segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
A banalização do mal
Outro artigo importante, muito importante mesmo, publicado no Observatório da Imprensa. A articulista aborda a questão do preconceito nas redes sociais, especificamente o Twitter e o Facebook, mas nós podemos acrescentar os comentários a determinadas noticias que aparecem nos vários portais da Internet, onde se destilam ódio e preconceito em níveis alarmantes. E, quase sempre, acobertadas pelo anonimato, pois, covardemente, as pessoas que os fazem escondem-se através de "nicks" e "pseudônimos".
Ela também não abordou os ditos programas "humorísticos" da televisão, onde o preconceito contra negros e homossexuais aparece sem camuflagem. Leiam o artigo e comentem. O titulo é muito sugestivo!
PRECONCEITO NAS REDES SOCIAIS
A banalização do mal
Por Marina Lang em 24/12/2012 na edição 726
Em novembro de 2012 foi possível assistir nas redes sociais a um cenário de preconceito já visto em 2010 – e que, mesmo resultando em um processo judicial à época, nada influenciou para que o fenômeno não se repetisse dois anos depois. Explica-se: foi 2010 o ano em que a estudante Mayara Petruso escreveu, em seu perfil no serviço de microblogs Twitter, que “Nordestisto [sic] não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado”. O pano de fundo da afirmação foi o resultado das eleições à presidência da República em 2010, quando o candidato de Petruso, José Serra, perdeu para Dilma Rousseff devido à expressiva votação dos nordestinos.
O tom pejorativo e preconceituoso da afirmação teve repercussão nacional. A juíza federal Mônica Aparecida Bonavina Camargo, da 9ª Vara Federal Criminal em São Paulo, acatou a denúncia do Ministério Público Federal, baseada na lei nº 7.716/89 (que tipifica crime de discriminação ou preconceito de procedência nacional), descartou o viés político da situação.
“As frases da acusada vão além do que seria politicamente incorreto, recordando-se que o ‘politicamente correto’ geralmente é mencionado no que toca ao humor, hipótese de que não se cuida nesta ação penal”, afirmou na sentença proferida em maio de 2012, que condenou a estudante a um ano, cinco meses e 15 dias de reclusão, convertidos em prestação de serviços comunitários e pagamento de multa.
A construção do discurso preconceituoso
Meses depois de esse caso repercutir – mais precisamente em novembro, quando Fernando Haddad foi eleito à Prefeitura de São Paulo, superando o mesmo José Serra – novas demonstrações da mesma natureza preconceituosa foram vistas nas redes sociais. Logo após o resultado do pleito, o usuário identificado como TheLucchesi (http://twitter.com/thelucchesi) declarou que “aqui [São Paulo] tem mais nordestinos que no NE. Votam no Haddad. Não é porque no NE é f... que vcs vão f... [sic] com SP!”
Outra usuária, identificada como Luiza V. (http://twitter.com/luizawesome), escreveu: “o f. da p. do nordestino vem para sp, vota no haddad (sic) e depois vai no gugu pedir para voltar pra terra pq ta passando fome em sao paulo”. Depois de uma saraivada de críticas dos usuários, ambos apagaram as mensagens (a usuária Luiza V. chegou a deletar sua foto e trancar o perfil). Mas elas ficaram disponíveis em arquivos de notícias em buscas por termos específicos sobre isso na internet. Não passaram em branco; porém, é impressionante que o comportamento se repita, mesmo com uma punição da maneira como foi aplicada à Petruso ainda neste ano.
Preconceito tem definições muito difusas – ainda mais em um país onde ele é veementemente negado, porém muito praticado – vide as mensagens acima, cujo teor não é político, mas de caráter antropocêntrico e xenofóbico. Em palestra recente na USP, o linguista Teun A. Van Dijk, um dos primeiros pensadores a relacionar as ciências sociais com a análise de discurso, exemplificou como um discurso excludente o uso da expressão “onda de imigrantes” em matérias jornalísticas europeias, sendo que ali a palavra onda ganha um sentido preconceituoso porque dispositivos retóricos – neste caso, o uso da metáfora – fazem parte da construção do discurso preconceituoso.
Entendimento e compreensão social
Em seu livro Discurso e Poder, Van Dijk traz outros dispositivos que edificam o discurso preconceituoso – um deles é classificado como atos de fala, que se consistem em “acusações para depreciar os Outros e legitimar Nossa discriminação”.
É uma obra muito interessante sob o ponto de vista de colocar o discurso como uma maneira da propagação do preconceito e do racismo, sobretudo quando nos lembra:
“...uma vez que essas representações mentais têm sido influenciadas tal como intencionado pelo discurso racista, elas também podem ser usadas para se engajar em outras práticas racistas. É desse modo que o ciclo do racismo e a sua reprodução é fechado”.
Se o preconceito é um conceito tão escorregadio e pouco discutido (e até difundido sub-repticiamente) em canais de mídia, quem, então, deve abordar esse dilema é a Universidade. A partir de casos reais que estão presentes – já elencados anteriormente neste texto – não apenas na imprensa tradicional, mas nessas novas formas midiáticas, como Twitter e Facebook, redes sociais nas quais uma simples linha pode atingir centenas ou milhares de pessoas, a partir de réplicas ou reproduções desse discurso.Acredita-se, de maneira equivocada, que a Universidade tem o papel de vanguarda. Ela é, contudo, a retaguarda da sociedade, perscrutando fenômenos já acontecidos e registrados – e que merecem a atenção e estudos a fim de que se entendam e até de que se combatam esses comportamentos cristalizados. O papel da universidade é, sim, de entendimento e compreensão social para que se deem caminho às novas legitimidades, sejam elas sociais, étnicas e de rompimento com o discurso que banaliza a discriminação de pessoas ou grupos.
***
[Marina Lang é jornalista e mestranda em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades]
quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
Três mil vetos e uma grande omissão
Recebi hoje este comentário do grande jornalista Alberto Dines, publicado originalmente no Observatório da Imprensa.
É um belo sopapo nos pseudojornalistas e pseudoeditores da atualidade brasileira. Vale a pena ler!
Quando há duas semanas descobriu-se que havia mais de três mil vetos presidenciais na fila para serem examinados pelo Congresso – alguns datados de 1994! – flagrou-se a natureza e dimensões do leviatã burocrático nacional.
A surpresa foi geral, mas a reação do responsável por este formidável atentado ao Estado de Direito foi kafkiana. Para permitir a urgência na apreciação do veto de Dilma Rousseff à distribuição dos royalties do petróleo, o chefe de Legislativo, o inventivo e sempiterno José Sarney, determinou que os vetos fossem examinados simultaneamente: mandou imprimir um catatau de quase 500 páginas para ser distribuído a cada um dos deputados e senadores onde seriam anotados os respectivos votos, item por item, e depois depositados em “urnas” de madeira, verdadeiras caçambas que os funcionários carregariam nos ombros.
A farsa merecia ser incluída numa novela em quadrinhos sobre a República dos Equívocos. Não deu tempo: os chargistas estão assoberbados, nossos melhores satiristas já se foram, outros estão de licença médica e o recesso natalino não pode ser atrasado. Fica para a próxima.
Escancarou-se simultaneamente a incapacidade da nossa mídia em exercer a sua função fiscalizadora. Aquele que foi chamado de Quarto Poder e hoje se comporta como se fosse o undécimo, não conseguiu enxergar a gigantesca ilegalidade que está sendo praticada consecutivamente há 18 anos. Nem se esforçou.
Ícones da inépcia
Três mil vetos presidenciais pendurados, sem solução, constituem uma aberração institucional que não pode ser varrida para debaixo do tapete. Se nossos repórteres políticos já não cobrem o Congresso, por que continuam ser credenciados para esta missão?
É óbvio que há em Brasília profissionais conscientes, ansiosos para exercer a vigilância sobre um poder que no passado foi o principal aliado da imprensa na denúncia de abusos. Os porteiros das redações é que desistiram do jornalismo de formiguinha, teimoso, tinhoso, anônimo e eficaz.
Os editores querem aparecer, brilhar, produzir manchetes espetaculosas, de preferência sopradas ou vazadas pelas autoridades ou arapongas. Não têm tempo nem ânimo para estimular as novas gerações de repórteres a meter a mão na papelada, devassar os “atos secretos” e driblar os arrogantes assessores de imprensa a serviço do mau jornalismo.
Não se cobrem as sessões, não se cobra assiduidade dos representantes do povo, não se examinam os relatórios produzidos pela descomunal burocracia a serviço das duas casas do Parlamento.
Os três mil vetos em suspenso são os ícones de um Legislativo inepto e viciado. São também um atestado de uma imprensa desnorteada, desfibrada, alheia ao seu compromisso de servir a sociedade e a democracia.
terça-feira, 25 de dezembro de 2012
sábado, 22 de dezembro de 2012
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
Preservação do patrimônio cultural
No Café História, site do qual sou associado, veio hoje o link para este blog, da colega Natania. Reproduzo, pois este problema que Leopoldina enfrenta não é único, não é caso isolado. Ele se repete diariamente em nossas centenas de cidades. Urge que se tomem decisões rápidas para evitar a total descaracterização dos equipamentos urbanos.
Preservação do patrimônio arquitetônico em Leopoldina
Rua Barão de Cotegipe |
No dia 19 de dezembro saiu uma reportagem no MG TV, na TV Integração, filiada à Rede Globo, sobre a falta de preservação do patrimônio arquitetônico de Leopoldina. A reportagem foi motivada pelo texto publicado no Jornal Leopoldinense, no dia 13 de dezembro, acerca de preocupação da pesquisadora Nilza Cantoni sobre o patrimônio histórico da cidade, que tem se perdido com o tempo.
O jornal entrou em contato com ela e ela indicou a OSCIP Felizcidade como sendo uma referência, dado o excelente trabalho realizado com a publicação da Revista Eletrônica que reúne documentos sobre a cidade, desde o século XIX. A reportagem foi feita no dia 18 de dezembro e veiculada no dia 19 de dezembro. Nela, falamos, eu, José Gabriel e Renata Arantes, um pouquinho sobre a questão da destruição do patrimônio arquitetônico em Leopoldina e o que vem causando uma gradativa descaracterização da cidade, principalmente na Rua Barão de Cotegipe.
