectário, etc.

Produz-se em alguns a tentação terrorista, mas diferente da Alemanha ou Itália, na França essa dinâmica ficou abortada ou foi mínima, talvez sob a influência de mentores como Sartre. Houve muito mais imersões nas fábricas, como a de Michel Le Bris e outros, houve investidas em outra vida, rural e comunitária, com criação de cabras incluída. Algo que ficou em Larzac e outras partes, mas a maioria retornou com o colapso das esperanças de revolução.

No fundo, produz-se a vitória de um marxismo superficial, que triunfará inclusive nas ciências sociais, onde tudo se explicará pela luta de classes. Esse marxismo superficial é derrubado em 1977. Por que se produz o colapso? Porque ao mesmo tempo se produziu uma dessacralização do maoísmo (queda do Bando dos Quatro, em 1976), a penetração na França da mensagem dos dissidentes, sobretudo de Soljenítsin, o fato de que o pequeno Vietnã se converta no conquistador de Camboja, que se inflige um autogenocídio com Pol Pot. E o mesmo com Cuba, país a respeito do qual se começa a ver que não é um paraíso em miniatura.

A desilusão, a perda de uma esperança, seja chinesa, soviética ou cubana, comporta o brusco desencanto com o marxismo. A chave mestre que permitia compreender tudo se torna entediante delírio. Trata-se de um fenômeno do qual me aproveitei. Meu primeiro volume de O Método é publicado em 1977, em plena crise do marxismo e decadência do estruturalismo, e suscita certo interesse devido unicamente à conjuntura. A ideologia superposta a Maio de 68 se dissolve e mais quando no ínterim ocorre a crise econômica de 1973, que modificou as condições pelas quais os jovens podiam sair tranquilamente, voltar e encontrar trabalho etc.

No entanto, o acontecimento de 68 continuava sendo a meus olhos muito importante. No aniversário de 1988, ao contrário, começa a se atenuar. Seus heróis simbólicos também tinham evoluído.

Estava me esquecendo de um ponto importante: entre as interpretações de Maio de 68, chegou a de Régis Debray, muito mais poderosa pois se encontrava então em uma prisão da Bolívia. Segundo Debray, “Maio de 68 é mais o triunfo da sociedade de consumo que sua contestação”. A parte de verdade é que numerosos dirigentes dessas organizações revolucionárias, tendo perdido toda esperança, fizeram uma conversão total. Benny Levy, por exemplo, submergiu-se na leitura do Talmude.

Mas, Benny Levy não é a sociedade de consumo!

É verdade! Encontrou por sua conta outra fé! Libération tinha evoluído. Todos tinham evoluído. Não restava nenhum guardião do templo. O que quero dizer é que a perda da fé revolucionária conduziu a transformações totais e à aceitação da sociedade tal como é. Muitos se depararam fazendo parte do mundo da intelligentsia. Muitos antigos trotskistas se aburguesaram.

Em última instância, a imagem que propõe é a de um movimento que teve uma breve pré-história, em Berkeley (Califórnia). Depois, produziu-se o 68, o alento do momento fundador que ainda é possível encontrar em 1978, e depois tudo desaparece ou aparece em outro lugar.

Houve depois grandes greves, como em 1955; revoltas estudantis, sobretudo contra a lei Devaquet. Mas nenhuma teve o caráter simbólico e mitológico de Maio de 68.

Há uma tradição de revoltas estudantis, mas nunca nada comparável a 68.

O acontecimento, no meu ponto de vista, é contraído em 1988, quando acontece o fim do comunismo, termina a guerra fria. Tenho a impressão que Maio de 68 é algo assim como um momento simbólico de crise da civilização, onde surgem algumas aspirações profundas, quase antropológicas (mais autonomia, mais comunidade), que declinam e renascerão sob outras formas.

Minha opinião é que muitas coisas mudaram sem que nada mudasse. Sobretudo, no plano dos costumes, dos sentimentos, das ideias. E quero recordar que a classe adolescente já havia se formado antes de Maio de 68 e que foi a que permitiu seu impulso.

Pelo que disse, o alento se mantém até 1977-1978, e hoje Maio de 68 sai da memória, sai do imaginário, do lado mítico, e se converte em história.

E isso com a continuação de uma polêmica surda. Entre aqueles que continuam pensando que Maio de 68 não tem nada de revolucionário e permitiu que nossa sociedade se adaptasse; e aqueles que pensam que Maio de 68 teve uma importância libertadora nos costumes, entre os quais me encontro. Meus artigos não foram compreendidos em seu momento por pessoas como Henri Weber, que falou de “ensaio geral”. Dez anos mais tarde, disse-me: “Você tinha razão”, e o próprio Dany Cohn-Bendit.

