terça-feira, 30 de abril de 2013

Sobre Belos Horizontes de Abril

Duas fotografias magníficas de ontem, 29 de abril, tiradas por minha amiga Katia:





A beleza é uma forma de genialidade – aliás, é superior à genialidade na medida em que não precisa de comentário. Ela é um dos grandes fatos do mundo, assim como a luz do sol, ou a primavera, ou a miragem na água escura daquela concha de prata que chamamos de lua. Não pode ser interrogada, é soberana por direito divino. (Oscar Wilde)

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Manhã, tão horrível manhã!

Segunda feira, 29 de abril, 6 horas da manhã. Saio para fazer meu exercício de caminhada e o dia parece realmente muito bonito.




Mas bastou virar a primeira esquina para me deparar com aquela cena lamentável que se repete dia após dia.



E este lixo de hoje estava até "arrumadinho". Semana passada, algum engraçado e educado cidadão passou à noite e rasgou todos os sacos de plástico, espalhando lixo orgânico misturado com materiais recicláveis pela Avenida Mário Werneck, nos dois locais que estão registrados aqui.

As dúvidas sempre são as mesmas:
1. Se o caminhão que recolhe o lixo orgânico passa às terças, quintas e sábados, por que se coloca o lixo no domingo, aumenta-se a quantidade na segunda e fica o espaço público invadido por esta imundície?



2. No bairro é feita a coleta seletiva. Nas quartas feiras passa o caminhão da prefeitura para recolher todo o material passível de reciclagem. Por que não se separa de forma conveniente e se deixa tudo misturado?






Como já foi perguntado hoje, POR QUE SERÁ?????

Por que será?

Esta matéria foi enviada pela amiga Helena Campos.
Eu também me pergunto: por que será?

Por que será?

Durante 10 anos foi Cronista da Realidade, a partir de agora, Reage Cidadão.
Este blog mudou de nome,vai mudar de cores e de design, mas não mudou de opinião.
 
* Guilherme Cardoso
 
Por que as coisas não são ou não acontecem como as leis determinam e a gente gostaria?
Por que as obras sempre prometidas para a Mobilidade Urbana em Belo Horizonte e cidades vizinhas nunca saem do papel?
Por que duas ou três vezes ao ano, presidente da República vem a Minas e anuncia destinação de verbas para o metrô, Anel Rodoviário e BR 381 e as obras nunca acontecem?
Por que não há interesse das autoridades municipais e estaduais em reativar imediatamente os trens suburbanos de passageiros, para aliviar os enormes congestionamentos rodoviários?
Por que ninguém cobra das concessionárias de transporte ferroviário de cargas, como a FCA, MRS e a VALE a obrigação contratual de oferecer trens de passageiros ou permitir que empresas terceirizadas o façam?
Por que um ramal ferroviário ocioso e ainda em bom estado, existente entre a Estação Gameleira e o Barreiro não possa ser imediatamente utilizado para auxiliar no transporte de passageiros, colocando ali, para circular pelo menos pela manhã e a tarde,  alguns vagões puxados por uma máquina movida a diesel?
Por que em Belo Horizonte, a Prefeitura insiste com a ideia de uma linha subterrânea de metrô ligando o centro da cidade à Savassi, quando poderia fazer uma parceria público privada com uma empresa da Capital que já tem um projeto pronto para implantar em pouco tempo um sistema de monotrilho muito mais barato, ligando Belvedere ao centro, a Pampulha, a Cidade Administrativa e ao Aeroporto de Confins?
Por que milhares de pessoas saem de casa, enfrentam horas de engarrafamento e filas para ver um jogo de futebol; vão às ruas protestar contra ou a favor do casamento homossexual e não são capazes de se reunirem em praça pública para exigir das autoridades obras imediatas para solucionar o transporte de massa em Belo Horizonte e cidades vizinhas?
Por que será?
Eu gostaria de saber. E você?

sábado, 27 de abril de 2013

A classe dominante nunca será capaz de resolver a crise. Ela é a crise!

Nem preciso comentar esta entrevista. Leiam e vejam porquê!


Por Joana Azevedo Viana, publicado em 23 Abr 2012 - 03:10 | Actualizado há 1 ano 3 dias
O filósofo holandês esteve em Lisboa à conversa com o i sobre o espírito de resistência e o “eterno retorno do fascismo”
Thomas Mann e Franklin Roosevelt são dois dos homens que mais inspiram Rob Riemen, que esteve em Lisboa na semana passada a convite de Mário Soares para falar sobre o direito à resistência e para apresentar o seu último livro, “Eterno Retorno do Fascismo”. A chegada da fotojornalista ao lobby do Ritz acabou por dar o mote à conversa com o i.
A Patrícia foi uma das fotojornalistas em trabalho agredida pela polícia na greve geral de há um mês em Portugal.
Pela polícia?!

Sim. O episódio parece remeter para o “Eterno Retorno do Fascismo”...
Sim, falo disso neste livro. Estamos a lidar com o pânico da classe dominante, que se habitua ao poder para controlar a sociedade. Isso que me contas é um acto de pânico. E o interessante é que a classe dominante só entra em pânico quando perde a autoridade moral. Sem a autoridade moral, só lhe resta o poder que se transforma em violência.

O fascismo continua latente?
A minha geração cresceu convencida de que o que os nossos pais viveram nunca voltaria a acontecer na Europa. Quando vocês se livraram do fascismo nos anos 70, nos anos 90 devem ter pensado que não mais o viveriam. Mas uma geração depois, já estamos a assistir a uma espécie de regime fascista na Hungria, na Holanda o meu governo foi sequestrado pelos fascistas, pelo sr. [Geert] Wilders [do Partido da Liberdade]... Com uma nota comum a todos que é o ódio à Europa. Para Wilders, o grande inimigo era o Islão e agora são os países de alho.