Oras, pode haver progresso sem destruição do patrimônio. Infelizmente, as pessoas não entendem que quando descaracterizam a cidade estão, também, abrindo mão de várias vantagens que vem com a preservação. Leopoldina é uma cidade bonita, que tem sua singularidade em seus casarões, seu calçamento, sua arborização. O turista que vêm à nossa cidade considera isso um atrativo. É o charme de Leopoldina. Se nós começarmos a destruir aquilo que nos caracteriza, estamos destruindo, também, a possibilidade de aumentar o rendimento do comércio, dos hotéis e restaurantes. Quando não tivermos mais atrativos, o que vai atrair nossos turistas? O que vai fazer nossos primos, tios e amigos desejarem vir passar as férias com suas famílias aqui? O calor?
São alguns pontos que devem ser levados em consideração. Mas não devemos esquecer, também, que não basta o desejo de preservar, é necessário incentivo. O que o morador ganha caso sua casa seja tombada? Ele tem desconto no IPTU? O que o comerciante ganha ao preservar a fachada da sua loja e evitar a poluição visual? É preciso que se criem leis de incentivo, aí então, ao invés de termos apenas quatro imóveis tombados, teremos quarenta.
Infelizmente, o que tem acontecido é uma corrida para se "desfigurar" ou "demolir" o casario, com medo de que ele seja tombado pelo município (histeria desnecessária, visto que faz tempo que não se tomba nada por aqui). Basta andar pelas ruas mais antigas da cidade e você irá encontrar um exemplo do que eu estou falando.
Para ler a reportagem sobre o descaso com a preservação do patrimônio, clique aqui. Para assistir o vídeo sobre a reportagem, clique aqui.
Postado por Natania Nogueira às 09:56
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Uma oportuna reflexão
O amigo Antônio de Paiva Moura me encaminhou esta reflexão, junto com os votos de fim de ano.
Futuro da humanidade
O jornalista Silvio Caccia Bava, diretor do Le Monde Diplomatique Brasil, na edição n. 65, dezembro de 2012 entrevistou Edgar Morin. Baseado na experiência de vida de Morin, Bava indagou dele se há perspectiva de mudança no mundo em que vivemos. Em sua resposta, Morin diz que se hoje projetamos o futuro, o que vemos? Vemos a proliferação dos artefatos nucleares, a degradação da biosfera, uma economia cada vez mais em crise, o crescimento das desigualdades, toda uma série de desastres. Morin não acredita que se deva pensar em um projeto de sociedade, mas é necessário indicar um caminho. Temos a necessidade de recusar a grande agricultura capitalista e industrializada para defender os pequenos proprietários rurais e agricultura familiar. [...] Prefiro a palavra metamorfose à palavra revolução.
Para Morin, a grande dificuldade de lutar contra a dominação do capitalismo financeiro e contra a especulação financeira é que isso só pode ser feito em nível internacional. Para suprimir o paraíso fiscal, por exemplo, é necessário que todos os países se ponham de acordo, assim como para taxar a especulação financeira. O capitalismo financeiro e o fanatismo étnico-religioso são problemas que assombram o mundo. O pior é que não há no mundo instituições planetárias dotadas de poder de decisão. Foi essa a razão do fracasso da Rio+20 que causou uma enorme desilusão. Isso leva grande parte da humanidade a pensar que não há no momento, nenhuma perspectiva de destino para a comunidade terrestre.
Mas, quais as forças sociais que podem agir? Não podemos mais pensar que seja a classe operária industrial, mas toda a sociedade, como mulheres, jovens, velhos, trabalhadores e todos os oprimidos da terra que querem conquistar sua emancipação. A humanidade está ameaçada pela busca do lucro e pelas insanidades fanáticas.
Belo Horizonte, dezembro de 2012.
Antônio de Paiva Moura
Um lugar bonito. Muito bonito mesmo!
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Visita virtual aos campos da morte
Em 2006 e 2008, respectivamente, duas amigas estiveram visitando o campo de concentração de Auschwitz, um dos lamentáveis símbolos do Nazismo, onde morreram milhares de pessoas. Enviaram fotos para mim, e depoimentos memoráveis. Reproduzo hoje algumas das fotos. E um pequeno trecho que me foi enviado pela Luciana na ocasião.
Gostaria de compartilhar uma das minhas experiências mais importantes na Europa. Na oportunidade de visitar a Polônia não deixei escapar a chance de conhecer Auschwitz. Mesmo aqueles que não fizeram um curso de graduação em História (como é o meu caso) já devem ter ouvido o nome desse lugar seja nas aulas de história no Colégio ou em filmes sobre a segunda Guerra Mundial, Nazismo ou Holocausto. É o nome de um grupo de campos de concentração localizados no sul da Polônia, símbolos do Holocausto perpetrado pelo Nazismo.
Confesso que foi o lugar mais terrível que já estive em toda minha vida e acredito da “História” devido a seu lado obscuro, atroz, desumano e vergonhoso. Desde o momento em que iniciei a viagem para lá a partir de Cracóvia não deixei de pensar e imaginar minimamente o que aqueles que percorreram aquela estrada, pela última vez de suas vidas, sentiam ou tinham em mente.
A suprema ironia: Arbeit macht Frei - O trabalho liberta.
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
O caos das escolas públicas brasileiras
fonte: http://rudaricci.blogspot.com.br/
O discurso fácil sugere que as escolas particulares são superiores em função de sua metodologia, modelo de gestão e recursos. Quem conhece as redes particulares conhece outra realidade. Mas isto é assunto para outra postagem. O que quero descrever é que a escola pública vem, nas últimas décadas, incorporando todas mazelas sociais porque o ensino fundamental está praticamente universalizado. Às escolas particulares restou assimilar a elite econômica. Quando esta elite não corresponde ao esperado, os alunos são convidados a escolher outra escola. Há uma famosa escola particular em Belo Horizonte que efetivamente convida os pais para retirarem seus filhos, mantendo altos índices de aprovação no ENEM. Algo que não tem muita relação com método pedagógico.
Mas vejam os relatos de diretores de escolas municipais e estaduais de MG que passo a reproduzir. Não vou citar a localidade, mesmo porque, estes relatos se repetem em todos municípios que conheço.
A realidade é marcada por alunos agressivos. Uma diretora cita o caso de um aluno de 11 anos que ameaça a todos, o tempo todo. Vive em família desestruturada, aliás, situação que envolve a maioria dos alunos da rede pública. A promotora convocou uma reunião com os pais, com o conselho tutelar, a direção da escola e o posto de saúde. O posto de saúde apareceu uma vez, depois da reunião, e nunca mais. Todos dizem que a direção é responsável, mas não há co-responsabilidade dos envolvidos na solução.
A própria justiça, afirmam, envia adolescentes agressivos, cujo problema não é de sua alçada. E decidem autorizar a mudança de escola apenas quando os alunos correm algum risco. E, mesmo quando sugerem a mudança de escola, as mães exigem que os filhos permaneçam perto de sua residência. Todos diretores sustentam que se configura, há alguma tempo, a desresponsabilização das famílias. Na outra ponta, os órgãos estatais pressionando. As equipes dirigentes das secretarias de educação só perguntam: “Mas você deu merenda para os alunos? Você deu carinho?"
Também denunciam casos em que a Justiça envia bandidos para a escola, em Liberdade Assistida ou Prestação de Serviço à Comunidade. Para piorar, são sempre moradores da região. Enfrentam os diretores, não cumprem as tarefas que lhes são determinadas. E ainda aliciam crianças e adolescentes.
Uma situação que aumenta a tensão. As famílias se vêem na condição de pressionar e afirmar que vão atrás dos seus direitos. Mas, de fato, só se interessam pela vida escolar dos filhos quando o registro de faltas ameaça os benefícios do Bolsa Família.
O primeiro caso citado é o de um aluno de 6 anos, extremamente violento, que bate nos professores e nos colegas de sala. Os pais são viciados em crack. A diretora afirma que toda semana leva um aluno ao hospital, vítima das agressões desta criança de 6 anos. Ataca, preferencialmente, a cabeça dos colegas, batendo-as nas carteiras e paredes. Joga tênis e qualquer outro objeto na cabeça de todos. A diretora afirma que tenta convencer que ele precisa de um professor de apoio, que ele não é deficiente, mas não é ouvida. Sustenta que não conseguiria atendê-lo em tempo integral porque ele desmobiliza toda escola.
Outros diretores sugerem que os profissionais da educação não estão preparados para atender situações como esta. Não conseguem distinguir indisciplina de falta de educação. Não sabem como criar situações de prevenção, não atuam no horário de intervalo de aulas. Um deles afirma que tal tensão está desmotivando a carreira. De um total de 90 profissionais, cita, 30 estão licenciados.
Sustentam que é elevado o número de crianças, de 6 ou 7 anos, com sintomas de esquizofrenia. Uma diretora relata o caso de uma menina de 7 anos que toma cinco comprimidos por dia, administrados pela escola. São cinco casos similares nesta unidade escolar. Esta menina, recentemente, fugiu da escola e saiu correndo por entre os carros que passavam numa avenida próxima. Diretora e professores correram atrás dela, que gritava e, quando foi pega, mordia a todos. "E se ela tivesse sido atropelada?", se perguntam. A mãe foi chamada e só apareceu no meio da tarde, às 15h00. Porque a maioria dos pais avalia que estando na escola, a direção é absolutamente responsável por seus filhos, mesmo em uma situação crítica como esta.
Um outro caso vem em seguida. Uma menina se machucou ao andar de bicicleta. Feriu-se na virilha. Todos que estavam na escola viram que foi um acidente. Mas a mãe acusou a escola. Disse que ela teria sofrido abuso sexual. O Conselho Tutelar acolheu a acusação, sem ouvir a direção da escola, e transferiu a menina. A diretora foi até o Ministério Público e exigiu explicação sobre esta acusação.
Uma outra diretora revela que em 12 anos de trabalho na mesma escola, este foi o primeiro em que os alunos menores, do vespertino, revelam alto grau de agressividade. São agitados, nervosos e sem limites, aos seis anos de idade. A maioria, afirma, é criada por avós, sem referência nenhuma, e passam de mão em mão, dos avós para tios, para outros tios.
