domingo, 30 de setembro de 2018

A guerra farmacêutica em nome das 700 mil vítimas de hepatite C

Texto escrito por José de Souza Castro:
O Brasil tem mais de 700 mil brasileiros que sofrem de hepatite C, dos quais 96% poderiam se curar se fossem tratados com o Sofosbuvir, medicamento que só poderá ser comercializado no Brasil pela Gilead Sciences, cuja patente – reconhecida nos Estados Unidos, sede da empresa, mas não em todos os países – o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) acaba de conceder a essa empresa americana. Se o reconhecimento da patente não for revertido, o custo do SUS aumentará em R$ 1 bilhão a cada 50 mil tratamentos que forem feitos com o Sofosbuvir.
No ano passado foram registrados no Brasil 24 mil novos casos de hepatite C. Uma verdadeira mina de ouro para a Gilead, que cobra R$ 16 mil por 12 semanas de tratamento de cada paciente do SUS.
Ocorre que existe um Sofosbuvir genérico registrado na Anvisa pelo laboratório Far-Manguinhos, da Fiocruz, vinculada ao Ministério da Saúde. Esse genérico começaria a ser produzido pela autarquia federal em parceria com laboratórios brasileiros e custaria ao SUS R$ 2,7 mil por 12 semanas de tratamento de cada doente.
Proibido de comprar o genérico brasileiro, o SUS não terá recursos suficientes para importar o Sofosbuvir norte-americano e tratar tantos doentes, a menos que a Gilead – do mesmo modo que conseguiu dobrar o INPI, apesar das críticas de sua área técnica, de doentes e seus familiares e de especialistas em saúde pública – convença o governo que esse gasto é indispensável.
Não faltará à Gilead empenho. A decisão do INPI lhe deu o monopólio da venda do Sofosbuvir no Brasil por 20 anos, contados a partir de 2004, data do depósito da patente nos Estados Unidos. E não faltará dinheiro, se optar por molhar as mãos das autoridades, pois só no primeiro ano de comercialização no mercado dos Estados Unidos, em 2014, a Gilead faturou US$ 12,4 bilhões com a venda dos produtos baseados nos Sofosbuvir.
Pergunta pertinente: ela terá molhado as mãos de alguéns muito importantes do governo de Michel Temer, para conseguir o reconhecimento da patente no apagar das luzes (?) dessa administração?
Leio aqui que o médico Arthur Chioro, que foi ministro da Saúde e atualmente é responsável pelo programa de saúde do petista Fernando Haddad, chamou de “injustificável a mudança de entendimento do INPI”. E que em entrevista ao jornal “Valor”, afirmou que “o governo foi omisso e o interesse da população colocado em segundo plano”. Disse ainda que “tem algo de estranho, que é de outra órbita, não técnica”, no reconhecimento da patente do Sofosbuvir.
Muito estranho mesmo. Não lhe parece, Ministério Público? Polícia Federal?
A própria história do lucro fabuloso da Gilead com o Sofosbuvir não passou despercebida ao conhecido economista americano Jeffrey Sachs. Ele acha razoável que investidores privados recebessem em torno de 5 a 10 vezes os investimentos realizados na pesquisa, considerando o horizonte de tempo dispendido e as altas incertezas que envolvem a produção de medicamentos. Mas, no caso do Sofosbuvir, esta remuneração fica em torno de 40 vezes ou mais.
Com um agravante: o medicamento não foi descoberto pela Gilead, mas por uma equipe da Universidade de Emory liderada pelo professor Raymond Schinazi. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento da droga totalizaram US$ 62,4 milhões, durante 10 anos, até 2011. Tudo financiado pelo National Institute of Health, pertencente ao governo dos Estados Unidos.
Confiante no sucesso do empreendimento, o professor Schinazi fundou em 2004, ano em que fez o depósito da patente, a Pharmasset, para viabilizar sua produção e comercialização. Em janeiro de 2012, a Gilead pagou US$ 11,2 bilhões pela Pharmasset, dos quais US$ 440 milhões embolsados pelo líder da pesquisa. Em dezembro de 2013, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou o uso do Sovaldi e de outra fórmula similar baseada no Sofosbuvir. Dona da patente e do monopólio no mercado, a Gilead estabeleceu preço de US$ 84 mil para o tratamento de 12 semanas. Cada pílula do Sovaldi era vendida por mil dólares, mas custava ao fabricante entre 68 e 136 dólares, conforme estudos da Universidade de Liverpool.
Não há racionalidade, concluiu Sachs, na indústria de medicamentos. Se houvesse, a Gilead teria pagado US$ 1 bilhão pelos direitos do Sofosbuvir e US$ 40 milhões ao professor Schinazi.
E milhões de contribuintes que mantêm os sistemas governamentais de saúde seriam bem menos sacrificados no esforço de salvar a vida de 700 mil doentes de hepatite C.
(fonte: blog da Kika Castro)

Estudo liga poluição a declínio cognitivo em seres humanos

Um amplo estudo realizado na China sugere que existe uma relação entre a poluição do ar e consequências negativas registradas na linguagem e na habilidade matemática das pessoas.
A reportagem é de Mike Ives, publicada por The New York Times e reproduzida por O Estado de S. Paulo, 25-09-2018.
A relação entre a poluição e as doenças respiratórias já é bastante conhecida, mas a maioria dos especialistas agora acredita que partículas ínfimas também podem elevar o risco de infartos e derrames. Ainda não se sabe ao certo se esta forma de poluição atmosférica prejudica a cognição, mas vários estudos sugerem a existência de uma relação.
O estudo mais recente, realizado por pesquisadores na China e nos Estados Unidos, analisou as consequências da exposição à poluição atmosférica no desempenho em testes de matemática e de reconhecimento da fala em mais de 25 mil pessoas de 162 condados chineses.
Os autores concluíram que os efeitos em termos cognitivos da exposição cumulativa entre os que se submeteram aos testes foram particularmente acentuados entre homens mais velhos. Os resultados são preocupantes, em parte porque o declínio cognitivo e os danos decorrentes são fatores de risco para a doença de Alzheimer e outras formas de demência.
O estudo “amplia ainda mais a necessidade de combater a poluição atmosférica desde já a fim de proteger particularmente a saúde dos jovens e das populações mais velhas”, afirmou em um e-mail Heather Adair-Rohani, da World Health Organization de Genebra.
Uma equipe de pesquisadores da França e da Grã-Bretanha afirma em um estudo de 2014 que a poluição causada pelo trânsito em Londres esteve associada ao declínio das funções cognitivas ao longo do tempo entre os participantes do estudo, cuja idade média era de 66 anos.
Na China, que já tem a maior população mundial com demência, o número deverá subir de cerca de 44,4 milhões em 2013, para 75,6 milhões até 2030.
As constatações do novo estudo “implicam que os efeitos indiretos para o bem-estar social serão muito maiores do que se pensava anteriormente”, escreveu o autor. “Uma atenção inadequada aos efeitos negativos para a saúde poderá subestimar o custo total da poluição atmosférica”.
O estudo constatou que “a exposição cumulativa” exerceu um efeito significativo sobre os resultados de testes verbais, principalmente para os homens mais velhos com menor escolaridade.
Como a indignação da população cresceu na China por causa do smog e das doenças respiratórias a ela relacionadas, nos últimos anos, as autoridades fecharam centenas de usinas elétricas movidas a carvão, impuseram limites à circulação de veículos e à utilização de carvão nas habitações, e enviaram equipes de policiais para inspecionar as fábricas.
Um recente estudo mostrou que cerca de 142 milhões de pessoas, ou pouco mais da metade da população entrevistada em 155 cidades chinesas, ficaram expostas em 2014 a “concentrações anuais de multicontaminantes” que estavam acima dos limites fixados pela Organização Mundial da Saúde.
Rajasekhar Balasubramanian, um especialista em qualidade do ar na Universidade Nacional de Cingapura que não participou do estudo, disse que agora pesquisas semelhantes serão necessárias em outros países.
“O resultado de tais estudos fornecerá uma base científica confiável para que seja possível estabelecer padrões de qualidade do ar a fim de reduzir a poluição atmosférica”, afirmou o dr. Balasubramanian, “e proteger a saúde pública tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento”.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/583142-estudo-liga-poluicao-a-declinio-cognitivo-em-seres-humanos)