Países de alho?
É o que ele chama a países como o vosso, Espanha, Polónia... A Europa tornou--se uma ameaça. Com a II Guerra Mundial aprendemos a lição de que a única saída, depois de séculos de sangue derramado, era ter uma Europa unida e agora as forças contra [essa união] estão a ganhar controlo. É o primeiro ponto.

E o segundo?
A actual classe dominante nunca será capaz de resolver a crise, porque ela é a crise! E não falo apenas da classe política, mas da educacional, da que controla os media, da financeira, etc. Não vão resolver a crise porque a sua mentalidade é extremamente limitada e controlada por uma única coisa: os seus interesses. Os políticos existem para servir os seus interesses, não o país. Na educação, a mesma coisa: quem controla as universidades está ali para favorecer empresas e o Estado. Se algo não é bom para a economia, porquê investir dinheiro?

Nos media o mesmo.
Sim. No geral, os media já não são o espelho da sociedade nem informam de facto as pessoas do que se está a passar, existem sim para vender e vender e vender.

E as consequências estão à vista.
Pois, estamos a assistir à desintegração da sociedade. Tudo é baseado na premissa de que as pessoas devem ficar mais ricas e é daqui que vem a crise financeira, daqui e deste comportamento totalmente imoral e irresponsável de um pequeno grupo de pessoas que não podia importar-se menos [com a sociedade] e sem interesse em ser responsável. Quando uma sociedade está focada na economia, na economia, na economia e na economia, perde-se a noção do que nos dá qualidade de vida. E quando somos privados dessa noção, surge um vazio.

A sociedade kitsch que refere no livro?
Sim, em que a identidade das pessoas não depende do que elas são, mas do que têm. Quando se torna tão importante ter coisas, serves um mundo comercial, porque pensas que a tua identidade está relacionada com isso. Estamos a criar seres humanos vazios que querem consumir e ter coisas e que acabam por se vestir e falar todos da mesma forma e pensar as mesmas coisas. E a classe dominante está muito mais interessada em que as pessoas liguem a isso do que ao que importa.

A classe dominante teme que as pessoas comecem a questionar tudo?
Claro que sim! Frederico Fellini, o realizador italiano, disse um dia: “Eu sei o que é o fascismo, eu vivi-o, e posso dizer- -vos que a raiz do fascismo é a estupidez. Todos temos um lado estúpido, frustrado, provinciano. Para alterar o rumo político, temos de encontrar a estupidez em nós”. Mas se as pessoas fossem um bocadinho mais espertas, não iriam para universidades estúpidas, nem veriam programas estúpidos na TV. Existe uma elite comercial e política interessada em manter as pessoas estúpidas. E isso é vendido como democracia, porque as pessoas são livres de escolher e blá blá.

Quando não é assim.
Não, não, não, não! [Bento de] Espinoza – muito obrigado a Portugal por o terem mandado para a Holanda – explicou que a essência da democracia é a liberdade, mas que a essência da liberdade não é teres o que queres; é usares o cérebro para te tornares num ser humano bem pensante. Se não for assim, se não fores crítico perante a sociedade mas também perante ti próprio, nunca serás livre, serás sempre escravo. Daí que o que estamos a viver não tenha nada a ver com democracia.

Tem a ver com quê?
Vivemos numa democracia de massa, uma mentira que abre os portões a mentirosos, demagogos, charlatães e pessoas más, como vimos no séc. XX e como vemos agora.

O retorno do fascismo é inevitável?
Vamos fazer uma pausa (risos). Acho que não podemos entregar-nos ao pessimismo. Se acharmos que estamos condenados, que não há saída, que é inevitável, mais vale bebermos champanhe (risos). A razão pela qual publiquei esta dissertação e o meu outro livro, “Nobreza de Espírito”, e pela qual dou estas palestras e entrevistas é porque a primeira coisa de que precisamos é de pôr a verdade em cima da mesa.

E como podemos fazer isso?
Primeiro, admitindo que as coisas estão a correr mal e não apenas no nível económico. Relembremos uma grande verdade do poeta Octávio Paz: “Uma crise política é sempre uma crise moral.” Quando reconhecemos a verdade nisto, percebemos que a crise financeira é também ela uma crise moral. E aí devemos questionar de que tipo de valores universais estamos a precisar e o que é que devemos ter na sociedade para confrontar isto. Aí percebemos que há coisas erradas no sistema de educação.

Por causa de quem o controla?
Porque não está interessado na pessoa que tu és, mas no tipo de profissões de que a economia precisa. Se o preço é falta de qualidade, se o preço é falta de dignidade humana, é haver tanta gente jovem sem instrumentos para lidar com a vida e para descobrir por si própria o sentido da vida ou que significado pode dar à sua vida, então criamos o “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley. Aqui surge a sociedade kitsch. E a dada altura já é segunda-feira, a festa acabou, chegou a crise financeira e as pessoas já não conseguem pagar esta sociedade e surgem políticas de ressentimento, que é o que fazem os fascistas e é o que o sr. Wilders está a fazer de forma brilhante.

Que políticas são essas?
Em vez de tentar fazer algo positivo com as preocupações das pessoas e com os problemas que existem, explora-os.

De que forma?
Usando a velha técnica do bode expiatório. “Isto é por causa do Islão, por causa dos países de alho, por causa dos polacos. Nós somos as vítimas, vocês são o inimigo.” Ou “Isto é por causa da esquerda e das artes e da cultura, os hobbies da esquerda.” Este fulano [Wilders] é contra tudo o que pode alertar as pessoas para o facto de ele ser um dos maiores mentirosos de sempre.