Citam caso de aluno, de sete anos de idade, que convive com o filho do assassino de seu pai, que estuda na mesma sala de aula. Citam casos de estupro de meninos que são perseguidos e ridicularizados por seus colegas de sala.
Uma diretora revela que há três semanas, uma menina fugiu de casa, quando dizia que estava indo para a escola. Fugiu com um traficante da região. A mãe acusou a direção por não ter dado segurança. Todos fizeram ronda na região até que a menina reapareceu em sua casa, altas horas da noite.
Um dos diretores, já exaltado, afirma: “vejo que nós, diretores, estamos em pé de igualdade para dirigir centros de internação. E sem termos apoios que existem nos centros, como segurança e psicólogos”.
A sexualidade aflorada e vulgar é citada por todos. Emerge muito cedo nos dias de hoje, aos 6 anos de idade. Dizem que não existe mais inocência. Um aluno de seis anos tentou, durante semanas, retirar as roupas das meninas de sua sala de aula. Professores e direção da escola conversaram com ele e começaram a acompanhar seus passos. Mas ele começou a incentivar os colegas a pegar na genitália das meninas. A direção chamou os pais do menino, mas nada foi feito. Finalmente, o menino quase atacou uma menina e foi contido pela professora. A menina gritava. A professora acabou procurando a direção, totalmente desestruturada, dizendo que não conseguia mais se controlar e que o menino a estava tirando do sério.
Uma menina de 9 anos era estuprada desde os 6 anos pelo padrasto. Procurou a direção da escola que denunciou o caso. O padrasto se defendeu e disse que o abuso foi cometido por adolescentes. A mãe acabou retirando a menina da escola. A menina tinha um comportamento agressivo, perseguia os alunos, que a temiam.
Todos entrevistados sugerem o retorno da figura do orientador educacional. Porque os supervisores atendem os professores e não conseguem atender todas demandas. Acabam se dedicando a atender estes casos de comportamento agressivo e sexualidade precoce dos alunos, mas é algo que não consegue equacionar, tal o volume de trabalho.
O fato é que as crianças não são ouvidas. Um diretor diz que “estão gritando para serem ouvidos e o professor ouve um a um, mas não escuta todos envolvidos”. Os alunos dizem sempre que se queixam “para as tias”, mas nada acontece.
A violência e a sexualidade agressiva é algo natural para crianças e adolescentes. Sentem prazer em agredir, em ofender. Sorriem quando vêem um colega sofrendo. Uma situação crítica que acaba gerando uma dupla postura nos professores: ou chegam armados, prontos para reagir ao primeiro sinal; ou totalmente ausentes, como se não vissem nada ao redor.
Perguntados sobre a relação desta realidade com o desempenho escolar, são unânimes em dizer que é raro, mas há casos em que alunos com este comportamento saem-se muito bem nas avaliações. Vários são inteligentes e hiperativos. A maioria tem o que denominam de “inteligência auditiva”. Ouvem, mas não conseguem ler, não conseguem fazer tarefas ou estudos em sua casa, não conseguem parar num lugar. E acabam interferindo no ritmo de toda sala.
Mas não conseguem chegar a um consenso sobre o desempenho pedagógico. Alguns afirmam que estão conseguindo melhorar. Outros contestam. Ao final, concordam que estão apenas preparando para os testes do IDEB. Afirmam:
A secretaria envia material que temos que reproduzir e imprimir. Treinamos os alunos para se saírem bem no IDEB. Se não distribuímos o material enviado pela secretaria, somos cobrados. O IDEB é isto. Provas extensas para alunos bipolares, que não agüentam ler muito. Eles estão acostumados a ter uma leitura por dia. E a prova é longa, que exige 20 leituras. “
O discurso fácil sugere que as escolas particulares são superiores em função de sua metodologia, modelo de gestão e recursos. Quem conhece as redes particulares conhece outra realidade. Mas isto é assunto para outra postagem. O que quero descrever é que a escola pública vem, nas últimas décadas, incorporando todas mazelas sociais porque o ensino fundamental está praticamente universalizado. Às escolas particulares restou assimilar a elite econômica. Quando esta elite não corresponde ao esperado, os alunos são convidados a escolher outra escola. Há uma famosa escola particular em Belo Horizonte que efetivamente convida os pais para retirarem seus filhos, mantendo altos índices de aprovação no ENEM. Algo que não tem muita relação com método pedagógico.
Mas vejam os relatos de diretores de escolas municipais e estaduais de MG que passo a reproduzir. Não vou citar a localidade, mesmo porque, estes relatos se repetem em todos municípios que conheço.
A realidade é marcada por alunos agressivos. Uma diretora cita o caso de um aluno de 11 anos que ameaça a todos, o tempo todo. Vive em família desestruturada, aliás, situação que envolve a maioria dos alunos da rede pública. A promotora convocou uma reunião com os pais, com o conselho tutelar, a direção da escola e o posto de saúde. O posto de saúde apareceu uma vez, depois da reunião, e nunca mais. Todos dizem que a direção é responsável, mas não há co-responsabilidade dos envolvidos na solução.
A própria justiça, afirmam, envia adolescentes agressivos, cujo problema não é de sua alçada. E decidem autorizar a mudança de escola apenas quando os alunos correm algum risco. E, mesmo quando sugerem a mudança de escola, as mães exigem que os filhos permaneçam perto de sua residência. Todos diretores sustentam que se configura, há alguma tempo, a desresponsabilização das famílias. Na outra ponta, os órgãos estatais pressionando. As equipes dirigentes das secretarias de educação só perguntam: “Mas você deu merenda para os alunos? Você deu carinho?"
Também denunciam casos em que a Justiça envia bandidos para a escola, em Liberdade Assistida ou Prestação de Serviço à Comunidade. Para piorar, são sempre moradores da região. Enfrentam os diretores, não cumprem as tarefas que lhes são determinadas. E ainda aliciam crianças e adolescentes.
Uma situação que aumenta a tensão. As famílias se vêem na condição de pressionar e afirmar que vão atrás dos seus direitos. Mas, de fato, só se interessam pela vida escolar dos filhos quando o registro de faltas ameaça os benefícios do Bolsa Família.
O primeiro caso citado é o de um aluno de 6 anos, extremamente violento, que bate nos professores e nos colegas de sala. Os pais são viciados em crack. A diretora afirma que toda semana leva um aluno ao hospital, vítima das agressões desta criança de 6 anos. Ataca, preferencialmente, a cabeça dos colegas, batendo-as nas carteiras e paredes. Joga tênis e qualquer outro objeto na cabeça de todos. A diretora afirma que tenta convencer que ele precisa de um professor de apoio, que ele não é deficiente, mas não é ouvida. Sustenta que não conseguiria atendê-lo em tempo integral porque ele desmobiliza toda escola.
Outros diretores sugerem que os profissionais da educação não estão preparados para atender situações como esta. Não conseguem distinguir indisciplina de falta de educação. Não sabem como criar situações de prevenção, não atuam no horário de intervalo de aulas. Um deles afirma que tal tensão está desmotivando a carreira. De um total de 90 profissionais, cita, 30 estão licenciados.
Sustentam que é elevado o número de crianças, de 6 ou 7 anos, com sintomas de esquizofrenia. Uma diretora relata o caso de uma menina de 7 anos que toma cinco comprimidos por dia, administrados pela escola. São cinco casos similares nesta unidade escolar. Esta menina, recentemente, fugiu da escola e saiu correndo por entre os carros que passavam numa avenida próxima. Diretora e professores correram atrás dela, que gritava e, quando foi pega, mordia a todos. "E se ela tivesse sido atropelada?", se perguntam. A mãe foi chamada e só apareceu no meio da tarde, às 15h00. Porque a maioria dos pais avalia que estando na escola, a direção é absolutamente responsável por seus filhos, mesmo em uma situação crítica como esta.
Um outro caso vem em seguida. Uma menina se machucou ao andar de bicicleta. Feriu-se na virilha. Todos que estavam na escola viram que foi um acidente. Mas a mãe acusou a escola. Disse que ela teria sofrido abuso sexual. O Conselho Tutelar acolheu a acusação, sem ouvir a direção da escola, e transferiu a menina. A diretora foi até o Ministério Público e exigiu explicação sobre esta acusação.
Uma outra diretora revela que em 12 anos de trabalho na mesma escola, este foi o primeiro em que os alunos menores, do vespertino, revelam alto grau de agressividade. São agitados, nervosos e sem limites, aos seis anos de idade. A maioria, afirma, é criada por avós, sem referência nenhuma, e passam de mão em mão, dos avós para tios, para outros tios.
Citam caso de aluno, de sete anos de idade, que convive com o filho do assassino de seu pai, que estuda na mesma sala de aula. Citam casos de estupro de meninos que são perseguidos e ridicularizados por seus colegas de sala.
Uma diretora revela que há três semanas, uma menina fugiu de casa, quando dizia que estava indo para a escola. Fugiu com um traficante da região. A mãe acusou a direção por não ter dado segurança. Todos fizeram ronda na região até que a menina reapareceu em sua casa, altas horas da noite.
Um dos diretores, já exaltado, afirma: “vejo que nós, diretores, estamos em pé de igualdade para dirigir centros de internação. E sem termos apoios que existem nos centros, como segurança e psicólogos”.
A sexualidade aflorada e vulgar é citada por todos. Emerge muito cedo nos dias de hoje, aos 6 anos de idade. Dizem que não existe mais inocência. Um aluno de seis anos tentou, durante semanas, retirar as roupas das meninas de sua sala de aula. Professores e direção da escola conversaram com ele e começaram a acompanhar seus passos. Mas ele começou a incentivar os colegas a pegar na genitália das meninas. A direção chamou os pais do menino, mas nada foi feito. Finalmente, o menino quase atacou uma menina e foi contido pela professora. A menina gritava. A professora acabou procurando a direção, totalmente desestruturada, dizendo que não conseguia mais se controlar e que o menino a estava tirando do sério.
Uma menina de 9 anos era estuprada desde os 6 anos pelo padrasto. Procurou a direção da escola que denunciou o caso. O padrasto se defendeu e disse que o abuso foi cometido por adolescentes. A mãe acabou retirando a menina da escola. A menina tinha um comportamento agressivo, perseguia os alunos, que a temiam.