Brasil avança na liberação de agrotóxicos que matam 193 mil pessoas por ano no mundo

Enquanto diversos países começam a restringir uso de químicos como o glifosato, Brasil corre para aprovar o PL do Veneno.
Na contramão de diversos países do mundo e das resoluções da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem avançado na liberação de agrotóxicos e aprovação de projetos de lei que abrandam as restrições ao uso de químicos agrícolas que, segundo dados da Organização das Nações Unidas, são responsáveis pela morte de 193 mil pessoas todos os anos.
A reportagem é de Lilian Campelo, publicada por Brasil de Fato, 19-09-2018.
O número foi apresentado pela a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), organismo internacional de saúde pública e que faz parte dos sistemas da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU), durante reunião realizada na sede da Agência Regional em Brasília na terça-feira (11). O encontro contou com representações de instituições nacionais de regulação e sociedade civil que integram a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida.
Na avaliação de Murilo Oliveira de Souza, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e membro da Campanha, a reunião foi importante, porque insere o Brasilno debate internacional sobre a regulamentação do uso de agrotóxicos e destaca que representantes da ONU fizeram críticas ao Projeto de Lei 6.299/02, conhecido como PL do Veneno, defendido pela bancada ruralista.
“Os representantes da ONU tiveram uma postura muito crítica ao próprio PL do Veneno, mesmo não conhecendo ele em profundidade. [Fizeram] críticas em relação a abertura que o Brasil estabelece para as cooperações do agronegócio, principalmente na liberação de agrotóxicos que são cancerígenos e que são teratogênicos [agentes que afetam a formação do feto]. Então, a postura dos membros da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) foi muito importante no processo de liberação de agrotóxicos no Brasil”, afirma o pesquisador.

Pacote do veneno

PL do Veneno pretende revogar as Leis nº 7.802/1989 e 9.974/2000, que regulam o processo de liberação e uso de agrotóxicos. Carla Bueno, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pontua que a Lei 7.802/1989 é considerada uma referência como mecanismo de controle, contudo o momento político dos pós-golpe tem diminuído a incidência do Estado na questão. Ela ainda analisa que a medida que o modelo produtivo do agronegócio se torna hegemônico, cresce o aumento do uso de agrotóxicos no país. Uma das propostas do PL do Veneno é, por exemplo, alterar a terminologia do termo “agrotóxico” pela expressão “produto fitossanitário”.
Com a aprovação do PL do Veneno, será possível viabilizar rapidamente a utilização diversos produtos, entre eles os que são feitos à base de glifosato. Pesquisas científicas apontam que o glifosato, vendido sob o nome comercial de Roundupcausa severos danos à saúde e ao meio ambiente. O Ministério Público Federal solicitou a suspensão do uso. A justiça atendeu, mas a decisão foi derrubada no dia 5 de setembro.
Recentemente, tribunais estadunidenses condenaram a Bayer-Monsanto, produtora do Roundup, a pagar US$ 289 milhões de dólares ao jardineiro Dewayne Johnson, diagnosticado com câncer terminal após utilizar o herbicida. Após a decisão, a multinacional sofreu outra derrota cinco dias depois, quando a Suprema Corte da Califórnia negou uma apelação da Monsanto que pretendia evitar que o glifosatointegrasse a lista de substâncias cancerígenas do estado.
Atualmente, é proibido o registro de agrotóxicos que possam apresentar características teratogênicas, carcinogênicas, mutagênicas, distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor. Com a mudança proposta pela PL do Veneno, as proibições poderão apenas acontecer em casos extremos de toxicidade.
De caráter oposto ao PL do Veneno, tramita atualmente também o Projeto de Lei 6670/2016, de cunho popular e defendido pela sociedade civil organizada, que quer instituir a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA). O pesquisadorMurilo de Souza destacou que na reunião diversos palestrantes apresentaram os parâmetros de regulação da União Europeia sobre o uso de pesticidas e outras substâncias nocivas, e verificou-se que são “extremamente parecidos com a proposta do PnaRA”.

Agências discordam

Apesar dos pareceres contrários ao PL do Veneno, houve também posicionamentos favoráveis por parte de agências estatais. Segundo relata Franciléia Castro, educadora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, retomou um antigo debate. “Foi o único órgão a questionar na reunião a retomar a discussão de nomenclatura”. Em nota publicada em seu site, a Embrapa afirma que a alteração “(..) representa uma mudança positiva, uma vez que o uso do termo agrotóxico é bastante questionável do ponto de vista toxicológico”.
Apesar do posicionamento da EmbrapaFranciléia, que também participou da reunião na sede da OPAS, destacou que um dos pontos importantes do evento foi o posicionamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre a questão.
“Foi um dos poucos momentos que o Ibama se declarou contrário à proposta do PL do Veneno, um posicionamento diferente do que vinha acontecendo nos últimos meses de audiência pública de debates. O órgão tinha ficado meio que intimidado, tem uma nota técnica contraria ao PL do Veneno, mas foi importante que assumiu um posicionamento frente a esses órgãos internacionais ao dizer que é contrário ao PL 6.299”, relata.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/583024-brasil-avanca-na-liberacao-de-agrotoxicos-que-matam-193-mil-pessoas-por-ano-no-mundo)

