Por Nathalí Macedo
Eu era uma menina de 18 anos veterana na faculdade.
As aulas dele – o meu professor que só queria ser engraçado, mas era,
no fundo, um grandessíssimo machista incoerente – aconteciam nas manhãs
de sábado, no calor quase insuportável da Bahia.
Eu ia a todas as aulas de shorts. Não me interessava se minhas pernas
eram grossas ou finas, se eram atraentes ou não, se os homens saberiam
ou não lidar com isso: eu sentia calor. E era sábado, afinal. Depois de
cinco dias ininterruptos usando calça social no trabalho e na faculdade,
por que não os meus shorts no sábado?
Eu percebia os olhares meio cínicos que ele, o meu professor
incoerente, me dirigia – muito mais do que os meus colegas, acostumados
com minhas pernas, com minhas roupas e com a minha mania de liberdade.
E eis que num dia não tão belo – ao menos não para ele – ele resolveu se manifestar:
– E esse shortinho tirando a concentração dos colegas?
Me aproximei o suficiente para olhar nos olhos dele e ser o mais incisiva possível.
– Professor, a concentração do senhor e dos meus colegas é um problema de vocês, não meu.
Ele riu, desconcertado, e disse que era só uma brincadeira – daquelas
brincadeiras que, sabemos, reproduzem opressões e preconceitos. Sorri
de volta, despreocupada. O meu recado fora dado.
Eu não imaginei que, tão pouco tempo depois, eu veria adolescentes
gaúchas criarem um movimento pelo direito de se vestirem como quiserem.
Eu não imaginei – nem no meu melhor sonho – que meninas de 15 ou 16 anos
perceberiam, tão cedo, que são donas de seus corpos e que o olhar do
outro não pode determinar como elas se vestirão.
E eu confesso: quando tomei conhecimento do movimento
#VaiTerShortinhoSim, senti uma inveja ligeira delas que, ainda no
colegial, podem se dar ao luxo de se libertarem. E de compreenderem que
ensinar as mulheres a esconderem suas pernas é um erro – quando se deve,
na verdade, ensinar aos homens que nenhuma roupa, por mais permissiva
que seja, é um convite.
E que nós não escolhemos nossas vestimentas com base no que os homens
pensarão de nós: nós também sentimos calor, nós também queremos estar
confortáveis em uma manhã ensolarada de sábado.
E que qualquer discurso que contrarie a ideia de que nós podemos nos
vestir exatamente como quisermos é incoerente – se as bermudas
masculinas num sábado ensolarado não traduzem sensualidade, por que
shorts femininos a traduziriam?
E, se querem saber, eu aposto que elas vencerão. E que todos eles –
alunos e professores – engolirão a seco e aprenderão, por bem ou por
mal, que terão de superar, sozinhos, o desejo por pernas desnudas de
adolescentes de 16 anos, porque esta definitivamente não é uma
responsabilidade nossa.
Nós não vamos tirar os nossos shorts. Eles é que vão tirar as suas regras dos nossos corpos.
(fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/palmas-para-o-movimento-vaitershortinhosim-por-nathali-macedo/)
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