Todos entrevistados sugerem o retorno da figura do orientador educacional. Porque os supervisores atendem os professores e não conseguem atender todas demandas. Acabam se dedicando a atender estes casos de comportamento agressivo e sexualidade precoce dos alunos, mas é algo que não consegue equacionar, tal o volume de trabalho.
O fato é que as crianças não são ouvidas. Um diretor diz que “estão gritando para serem ouvidos e o professor ouve um a um, mas não escuta todos envolvidos”. Os alunos dizem sempre que se queixam “para as tias”, mas nada acontece.
A violência e a sexualidade agressiva é algo natural para crianças e adolescentes. Sentem prazer em agredir, em ofender. Sorriem quando vêem um colega sofrendo. Uma situação crítica que acaba gerando uma dupla postura nos professores: ou chegam armados, prontos para reagir ao primeiro sinal; ou totalmente ausentes, como se não vissem nada ao redor.
Perguntados sobre a relação desta realidade com o desempenho escolar, são unânimes em dizer que é raro, mas há casos em que alunos com este comportamento saem-se muito bem nas avaliações. Vários são inteligentes e hiperativos. A maioria tem o que denominam de “inteligência auditiva”. Ouvem, mas não conseguem ler, não conseguem fazer tarefas ou estudos em sua casa, não conseguem parar num lugar. E acabam interferindo no ritmo de toda sala.
Mas não conseguem chegar a um consenso sobre o desempenho pedagógico. Alguns afirmam que estão conseguindo melhorar. Outros contestam. Ao final, concordam que estão apenas preparando para os testes do IDEB. Afirmam:
A secretaria envia material que temos que reproduzir e imprimir. Treinamos os alunos para se saírem bem no IDEB. Se não distribuímos o material enviado pela secretaria, somos cobrados. O IDEB é isto. Provas extensas para alunos bipolares, que não agüentam ler muito. Eles estão acostumados a ter uma leitura por dia. E a prova é longa, que exige 20 leituras. “
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
O que é isso, prefeito????
Prefeito de BH pede, no STF, corte na educação
O prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), recorre ao Superior Tribunal Federal para diminuir a verba de educação e usá-la em obras que visam a Copa do Mundo de 2014. A intenção do político é suspender o dispositivo da Lei Orgânica do Município que prevê a aplicação de 30% da renda da cidade em investimentos no ensino. As informações são do site de notícias Lance!Net.
Uma resposta positiva do órgão nacional para o governante mineiro acarreta na diminuição de R$ 500 milhões dos investimentos em educação no ano de 2013. Hoje, o município determina que a receita é de R$ 9,9 bilhões.
Na documentação que enviou ao STF, Lacerda alega que uma recusa pode comprometer os investimentos para a Copa do Mundo. O político ainda diz que a não realocação dos recursos da educação pode fazer com que as contas da prefeitura sejam rejeitadas.
Em 2013, Belo Horizonte sediará três jogos da Copa das Confederações, sendo um deles pela semifinal do torneio. O Mineirão foi totalmente reformado e será entregue no próximo dia 21 de dezembro, com uma apresentação da banda Jota Quest. Além das obras no estádio, são previstas melhorias no transporte público, rede hoteleira e aeroportos.
Uma resposta positiva do órgão nacional para o governante mineiro acarreta na diminuição de R$ 500 milhões dos investimentos em educação no ano de 2013. Hoje, o município determina que a receita é de R$ 9,9 bilhões.
Na documentação que enviou ao STF, Lacerda alega que uma recusa pode comprometer os investimentos para a Copa do Mundo. O político ainda diz que a não realocação dos recursos da educação pode fazer com que as contas da prefeitura sejam rejeitadas.
Em 2013, Belo Horizonte sediará três jogos da Copa das Confederações, sendo um deles pela semifinal do torneio. O Mineirão foi totalmente reformado e será entregue no próximo dia 21 de dezembro, com uma apresentação da banda Jota Quest. Além das obras no estádio, são previstas melhorias no transporte público, rede hoteleira e aeroportos.
Revista Consultor Jurídico, 16 de dezembro de 2012
sábado, 15 de dezembro de 2012
Um pouco de humor
Recebi hoje um email com várias charges, duas me chamaram mais a atenção. Mesmo não tendo identificado o autor da primeira e desconhecendo o da segunda. Se alguem souber, me informe para que eu possa dar os devidos créditos.
sexta-feira, 14 de dezembro de 2012
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Um texto antigo, mas atualissimo!
Remexendo hoje em coisas que guardei ao longo do tempo, deparei-me com este artigo, de 2002, mas de uma atualidade incrivel!
Claro que teria de compartilhar com você!
Prazeres sumiram
A vida das pessoas transformou-se em eterna angústia
Luiza Nagib Eluf*
Nossa sociedade é tão obcecada pelo dinheiro, pela ostentação e pelo hedonismo que a vida das pessoas transformou-se em eterna angústia. Em nome do poder econômico, tudo foi destruído: o meio ambiente, a decência, a integridade moral e física do ser humano. Já em nome do sexo, que se tornou obrigação, alguns obstinados se matam em academias enquanto outros se mutilam em sucessivas cirurgias plásticas, sem falar nas dietas constantes que transformam o ato de alimentar-se em frustração ou culpa.
O resultado disso é que muitos já não sabem mais como usufruir dos pequenos prazeres. Um copo de suco de laranja natural, um encontro casual com alguém interessante, uma refeição em família, uma árvore, um jardim, um rio de
águas limpas, um momento de descanso, um livro, um filme. O cotidiano é mais importante do que os grandes feitos, os encantos da vida estão justamente no que é bom e acontece sem dificuldade. O equilíbrio emocional só é alcançado
quando, em cada dia, é possível encontrar um pouco de beleza e amor. A felicidade resulta da paz, da harmonia interior e da integração com a natureza.
Viver em um local limpo, arborizado e com um mínimo de estética pode significar um grande salto de qualidade de vida. No entanto, por incrível que possa parecer, a população brasileira não consegue perceber a importância desse fato. Com tantas belezas naturais, não é exagero considerar que poderíamos, apesar da pobreza, viver no paraíso. A
preservação do meio ambiente, das áreas verdes e das águas poderia significar a diminuição das doenças, da violência e da fome. Mas nem os governantes nem a sociedade parecem se incomodar com isso.
Basta abrir-se uma nova estrada que a vegetação dos arredores é destruída desnecessariamente. Em pouco tempo, o que era bonito torna-se horrível, desértico. A noção de pureza das águas tampouco existe. O brasileiro, quando vê um rio, logo arruma um esgoto clandestino para poluí-lo. Depois toma banho e escova os dentes com a mesma água, sem tratamento. Os agricultores, desde os empregados até os proprietários das terras, não perdem tempo em buscar alternativas para as queimadas. Quando chega o inverno, o país fica em chamas de norte a sul.
O ar torna-se irrespirável, a fumaça negra causa acidentes nas estradas, o pó reina absoluto. As doenças respiratórias se multiplicam. Junto com tudo isso, ainda é preciso suportar a feiúra incomensurável do que, anteriormente, era belo. As cidades, grandes ou pequenas, estão cada vez mais desagradáveis, por falta de vegetação, limpeza e estética.
Há poucos dias, notícias de televisão informavam que parte do que restou do pantanal matogrossense está sendo aniquilada pela poluição dos rios da região. Nossa população, dos mais ricos aos mais pobres, não consegue enxergar a beleza que a cerca e transforma as áreas que ocupa em lixões mal cheirosos, de paisagem desoladora. Como a cidade de São Paulo, por exemplo. Por que esse gosto macabro pela destruição?
O problema social não é justificativa. A razão verdadeira de tantas mazelas é a ignorância, a herança dos colonizadores, a falta de responsabilidade dos governantes, a deturpação do conceito de coisa pública. Acima de tudo, talvez, a incapacidade de valorizar os encantos da vida que não estejam ligados ao dinheiro, à ostentação e ao sexo.
Há muito tempo, brasileiros ilustres vêm apontando os perigos decorrentes da destruição ambiental. Na visão do ecologista maranhense Coelho Neto, que publicou vários textos entre os anos de 1898 e 1928, a baía da Guanabara não
passava de uma "grande fossa". A cidade do Rio de Janeiro, por ser a mais importante do país, era a capital das depredações ambientais. Sua população, além de devastar e poluir, ainda importava pássaros e plantas para se
transformar em "metrópole européia". Em apoio às posições de Coelho Neto, há escritos de Euclides da Cunha, João Pedro Cardoso, Pereira Brito, Marechal Rondon, dentre outros. Não adiantou nada.
É de se perguntar: o que falta para que nossos conterrâneos valorizem o patrimônio que receberam da natureza? Talvez a resposta esteja, justamente, na percepção dos pequenos prazeres.
A felicidade de um povo, se isso existir, só pode estar naquilo que é de todos e não pode ser adquirido por ninguém. São coisas que não nos pertencem individualmente, mas das quais podemos usufruir para ter harmonia, estabilidade emocional, saúde, satisfação, alegria de viver. Nada pode ser melhor do que morar em uma cidade-jardim, ou à beira de um rio de águas claras, ou em área rural arborizada. Isso tudo é possível, basta que haja inteligência e empenho.
O autor francês Pascal Bruckner, em seu último livro, discute os conceitos de felicidade no mundo ocidental. Segundo ele, "as pessoas obcecadas em conquistar a felicidade como uma propriedade sofrem em dobro e se distanciam das pequenas alegrias da vida". Haja antidepressivo para corrigir isso!
Revista Consultor Jurídico, 11 de agosto de 2002.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
Os escândalos nossos de cada dia...
Muito a propósito da escalada de "escândalos" que a grande imprensa tem veiculado, e percebendo a verdadeira "caçada" que se faz ao ex-presidente Lula, o artigo do Marcos Coimbra na Carta Capital lança luzes sobre o que se pretende. E o que veremos daqui para a frente. O que está em jogo, desde já, é a desesperada tentativa de eliminar o PT do governo. Impedir de qualquer forma a reeleição da presidenta Dilma. Atacando Lula primeiro, destruindo-o, moendo seus ossos, abrirão espaço para destruir Dilma, antes que a Copa do Mundo aconteça, porque em 2014 a população estará muito preocupada com o futebol para dedicar sua atenção a qualquer outro assunto.