Dany é uma pessoa que, apesar de ter evoluído em suas ideias, caracteristicamente continuou sendo o mesmo. É a autêntica encarnação de Maio de 68, e não os trotskistas ou outros. Foi um gênio estratégico extraordinário e inspirado.

Em 2018, estamos vivendo a comemoração, os cinquenta anos, com toneladas de publicações. Há o que comemorar? Falar de 68 como de um momento puramente histórico? Não é necessário voltar a dar sentido a essa chama?

68 encarnou aspirações muito profundas abrigadas sobretudo pela juventude estudantil. Aspirações sentidas pelos jovens e esquecidas quando são domesticadas na vida que os integra no mundo. Aspirações por uma maior liberdade e autonomia, fraternidade, comunidade.

Algo totalmente libertário, mas sempre com a ideia fraternal onipresente. Os jovens combinaram essa dupla aspiração antropológica que surgiu em diferentes momentos da história humana. Acredito que a importância histórica de Maio de 68 é grande porque manifestou essa aspiração; e também vimos a facilidade com a qual essa aspiração se deixou domesticar. É o que ocorreu também com o comunismo. Maio de 68 supõe um renascer dessa aspiração humana que volta de vez em quando e que voltará novamente sob outras formas.

Nos anos posteriores a 1968, o debate é estranho; os estruturalistas levam a voz cantante na vida intelectual, completamente distantes da ideia de ator ou sujeito. Muitas vezes, 68 foi interpretado de acordo com categorias estruturalistas, marxistas ou não. Como viveu o domínio das interpretações inspiradas por Althusser, Lacan, Bourdieu, essas visões que estão tão distantes do que você propõe?

Bourdieu não fez o menor movimento em Maio de 68, manteve uma prudência de serpente, e depois, em 1995, se revelou de repente como um dirigente operário. Maio de 68 significa o início do declive do estruturalismo, triunfante antes em todas as partes com o lacanismo, o althusserianismo.

O marxismo althusseriano é uma forma de esclerosar o marxismo, dando a ele um valor de verdade absoluta. Isso é derrubado em 1977. A mensagem estruturalista se esgota progressivamente ao longo dos anos 1970. O estruturalismo nunca dominou, em Maio de 68, líderes e nem seguidores. Eu mesmo, assim como Lefort e Castoriadis, tornei-me metamarxista, porque tínhamos visto o Relatório Khrushchov, a revolução húngara e sua repressão, a ascensão ao poder por parte de De Gaulle. Já havíamos começado a evoluir a partir dos anos 1958-1960. Nesses mesmos anos, o que se impõe na crise do pensamento é o althusserianismo. Althusser disse: o marxismo é ciência, e em absoluto filosofia. Lacan disse: a biologia não tem nada a ver com Freud. Além disso, fez a separação entre o simbólico e o imaginário, como se fossem dois mundos fechados. Até mesmo o grande Lévi-Strauss tem categorias que limitam o conhecimento.

Todos esses pensadores, que no mais são brilhantes, eliminam a história, o sujeito, a complexidade. Nós formávamos um grupinho reduzido que tentava salvaguardar tudo isso.

O paradoxo é que até 1977 mais ou menos os agentes, os pesquisadores, os sociólogos recorrem massivamente ao pensamento estruturalista e ao marxismo.

Sim, buscavam a segurança e a certeza da cientificidade, sobretudo, no terreno da sociologia. A genialidade de Bourdieu foi dizer: quem é cientista sou eu, a ciência sou eu, o resto é literatura ou palavreado. Em 1963, com seu livro Os herdeiros, pretende demonstrar cientificamente que aqueles que possuem êxito em termos escolares são os filhos das classes cultas, que possuem uma herança cultural. Quando nesse mesmo momento as pesquisas de Noëlle Bisseret (1974) e de Mohamed Cherkaoui demonstram que o êxito não procede de um suposto capital cultural herdado, mas, sim, do capital dinheiro dos pais e do ambiente coletivo das classes.

Em termos científicos, a tese de Bourdieu é absolutamente falsa, mas foi a que triunfou nesse momento como verdadeira cientificidade. É algo que faz parte das grandes imposturas francesas. E o mesmo com Sartre: quando se mostra mais idiota na política é quando parece mais lúcido! Por essa mesma época, Alain Touraine redescobre o sujeito. É o único sensível ao movimento, Bourdieu estava do lado da rigidez repetitiva.