O tempo dos ventos selvagens

Como o aquecimento global está tornando mais devastadores os furacões, tufões e ciclones. Por que já se preveem as “supertempetades” de categoria 6
Por José Eustáquio Diniz Alves, no EcoDebate
Os furacões (que acontecem no Atlântico Norte e no Pacífico entre o Havaí e a costa oeste dos EUA), os Tufões (que acontecem no Pacífico entre o Havaí e o leste asiático) e os Ciclones que acontecem no hemisfério sul e no oceano índico) são fenômenos provocados pelo aquecimento da superfície do mar, que faz evaporar a água em ritmo mais acelerado, formando nuvens de chuva. Isto faz cair a pressão atmosférica e favorece a subida do ar, retroalimentando a evaporação. Este fenômeno intensifica as correntes de vento oceânicas que passam a se movimentar em espiral, podendo atingir velocidades muito altas.
Pela escala Saffir-Simpson, o ciclone extratropical tem ventos até 117 km/h. Na categoria 1: os ventos vão de 118 a 152 km/h; na categoria 2: de 153 a 176 km/h; categoria 3: de 177 a 207 km/h; categoria 4: de 208 a 250 km/h e categoria 5: acima de 251 km/h.
Nos últimos anos os Furacões, Tufões e Ciclones têm aumentado de frequência e de intensidade e, obviamente, não dá para ignorar o efeito do aquecimento global, que é intensificado pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa, gerados pelo crescimento exponencial das atividades antrópicas, especialmente a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento e a expansão da pecuária.
Por conta da maior concentração de CO2 e outros gases de efeito estufa (como o metano) na atmosfera, a temperatura do Planeta já subiu cerca de 1°C., em relação às temperaturas pré-industriais. Os desastres naturais aumentam em decorrência dos efeitos da mudança climática. Cientistas da Universidade de Stony Brook consideram que o aumento da temperatura da superfície dos oceanos, eleva a umidade do ar e o calor adicional funciona com catalisador e potencializador dos Furacões, Tufões e Ciclones. No caso do Florence, eles consideram que as chuvas do furacão são 50% mais altas do que seriam sem o aquecimento global e que o tamanho projetado do furacão é cerca de 80 quilômetros maior.
O gráfico abaixo mostra que as perdas econômicas estão aumentando nos Estados Unidos. No século passado, o Furacão Andrew gerou um prejuízo de US$ 49,1 bilhões, em 1992. Isto foi largamente superado pelos prejuízos do Furacão Katrina, em 2005, que gerou custos de US$ 165 bilhões. Mas o ano de 2017 foi recordista com o prejuízo somado dos Furacões Harvey, Irma e Maria totalizando cerca de US$ 250 bilhões.
Ainda é cedo para calcular os prejuízos do Furacão Florence que atingiu a categoria 5 (ventos acima de 251 km/h), mas desacelerou e atingiu a costa da Carolina do Norte como categoria 1 e logo se transformou em tempestade tropical. Mesmo perdendo força e deixando de ser um desastre de grandes proporções como o Katrina, o Furacão Florence ocasionou a ordem de retirada de mais de 1,7 milhão de moradores da costa leste dos EUA, parou a economia, cancelou milhares de voos, gerou blecautes e destruição de patrimônio, provocou a morte de pelo menos 15 pessoas (contagem preliminar) e inundou e paralisou extensas áreas. Mas como disse Kevin Arata, porta-voz da cidade de Fayetteville, na CNN, no domingo: “O pior ainda está por vir”.
Concomitante ao Furacão Florence que se formou e se expandiu no Atlântico Norte, o Tufão Mangkhut (que se formou no Pacífico mais ou menos no mesmo período, na segunda semana de setembro de 2018) atingiu o leste asiático também deixou um rastro de destruição em termos econômicos e humanos, embora em proporção menor do que o estimado anteriormente. O tufão Mangkhu, que também tinha chegado à categoria 5, desacelerou e atingiu o norte das Filipinas (uma região com baixa densidade demográfica) com ventos de 170 km/h e rajadas de até 260 km/h.
Em sua passagem pelo arquipélago, o Mangkhut deixou 54 mortos e 42 pessoas desaparecidas nas Filipinas (contagem preliminar), incluindo um bebê e uma criança. A maioria das mortes foi causada por deslizamentos de terra e destruição de casas pela força dos ventos. Em sua trajetória filipina o tufão deslocou 50 mil pessoas, que tiveram que deixar suas casas e afetou mais de 5,2 milhões de indivíduos que vivem em um raio de 125 km da trajetória do Mangkhut.
Em Hong Kong, o Tufão chegou com ventos de 173 km/h e rajadas de até 223 km/h, paralisando totalmente uma das cidades mais dinâmicas do mundo. Embora tenha havido muita inundação, telhados arrancados, muitas árvores caídas e guindastes derrubados, não houve nenhuma vítima fatal em uma cidade muito bem preparada para enfrentar os desafios da instabilidade climática. Mas os prejuízos econômicos foram enormes e ainda estão sendo contabilizados.
Na China, os danos provocados pelo Tufão Mangkhut foram de grande extensão. A cidade de Macau, famosa pelos seus casinos, parou totalmente e foi tão ou mais afetada do que Hong Kong. A tempestade adentrou pelo continente e assolou a populosa região de Guangdong, onde mais de 2,4 milhões de pessoas foram evacuadas. A tempestade atingiu a cidade de Haiyan por volta das 17h de domingo (segunda-feira na China) e, pelo menos, duas pessoas morreram. As escolas fecharam, as viagens dos trens de alta velocidade foram suspensas, centenas de voos foram cancelados, os barcos de pesca retornaram e as inundações se espalharam, segundo a agência de notícias estatal, Xinhua. Os estragos continuam pelo interior do sul da China.
O fato é que um mundo mais quente traz furacões/tufões/ciclones mais destruidores, pois a combinação de maior temperatura das águas oceânicas e maior umidade do ar funciona como um catalisador destes redemoinhos. A ciência mostra que as tempestades são mais fortes em decorrência do aquecimento global. As leis da termodinâmica não deixam dúvida de que as mudanças climáticas estão aumento a frequência e o poder de destruição dos eventos extremos que trazem chuva, agitam o oceano e provocam inundações.
O escritor Jeff Nesbit tem chamado a atenção para o desafio climático e como o aquecimento global tem impactando as comunidades em todo o mundo: secas mais longas no Oriente Médio, desertificação crescente na China e na África (duas regiões com alta densidade demográfica), temporada de monções encolhendo na Índia e ficando mais instáveis, ondas de calor amplificadas na Austrália, no Irã, Paquistão, etc., furacões/tufões/ciclones mais intensos atingindo a América e a Ásia, guerras por água no Chifre da África, rebeliões, refugiados e crianças famintas em todo o mundo. Nesbit escreveu o livro “This is the way the world ends: how droughts and die-offs, heat waves and hurricanes are converging on America”, onde mostra que a mudança climática não é uma ameaça distante, pois já está impactando comunidades em todo o mundo.