Quanto a mim, penso que quem está achando que Aécio é o nome para derrubar Dilma está redondamente enganado. Não é ele quem está em campanha, apesar de FHC ter lançado seu nome mesmo contra os outros maiorais tucanos. Não! Quem está em campanha, quem já foi ungido como o "salvador da pátria", como o Robespierre brasileiro (o incorruptivel) e quem tem poder para destruir Lula é o ministro Joaquim Barbosa. Ele é o candidato que já está cumprindo o seu papel de aplainar o terreno, secundado pela grande imprensa, especialmente o Jornal Nacional e a Veja. Aécio foi lançado para ser detonado, e é muito fácil acabar com ele.
Vamos ao artigo do Marcos Coimbra: atenção para o que grifei no final.
Marcos Coimbra: Na política, “vamos precisar de estômago forte” em 2013
publicado em 8 de dezembro de 2012 às 11:27
Carta Capital n˚ 727
2013 vai ser difícil
por Marcos Coimbra, via Julio Cesar Macedo Amorim
Um espectro ronda a política brasileira. O fantasma da próxima eleição presidencial.
Este ano já foi marcado por ele.
Ou alguém acredita que é genuína a inspiração ética por trás da recente onda moralista, que são sinceras as manchetes a saudar “o julgamento do século”? Que essas coisas são mais que capítulos da luta política cujo desfecho ocorrerá em outubro de 2014?
A história dos últimos 10 anos foi marcada por três apostas equivocadas que as elites brasileiras, seus intelectuais e porta-vozes fizeram. A primeira aconteceu em 2002, quando imaginaram que Lula não venceria e que, se vencesse, seria incapaz de fazer um bom governo.
Estavam convencidos de que o povo se recusaria a votar em alguém como ele, tão parecido com as pessoas comuns. Que terminaria a eleição com os 30% de petistas existentes. E que, por isso, o adversário de Lula naquela eleição, quem quer que fosse, ganharia.
O cálculo deu errado, mas não porque ele acabou por contrariar o prognóstico. No fundo, todos sabiam que a rejeição de Fernando Henrique Cardoso não era impossível que José Serra perdesse.
A verdadeira aposta era outra: Lula seria um fracasso como presidente. Sua vitória seria um remédio amargo que o Brasil precisaria tomar. Para nunca mais querer repeti-lo.
Quando veio o “mensalão”, raciocinaram que bastaria aproveitar o episódio. Estava para se cumprir a profecia de que o PT não ultrapassaria 2006. Só que Lula venceu outra vez e a segunda aposta também deu errado. E ele fez um novo governo melhor que o primeiro, aos olhos da quase totalidade da opinião pública. Em todos os quesitos relevantes, as pessoas o compararam positivamente aos de seus antecessores, em especial aos oito anos tucanos.
A terceira aposta foi a de que o PT perderia a eleição de 2010, pois não tinha um nome para derrotar o PSDB. Que ali terminaria a exageradamente longa hegemonia petista na política nacional. De fato não tinha, mas havia Lula e seu tirocínio. Ele percebeu que, com Dilma Rousseff, poderia vencer.
O PT ultrapassou as barreiras de 2002, 2006 e 2010.
Estamos em marcha batida para 2014 e as oposições, especialmente seu núcleo duro empresarial e midiático, se convenceram de que não podem se dar ao luxo de uma quarta aposta errada.
Que o PT não vai perder, por incompetência ou falta de nomes, a próxima eleição. Terão de derrotá-lo.
Mas elas se tornaram cada vez mais descrentes da eficácia de uma estratégia apenas positiva. Desconfiam que não têm uma candidatura capaz de entusiasmar o eleitorado e não sabem o que dizer ao País. Perderam tempo com Serra, Geraldo Alckmin mostrou-se excessivamente regional e Aécio Neves é quase desconhecido pela parte do eleitorado que conta, pois decide a eleição.
Como mostram as pesquisas, tampouco conseguiram persuadir o País de que “as coisas vão mal”. Por mais que o noticiário da grande mídia e seus “formadores de opinião” insistam em pintar quadros catastróficos, falando sem parar em crises e problemas, a maioria acha que estamos bem.
Sensação que é o fundamento da ideia de continuidade.
As oposições perceberam que não leva a nada repetir chavões como “o País até que avançou, mas poderia estar melhor”, “Tudo de positivo que houve nas administrações petistas foi herança de FHC”, “Lula só deu certo porque é sortudo” e “Dilma é limitada e má administradora”.
A população não acredita nessa conversa. Faltam nomes e argumentos às oposições. Estão sem diagnóstico e sem propostas para o Brasil, melhores e mais convincentes que aquelas do PT.
Nem por isso vão cruzar os braços e aguardar passivamente uma nova derrota. Se não dá certo por bem, que seja por mal. Se não vai na boa, que seja no tranco.
Fazer política negativa é legítimo, ainda que desagradável. Denúncias, boatos, hipocrisias, encenações, tudo isso é arma usada mundo afora na briga política.
A retórica anticorrupção é o bastião que resta ao antilulopetismo. Mas precisa ser turbinada e amplificada. Fundamentalmente, porque a maioria das pessoas considera os políticos oposicionistas tão corruptos – ou mais – que os petistas.
O que fazer? Aumentar o tom, falar alto, criar a imagem de que vivemos a época dos piores escandalos de todos os tempos.
Produzir uma denúncia, uma intriga, uma acusação atrás da outra.
Pelo andar da carruagem, é o que veremos na mídia e no discurso oposicionista ao longo de 2013. Já começou.
Vamos precisar de estômago forte.
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
Serra do Gandarela em alerta!
Artigo do jornalista José de Castro, que colaborou com vários artigos em nosso extinto Boletim de História.
Reproduzido do blog da Kika Castro.
A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), do Governo de Minas, retomou o licenciamento de empreendimentos de mineração, em áreas próximas ao futuro Parque Nacional da Serra do Gandarela, como se lê neste jornal, na edição de domingo. Por que a pressa, se não se conhece sequer os limites do parque? Se não há pressa, por parte do governo federal, para criar o novo marco regulatório da mineração no Brasil? Se ainda se discute a proposta defendida pelo governo de Minas de novo royalty para a mineração?
Em nenhum momento parece tão acertado o antigo adágio de que a pressa é má conselheira. Podia-se esperar dos dirigentes de um Estado que tão pouco se aproveitou, no passado, de suas riquezas minerais, como ouro e diamantes, para o enriquecimento de sua população, que prestassem mais atenção ao velho adágio, ao tratar dessa questão. Podiam se valer também de uma das frases preferidas de Augusto, o sábio imperador romano: “festina lente” – apressa-te devagar.
A concessão de licença ambiental para a exploração de minério de ferro em qualquer região próxima da capital mineira deve, necessariamente, ser precedida de estudos aprofundados. Com mais de 2,2 milhões de habitantes, Belo Horizonte, ao longo de seus 115 anos de vida – a serem completados nesta quarta-feira – enfrentou sérios problemas de escassez de água. O problema foi resolvido depois de altos investimentos para buscar esse valioso recurso em municípios vizinhos. A ameaça não está afastada, diante do crescimento habitacional. Em outros municípios da Região Metropolitana, a questão é ainda mais séria.
A água foi levada em conta pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), quando apresentou em outubro de 2010 a proposta para a criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela, para proteger sobretudo os mananciais. Ao justificar sua proposta, o instituto afirmou que, em Caeté, 85% do abastecimento de água provêm do Gandarela e, em Raposos, todo o fornecimento. A mineração provoca rebaixamento do lençol freático e, como agravante do resultado dessa atividade, ela implica uso intensivo de água nos processos de beneficiamento do minério.
Mais do que minério de ferro, a população mundial tem hoje necessidade de água doce, um recurso natural realmente indispensável para a vida. Os mineiros, que não têm conseguido ao longo da história valorizar seu minério, não podem fazer o mesmo com sua água.
imagem do site http://www.terraverde.org.br/site/noticias/1/101/sustentabilidade-das-serras-do-gandarela-e-do-caraca
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
Falar mal do Niemeyer? Sim, um idiota fez isso!
Transcrevo um artigo do Leonardo Boff. Não preciso acrescentar nada!
Oscar Niemeyer, a Veja online e o Escaravelho
A revista Veja se compraz em desfazer as figuras que melhor mostram nossa cultura e que mais penetraram na alma do povo brasileiro. Essa revista parece se envergonhar do Brasil, porque gostaria que ele fosse aquilo que não é e não quer ser: um xerox distorcido da cultura norte-americana.
(*) Publicado originalmente no blog de Leonardo Boff.
Com a morte de Oscar Niemeyer aos 104 anos de idade ouviram-se vozes do mundo inteiro cheias de admiração, respeito e reverência face a sua obra genial, absolutamente inovadora e inspiradora de novas formas de leveza, simplicidade e elegância na arquitetura. Oscar Niemeyer foi e é uma pessoa que o Brasil e a humanidade podem se orgulhar.
E o fazemos por duas razões principais: a primeira, porque Oscar humildemente nunca considerou a arquitetura a coisa principal da vida; ela pertence ao campo da fantasia, da invenção e do lúdico. Para ele era um jogo das formas, jogado com a seriedade com que as crianças jogam.
A segunda, para Oscar, o principal era a vida. Ela é apenas um sopro, passageira e contraditória. Feliz para alguns mas para as grandes maiorias cruel e sem piedade. Por isso, a vida impõe uma tarefa que ele assumiu com coragem e com sérios riscos pessoais: a da transformação. E para transformar a vida e torná-la menos perversa, dizia, devemos nos dar as mãos, sermos solidários uns para com os outros, criarmos laços de afeto e de amorosidade entre todos. Numa palavra, nós humanos devemos aprender a nos tratar humanamente, sem considerar as classes, a cor da pele e o nível de sua instrução.
Isso foi que alimentou de sentido e de esperança a vida desse gênio brasileiro. Por aí se entende que escolheu o comunismo como a forma e o caminho para dar corpo a este sonho, pois, o comunismo, em seu ideário generoso, sempre se propôs a transformação social a partir das vítimas e dos mais invisíveis. Oscar Niemeyer foi um fiel militante comunista.