Como as artes e a cultura que referiu?
Sim. O que temos de enfrentar é: se toda a gente vai à escola, se toda a gente sabe ler, se tanta gente tem educação superior, como é que continuam a acreditar nestas porcarias sem as questionar? E porque é que tanta gente continua a achar que quando X ou Y está na televisão é importante, ou quando X ou Y é uma estrela de cinema é importante, ou quando X ou Y é banqueiro e tem dinheiro é importante? A insanidade disto... [suspiro] Se tirarmos as posições e o dinheiro a estas pessoas, o que resta? Pessoas tacanhas e mesquinhas, totalmente desinteressantes. Mas mesmo assim vivemos encantados com a ideia de que X ou Y é importante porque tem poder. É a mesma lengalenga de sempre: é pelo que têm e não pelo que são, porque eles são nada. E a educação também é sobre o que podes vir a ter e não sobre quem podes vir a ser.

Reformar o ensino seria uma solução?
Eu não sou pedagogo e quero mesmo acreditar que existe uma variedade de formas de chegar ao que penso que é essencial: que as pessoas possam viver com dignidade, que aceitem responsabilidade pelas suas vidas e que reconheçam que o que têm em comum – quer sejam da China, Índia, África ou esquimós – é que somos todos seres humanos. Sim, há homens e mulheres, homossexuais e heterossexuais, pessoas de várias cores, mas somos todos seres humanos. Não podemos aceitar fundamentalismos e ideologias e sistemas económicos como o capitalismo, mais interessados em dividir as pessoas do que em uni-las.

E de onde pode vir a união?
Só pode ser baseada na aceitação de que existem valores universais. A Europa é um exemplo maravilhoso disso: há esta enorme riqueza de tradições e línguas e histórias, mas continuamos a conseguir estar abertos a novas culturas e é onde pessoas vindas de qualquer parte podem tornar-se europeias. Mas isto só acontece se valorizarmos e protegermos o espírito democrático. A democracia é o único modelo aberto e o seu espírito exige que percebamos que Espinoza estava certo, que o difícil é mais interessante que o fácil, que não devemos temer coisas difíceis porque só podemos evoluir se estivermos abertos ao difícil, porque a vida é difícil. Que para lá das habilidades de que precisamos para a profissão em que somos bons, todos precisamos de filosofia, todos precisamos da arte e da literatura para nos tornarmos seres humanos maduros, para perceber o que as nossas experiências internas encerram. É para isto que existem as artes, é por isso que vais ver um bom filme e ouves boa música e lês um poema.

É por isso que a cultura está sob ataque? Aqui em Portugal o actual governo eliminou o Ministério da Cultura.
E é isso que o partido fascista está a fazer na Holanda e é o que outros estão a fazer em todo o lado. Óbvio! Quem quer matar a cultura são as pessoas mais estúpidas e vazias do mundo. Claro que é horrível para eles olharem-se ao espelho e verem “Sou apenas um anão estúpido”.

Por isso querem livrar-se da cultura?
Por isso e porque ela ajuda as pessoas a entender o que realmente importa. O medo da elite comercial é que as pessoas comecem a pensar. Porque é que os regimes fascistas querem controlar o mundo da cultura ou livrar-se dele por completo? Porque o poeta é a pessoa mais perigosa que existe para eles. Provavelmente mais perigoso que o filósofo. Quando usam o argumento de que a cultura não é importante e de que a economia não precisa da cultura, é mentira! Isso são as tais políticas de ressentimento, um grande instrumento precisamente porque eles nos querem estúpidos.

E alimentam essa estupidez.
Claro. A geração mais jovem tem de questionar as elites de poder. Sim, vocês precisam de emprego, mas, acima de tudo, precisam de qualidade de vida. E essa qualidade está relacionada com várias coisas: com a qualidade da pessoa que amas e com a qualidade dos teus amigos, com o que podes fazer que é importante e significativo para ti. Quando vês que te estão a tirar isso, percebes que não estão no poder para te servir, querem é que a sociedade os sirva.

A democracia parece estar limitada a ir às urnas de x em x anos. O que é afinal uma verdadeira democracia?
Quando Sócrates foi levado a julgamento disse “Vocês já não estão interessados na verdade” e isso continua a ser assim. É por isso que chamei ao meu primeiro livro “Nobreza de Espírito”, porque para a teres não precisas de dinheiro, nem de graus académicos. Nobreza de espírito é a dignidade de vida a que todos podem ter acesso e é a essência da democracia. O espírito democrático é mais do que ir às urnas e se eles [políticos eleitos] não se baseiam nessa nobreza, os sistemas colapsam, como estão a colapsar. Foi Platão que disse que “a democracia pode cometer suicídio” e é assim que começo o “Eterno Retorno do Fascismo”. A grande surpresa para Ortega y Gasset foi que, livres do poder da Igreja e da tirania e aristocracia, finalmente havia democracia e o que fazemos? Estamos a matá-la! Isso aconteceu em Espanha, em Portugal, em Itália, na Alemanha, esteve perto de acontecer em França... Há um livro lindíssimo que Sinclair Lewis escreveu, “Não pode acontecer aqui”, mas a verdade é que pode facilmente acontecer nos EUA. O livro de Philip Roth, “A Conspiração contra a América”, prova-o.

Em 2009 escreveu uma carta a Obama, então presidente eleito. Quatro anos depois, que avaliação faz do mandato?
Na altura era a favor de Hillary Clinton.

Porquê?
Porque acho que ela tem instintos políticos muito melhores e mais experiência política que Obama. Estava na América no dia em que ele foi eleito, a 4 de Novembro de 2008, e foi um momento histórico, mas teria sido igualmente histórico se a América tivesse escolhido uma mulher. O problema com Obama é que não é um grande presidente. [risos]

Em que sentido?
Tornou-se demasiado vulnerável aos interesses infestados. Teve uma equipa económica com pessoas que vieram todas de Wall Street, como Larry Summers e Timothy Geithner. O poder do dinheiro no sistema político americano é assustador! E ele não conseguiu escapar a isso. E depois a política é uma arte e demasiados intelectuais pensam que, por terem lido sobre política, sabem de política. Não é verdade. A política tem a ver com pequenos passos, grandes passos são impossíveis numa democracia. Mas vamos esperar e rezar para que Obama seja reeleito. Senão vamos ter um problema, todos nós. E já agora, que no segundo mandato ele consiga fazer mais, tem esse dever.