Ele chama a atenção para a possibilidade de surgimento de furacões com categoria 6, com ventos que excedam 200 milhas por hora (mais de 300 km/h). Esta possibilidade é cada vez mais real devido ao aquecimento dos oceanos e ao maior vapor de água circulando pela atmosfera. As super-tempestades podem ter um poder devastador e, junto ao aumento do nível do mar, podem fazer naufragar amplas áreas costeiras, com prejuízos incalculáveis para a agricultura e as cidades.
O que é preciso reconhecer é que esses eventos climáticos extremos estão relacionados ao fato de que, desde 2015, o Planeta já está em torno de 1º C acima da média pré-industrial.
A terra está se tornando um local perigoso. Portanto, a recente onda de eventos catastróficos não é mera anomalia. O sistema climático está cada vez mais desequilibrado, em função do modelo “Extrai-Produz-Descarta”. Os últimos quatro anos (2014-2017) foram os mais quentes já registrados no Holoceno e tudo indica que o mundo assistirá temperaturas mais extremas nos próximos quatro anos.
Infelizmente, em vez de confrontar essa ameaça à espécie humana e às demais espécies vivas da Terra, a humanidade, egoisticamente, reforça o mito do crescimento econômico acreditando no mantra que diz que a qualidade de vida depende do aumento das atividades antrópicas.
Contudo, a economia não pode ser maior do que a ecologia e nem a humanidade pode superar a capacidade de carga da Terra. Ou a civilização muda o rumo que está levando ao aumento da probabilidade de um colapso ambiental ou haverá de lidar com um colapso civilizacional. Esta possibilidade foi abordada em novo estudo científico que indicou que a Terra pode entrar em uma situação com clima tão quente, que pode elevar as temperaturas médias globais a até cinco graus Celsius acima das temperaturas pré-industriais.
estudo mostra que o aquecimento global causado pelas atividades antrópicas de 2º Celsius pode desencadear outros processos de retroalimentação, podendo desencadear a liberação incontrolável na atmosfera do carbono e do metano armazenado no permafrost, nas calotas polares, etc. Isto provocaria o fenômeno “Terra Estufa”, o que levaria à temperatura ao recorde dos últimos 1,2 milhão de anos.
Ou seja, o cenário da “Terra Estufa”, aumenta a possibilidade de furacões/tufões/ciclones de categoria 6, o que traria grande sofrimento e grande prejuízo para a humanidade e afetaria todos os seres vivos do Planeta. Seria algo parecido com o apocalipse, só que provocado pela crescente interferência humana e pela dimensão da economia que, no conjunto, se transformaram em forças globais de rompimento do equilíbrio homeostático da Terra.
O Furacão Florence e o Tufão Mangkhut são apenas sinais de uma catástrofe de maiores dimensões que está ocorrendo “à prestação”, mas que são um aviso do muito que está por vir.
(fonte: https://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/o-tempo-dos-ventos-selvagens/)

Novo presidente da Anvisa arma trator em prol da indústria de alimentos


Meses depois da cobrança do setor privado por um diretor ‘alinhado’, William Dib assume o cargo 
ameaçando atropelar a área técnica no debate sobre alertas nos rótulos
Contrariando a promessa de evitar movimentos bruscos, o novo diretor-presidente da Anvisa já prepara 
o trator. O cardiologista William Dib, diretor desde 2016, assumiu o comando do órgão regulatório com a 
ameaça de atropelar a área técnica. Mais especificamente, a Gerência-Geral de Alimentos, que há anos 
estuda a adoção de um modelo de rotulagem frontal capaz de reduzir o consumo de ultraprocessados, 
passo fundamental na tentativa de frear os índices alarmantes de obesidade.
Anunciado logo em seguida à segunda reunião em poucas semanas com Michel Temer no Palácio do 
Planalto, o ex-prefeito de São Bernardo do Campo e ex-deputado federal pelo PSDB disse ao jornal 
O Estado de S. Paulo que o semáforo defendido pela indústria é o que melhor funciona para que as 
pessoas tenham uma informação “coerente e comparável”. Esse sistema mostra as cores verde, amarelo 
e vermelho para os nutrientes em excesso (sal, açúcar, gorduras saturadas). O novo presidente afirmou 
ainda que a posição é consensual dentro da agência, o que, sabe-se, não corresponde à realidade.
A declaração vai contra os estudos analisados pela Gerência-Geral de Alimentos, que demonstram 
que o melhor sistema são alertas sobre o excesso de sal, açúcar e gorduras saturadas. Esse sistema 
foi adotado pela primeira vez no Chile, em 2016. Nesse caso, são octógonos de fundo preto com 
a inscrição “Alto em” para cada um dos nutrientes em excesso. Os semáforos já eram dados como
carta fora do baralho.
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) propôs triângulos de fundo preto com 
a mesma filosofia do modelo chileno. Em maio, a diretoria colegiada da Anvisa aprovou relatório 
preliminar no qual se colocava a favor dos alertas, embora sem definir um formato e uma cor. 
Na época, Dib não demonstrou qualquer oposição às advertências.
O texto foi submetido a uma primeira fase de consulta pública. A declaração de Dib veio no momento 
em que a Gerência-Geral de Alimentos preparava um novo relatório, que deveria ser submetido a 
consulta pública ainda este ano.

Em nota, Ana Paula Bortoletto, do Idec e do comitê gestor da Aliança pela Alimentação Adequada e 
Saudável, demonstrou contrariedade com a postura de Dib. Ela diz que a declaração do diretor-
presidente sobre a existência de consenso em torno do semáforo contraria a análise técnica da 
agência e a opinião manifestada pelos demais diretores em reuniões com representantes da 
sociedade civil.
“Nós estranhamos uma afirmação dessas que venha da presidência da Anvisa, já que o relatório 
técnico que se tornou público, baseado nas evidências científicas, concluiu até agora que os modelos 
semi-interpretativos de alertas possuem melhor desempenho em relação ao semáforo nutricional 
na compreensão pelos consumidores sobre alto conteúdo de nutrientes negativos, na redução 
de enganos e na possibilidade de comparação.”