Mas seu comunismo era singular: no meu modo de ver, próximo dos cristãos originários pois era um comunismo ético, humanitário, solidário, doce, jocoso, alegre e leve. Foi fiel a esse sonho a vida inteira, para além de todos os avatares passados pelas várias formas de socialismo e de marxismo.
Na medida em que pudemos observar, a grande maioria da opinião pública mundial, foi unânime na celebração de sua arte e do significado humanista de sua vida. Curiosamente a revista VEJA de domingo, dedica-lhe 10 belas páginas. Outra coisa, porém, é a revista VEJA online de 7 de dezembro com um artigo do blog do jornalista Reinado Azevedo que a revista abriga.
Ele foi a voz destoante e de reles mau gosto. Até agora a VEJA não se distanciou daquele conteúdo, totalmente, contraditório àquele da edição impressa de domingo. Entende-se porque a ideologia de um é a ideologia do outro. Pouco importa que o jornalista Azevedo, de forma confusa, face às críticas vindas de todos os lados, procure se explicar. Ora se identifica com a revista, ora se distancia, mas finalmente seu blog é por ela publicado.
Notoriamente, VEJA se compraz em desfazer as figuras que melhor mostram nossa cultura e que mais penetraram na alma do povo brasileiro. Essa revista parece se envergonhar do Brasil, porque gostaria que ele fosse aquilo que não é e não quer ser: um xerox distorcido da cultura norte-americana. Ela dá a impressão de não amar os brasileiros, ao contrário expõe ao ridículo o que eles são e o que criam. Já o titulo da matéria referente a Oscar Niemeyer da autoria de Azevedo, revela seu caráter viciado e malevolente: ”Para instruir a canalha ignorante. O gênio e o idiota em imagens”. Seu texto piora mais ainda quando, se esforça, titubeante, em responder às críticas em seu blog do dia 8/12 também na VEJA online com um título que revela seu caráter despectivo e anti-democrático:”Metade gênio e metade idiota- Niemeyer na capa da VEJA com todas as honras! O que o bloco dos Sujos diz agora?” Sujo é ele que quer contaminar os outros com a própria sujeira de uma matéria tendenciosa e injusta.
O que se quer insinuar com os tipos de formulação usados? Que brasileiro não pode ser gênio; os gênios estão lá fora; se for gênio, porque lá fora assim o reconhecem, é apenas em sua terceira parte e, se melhor analisarmos, apenas numa quarta parte. Vamos e venhamos: Quem diz ser Oscar Niemeyer um idiota apenas revela que ele mesmo é um idiota consumado. Seguramente Azevedo está inscrito no número bem definido por Albert Einstein: ”conheço dois infinitos: o infinito do universo e o infinito dos idiotas; do primeiro tenho dúvidas, do segundo certeza”. O articulista nos deu a certeza que ele e a revista que o abriga possuem um lugar de honra no altar da idiotice.
O que não tolera em Oscar Niemeyer que, sendo comunista, se mostra solidário, compassivo com os que sofrem, que celebra a vida, exalta a amizade e glorifica o amor. Tais valores não cabem na ideologia capitalista de mercado, defendida por VEJA e seu albergado, que só sabe de concorrência, de “greed is good”(cobiça é coisa boa), de acumulação à custa da exploração ou da especulação, da falta de solidariedade e de justiça em nível internacional.
Mas não nos causa surpresa; a revista assim fez com Paulo Freire, Cândido Portinari, Lula, Dom Helder Câmara, Chico Buarque, Tom Jobim, João Gilberto, frei Betto, João Pedro Stédile, comigo mesmo e com tantos outros. Ela é um monumento à razão cínica. Segue desavergonhadamente a lógica hegeliana do senhor e do servo; internalizou o senhor que está lá no Norte opulento e o serve como servo submisso, condenado a viver na periferia. Por isso tanto a revista quanto o articulista revelam um completo descompromisso com a verdade daqui, da cultura brasileira.
A figura que me ocorre deste articulista e da revista semanal, em versão online, é a do escaravelho, popularmente chamado de rola-bosta. O escaravelho é um besouro que vive dos excrementos de animais herbívoros, fazendo rolinhos deles com os quais, em sua toca, se alimenta. Pois algo semelhante fez o blog de Azevedo na VEJA online: foi buscar excrementos de 60 e 70 anos atrás, deslocou-os de seu contexto (ela é hábil neste método) e lançou-os contra Oscar Niemeyer. Ela o faz com naturalidade e prazer, pois, é o meio no qual vive e se realimenta continuamente. Nada de surpreendente, portanto.
Paro por aqui. Mas quero apenas registrar minha indignação contra esta revista, em versão online, travestida de escaravelho por ter cometido um crime lesa-fama. Reproduzo igualmente dois testemunhos indignados de duas pessoas respeitáveis: Antonio Veronese, artista plástico vivendo em Paris e João Cândido Portinari, filho do genial pintor Cândido Portinari, cujas telas grandiosas estão na entrada do edifício da ONU em Nova York e cuja imagem foi desfigurada e deturpada, repetidas vezes, pela revista-escaravelho.
Oscar Niemeyer e a imprensa tupiniquim- Antonio Veronese
Crítica mesquinha, que pune o Talento, essa ousadia imperdoável de alçar os cornos acima da manada. No Brasil, Talento, como em nenhum outro país do mundo, é indigerível por parte da imprensa, que se acocora, devorada por inveja intestina. Capitania hereditária de raivosos bufões que já classificou a voz de Pavarotti de ruído de pia entupida; a música de Tom Jobim de americanizada; João Gilberto de desafinado e Cândido Portinari de copista…
Quando morre um homem de Talento, como agora o grande Niemeyer, os raivosos bufões babam diante do espelho matinal sedentos de escárnio.
Não discuto a liberdade da imprensa. Mas a pergunta que se impõe é como um cidadão, com a dimensão internacional de Oscar Niemeyer, (sua morte foi reverenciada na primeira página de todos os grandes jornais do mundo) pode ser chamado, por um jornalista mequetrefe, num órgão de imprensa de cobertura nacional, de metade-gênio-metade idiota? Isso após sua morte, quando não é mais capaz de defender-se, e ainda que sob a desculpa covarde, de reproduzir citação de terceiros… O consolo que me resta é que a História desinteressa-se desses espasmos da estupidez. Quem se lembra hoje dos críticos da bossa nova ou de Villa-Lobos? Ao talent, no entanto, está reservada a reverência da eternidade.
Antonio Veronese (mideart@gmail.com)
Meu caro Antonio,Que beleza o seu texto, um verdadeiro bálsamo para os que ainda acreditam no mundo de amanhã nascendo do espírito, da fé e do caráter dos homens de hoje!
Não é toda a imprensa, felizmente. Há também muita dignidade e valor na mídia brasileira. Mas não devemos nos surpreender com a revista semanal. Em termos de vileza, ela sempre consegue se superar. Ela terá, mais cedo ou mais tarde, o destino de todas as iniquidades: a vala comum do lixo, onde nem a história se dará o trabalho de julgá-la.
Os arquivos do Projeto Portinari guardam um sem número de artigos desta rancorosa revista, assim como de outras da mesma editora, sobre meu pai, Cândido Portinari e outros seus companheiros de geração. Sempre pérfidos, infames e covardes, como este que vem agora tentar apequenar um grande homem que para sempre enaltecerá a nossa terra e o nosso povo.
Caro amigo, é impossível ficar calado, diante de tanta indignidade.
Com o carinho e a admiração do
Professor João Candido Portinari (portinari@portinari.org.br)
Com a morte de Oscar Niemeyer aos 104 anos de idade ouviram-se vozes do mundo inteiro cheias de admiração, respeito e reverência face a sua obra genial, absolutamente inovadora e inspiradora de novas formas de leveza, simplicidade e elegância na arquitetura. Oscar Niemeyer foi e é uma pessoa que o Brasil e a humanidade podem se orgulhar.
E o fazemos por duas razões principais: a primeira, porque Oscar humildemente nunca considerou a arquitetura a coisa principal da vida; ela pertence ao campo da fantasia, da invenção e do lúdico. Para ele era um jogo das formas, jogado com a seriedade com que as crianças jogam.
A segunda, para Oscar, o principal era a vida. Ela é apenas um sopro, passageira e contraditória. Feliz para alguns mas para as grandes maiorias cruel e sem piedade. Por isso, a vida impõe uma tarefa que ele assumiu com coragem e com sérios riscos pessoais: a da transformação. E para transformar a vida e torná-la menos perversa, dizia, devemos nos dar as mãos, sermos solidários uns para com os outros, criarmos laços de afeto e de amorosidade entre todos. Numa palavra, nós humanos devemos aprender a nos tratar humanamente, sem considerar as classes, a cor da pele e o nível de sua instrução.
Isso foi que alimentou de sentido e de esperança a vida desse gênio brasileiro. Por aí se entende que escolheu o comunismo como a forma e o caminho para dar corpo a este sonho, pois, o comunismo, em seu ideário generoso, sempre se propôs a transformação social a partir das vítimas e dos mais invisíveis. Oscar Niemeyer foi um fiel militante comunista.
Mas seu comunismo era singular: no meu modo de ver, próximo dos cristãos originários pois era um comunismo ético, humanitário, solidário, doce, jocoso, alegre e leve. Foi fiel a esse sonho a vida inteira, para além de todos os avatares passados pelas várias formas de socialismo e de marxismo.
Na medida em que pudemos observar, a grande maioria da opinião pública mundial, foi unânime na celebração de sua arte e do significado humanista de sua vida. Curiosamente a revista VEJA de domingo, dedica-lhe 10 belas páginas. Outra coisa, porém, é a revista VEJA online de 7 de dezembro com um artigo do blog do jornalista Reinado Azevedo que a revista abriga.
Ele foi a voz destoante e de reles mau gosto. Até agora a VEJA não se distanciou daquele conteúdo, totalmente, contraditório àquele da edição impressa de domingo. Entende-se porque a ideologia de um é a ideologia do outro. Pouco importa que o jornalista Azevedo, de forma confusa, face às críticas vindas de todos os lados, procure se explicar. Ora se identifica com a revista, ora se distancia, mas finalmente seu blog é por ela publicado.
