Antônio
de Paiva Moura
Há muito vimos
presenciando cenas de manifestação de discriminação social na vida cotidiana. Quem
nunca ouviu ou foi ator em taxações como: Aquele sujeito é um roceiro,
atrasado, um Jeca Tatu. Os camponeses são parasitas da natureza. É pobre porque
é preguiçoso. Todo morador de favela é visto como marginal. Todo negro é
ladino, espertalhão. “Negro, quando não suja na entrada, suja na saída”. As
manifestações da cultura popular tradicional, ou folclóricas, são consideradas
falsas. Quando não querem acreditar na eficácia de uma coisa vem a afirmação de
que “isso é folclore”.
Da década de 1990 para a atualidade
tem sido constante assassinatos de moradores de rua com incêndio de seus corpos
enquanto dormem. Inúmeras chacinas de camponeses sem terra; de fiscais que
atuam contra escravização de trabalhadores; de índios e prisioneiros. Pelo Facebook
e pelo Twitter é comum ouvir ou ler a expressão estereotipada: “Bandido bom é
bandido morto”. Quando os
apresentadores de televisão falam de bandido, eles sempre se referem a
criminosos pobres.
Nunca a luta pela obtenção do
dinheiro foi tão forte quanto nos tempos atuais. Em face do aumento das
necessidades de manutenção da vida, houve um aumento da necessidade de obter o
dinheiro para satisfazê-las. Desde que se recrudesceram as contradições sociais
em decorrência do Neoliberalismo, circulam as idéias de que o mundo se divide
em dois grupos: o primeiro é o do 1% que são os mais ricos, que açambarcam quase
todos os benefícios do crescimento econômico; o segundo são os 99% que sofrem a
desigualdade cada vez mais humilhante.
Essa colocação merece uma observação:
Esse enorme conjunto de categorias sociais inclui os habitantes das favelas das
grandes cidades; os pequenos agricultores do Nordeste; os ribeirinhos da
Amazônia, mas também os habitantes de Manhattan em New York, do bairro Tijuca
no Rio de Janeiro, da Vila Olímpia na capital paulista e do bairro Buritis, em
Belo Horizonte, que não são ricos o suficiente para integrar o 1%. É difícil
imaginar que os interesses dessas populações sejam os mesmos ou que eles venham
a constituir, no futuro, um grupo político coerente. Ao contrário, a cultura
das classes médias, cada vez mais, se distancia do altruísmo ou da
solidariedade com relação à parte mais carente da população.
O programa de televisão “Sai de
Baixo”, seriado apresentado em forma de teatro, ilustra essa situação. Seu Vavá,
um empresário de araque mora em um apartamento no Largo do Arouche no centro de
São Paulo. Com ele foi morar sua irmã Cassandra, uma viúva, ex-socialite e a
filha Magda. A filha se casa com Caco Antibes, um malandro metido a executivo.
O tempo todo, os membros da família tentam encobrir as suas mediocridades e posar
de ricos. Caco Antibes, que é louro de olhos azuis, vive dizendo que odeia
pobre. Para ele, nos pobres tudo é ridículo até o modo de se comportar em um
velório. Os membros dessa família se enquadram no que a literatura realista nas
primeiras décadas do século XX
caracterizou como pequenos burgueses. O pequeno burguês está sempre em luta
contra seus iguais e contra as classes inferiores; contra os desclassificados.
Na verdade, o pequeno burguês é um vassalo dos tempos modernos. Gasta todo o
tempo de sua existência tramando a forma de “subir na vida”. Almeja os melhores
cargos na magistratura, na universidade, na profissão liberal, no serviço
público e na empresa privada. Não perde a oportunidade de participar de
negócios escusos e de corrupção ativa ou passiva, mas, como ninguém, sabe
dissimular sua desonestidade. Ninguém sabe ocultar seus crimes melhor que o
pequeno burguês. Ele não se conforma com a situação de vida modesta que leva, e
daí, qualquer meio empregado para conseguir o fim é válido.
Para melhor compreender a
organização da sociedade moderna e sua estrutura social, Marx percebeu que esta
estava dividida em duas esferas: infra-estrutura e superestrutura. A infra-estrutura
é o conjunto das forças de produção, formado pela matéria prima e a força de
trabalho. Nesta esfera se incluem os não possuidores. A superestrutura é o
fruto de estratégias dos grupos dominantes para consolidação e perpetuação de
seu domínio. Trata-se da estrutura jurídica, política e estrutura ideológica,
formada pela detenção do Estado, da religião, das artes e dos meios de
comunicação. Para consolidar o domínio sobre o restante da sociedade a classe
dominante usa a força física e a ideologia. É aqui que vigora a cultura da
desigualdade. A ideologia é a tática ou a técnica de tornar certas idéias e
crenças como verdadeiras. A classe dominante é que produz as idéias, as crenças
e os preconceitos na sociedade.
Sartre, no romance “A Náusea” (1938)
entendia que a sociedade em todo o mundo estava em crise. Observa-se que naquele
momento o mal-estar causado pela primeira guerra mundial (1914-1918), era muito
forte e já era iminente o começo da segunda guerra. Portanto, podemos dizer que
a crise que vivemos em 2018 é centenária. O desequilíbrio de forças em favor
das classes dominantes e contra os segmentos dominados gera crises infindáveis
na sociedade. É o próprio sistema econômico que provoca as crises e delas tira
proveito, como está acontecendo no Brasil.
Quando um indivíduo está em crise
psicótica ele tem vontade de destruir tudo em seu redor; ofender com palavras,
espancar e matar seus próximos. A crise na sociedade se manifesta por ofensas
através dos meios de comunicação; atentados terroristas; conflitos com
refugiados de guerras e preconceitos étnicos; chacinas em escolas; conflitos de
rua. O sintoma de crise mais grave é o de aumento da taxa de homicídios. Basta
dizer que no Brasil, em 2016, foram 61.000 assassinatos, sendo 71% de negros e
mais de 90% de pessoas de baixa renda.
Em 2017, o conhecido intelectual e
professor de Linguística norte-americano, Noan Chomsky afirmou que existem muitos
movimentos populares ativos, mas não se presta atenção neles porque as elites
não querem que se aceite o fato de que a democracia pode funcionar. Isso é
perigoso para elas. Pode ameaçar seu poder. O melhor é impor uma visão que diz
ao cidadão que o Estado é seu inimigo e que ele tem de fazer o que puder
sozinho. É nessa busca sozinho pela sobrevivência que o indivíduo se sente
perdido. Como diz Sartre: Não vai a lugar
nenhum e não sabe o que procura. Assim desprezado o indivíduo pode ser
facilmente envolvido em situações criminosas.
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