Diretor alinhado

A manifestação de Dib veio pouco tempo depois de a Associação Brasileira das Indústrias de 
Alimentação (Abia) pedir abertamente a Temer a indicação de um diretor alinhado a seus interesses.
Poucos dias antes da inesperada nomeação do ex-deputado, o presidente da República indicou 
para diretor Rodrigo Dias, ligado ao PP e presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). 
Dias é acusado de violência contra a esposa, o que rendeu protestos de servidoras da Anvisa.
Ato contínuo, Temer convocou Dib, então diretor de Controle e Monitoramento Sanitários, e o nomeou. 
Questionado pelo site Jota se a indicação atende à relação pessoal com o presidente da República, 
o cardiologista desconversou: “Não sei responder.  O desafio que ele me passou, eu aceitei. 
Essa coisa de cota, processo político…”
Nos últimos meses, Dib teve pelo menos dois encontros com partes interessadas em evitar que a 
Anvisa adote as advertências. Em 7 de junho, recebeu diretores da Confederação Nacional da 
Indústria (CNI). Em 25 de julho, o diretor de Relações Governamentais da Coca-Cola, Victor Bicca.
Podem ter ocorrido outros encontros: Dib tem o costume de tornar pública a agenda quando dá 
na telha. O espaço no site da agência reservado à divulgação das agendas dos dirigentes é 
deixado em branco vários dias.
Na quinta-feira passada, quando Dib esteve no Planalto, os diretores de Coordenação e Articulação 
do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, Fernando Mendes, e de Autorização e Registro 
Sanitários, Alessandra Basto Soares, tiveram reunião com diretores da Abia para discutir a rotulagem 
de alimentos.
Em 24 de agosto, apresentamos pedido via Lei de Acesso à Informação para ter acesso às atas dos 
vários encontros de diretores da agência com representantes do setor privado para tratar sobre 
rotulagem de alimentos. O prazo de atendimento expirou em 17 de setembro, sem que obtivéssemos 
resposta. Entramos com recurso para tentar obter essa informação básica. E seguimos esperando.
Assim como esperamos por retorno ao pedido de entrevista com representantes da direção da agência 
apresentado em julho do ano passado, há 14 meses. Quando da nomeação, na última semana, 
renovamos nosso pedido. E, como tem sido a praxe, fomos solenemente ignorados pela assessoria 
de comunicação. Desse modo, seguimos sem poder ter declarações de primeira mão do dirigente 
da Anvisa.

Portas abertas

De melhor sorte contam os empresários. Recentemente, a Abia teve direito a dois encontros 
seguidos com Temer na tentativa de frear a adoção dos alertas. Chegaram até a contar com 
apoio público do emedebista na luta contra a área técnica da agência.
Organizações da sociedade reunidas na Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável não 
receberam de Temer o mesmo tratamento, e esperam até agora pelo pedido de audiência 
protocolado no Planalto.
A nomeação de Dib em meio ao processo eleitoral chama atenção. A presidência da Anvisa 
estava vaga desde julho, com o fim do mandato de Jarbas Barbosa, num vazio que jogava 
incerteza sobre o processo regulatório da rotulagem de alimentos.
Se Jarbas havia se posicionado de maneira clara em prol dos alertas, seu sucessor adotou 
outra linha na entrevista ao Estadão. “Esse é um assunto muito importante para a economia e 
para o consumidor, é preciso manter o diálogo”, afirmou o novo diretor-presidente à repórter 
Lígia Formenti.
A fala ao Estadão reforça o que já ouvimos diversas vezes: a ideia de que a Anvisa serve para 
harmonizar lucro e saúde pública. A Lei 9.782, de 1999, que definiu a criação do órgão de vigilância 
sanitária, demonstra visão diferente: “A agência terá por finalidade institucional promover a proteção 
da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de
 produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária”.
Alguns dos maiores estudiosos em alimentação e nutrição do mundo declararam apoio às advertências. 
Um dos criadores do semáforo encampado pela indústria, Mike Rayner, declara que esse modelo não 
funciona a contento.
O sistema de alertas tem mostrado o melhor funcionamento no desestímulo ao consumo e no incentivo
para que a indústria reformule produtos, retirando de circulação toneladas de sal, açúcar e gordura.
Depois que o relatório preliminar foi aprovado pelos diretores da Anvisa e encaminhado a uma primeira 
fase de consulta pública, o setor privado redobrou a ofensiva para tentar frear a agência. A Abia chegou 
a apresentar um estudo de impacto econômico que fala em perda de R$ 100 bilhões e no fechamento 
de quase dois milhões de postos de trabalho. Mostramos aqui no Joio que os cálculos não têm qualquer 
embasamento e fazem extrapolações a partir de uma pesquisa de opinião.
A Abia conseguiu uma liminar da Justiça Federal para adiar em 15 dias o fechamento da primeira fase 
de consulta pública. A alegação é de que a coleta de dados havia sido atrapalhada por Copa do Mundo 
e greve dos caminhoneiros, e que o setor privado precisava do prazo adicional para concluir estudos – 
que não foram apresentados, mesmo com a decisão judicial favorável.
Na consulta pública, várias associações empresariais ameaçaram a Anvisa com pedir a “nulidade” do
processo caso não sejam atendidas na reivindicação de que o semáforo seja o escolhido. As 
organizações deixam clara a intenção de seguir judicializando o processo. O que não será necessário, 
se o novo diretor-presidente mantiver o trator ligado.
(fonte: http://outraspalavras.net/ojoioeotrigo/2018/09/novo-presidente-da-anvisa-arma-trator-em-prol-
da-industria-de-alimentos/)

domingo, 23 de setembro de 2018

Os dólares e euros da bancada ruralista

Estudo inédito revela: 112 multinacionais norte-americanas e europeias ajudam a financiar os deputados que transformam num inferno a vida dos brasileiros
Por Bruna de Lara, no Intercept Brasil
A cadeira ocupada pelo deputado federal Nelson Marquezelli no Congresso parece servir a um único objetivo: beneficiar seus negócios privados. Às vezes, o esforço é escrachado. Produtor de laranjas, o parlamentar do PTB paulista já tentou tornar o suco da fruta “bebida oficial” do governo federal e item obrigatório nas merendas. Fracassou. Mas, junto à bancada ruralista, o político coleciona vitórias bem mais significativas – todas facilitadas pelas ligações de Marquezelli e seus colegas de bancada com gigantes como a Coca-Cola, a Schweppes e o grupo Mitsubishi.
As relações financeiras de 112 empresas americanas e europeias com os negócios de apenas seis ruralistas deram à bancada – que reúnequase 210 deputados e 26 senadores, ou 40% do Congresso – parte do poderio econômico e político que levaria o país a retroceder em questões como os direitos indígenas, trabalhistas e a preservação ambiental nos últimos seis anos. As conquistas dos parlamentares, que atuam em um bloco para avançar seus interesses econômicos, incluem leis e portarias que facilitam a grilagem de terras; a redução das áreas de preservação ambiental; a diminuição do acesso ao seguro-desemprego; e a flexibilização da definição de trabalho escravo.
A cadeia que liga Marquezelli a corporações como a Coca-Cola e a Schweppes, líderes mundiais no comércio de bebidas, é intermediada pela brasileira Cutrale, uma das maiores fornecedoras de suco de laranja das duas empresas. Há décadas que o deputado vende parte de sua colheita à Cutrale, que financia as suas campanhas políticas – em 2014, um ano depois de ser flagrada com trabalho escravo, a empresa doou R$ 200 mil ao seu comitê. Em fevereiro deste ano, a exportadora de suco foi condenada por submeter seus trabalhadores a situações degradantes, como falta de água potável, de transportes seguros e de proteção no uso de agrotóxicos.
Os dados são de um relatório inédito da ONG Amazon Watch, que investigou as cadeias comerciais que beneficiam, além de Marquezelli, outros cinco políticos que também são candidatos em 2018: Alfredo Kaefer, candidato à reeleição pelo PP do Paraná; Adilton Sachetti, deputado federal do PRB e candidato ao Senado pelo Mato Grosso; Jorge Amanajás, candidato ao Senado do PPS do Amapá; Sidney Rosa, candidato ao Senado pelo PSB do Pará; e o ex-deputado Dilceu Sperafico, do PP paranaense, único da lista que não tenta um cargo legislativo neste ano. Os seis foram escolhidos por seu histórico de corrupção e retrocessos no campo dos direitos trabalhistas, indígenas e ambientais, além de suas ligações com grandes empresas americanas e europeias.