Obama legalizou em Janeiro a detenção por tempo indefinido e sem julgamento de qualquer suspeito de ligação a redes terroristas. O que pensa disso?
Se lhe perguntasse sobre isso, ele dir-lhe--ia: “Aqui que ninguém nos ouve, não tive alternativa”. O problema sério com que estamos a lidar tem a ver com o poder dos media. Eles querem vender e só podem vender se tiverem notícias de última hora constantes. Têm de alimentar este monstro chamado público. Tudo tem de ser a curto prazo. Na política é o mesmo, é sobre o dia seguinte. Onde está a elite política que quer pensar à frente, a um ou dois anos? Onde estão os media que expliquem às pessoas a importância do longo prazo? Na economia é o mesmo. Tudo tem de ser agora. Perdemos a noção de tempo. No mundo político, as pessoas deviam poder dizer: “Não sei a resposta a essa questão. Dê-me uma semana e falarei consigo.” Mas se um político disser “Não sei”, é morto. Vivemos a política do instante, onde as questões estruturais são esquecidas. Veja, estou cá [em Lisboa] a convite de Mário Soares. O que quer que se pense sobre ele ou sobre Mitterrand, etc, essa geração viveu a guerra, experienciou a vida, leu livros. Cometeram erros? Claro que sim, mas é uma classe completamente diferente de tantos actuais políticos, jovens, sem experiência, que não sabem nada. Nada! Se lhes perguntarmos que livros leram, eles quase têm orgulho de não ler!

O que pensa dos movimentos como os Occupy ou o 15M de Espanha?
É extremamente esperançoso que estejamos a livrar-nos da passividade. Finalmente temos uma nesga de ar, mas precisamos de um próximo passo, protestar não basta. A História mostra-nos que as mudanças vêm sempre de um de três grupos: mulheres, jovens ou minorias. Acho que agora vai ter de vir dos jovens. Se isto continuar por mais três ou cinco anos, o seu futuro estará arruinado, não haverá emprego, casas, segurança social, nada. É tempo de reconhecer isto, de o dizer publicamente, de parar e depois avançar. Se os jovens pararem os jornais, os jornais acabam. Se os jovens decidirem que não vão à universidade, ela fecha.

Mas parece não haver união para isso.
É preciso solidariedade! Será que é preciso ir ver o Batman outra vez? Qual é o papel do Joker? É dividir as pessoas!

Os actuais políticos são Jokers?
No mínimo não estão a fazer o que deviam. Não estão a dizer a verdade. O perfeito disparate de que todas as nações europeias não podem ter um défice superior a 3% é pura estupidez económica. Temos de investir no futuro. Como? Investindo numa educação como deve ser, que garanta seres humanos bem pensantes e não apenas os interesses da economia. Investindo na qualidade dos media... O dinheiro que demos aos bancos é milhões de vezes superior ao que é preciso para as artes, a cultura, a educação...

A WikiLeaks revelou que a CIA espiou o 15M e que divulgou um documento onde diz ser preciso evitar que destes movimentos “surjam novas ideologias e líderes”.
Uau! Isso prova o que defendo! Não sabia disso mas é muito interessante. Veja, porque é que temos democracias? Porque percebemos que o poder é um animal estranho para todos os que o detêm e que ninguém é imune a ele. Se dermos poder às pessoas elas começam a comportar-se como pessoas poderosas. Philip Zimbardo levou a cabo esta experiência, o Efeito Lucifer, na qual uns fingiam ser prisioneiros e outros guardas. A experiência teve de ser parada, porque os “prisioneiros” começaram a perder a sua individualidade e a portar-se como escravos e os “guardas” tornaram-se violentos e sádicos. De repente percebemos: “Uau, é isto a natureza humana, é disto que somos capazes.” Lição aprendida: há que controlar o poder, venha ele de onde vier.

A sociedade é que pode controlá-lo?
Sim, todos têm de aceitar uma certa responsabilidade. Os intelectuais têm de se manter afastados do poder, porque só assim podem dizer a verdade. Os media também, porque sem sabermos os factos a democracia não sobrevive. Se esses mundos de poder não tiverem total controlo, as pessoas têm tentações. Quem tem dinheiro quer mais dinheiro, quem tem poder quer mais poder. E há que garantir a distribuição equilibrada destas coisas na sociedade.

Só quando soube que vinha entrevistá-lo é que li sobre o Instituut Nexus.
Está perdoada, não somos famosos. (risos)

Porque é que decidiu criá-lo?
Quando estava na universidade percebi que já não é o sítio onde podemos adquirir conhecimento e onde há conversas intelectuais, essenciais à evolução. Na altura conheci um judeu que dedicou tudo – tempo, energia, dinheiro – a resgatar o que Hitler queria destruir: a cultura europeia. Abriu uma editora, uma biblioteca, uma livraria. Tornou-se meu professor e começámos um jornal, o Nexus, e depois da primeira edição percebemos que tínhamos de levar a ideia a outro nível e criar uma infraestrutura aberta onde intelectuais de todo o mundo pudessem discordar uns dos outros e falar de tópicos importantes. Qualquer pessoa pode participar pagando 10 euros. Estamos sempre esgotados e temos pessoas a vir de todo o mundo.