Notoriamente, VEJA se compraz em desfazer as figuras que melhor mostram nossa cultura e que mais penetraram na alma do povo brasileiro. Essa revista parece se envergonhar do Brasil, porque gostaria que ele fosse aquilo que não é e não quer ser: um xerox distorcido da cultura norte-americana. Ela dá a impressão de não amar os brasileiros, ao contrário expõe ao ridículo o que eles são e o que criam. Já o titulo da matéria referente a Oscar Niemeyer da autoria de Azevedo, revela seu caráter viciado e malevolente: ”Para instruir a canalha ignorante. O gênio e o idiota em imagens”. Seu texto piora mais ainda quando, se esforça, titubeante, em responder às críticas em seu blog do dia 8/12 também na VEJA online com um título que revela seu caráter despectivo e anti-democrático:”Metade gênio e metade idiota- Niemeyer na capa da VEJA com todas as honras! O que o bloco dos Sujos diz agora?” Sujo é ele que quer contaminar os outros com a própria sujeira de uma matéria tendenciosa e injusta.
O que se quer insinuar com os tipos de formulação usados? Que brasileiro não pode ser gênio; os gênios estão lá fora; se for gênio, porque lá fora assim o reconhecem, é apenas em sua terceira parte e, se melhor analisarmos, apenas numa quarta parte. Vamos e venhamos: Quem diz ser Oscar Niemeyer um idiota apenas revela que ele mesmo é um idiota consumado. Seguramente Azevedo está inscrito no número bem definido por Albert Einstein: ”conheço dois infinitos: o infinito do universo e o infinito dos idiotas; do primeiro tenho dúvidas, do segundo certeza”. O articulista nos deu a certeza que ele e a revista que o abriga possuem um lugar de honra no altar da idiotice.
O que não tolera em Oscar Niemeyer que, sendo comunista, se mostra solidário, compassivo com os que sofrem, que celebra a vida, exalta a amizade e glorifica o amor. Tais valores não cabem na ideologia capitalista de mercado, defendida por VEJA e seu albergado, que só sabe de concorrência, de “greed is good”(cobiça é coisa boa), de acumulação à custa da exploração ou da especulação, da falta de solidariedade e de justiça em nível internacional.
Mas não nos causa surpresa; a revista assim fez com Paulo Freire, Cândido Portinari, Lula, Dom Helder Câmara, Chico Buarque, Tom Jobim, João Gilberto, frei Betto, João Pedro Stédile, comigo mesmo e com tantos outros. Ela é um monumento à razão cínica. Segue desavergonhadamente a lógica hegeliana do senhor e do servo; internalizou o senhor que está lá no Norte opulento e o serve como servo submisso, condenado a viver na periferia. Por isso tanto a revista quanto o articulista revelam um completo descompromisso com a verdade daqui, da cultura brasileira.
A figura que me ocorre deste articulista e da revista semanal, em versão online, é a do escaravelho, popularmente chamado de rola-bosta. O escaravelho é um besouro que vive dos excrementos de animais herbívoros, fazendo rolinhos deles com os quais, em sua toca, se alimenta. Pois algo semelhante fez o blog de Azevedo na VEJA online: foi buscar excrementos de 60 e 70 anos atrás, deslocou-os de seu contexto (ela é hábil neste método) e lançou-os contra Oscar Niemeyer. Ela o faz com naturalidade e prazer, pois, é o meio no qual vive e se realimenta continuamente. Nada de surpreendente, portanto.
Paro por aqui. Mas quero apenas registrar minha indignação contra esta revista, em versão online, travestida de escaravelho por ter cometido um crime lesa-fama. Reproduzo igualmente dois testemunhos indignados de duas pessoas respeitáveis: Antonio Veronese, artista plástico vivendo em Paris e João Cândido Portinari, filho do genial pintor Cândido Portinari, cujas telas grandiosas estão na entrada do edifício da ONU em Nova York e cuja imagem foi desfigurada e deturpada, repetidas vezes, pela revista-escaravelho.
Oscar Niemeyer e a imprensa tupiniquim- Antonio Veronese
Crítica mesquinha, que pune o Talento, essa ousadia imperdoável de alçar os cornos acima da manada. No Brasil, Talento, como em nenhum outro país do mundo, é indigerível por parte da imprensa, que se acocora, devorada por inveja intestina. Capitania hereditária de raivosos bufões que já classificou a voz de Pavarotti de ruído de pia entupida; a música de Tom Jobim de americanizada; João Gilberto de desafinado e Cândido Portinari de copista…
Quando morre um homem de Talento, como agora o grande Niemeyer, os raivosos bufões babam diante do espelho matinal sedentos de escárnio.
Não discuto a liberdade da imprensa. Mas a pergunta que se impõe é como um cidadão, com a dimensão internacional de Oscar Niemeyer, (sua morte foi reverenciada na primeira página de todos os grandes jornais do mundo) pode ser chamado, por um jornalista mequetrefe, num órgão de imprensa de cobertura nacional, de metade-gênio-metade idiota? Isso após sua morte, quando não é mais capaz de defender-se, e ainda que sob a desculpa covarde, de reproduzir citação de terceiros… O consolo que me resta é que a História desinteressa-se desses espasmos da estupidez. Quem se lembra hoje dos críticos da bossa nova ou de Villa-Lobos? Ao talent, no entanto, está reservada a reverência da eternidade.
Antonio Veronese (mideart@gmail.com)
Meu caro Antonio,Que beleza o seu texto, um verdadeiro bálsamo para os que ainda acreditam no mundo de amanhã nascendo do espírito, da fé e do caráter dos homens de hoje!
Não é toda a imprensa, felizmente. Há também muita dignidade e valor na mídia brasileira. Mas não devemos nos surpreender com a revista semanal. Em termos de vileza, ela sempre consegue se superar. Ela terá, mais cedo ou mais tarde, o destino de todas as iniquidades: a vala comum do lixo, onde nem a história se dará o trabalho de julgá-la.
Os arquivos do Projeto Portinari guardam um sem número de artigos desta rancorosa revista, assim como de outras da mesma editora, sobre meu pai, Cândido Portinari e outros seus companheiros de geração. Sempre pérfidos, infames e covardes, como este que vem agora tentar apequenar um grande homem que para sempre enaltecerá a nossa terra e o nosso povo.
Caro amigo, é impossível ficar calado, diante de tanta indignidade.
Com o carinho e a admiração do
Professor João Candido Portinari (portinari@portinari.org.br)
Leonardo Boff é teólogo e escritor.
sexta-feira, 7 de dezembro de 2012
Isto é assustador!!!
Notícia de hoje do portal Bol:
A avaliação é do conselho paulista de médicos, que reprovou 54,5% dos alunos no exame da entidade deste ano, o primeiro obrigatório para tirar o registro profissional.
Mais da metade dos quase 2.500 estudantes de medicina que se formam neste ano no Estado de São Paulo não possui condições mínimas para atender a população.
A avaliação é do conselho paulista de médicos, que reprovou 54,5% dos alunos no exame da entidade deste ano, o primeiro obrigatório para tirar o registro profissional.
Mais assustador ainda:
Não ser aprovado no exame não é impeditivo para o exercício da profissão.
quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
Na senzala, com Danuza
Ao abrir hoje cedo o boletim do Observatório da Imprensa, deparei-me com o artigo de minha conterrânea, amiga e colaboradora Ana Cláudia Vargas. Apesar do grande número de parentêses, tema que já mereceu um puxão de orelhas carinhoso e - acreditem! - ela já conseguiu reduzir, o texto é gostoso de se ler e merece aprofundamento. Candidatos e candidatas, aproveitem o Comentários, lá embaixo, para darem seus pitacos. Eu e a autora agradecemos!
Ah... e quem gostou e quer conhecer mais a autora, vá até o blog dela:
Na senzala com Danuza
Por Ana Claudia Vargas em 04/12/2012 na edição 723
E então Danuza Leão meio que reclamou, na Folha de S.Paulo, do fato de que agora até porteiro de prédio pode viajar para o exterior pagando em não sei quantas vezes a viagem e diante dessa (suposta) facilidade concedida aos seres dessa categoria, ela pergunta: “Qual é a graça?”
E aí ela destrincha uma lista de coisas que antes eram ambições somente dos que tinham grana, mas que hoje estão disponíveis para qualquer um que esteja disposto a parcelar e parcelar. Além das viagens, há os apartamentos, os carros, os brinquedinhos tecnológicos e tudo o mais que pode ser parcelado para que a gente tenha a ilusão de que faz parte disso “tudo”, digo, das benesses da modernidade.
E então, primeiro (guiada pelo senso comum) achei extremamente preconceituosa e fiquei pensando “também sendo ela quem é, só poderia escrever esse tipo de coisa mesmo” etc. (A gente não pode esquecer que ela só se tornou colunista porque há mil anos foi casada com o Samuel Wainer etc. É mais ou menos isso: “Diga-me com quem fostes casada e eu te direi que cargo ocuparás no jornal X.” Apesar disso, se ela está aí há tantos anos e já escreveu até livros, e se seu texto faz com que as pessoas o discutam e escrevem sobre ele é porque ela tem algum talento pra coisa, devo dizer.
Assim, pensando pelo lado do “talento”, acho que ela conseguiu até soar um pouco irônica em alguns trechos e daquele seu modo “carioca burguês” de ser – ela faz uma leve criticazinha à onda consumista que parcela desde alimentos até viagens para África em trocentas vezes e nisso eleva à condição de consumidores não refinados, pessoas que vão à Paris não para apreciar a verdadeira obra de arte a céu aberto que (dizem) é aquela cidade, e sim, para comprar lembrancinhas para os parentes que moram nas periferias paulistanas, cariocas, mineiras e/ou soteropolitanas. Gente que nunca leu Proust ou Flaubert, ora essa!
De cima pra baixo
Enfim, há um bando (e bando é a palavra certa) de gente viajando e consumindo desesperadamente porque é também cada vez maior o desapego das pessoas por coisas como livros (como ela fala no finalzinho, aliás), pela apreciação do “mundo” a partir dos lugares em que moram – por que ser um pé rapado na Europa ainda é mais chique do que ser pé rapado no Brasil? Pois é isso o que (imagino) pensa quem parcela viagens em 250 vezes para a Inglaterra, quando poderia (por que não?) conhecer o interior do Brasil (não estou falando dos lugares turísticos, e sim, de qualquer lugar porque qualquer lugar na França ainda parece valer mais do que os melhores lugares de São Paulo ou Salvador) – digo, serem capazes de “olhar” para seus bairros e cidades com algum apreço e desejo de conhecer mais sobre a história desse lugar.