O agro é lucro

O relatório mostra como multinacionais fazem negócios, ainda que indiretamente, com parlamentares que agem em benefício próprio ou em atividades suspeitas. Um dos problemas nestas relações é que muitas dessas empresas fazem marketing sobre a suposta sustentabilidade ambiental de seus negócios – enquanto ignoram a ficha corrida dos deputados que fornecem matéria-prima e conexões políticas para as empresas. É o caso da Bunge, multinacional que se gaba da “sustentabilidade” de sua cadeia comercial e, ao mesmo tempo, compra toneladas da soja dos ruralistas suspeitos de corrupçãoe práticas antiéticas. Esses grãos pararam na Espanha, Portugal, França e da Noruega entre 2016 e 2017, nas mesas de consumidores impactados pelo marketing sustentável da empresa e que ignoram a origem suja do produto.
Um dos parlamentares que, indiretamente, forneceram matéria-prima para a Bunge é Adilton Sachetti, um dos deputados analisados pela Amazon Watch. Ele é produtor de algodão, milho e soja e defende a PEC 215, que ameaça a demarcação de terras indígenas e quilombolas – áreas que ruralistas historicamente lutam para transformar em fazendas. De acordo com o relatório, o deputado vende sua soja para a empresa do ministro Blairo Maggi, a Amaggi. O ministro figura entre os maiores produtores e exportadores de soja do mundo. E vende grãos para a Bunge. Para a Amazon Watch, essa relação de proximidade entre deputados, produtores rurais, multinacionais e ministros provoca suspeitas de atividades ilegais ou antiéticas.
Dilceu Sperafico, autor do projeto de lei em que se baseou a portaria frustrada do Ministério Público do Trabalho para flexibilizar a definição de trabalho escravo no país, é outro ardente defensor da PEC 215. De novo, por razões particulares: a empresa de sua família é especializada na venda de um subproduto da soja e se beneficiaria com a possibilidade de expandir seus domínios. Hoje, a maior parte do negócio é controlado pela Glencore, braço carioca de um grupo suíço acusado de manipular os preços do mercado internacional de trigo. Entre os financiadores de Sperafico, está a Mitsubishi UFJ Financial, que pertence à gigante japonesa Mitsubishi, grupo que produz desde automóveis a aparelhos de ar condicionado, além dos bancos HSBC, Santander e Citigroup.
Outra corporação financiada pelo braço bancário do grupo Mitsubishi é a Nippon Paper Industries, controladora da Amcel, empresa brasileira que fez o lobby que deu origem ao Novo Código Florestal, como explica o pesquisador da USP Paulo Roberto Cunha em seu livro “Código Florestal e compensação de reserva legal”. As novas normas diminuíram em 40% as áreas sob proteção ambiental no Brasil. A empresa exporta a produção de eucalipto do deputado Jorge Amanajás, denunciado há 13 anos por grilagem de terras da União ocupadas ilegalmente pela Amcel. Na região, estava localizada uma fazenda de aproximadamente 5 mil hectares, que o político e seu colega de Congresso Elder Pena usavam para extração de madeira e plantio de soja. Nos últimos anos, os dois foram denunciados por peculato, falsidade ideológica e formação de quadrilha. Pena foi condenado em 2017.
As relações financeiras que unem algumas das maiores corporações do mundo aos ataques mais árduos aos direitos humanos, trabalhistas e ambientais no Brasil não são inocentes. Entre 2017 e 2018, a alemã Uniper importou mais de 85,5 toneladas de madeira da Amcel para a França, provavelmente, aponta o relatório, para uso na construção de uma usina de energia – isso depois de o uso de madeira francesa ter sido rejeitado por conta da firme oposição de diversas ONGs, que apontaram que a exploração das florestas locais não era sustentável. A solução? Terceirizar o problema para o Brasil, ainda que isso significasse fortalecer empresas e parlamentares de histórico criminoso.
Das 112 empresas citadas pelo relatório, quase um terço são dos Estados Unidos. As 82 restantes se dividem principalmente entre o Japão, o Reino Unido e a Alemanha. A todas elas, o relatório recomenda uma fiscalização criteriosa de suas ligações com as práticas questionáveis da bancada ruralista, para que se quebre a cadeia que já financiou alguns dos maiores retrocessos brasileiros.
(fonte: https://outraspalavras.net/outrasmidias/capa-outras-midias/os-dolares-e-euros-da-bancada-ruralista/)