Qual será a próxima conferência?
É a 2 de Dezembro, sobre “Como mudar o mundo”. O Slavoj Zizek vai lá estar, um deputado britânico conservador também, [o escritor] Alessandro Baricco. E no próximo ano vamos abrir um café com uma livraria europeia e um salão cultural, num antigo teatro de Amesterdão. Se tivesse dinheiro gastava-o a abrir um assim em cada cidade, arranjava orquestras... Temos de reconstruir as infraestruturas culturais, precisamos disso com urgência. E temos de ser nós porque as elites no poder não o vão fazer.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Um seminário contra a intolerância


Uma bela proposta de reformar o Judiciário

Sempre achei estranho o nosso STF se ocupar de tantas atribuições quando ele deveria ter, como meta fundamental, a guarda da Constituição. Vejo hoje no blog DoLaDoDeLa, esta matéria em que o renomado jurista mostra como se pode mudar e agilizar a nossa justiça. A única coisa que considerei discutível foi a necessidade de o Congresso ter de aprovar os nomes dos juízes. Por que não deixar que essa escolha seja feita pelo CNJ, MP e OAB?
Deixar o Executivo ou o Legislativo aprovarem nomes sempre traz o risco de vermos raposas sendo nomeadas para tomar conta dos galinheiros, tanto no nível federal, quanto no municipal e estadual.


O jurista Fábio Konder Comparato propõe PEC para mudar STF e STJ



Com exceção dos profissionais do foro, ninguém mais se interessa neste País pela atuação dos magistrados. No teatro político, eles não costumam subir ao palco, e quando o fazem, infelizmente nem sempre é para exercer o papel de juízes, mas algumas vezes de réus. Acontece que, sem um Judiciário independente e eficaz não existe adequado controle do poder e, por conseguinte, efetiva garantia de respeito aos direitos humanos.
Tomemos, por exemplo, o caso da Corte de Justiça situada no topo da pirâmide: o Supremo Tribunal Federal. Seu funcionamento deixa muito a desejar, por duas razões principais: sua composição e a natureza de suas atribuições.
Os defeitos de composição do Supremo Tribunal Federal
Em todas as nossas Constituições republicanas, segundo o modelo norte-americano, determinou-se a nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal.
Nos Estados Unidos, esse controle senatorial funciona adequadamente, já tendo havido a desaprovação de doze pessoas indicadas pelo Chefe de Estado para a Suprema Corte. Algumas vezes, quando o Presidente dos Estados Unidos percebe que a pessoa por ele escolhida não será aprovada pelo Senado, retira a indicação. Assim procedeu o Presidente George W. Bush em 2006, quanto à indicação à Suprema Corte de Harriet Miers, conselheira da Casa Branca.
No Brasil, ao contrário, até hoje o Senado somente rejeitou uma nomeação para o Supremo Tribunal Federal. O fato insólito ocorreu no período conturbado do início da República, quando as arbitrárias intervenções decretadas por Floriano Peixoto em vários Estados suscitaram o acolhimento, pelo Supremo Tribunal, da doutrina extensiva do habeas-corpus, sustentada por Rui Barbosa. Os líderes oposicionistas, nos Estados sob intervenção federal, puderam assim escapar da prisão. Furioso, Floriano resolveu então nomear para preencher uma vaga no Supremo o Dr. Barata Ribeiro, que era seu médico pessoal. Literalmente, não houve violação do texto constitucional, pois a Carta de 1891 exigia que os cidadãos nomeados para o Supremo Tribunal Federal tivessem “notável saber e reputação”; o que ninguém podia negar ao Dr. Barata Ribeiro. Foi somente pela Emenda Constitucional de 1926, e em razão daquele episódio, que se resolveu acrescentar o adjetivo “jurídico” à expressão “notável saber”.
Mas essa qualificação aditiva em nada mudou a prática das nomeações para o Tribunal. Como gostava de contar o grande advogado Evandro Lins e Silva, quando Getúlio nomeou para o Supremo o presidente do infame tribunal de segurança nacional, o escrivão daquele pretório anunciou, em alto e bom som, que era candidato à próxima vaga na mais alta Corte de Justiça do País; pois, dizia ele, “reputação ilibada ninguém me nega, e notável saber jurídico vem no decreto de nomeação”...
Ora, o que se vem assistindo ultimamente, de forma constrangedora, é uma frenética corrida ao Palácio do Planalto de candidatos ao Supremo Tribunal, na esperança de serem escolhidos pelo Presidente da República. Há até, como se sabe, quem repita a tentativa várias vezes, após sucessivas “bolas na trave”. 
O excesso de atribuições
A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Supremo Tribunal Federal, como seu objetivo precípuo, “a guarda da Constituição” (art. 102). Mas a consecução dessa finalidade maior é simplesmente obliterada pelo acúmulo de atribuições daquela Corte (aquilo que os juristas denominam “competência”), para julgar processos de puro interesse individual ou de grupos privados.
Segundo informa a Secretaria do Supremo Tribunal Federal, há atualmente em andamento naquela Corte mais de 68.000 processos. O que perfaz, abstratamente, a média aproximada de mais de 6.000 por Ministro. Tal significa na prática que, tirante alguns casos especiais, os processos levam em média uma dezena de anos para serem julgados. 
Esboço de solução
O que fazer, então? Certamente, não podemos nos resignar a “tocar um tango argentino”, como sugeriu um poema de Manuel Bandeira; muito embora a situação judiciária no país vizinho pareça bem melhor do que a nossa.
Eis porque proponho a transformação do atual Supremo Tribunal Federal em uma Corte Constitucional.
Ela seria composta de 15 Ministros, nomeados pelo Presidente do Congresso Nacional, após aprovação de seus nomes pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a partir de listas tríplices de candidatos oriundos da magistratura, do Ministério Público e da advocacia. Tais listas seriam elaboradas, respectivamente, pelo Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Transitoriamente, os atuais Ministros do Supremo Tribunal Federal passariam a compor a Corte Constitucional, com o acréscimo de mais quatro novos membros, nomeados como indicado acima.
O novo sistema de nomeação tornaria muito difícil, senão impossível, o exercício com êxito de alguma atividade lobista; além de estabelecer, já de início, uma seleção de candidatos segundo um presumível saber jurídico.
A competência da Corte Constitucional seria limitada às causas que dissessem respeito diretamente à interpretação e aplicação da Constituição, transferindo-se todas as demais à competência do Superior Tribunal de Justiça.
Este último passaria a ter uma composição semelhante à da Corte Constitucional, mas contaria doravante com um mínimo de 60 Ministros; ou seja, quase o dobro do fixado atualmente na Constituição.
Bem sei que esta proposta, se oficializada, suscitará, segundo nossa inveterada tradição anti-republicana, a resistência de todos aqueles que só cuidam de proteger seus interesses próprios, virando as costas ao bem comum. Mas o essencial é pôr desde logo o dedo na ferida e exigir o indispensável tratamento terapêutico.
***Fábio Konder Comparato, nascido em Santos, no dia 8 de outubro de 1936, é advogado, escritor e jurista brasileiro, formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, onde também recebeu o título de Professor Emérito, em 2009.  Doutor em Direito pela Universidade de Paris e doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra. Especializou-se inicialmente em Direito comercial, tendo publicado O Poder de Controle na Sociedade Anônima. Em 2005, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, prêmio entregue pela ONG brasileira Grupo Tortura Nunca Mais a todos aqueles que tal ONG consideram ter se destacado na luta pelos Direitos Humanos. Publicou, entre outros livros, Para viver a democracia e um projeto de Constituição para o Brasil, intitulado Muda Brasil.
http://www.reformapolitica.org.br/component/content/article/26-em-destaque/781-o-jurista-fabio-konder-comparato-propoe-pec-para-mudar-o-stf-e-stj.html
  