Você era próximo a Touraine, conversavam com frequência?

Tínhamos sido contratados ao mesmo tempo no Centro de Estudos Sociológicos Georges Friedmann, em 1961; cada um trabalhava por sua conta, mas éramos amigos. Sempre o apreciei; podia parecer duro e rígido, mas antes de tudo tinha um autêntico rigor intelectual e não fazia concessões. Acredito que ele também me apreciava. Em Maio de 68 estivemos do mesmo lado da barricada.

A imagem que tenho de você é que, uma vez passado Maio de 68, mais que permanecer na França e participar na vida sociológica francesa, com o risco de ser laminado, coloca-se de um lado, vai (a Itália, aos Estados Unidos) e, sobretudo, capina novas paisagens. Ao passo que Touraine continuou muito mais presente, envolvido no debate interno e penso que perdeu muito tempo e muita energia.

A partir de 1962-1963, com Lefort e Castoriadis, participamos do Centro de Pesquisas e Estudos Sociais e Políticos (CRESP) e nos tornamos metamarxistas, refletimos sobre o pensamento. Em 1965-1966, fiz parte do grupo dos dez criado pelo doutor Jacques Robin com cibernéticos, biólogos, etc. Comecei a me iniciar em cibernética. Tive a sorte de que, em 1969, o Instituto Salk de Estudos Biológicos tenha me convidado a Califórnia, que então vivia seus últimos anos de cultura juvenil. Era como um Maio de 68 permanente. Submergi-me com euforia nesse universo.

Ao mesmo tempo, iniciei-me na teoria de sistemas, li Heinz von Foerster [físico e filósofo, considerado o pai da segunda cibernética]. Continuei na Califórnia minha reorganização conceitual iniciada em Paris. Ao voltar aos Estados Unidos, junto com Jacques Monod [biólogo, prêmio Nobel de Medicina em 1965 por suas pesquisas sobre o DNA], que era um velho amigo, tivemos a ideia de criar o Instituto Royaumont de Bioantropologia. Queríamos relacionar o biológico com o antropológico. Uma vez imerso nessa ideia, coloquei-me a escrever.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/578855-maio-de-68-e-algo-como-um-momento-simbolico-de-crise-da-civilizacao-entrevista-com-edgar-morin)

Mineroduto da Anglo American: transtornos muito além dos rompimentos


por Cristina Moreno de Castro
 
Em março, o mineroduto da Anglo American se rompeu duas vezes, "levando poluição a um manancial que abastece a cidade Santo Antônio do Grama (MG), impactando uma população de 4.200 pessoas." O resultado foi uma multa aplicada pelo Ibama e suspensão das atividades da mineradora por 90 dias.
Meu pai escreveu sobre isso aqui no blog no começo do mês, mas as aspas que peguei emprestadas no parágrafo anterior são do repórter Léo Rodrigues, que publicou uma matéria muito interessante na Agência Brasil, nesta segunda-feira. Ele divulga o lançamento do livro Violências de mercado e de Estado no contexto do empreendimento minerário Minas-Rio, feito por pesquisadores da UFMG, que ouviram moradores das comunidades afetadas pelo empreendimento.
Relata Léo Rodrigues:
"Foram identificados violações e danos ainda não devidamente reconhecidos pela mineradora e pelo Poder Público. Entre as situações descritas, estão a extinção de nascentes, a poluição e o assoreamento de mananciais, que acarretariam a escassez de água. Também são mencionadas remoções forçadas, prejuízos à agricultura e pecuária familiar, morte de peixes, impactos na pesca, trânsito intenso de veículos, incômodos gerados por poeira e lama, barulhos intensos das obras, falta de transparência que impede o direito à informação, invasão de propriedades por máquinas, entre outros."
A matéria também dá amplo espaço ao "outro lado", com posicionamentos da mineradora, do Ibama e da secretaria estadual responsável por liberar as licenças ambientais. É possível ler tudinho clicando AQUI.
Mas eu gostaria mesmo era de ler o livro, que foi distribuído gratuitamente no dia de seu lançamento, em 3 de maio, na Casa do Jornalista. Quero me debruçar sobre as histórias dessa gente sofrida, que vê um mineroduto enfiado goela abaixo, levando embora sua água, e nada pode fazer. Se alguém souber como consigo o PDF do livro, favor compartilhar aí nos comentários
(fonte: blog da Kika Castro)