Monsanto: um aborto a cada quatro grávidas


Como Uruçuí, no Piauí, tornou-se uma vitrine macabra dos efeitos do glifosato, produzido pela transnacional. Na cidade, 25% das grávidas abortam e 83% das mães têm leite contaminado
Por Nayara Felizardo, no The Intercept Brasil
O filho de Maria Félix, de 21 anos, resistiu pouco mais de seis meses de gestação. Morreu ainda no ventre, com apenas 322 gramas. A causa do aborto, que aconteceu com 25 semanas de gravidez, foi má formação: o bebê tinha o intestino para fora do abdômen e também problemas no coração. Não é incomum que as mães da região percam seus filhos precocemente. O bebê de Maria, ao que tudo indica, foi mais uma vítima precoce do agrotóxico glifosato, usado em grandes plantações de soja e de milho em Uruçuí, a 459 km de Teresina, no Piauí.
O mesmo veneno que garante a riqueza dos fazendeiros da cidade, no sul do estado, está provocando uma epidemia de intoxicação com reflexo severo em mães e bebês. Estima-se que uma em cada quatro grávidas da cidade tenha sofrido aborto, que 14% dos bebês nasçam com baixo peso (quase do dobro da média nacional) e que 83% das mães tenham o leite materno contaminado. Os dados são de um levantamento do sanitarista Inácio Pereira Lima, que investigou as intoxicações em Uruçuí na sua tese de mestrado em saúde da mulher pela Universidade Federal do Piauí.
Conheci a história de Maria Félix Costa Guimarães na maternidade do hospital regional Tibério Nunes, na cidade de Floriano. É para lá que as mulheres de Uruçuí são encaminhadas quando têm problemas na gravidez. Nos primeiros exames, feitos em julho, já havia sido identificada a má-formação no feto. Em setembro, no leito do hospital, encontrei a jovem, que lia a Bíblia e se recusava a comer. Carregava um olhar entristecido, meio envergonhado. Ela tinha sofrido o aborto no dia anterior e aguardava o médico para fazer uma ultrassom e se certificar de que não seria necessária a curetagem (cirurgia para retirada de restos da placenta).
Maria não tinha condições emocionais para conversar, por isso falei com a sua tia, a funcionária pública Graça Barros Guimarães. Ela não sabia sobre a pesquisa realizada em Uruçuí, mas acredita nos resultados apontados por Lima. “Se a gente for avaliar, o agrotóxico causa problema respiratório e de alergia. Então é claro que se a mulher tiver grávida, o bebê pode se contaminar também”.
Graça me contou que a sobrinha sempre esteve rodeada de fazendas de soja. A casa onde vive, em Uruçuí, fica a cerca de 15 km de uma plantação. Antes, ela morava na zona rural do município de Mirador, no Maranhão, onde também há plantio de soja. “Os fazendeiros tomaram conta de tudo.”
Em meados de agosto estive em Uruçuí para conversar com profissionais da saúde e com os trabalhadores agrícolas. Eu queria entender como viviam as pessoas no município contaminado pelo glifosato, e se elas tinham noção de que o problema existe. Também liguei para o pesquisador Inácio Pereira Lima, que culpa o agronegócio pelo adoecimento das pessoas. “Tudo isso é consequência do modelo de desenvolvimento econômico em que só o lucro está em foco, independente das consequências negativas para a população”, ele me disse.
Epidemia de glifosato
O glifosato é o agrotóxico mais usado no Brasil. É vendido principalmente pela Monsanto, da Bayer, com o nome comercial de Roundup. Seus impactos na saúde humana são tão conhecidos que o Ministério Público pediu que sua comercialização fosse suspensa no Brasil até que a Anvisa fizesse sua reavaliação toxicológica. Em agosto, a justiça aceitou e o glifosfato foi proibido. A suspensão foi classificada como um “desastre” pelo ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e foi duramente combatida por ruralistas e pela indústria.
A decisão, no entanto, foi derrubada pela justiça em segunda instância poucas semanas depois. Maggi – que também é conhecido como “rei da soja” – não escondeu o seu entusiasmo com a liberação do agrotóxico:
A Monsanto diz que o produto é seguro, mas e-mails da empresa divulgados no ano passado mostram que ela pressionou cientistas e órgãos de controle nos EUA para afirmarem que o glifosato não causa câncer. Isso não impediu a Monsanto de ser condenada a pagar mais de R$ 1 bilhão a um homem que está morrendo de câncer nos Estados Unidos. Cerca de 4 mil ações parecidas estão em curso naquele país.
O produto representa quase a metade de todos os agrotóxicos comercializados no Piauí. O pesquisador Lima explicou que a presença da substância no leite materno indica a contaminação direta ou que as quantidades utilizadas na atividade agrícola da região são tão elevadas, que o excesso não foi degradado pelo metabolismo da planta. As mulheres estudadas por ele sequer trabalham nas lavouras: elas estão intoxicadas porque fazem limpeza, cozinham nas fazendas ou porque comeram o herbicida nos alimentos. Lima, em sua tese, explica que o organismo é contaminado pela pele e vias respiratória e oral.
Mulheres, as maiores vítimas
Pelos registros do hospital regional de Uruçuí, os abortos ocorrem geralmente em mulheres entre 20 e 30 anos, que chegam até a 10ª semana de gestação. O número elevado de casos é citado por Iraídes Maria Saraiva, enfermeira plantonista. “São muitas as mulheres que chegam com sangramento ou já com o ultrassom mostrando que o feto não tem batimentos cardíacos. A maioria desses abortos são espontâneos”, me disse.
Muitas mulheres têm a gravidez interrompida logo nas primeiras semanas. Sem saber que estão grávidas, elas seguem trabalhando cercadas pelo glifosato. Quando descobrem, já não há mais o que fazer. “Dificilmente é a primeira gravidez e elas não têm doenças pré-existentes. Quer dizer, são mulheres jovens que aparentam ser saudáveis”, observou a enfermeira.
Há ainda as que sabem que estão esperando um filho mas não podem deixar o trabalho, simplesmente porque dependem do salário. As que passam da fase mais crítica e levam a gravidez até o fim correm alto risco de ter má formação do feto.
Na maternidade de Floriano, o coordenador do setor de obstetrícia Luiz Rosendo Alves da Silva já viu muitos casos de aborto e de má-formação. Ele acredita na culpa dos agrotóxicos. “É uma contaminação lenta, gradual e diária. A principal consequência é a atrofia de alguns órgãos, principalmente coração e pulmão”.
Alanne Pinheiro, enfermeira do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), observa que as mulheres estão expostas aos agrotóxicos de forma mais perigosa do que os homens que trabalham diretamente na aplicação do veneno. “Elas ficam na cozinha ou fazem a limpeza das fazendas e acabam inalando o agrotóxico de forma indireta. Como não usam roupas especiais, sofrem mais o efeito da intoxicação passiva.”
PIB alto, salário baixo
A cidade de 21 mil habitantes tem as características comuns do interior, onde a vida acontece sossegada e todo mundo se conhece. Quase um terço da população vive na zona rural. No percurso de 40 km do centro até o Assentamento Flores – onde moram muitos dos trabalhadores com quem eu pretendia conversar – quase não há árvores, exceto em pontos isolados ao redor da casa grande, a sede da fazenda. A sensação é de um enorme deserto e uma riqueza distribuída entre poucos.
Na pacata Uruçuí, mesmo quem não trabalha diretamente na agricultura está sendo contaminado.