quinta-feira, 25 de abril de 2013

O massacre dos índios no Brasil de meio século atrás

Eu tinha lido, por acaso, a segunda parte da reportagem do Estado de Minas no dia 20 e fiquei pensando em como colocar aqui no blog. Eis que me chega, hoje, pelo Blog do Mello, o comentário e um pequeno trecho da reportagem. Estarrecedor!

Posted: 24 Apr 2013 02:05 PM PDT


Latifundiários e até funcionários do antigo Serviço de Proteção ao Índio (quanta ironia) são os principais responsáveis pelo extermínio até de tribos inteiras neste nosso Brasil varonil-il-il.

Os documentos, como disse no título, estavam sumidos há 45 anos, e de repente ressurgem, impávido colosso, no Museu do Índio, que já andou de lá pra cá, com mudanças de endereço, sem que se tenha dado conta que os documentos desaparecidos estavam ali, bem na frente de quem tivesse olhos pra ver.

O Relatório de mais de 7 mil páginas que relata massacres e torturas de índios no interior do país, dado como queimado num incêndio, é encontrado intacto 45 anos depois. A expedição percorreu mais de 16 mil quilômetros e visitou mais de 130 postos indígenas onde foram constatados inúmeros crimes e violações aos direitos humanos. O governo ignorou pedido do Relatório Figueiredo para demitir 33 agentes públicos e suspender 17.

Depois de 45 anos desaparecido, um dos documentos mais importantes produzidos pelo Estado brasileiro no último século, o chamado Relatório Figueiredo, que apurou matanças de tribos inteiras, torturas e toda sorte de crueldades praticadas contra indígenas no país – principalmente por latifundiários e funcionários do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) –, ressurge quase intacto. Supostamente eliminado em um incêndio no Ministério da Agricultura, ele foi encontrado recentemente no Museu do Índio, no Rio, com mais de 7 mil páginas preservadas e contendo 29 dos 30 tomos originais.
Em uma das inúmeras passagens brutais do texto, a que o Estado de Minas teve acesso e publica na data em que se comemora o Dia do Índio, um instrumento de tortura apontado como o mais comum nos postos do SPI à época, chamado “tronco”, é descrito da seguinte maneira: “Consistia na trituração dos tornozelos das vítimas, colocadas entre duas estacas enterradas juntas em um ângulo agudo. As extremidades, ligadas por roldanas, eram aproximadas lenta e continuamente”.
Entre denúncias de caçadas humanas promovidas com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões, inoculações propositais de varíola em povoados isolados e doações de açúcar misturado a estricnina, o texto redigido pelo então procurador Jader de Figueiredo Correia ressuscita incontáveis fantasmas e pode se tornar agora um trunfo para a Comissão da Verdade, que apura violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988.
A investigação, feita em 1967, em plena ditadura, a pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima, tendo como base comissões parlamentares de inquérito de 1962 e 1963 e denúncias posteriores de deputados, foi o resultado de uma expedição que percorreu mais de 16 mil quilômetros, entrevistou dezenas de agentes do SPI e visitou mais de 130 postos indígenas. Jader de Figueiredo e sua equipe constataram diversos crimes, propuseram a investigação de muitos mais que lhes foram relatados pelos índios, se chocaram com a crueldade e bestialidade de agentes públicos. Ao final, no entanto, o Brasil foi privado da possibilidade de fazer justiça nos anos seguintes. Albuquerque Lima chegou a recomendar a demissão de 33 pessoas do SPI e a suspensão de 17, mas, posteriormente, muitas delas foram inocentadas pela Justiça.
Os únicos registros do relatório disponíveis até hoje eram os presentes em reportagens publicadas na época de sua conclusão, quando houve uma entrevista coletiva no Ministério do Interior, em março de 1968, para detalhar o que havia sido constatado por Jader e sua equipe. A entrevista teve repercussão internacional, merecendo publicação inclusive em jornais como o New York Times. No entanto, tempos depois da entrevista, o que ocorreu não foi a continuação das investigações, mas a exoneração de funcionários que haviam participado do trabalho. Quem não foi demitido foi trocado de função, numa tentativa de esconder o acontecido. Em 13 de dezembro do mesmo ano o governo militar baixou o Ato Institucional nº 5, restringindo liberdades civis e tornando o regime autoritário mais rígido.
O vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador do Projeto Armazém Memória, Marcelo Zelic, foi quem descobriu o conteúdo do documento até então guardado entre 50 caixas de papelada no Rio de Janeiro. Ele afirma que o Relatório Figueiredo já havia se tornado motivo de preocupação para setores que possivelmente estão envolvidos nas denúncias da época antes de ser achado. “Já tem gente que está tentando desqualificar o relatório, acho que por um forte medo de ele aparecer, as pessoas estão criticando o documento sem ter lido”, acusa.
Suplícios
O contexto desenvolvimentista da época e o ímpeto por um Brasil moderno encontravam entraves nas aldeias. O documento relata que índios eram tratados como animais e sem a menor compaixão. “É espantoso que existe na estrutura administrativa do país repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade. Venderam-se crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. Torturas contra crianças e adultos em monstruosos e lentos suplícios”, lamentava Figueiredo.
Em outro trecho contundente, o relatório cita chacinas no Maranhão, em que “fazendeiros liquidaram toda uma nação”. Uma CPI chegou a ser instaurada em 1968, mas o país jamais julgou os algozes que ceifaram tribos inteiras e culturas milenares. [Fonte]