Talvez a gente ainda precise é aprender a ser brasileiro com alguma estima pelo fato de ter nascido aqui neste país (nada a ver com orgulho e/ou isso de futebol + carnaval + novela brasileira e de achar que nós sempre precisamos criar uma imagem legal para eles, os estrangeiros; quando se sabe que eles vendem a imagem que querem pro resto do mundo e não estão nem aí). Mas quem não enxerga seu próprio país é certo que vai sair aí pelo mundo não enxergando muita coisa. Aliás, na atual conjuntura, quem é que está querendo enxergar alguma coisa, não é mesmo? O importante é consumir bastante, viajar e postar no Face as fotos diante dos pontos turísticos: “ver e ser visto”.
A Danuza talvez esteja certa ao olhar pra tudo isso com o velho desdém (como disse, não podemos esperar muito dela, não é o caso) de quem sempre “viu” (?) este país de cima pra baixo (como acontece com quase todos os nossos colunistas), afinal, para quem esteve sempre acostumada a ser especial saber que essa frágil condição está cada vez mais ameaçada nesse nosso pós-moderno, pré- apocalíptico e suspenso em ondas de violência lá na Faixa de Gaza e aqui, na perifa paulistana não deve ser fácil.
Todo ser humano deveria ser especial
Para terminar: que bom seria se todos os humanos – afinal, não somos todos “humanos”? Ou uns são mais humanos que outros? – pudessem sempre e sempre viajar para a Europa ou pra Quixeramobim, comer em lugares refinados, estudar em boas escolas, ouvir boa música, mas para isso precisaríamos nos humanizar (estranho isso, visto que a priori já somos humanos) e querer criar guetos e separações – como estamos vendo isso não tem dado certo com os palestinos e israelenses, eles também se acham uns mais especiais que os outros; do mesmo modo que os alemães em relação aos judeus e etc. – não é a melhor saída, penso eu.
E, apesar da ironia e de ter sido capaz de “ver” isso no texto com uma ajudinha (é bom ter amigos inteligentes, rs) eu ainda acho que a Danuza, bem lá no fundo, deve ter uma baita saudade dos tempos em que cada pessoa sabia “o seu lugar”. Do tempo em que empregadas domésticas eram obrigadas a dormir no emprego, do tempo em que brancos e negros eram somente brancos e negros e por aí afora. Talvez ela devesse se mudar pra Índia porque apesar das mudanças (ah, pós-modernidade, quantas guerras étnicas e outras ainda vais causar?!) lá as tais castas ainda insistem e resistem e foi há pouco que (por exemplo) o estupro de mulheres de certas castas por homens de castas superiores se tornou crime (quer dizer as mulheres estão batalhando para que isso ocorra, de fato).
Viajei? Acho que um pouquinho, né? É que ainda acho que todo ser humano deveria ser especial e enquanto a gente não souber enxergar isso uns nos outros, o mundo vai continuar sendo isso aí que tem sido e eu não vejo graça nenhuma em saber disso.
Com ou sem ironia.
***
[Ana Claudia Vargas é escritora e jornalista, Osasco, SP]
E aí ela destrincha uma lista de coisas que antes eram ambições somente dos que tinham grana, mas que hoje estão disponíveis para qualquer um que esteja disposto a parcelar e parcelar. Além das viagens, há os apartamentos, os carros, os brinquedinhos tecnológicos e tudo o mais que pode ser parcelado para que a gente tenha a ilusão de que faz parte disso “tudo”, digo, das benesses da modernidade.
E então, primeiro (guiada pelo senso comum) achei extremamente preconceituosa e fiquei pensando “também sendo ela quem é, só poderia escrever esse tipo de coisa mesmo” etc. (A gente não pode esquecer que ela só se tornou colunista porque há mil anos foi casada com o Samuel Wainer etc. É mais ou menos isso: “Diga-me com quem fostes casada e eu te direi que cargo ocuparás no jornal X.” Apesar disso, se ela está aí há tantos anos e já escreveu até livros, e se seu texto faz com que as pessoas o discutam e escrevem sobre ele é porque ela tem algum talento pra coisa, devo dizer.
Assim, pensando pelo lado do “talento”, acho que ela conseguiu até soar um pouco irônica em alguns trechos e daquele seu modo “carioca burguês” de ser – ela faz uma leve criticazinha à onda consumista que parcela desde alimentos até viagens para África em trocentas vezes e nisso eleva à condição de consumidores não refinados, pessoas que vão à Paris não para apreciar a verdadeira obra de arte a céu aberto que (dizem) é aquela cidade, e sim, para comprar lembrancinhas para os parentes que moram nas periferias paulistanas, cariocas, mineiras e/ou soteropolitanas. Gente que nunca leu Proust ou Flaubert, ora essa!
De cima pra baixo
Enfim, há um bando (e bando é a palavra certa) de gente viajando e consumindo desesperadamente porque é também cada vez maior o desapego das pessoas por coisas como livros (como ela fala no finalzinho, aliás), pela apreciação do “mundo” a partir dos lugares em que moram – por que ser um pé rapado na Europa ainda é mais chique do que ser pé rapado no Brasil? Pois é isso o que (imagino) pensa quem parcela viagens em 250 vezes para a Inglaterra, quando poderia (por que não?) conhecer o interior do Brasil (não estou falando dos lugares turísticos, e sim, de qualquer lugar porque qualquer lugar na França ainda parece valer mais do que os melhores lugares de São Paulo ou Salvador) – digo, serem capazes de “olhar” para seus bairros e cidades com algum apreço e desejo de conhecer mais sobre a história desse lugar.
Talvez a gente ainda precise é aprender a ser brasileiro com alguma estima pelo fato de ter nascido aqui neste país (nada a ver com orgulho e/ou isso de futebol + carnaval + novela brasileira e de achar que nós sempre precisamos criar uma imagem legal para eles, os estrangeiros; quando se sabe que eles vendem a imagem que querem pro resto do mundo e não estão nem aí). Mas quem não enxerga seu próprio país é certo que vai sair aí pelo mundo não enxergando muita coisa. Aliás, na atual conjuntura, quem é que está querendo enxergar alguma coisa, não é mesmo? O importante é consumir bastante, viajar e postar no Face as fotos diante dos pontos turísticos: “ver e ser visto”.
A Danuza talvez esteja certa ao olhar pra tudo isso com o velho desdém (como disse, não podemos esperar muito dela, não é o caso) de quem sempre “viu” (?) este país de cima pra baixo (como acontece com quase todos os nossos colunistas), afinal, para quem esteve sempre acostumada a ser especial saber que essa frágil condição está cada vez mais ameaçada nesse nosso pós-moderno, pré- apocalíptico e suspenso em ondas de violência lá na Faixa de Gaza e aqui, na perifa paulistana não deve ser fácil.
Todo ser humano deveria ser especial
Para terminar: que bom seria se todos os humanos – afinal, não somos todos “humanos”? Ou uns são mais humanos que outros? – pudessem sempre e sempre viajar para a Europa ou pra Quixeramobim, comer em lugares refinados, estudar em boas escolas, ouvir boa música, mas para isso precisaríamos nos humanizar (estranho isso, visto que a priori já somos humanos) e querer criar guetos e separações – como estamos vendo isso não tem dado certo com os palestinos e israelenses, eles também se acham uns mais especiais que os outros; do mesmo modo que os alemães em relação aos judeus e etc. – não é a melhor saída, penso eu.
E, apesar da ironia e de ter sido capaz de “ver” isso no texto com uma ajudinha (é bom ter amigos inteligentes, rs) eu ainda acho que a Danuza, bem lá no fundo, deve ter uma baita saudade dos tempos em que cada pessoa sabia “o seu lugar”. Do tempo em que empregadas domésticas eram obrigadas a dormir no emprego, do tempo em que brancos e negros eram somente brancos e negros e por aí afora. Talvez ela devesse se mudar pra Índia porque apesar das mudanças (ah, pós-modernidade, quantas guerras étnicas e outras ainda vais causar?!) lá as tais castas ainda insistem e resistem e foi há pouco que (por exemplo) o estupro de mulheres de certas castas por homens de castas superiores se tornou crime (quer dizer as mulheres estão batalhando para que isso ocorra, de fato).
Viajei? Acho que um pouquinho, né? É que ainda acho que todo ser humano deveria ser especial e enquanto a gente não souber enxergar isso uns nos outros, o mundo vai continuar sendo isso aí que tem sido e eu não vejo graça nenhuma em saber disso.
Com ou sem ironia.
***
[Ana Claudia Vargas é escritora e jornalista, Osasco, SP]
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
O açúcar faz mal. Só ele?
Leio hoje no portal do Yahoo que a nutricionista Cyntia Appleton, uma inimiga feroz do açúcar, listou 80 problemas que são causados por ele. Achei curioso que na tal lista apenas 22, dos 80 itens são taxativos: provoca isso, faz aquilo, etc.
58 itens dão margem a dúvidas: pode causar, pode provocar, pode fazer...
Ora, "pode provocar" não tem a força semântica de "provoca". O "pode" indica dúvida.
Ai, fiquei me lembrando do que um oncologista disse à minha sobrinha:
"- Nós já conhecemos o açucar há mais de 500 anos. Sabemos tudo sobre ele.
E quanto aos adoçantes? E às torres de celulares? E aos celulares? e aos alimentos transgênicos?"
58 itens dão margem a dúvidas: pode causar, pode provocar, pode fazer...
Ora, "pode provocar" não tem a força semântica de "provoca". O "pode" indica dúvida.
Ai, fiquei me lembrando do que um oncologista disse à minha sobrinha:
"- Nós já conhecemos o açucar há mais de 500 anos. Sabemos tudo sobre ele.
E quanto aos adoçantes? E às torres de celulares? E aos celulares? e aos alimentos transgênicos?"
Assinar:
Postagens (Atom)