Uruçuí não é um município pobre. O PIB per capita, de R$ 49 mil, era o 2º maior do Piauí em 2015, último ano da pesquisa do IBGE. Perdia apenas para a cidade vizinha, a também agrícola Baixa Grande do Ribeiro. Mas na prática, o salário dos trabalhadores é de R$ 1.900 por mês, em média.
Quem enriquece de verdade são os fazendeiros. A maioria deles saiu do sul do Brasil para o cerrado piauiense em busca de terras e do clima ideal para o plantio de suas lavouras. Outros ocupam ou já ocuparam cargos na política como deputados ou vereadores. É o caso do ex-deputado estadual Leal Júnior, eleito três vezes para o mesmo cargo, e da vereadora de Uruçuí Tânia Fianco.
‘Não fale com eles’
Joana* trabalhou como cozinheira na Fazenda Serra Branca há sete anos. Ela conta que o cheiro do agrotóxico chega até as trabalhadoras, mesmo quando elas não estão nos locais onde o veneno é aplicado. “Dependendo da posição do vento, a gente sentia. E se tivesse aplicando com o avião, era mais forte. Às vezes eu chegava em casa com dor de cabeça e sabia que era do veneno”, lembra ela, que prefere não se identificar. “Sabe como é, né? A gente depende das fazendas”, conforma-se. O marido ainda trabalha no agronegócio.
Se os males causados pelos agrotóxicos se limitassem às mães e aos seus bebês, o problema já seria grave o bastante, mas o sanitarista Inácio Pereira Lima faz um alerta. “Como minha pesquisa foi voltada para a mulher, coletei amostras biológicas exclusivas; por isso foi o leite. Mas, se a pesquisa fosse da população em geral, poderia optar por outro tipo de amostra como sangue ou urina. E talvez chegasse a esses mesmos resultados. Ou seja, toda a população está sob risco, e não só as mães que amamentam”, me explicou o pesquisador.
Ouvi de muitas pessoas da cidade que alguns fazendeiros não são simpáticos com quem os contraria. O conselho que todo mundo me deu foi: “Não fale com eles”. As fazendas têm seguranças armados.
Decidi ir ao escritório da Fazenda Canel, administrada pelas famílias Bortolozzo e Segnini, originárias de Araraquara, no interior de São Paulo. Eles se instalaram no Piauí há 30 anos e são os pioneiros no plantio de soja no estado. Eu queria entender a posição deles. Todos se negaram a conversar comigo. Funcionários justificaram que os responsáveis estavam “viajando para o exterior”.
Mais medo de demissão do que de doença
Na cidade onde quase todo mundo se conhece, o mesmo segredo é compartilhado. Ninguém fala para os profissionais de saúde quando sente os efeitos do agrotóxico no organismo, e dificilmente o hospital é procurado. Se a intoxicação for mais grave, os trabalhadores escondem dos médicos sua possível causa. É muito difícil detectar laboratorialmente doenças causadas por agrotóxico. Se o paciente não fala, muitas internações provocadas pelos químicos não caem na conta deles.
A enfermeira Alanne Pinheiro me disse que as pessoas têm medo de perder o emprego. “Se eles disserem que estão doentes por causa dos agrotóxicos, aquilo pode repercutir na cidade e ficar mal pro fazendeiro. Os trabalhadores têm mais medo de demissão do que de uma doença.”
‘Quando a gente começa a investigar, eles não falam tudo.’
Há ainda a falta de conhecimento sobre os riscos dos agrotóxicos. “Eles nem acreditam que possa acontecer algum problema grave porque os danos só aparecem a longo prazo. Não existe a percepção de que os males se acumulam e podem trazer doenças irreversíveis, como um câncer que já se descobre em metástase”, diz Alanne.
Um possível exemplo é João*, marido de Helena*. Conversei com ela porque João sai cedo para a Fazenda Nova Aliança e só chega à noite. Este ano, o trabalhador teve uma alergia nos braços, mas decidiu tratar em casa. Sem avaliação médica e sem exames, João se auto-medicou. “Acho que não foi agrotóxico, porque ele é pedreiro e não mexe com veneno. Deve ter sido por causa do cimento”, opina a mulher.
É comum que os moradores atribuam os sintomas da intoxicação a outras causas. “Os pacientes chegam com queixas vagas, como ardência nos olhos. Mas, quando a gente começa a investigar, eles não falam tudo”, comenta a enfermeira Iraídes. Nas raras vezes em que vão ao hospital, são levados por algum funcionário da fazenda. Com essa vigília, o medo de perder o emprego é maior e a saúde fica em segundo plano.
O Centro de Referência em Saúde do Trabalhador está tentando evitar o alto índice de subnotificação: eles treinam os enfermeiros e médicos para que notifiquem os casos de intoxicação quando perceberem os sintomas, independente do que afirmam os pacientes.
Tecnologia para o lucro
Geivan Borges da Silva é técnico em agropecuária e presta assessoria para muitos fazendeiros de Uruçuí. Ele defende que o uso de sementes transgênicas reduz a necessidade de agrotóxicos. “Quase 100% das áreas plantadas aqui são de variedades transgênicas, resistentes a muitos tipos de praga e ervas daninhas”, ameniza.
Na verdade, as provas científicas dizem o contrário. O dossiê sobre agrotóxicos da Abrasco, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, mostra que o uso de transgênicos aumentou a necessidade de defensivos agrícolas. É só olhar para a soja, campeã no uso de agrotóxicos: 93% da safra é transgênica, e a quantidade de litros de produtos químicos aumentou mesmo assim.
Na região sul do Piauí, as sementes de milho, soja e algodão também são vendidas pela Monsanto, a mesma que fornece o glifosato, de acordo com o cadastro de junho de 2018 da Agência de Defesa Agropecuária do Piauí, a Adapi.
Outra tecnologia defendida por Silva é a que minimiza a disseminação do agrotóxico no ar: usa-se um produto que aumenta o peso da gota, fazendo com que ela desça diretamente na planta e não disperse com o vento. “Tudo é agricultura de precisão para reduzir os custos”, argumenta.
É certo que essas tecnologias otimizam a produção agrícola, mas elas foram incapazes de evitar a intoxicação de Emanuel*, que trabalha como operador de máquina de aplicação de agrotóxico na Fazenda Condomínio União 2000.
Após um ano trabalhando, Emanuel sentiu tontura, fraqueza, ardência nos olhos e chegou a vomitar. Quem conta essa história é a esposa dele, Rosa*. “Nós fomos pro hospital e quando saiu o resultado do exame, deu que tinha agrotóxico no sangue. A médica passou remédio, mandou ele se afastar do trabalho por um tempo e tomar muito leite”.
Emanuel melhorou, mas há três anos voltou para o mesmo ofício. “Ele já me disse que só fica até o final desse ano. Não vale a pena perder a saúde por causa de dois mil por mês”, diz Rosa. Eram 18h quando me despedi. O marido dela ainda não tinha chegado. Ele trabalha para a vereadora Tânia Fianco, do PSDB.
No Brasil, o Projeto de Lei conhecido como PL do Veneno pretende liberar mais rapidamente vários produtos, entre eles muitos que são à base de glifosato. O lobby da indústria é pesado, e ataca sobretudo a Anvisa, agência reguladora suscetível a todo tipo de pressão e que já mostrou que está disposta a fazer o jogo das grandes corporações.
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*Os nomes dos trabalhadores foram alterados para preservar suas identidades.
(fonte: https://outraspalavras.net/outrasmidias/capa-outras-midias/monsanto-um-aborto-a-cada-quatro-gravidas/)