O Brasil é um crime contra o mercado

 Este post de hoje é meio extenso, mas vale a pena ser lido. Tirei do site da Agência Carta Maior. Não leiam apenas a primeira parte, a segunda também é muito boa, e complementa um post anterior.

O jornal ‘Financial Times’ acumula 125 anos de inoxidável convicção nas virtudes dos livres mercados.

Foi uma das trincheiras ideológicas na construção da hegemonia neoliberal que condicionou a sorte da economia e os destinos da humanidade nas últimas décadas, com os resultados conhecidos que dispensam reiterações.

Ao lado de outra referência no gênero, a também britânica revista ‘The Economist’, o ‘FT’ formaria uma espécie de unidade-mãe no sistema de difusão planetário da lógica das finanças desreguladas e de seus requisitos sociais e institucionais.

Entre eles, o escalpo dos direitos dos trabalhadores .

E sua contrapartida institucional: a asfixia fiscal do Estado, coibindo-o na tributação da riqueza; aprisionando-o na lógica do endividamento; sonegando-lhe o lastro político e econômico para defender a sociedade do assalto dos mercados.

Margareth Tatcher não teria existido como âncora simbólica dessa cosmologia sem as densas emissões da usina de reflexão que disseminou um pensamento, cuja indivisa abrangência mereceu em certo momento o epíteto de ‘único’.

As usinas do jornalismo britânico continuam fiéis aos seus alicerces.

Recentemente deram mostras disso ao fazer eco do conservadorismo brasileiro criticando Mantega. E ironizando Dilma na ‘guerra do tomate’.

Mas há uma diferença entre esse centro emissor e suas repetidoras locais.

Para pior.

Sem deixar de ser o que é, o ‘FT’, através de alguns editores, vem fazendo um streap-tease dos dogmas que ordenaram a pauta da economia nas últimas décadas.

E redundaram na pior crise sistêmica do capitalismo desde 1929.

Um artigo desta semana de um de seus editores, Wolfgang Münchau , sobre a demonização do gasto público, ilustra a disposição de eviscerar certos princípios que implodiram junto com o mercado das sub-primes, em 2008.

No caso das coligadas nacionais, ao contrário.

O apego à pauta velha transmitiria a um leitor desavisado a sensação de que 2008 não existiu no calendário mundial.

A baixa capacidade reflexiva, compensada por pedestre octanagem ideológica, forma o padrão desse dente vulgarizador de traços híbridos.

O Brasil tem um dos jornalismos de economia mais prolíficos do mundo; ao mesmo tempo, um dos menos dotados de discernimento histórico em relação ao seu objeto específico.

Aqui os desafios de um país em desenvolvimento são tratados como crimes contra o mercado.

Aliás, o Brasil é um crime contra o mercado.

Ampliar o poder de compra da população, gerar empregos, expandir o investimento público, erradicar a fome alinham-se na pauta dominante entre os ‘ingredientes da crise’.

Subir juro é aclamado como solução.

Os exemplos se sobrepõem como as folhas de um manual suicida.

A mais recente campanha da mídia local em defesa do choque de juros veio em linha com o recrudescimento das incertezas internacionais.

A Europa deriva , a China ensaia uma mutação para dentro do seu mercado; a convalescença norte-americana dá um passo à frente e outro atrás.

E o Brasil precisa de um choque de juros.

Porque o tomate rendeu um colar a uma senhora chamada Ana Maria Braga numa semana. E despencou de preço na outra.

Num momento em que o principal problema do capitalismo mundial é falta de demanda, o jornalismo especializado transforma em problema o trunfo do mercado interno.

Os mais afoitos, exortam a demissões em massa.

A ordem unida dos tacapes, em 2012, quando o governo não cumpriu a meta cheia do superávit primário --e agora, que o ‘anátema’ ameaça se repetir-- atesta as diferenças de qualidade e discernimento entre a matriz e as repetidoras periféricas do pensamento mercadista.

As distâncias tendem a se aprofundar de forma doentia.

O calendário eleitoral adiciona novos antolhos a uma pauta que se apega cegamente à missão de interditar o debate e vetar as soluções para os desafios de uma nação em desenvolvimento.

A cantilena diuturna contra o investimento público, as obras públicas, os bancos públicos tenta adestrar a opinião da sociedade contra ela mesma.

E por tabela contra um governo que tenta –com as limitações reconhecidas pelo próprio-- recolocar o Estado no seu papel.

O de indutor e planejador de grandes obras nacionais de infraestrutura. Cruciais para redimensionar a escala de uma logística desenhada para 1/3 da sociedade.