''O glifosato provoca anomalias em recém-nascidos'', mostra novo estudo piloto em animais

O glifosato danifica o microbioma intestinal de ratos nascidos de mães expostas a concentrações consideradas seguras desse composto, com efeitos significativos e potencialmente prejudiciais. Além disso, "mesmo as breves exposição podem alterar o desenvolvimento sexual e danificar a estrutura de DNA." Essa é a conclusão da fase piloto do Estudo Global sobre Glifosato conduzido por Daniele Mandrioli, coordenador da atividade de pesquisa do Instituto Ramazzini de Bologna. Os três artigos que divulgam a primeira fase desse amplo estudo serão publicados até o final do mês na revista EnvironmentalHealth.

A reportagem é de Davide Michielin, publicada por La Repubblica, 15-05-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.


O estudo piloto

A pesquisa foi financiada através de um crowdfunding iniciado pelo próprio Instituto juntos com a Universidade de Bolonha e do Instituto Superior de Saúde. O estudo examinou os efeitos do glifosato, o princípio ativo de alguns entre os mais difundidos herbicidas, entre os quais o bem conhecido Roundup da Monsanto, em ratos Sprague Dawley, a cepa mais comumente utilizada na indústria farmacêutica para estudos toxicológicos. A pesquisa não se concentrou sobre o aparecimento de câncer em si, mas sobre o acúmulo da substância e sobre as alterações da saúde reprodutiva.


Os efeitos sobre os ratos

Os pesquisadores examinaram a prole de ratos que tinham acumulado nos tecidos níveis de glifosato de 1,75 microgramas por quilograma de peso corporal, ou seja, a dose diária aceitável na dieta de acordo com a Agência de proteção do ambiente (EPA) dos Estados Unidos. O glifosato foi administrado aos animais durante um período de três meses dissolvido na água. Embora não tenham entrado em contato diretamente com o princípio ativo, os pesquisadores observaram nos ratos recém-nascidos efeitos significativos e potencialmente prejudiciais para o microbioma intestinal.

"A alteração do microbioma tem sido associada com uma série de consequências negativas para a saúde, como obesidade, diabetes e problemas imunológicos", comentou Mandrioli ao Guardian, revelando como a exposição das mães ao glifosato poderia também alterar o nível normal dos hormônios sexuais, causando anomalias anatômicas. No que diz respeito a genotoxicidade, foi observado um aumento significativo de aberrações cromossômicas nas células da medula óssea dos ratos tratados com o glifosato, em especial nas fases iniciais de vida.


Os efeitos sobre o ser humano

Embora seja um estudo piloto, cujos resultados deverão ser confirmados em análises de longo prazo, a pesquisa do Instituto Ramazzini reacendeu o debate sobre a controversa renovação da prorrogação de cinco anos para o uso do glifosato concedida pela Comissão da União Europeia no final de novembro. Nos últimos vinte anos, a pesquisa encontrou evidências para a carcinogenicidade do composto em animais de laboratório.

No entanto, os estudos em humanos parecem menos consistentes. Análises baseadas em marcadores de sangue de comunidades expostas ao herbicida demonstraram que o glifosato causa danos na estrutura do DNA e dos cromossomos. Mas os efeitos a longo prazo da exposição ao glifosato são ainda pouco conhecidos. A Agência de Pesquisa sobre o Câncer da Organização Mundial da Saúde já em 2015 tinha listado o herbicida entre os "provavelmente cancerígenos".

No entanto, a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar posteriormente declarou que o glifosato é "improvável que apresente um risco cancerígeno para os seres humanos" e a Agência Europeia para a Química, afirmou que "as evidências científicas disponíveis não atendem os critérios necessários para classificar o glifosato como cancerígeno, mutagênico ou tóxica para a reprodução".

Entrevistado pelo jornal britânico, o vice-presidente da Monsanto responsável pela estratégia global, Scott Partridge, declarou que "o Instituto Ramazzini é uma organização de ativistas com segundas intenções não declaradas na campanha de crowdfunding. Defendem a proibição do glifosato e várias vezes no passado emitiram declarações não confirmadas pelas agências reguladoras. Não se trata de verdadeira pesquisa científica." Partridge inclusive acrescentou que "Todas as pesquisas até agora realizadas, mostraram que não há nenhuma ligação entre o glifosato e o câncer."
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/579071-o-glifosato-provoca-anomalias-em-recem-nascidos-mostra-novo-estudo-piloto-em-animais)