A recente reportagem do Fantástico sobre os atrasos e falhas na construção da Ferrovia Norte-Sul enquadra-se nesse esforço de desqualificação ideológica e eleitoral.

Calcula-se (há pareceres do TCU sobre isso) que 2/3 da malha ferroviária brasileira de 28 mil km foi dizimada no processo de privatização dos anos 90.

A informação não abona o inaceitável andamento de alguns projetos vitais ao desenvolvimento do país.

Mas recomenda cautela e foco no debate.

Se o objetivo é buscar alternativas eficientes , não se pode omitir o efeito deletério da privatização no setor.

Os trilhos da pauta dominante não comportam todos os fatos.

Os interditos reiteram um acervo de parâmetros e dogmas que a matriz de difusão original já trata, em alguns casos, como renomada gororoba.

Lixo neoliberal sem comprovação empírica ; não raro, ancorado em fraude, como se verificou na recente desmoralização da dupla ortodoxa Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart .

Campeões da ideologia da austeridade fiscal, a dupla guarneceu suas teses com o rudimentar artifício de eliminar dados incompatíveis com as premissas da demonização do gasto público‘.

Enquanto vozes liberais do ‘Financial Times’ se despem desse entulho, nosso jornalismo fantástico não se libera jamais dos velhos preconceitos.

Aprimora-se na arte fantasiosa de reduzir tudo o que não é mercado a um desastre de proporções ferroviárias.

Wolfgang Münchau , editor do ‘FT’, decididamente está longe de ser um sujeito antimercado.

Mas sobreviveria com suas ideias como repórter em qualquer uma das nossas vigilantes editorias de crimes contra o mercado?

Confira, abaixo.


Os perigos das teorias frágeis

Wolfgang Münchau

‘Financial Times’


John Kenneth Galbraith rebaixou, celebremente, seu colega economista Milton Friedman ao dizer: "O azar de Milton foi que as suas políticas foram experimentadas".

A mesma observação pode ser feita sobre Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff. Na Europa, em especial, autoridades pró-austeridade colocaram em prática políticas econômicas baseadas em suas análises, com consequências catastróficas, tanto humanas como econômicas. A tragédia dos dois economistas de Harvard não foi o mau uso das planilhas do Microso’FT’ Excel, mas o mau uso do Microso’FT’ PowerPoint. Eles exageraram seus resultados. Ao fazê-lo, seguiram a regra de ouro do jornalismo de tabloide: simplificar e, então, exagerar.

Desde a publicação em 2011 de seu livro "Oito Séculos de Delírios Financeiros - Desta Vez É Diferente", que foi sucesso de vendas, e desde suas pesquisas subsequentes sobre a relação entre endividamento e crescimento, os professores não deixaram dúvidas: acreditam que os dados mostram haver um limite de endividamento de 90% do Produto Interno Bruto (PIB), a partir do qual o crescimento econômico decai rapidamente. Muitas autoridades interpretaram essa regra como uma convocação para reduzir as dívidas abaixo desse patamar, em nome do crescimento. Os professores Reinhart e Rogoff, portanto, tornaram-se a madrinha e padrinho intelectuais da austeridade.

A tese de que uma dívida acima de 90% do PIB inibe o crescimento embute dois mitos, o do limite e o da causalidade. Pesquisadores de Massachusetts mostraram que dados corrigidos revelam uma relação negativa moderada entre crescimento e dívida

Para vermos a enorme influência deles nos debates europeus, vale a pena citar uma parte do discurso de Olli Rehn, chefe econômico da Comissão Europeia, ao Conselho de Relações Exteriores, em junho de 2011: "Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff cunharam a "regra dos 90%"", disse. "Ou seja, os países com dívida pública superior a 90% de sua produção econômica anual crescem de forma mais lenta. Altos níveis de endividamento podem tirar espaço do dinamismo empresarial e da atividade econômica e, portanto, dificultar o crescimento. Essa conclusão é particularmente relevante em um momento em que os níveis da dívida na Europa estão agora se aproximando do limite de 90%, que os EUA já ultrapassou."

É de se presumir que Rehn não leu os estudos originais, mais ambivalentes em suas conclusões, como costumam ser os estudos acadêmicos. Autoridades, como Rhen, estão sempre atentas ao surgimento de teorias que sejam plausíveis e estejam em linha com suas principais crenças. Na Europa, a maioria das autoridades não tem muito contato com macroeconomistas com enfoques inovadores. Claramente, a maioria das autoridades acha contrário à lógica um cenário em que governos gastem dinheiro em recessões. É algo que vai contra sua própria experiência, em especial, quando são de países da Europa Setentrional.

Elas podem ter lido a história da Grande Depressão, mas ainda assim acham que a resposta keynesiana é menos plausível do que a austeridade pró-cíclica. Então, para os responsáveis por políticas conservadoras, quando dois dos economistas mais respeitados do mundo aparecem dizendo-lhes que sua intuição sempre esteve certa, isso representa o melhor dos mundos. Surgia, finalmente, a mensagem que eles sempre quiseram ouvir.

A tese de Reinhart e Rogoff, da forma como as autoridades a compreendem, incorpora dois mitos separados. O primeiro é o da existência de um limite de 90%. O segundo é o da causalidade. O primeiro foi desacreditado na semana passada por Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin, pesquisadores da University of Massachusetts Amherst. Seus dados, corrigidos, mostram uma relação negativa bastante moderada entre crescimento e dívida. Economistas sempre vão brigar sobre abordagens estatísticas, por exemplo, se é mais aconselhável usar a média ou a mediana e outras questões do tipo. Ainda assim, não importa por qual ângulo se olhe, não há uma quebra estrutural na marca dos 90%. Não há quebra estrutural em nenhuma marca.

Isso é imensamente importante para a discussão de políticas econômicas. Desmonta a noção dos 90% como um número mágico - com o qual as autoridades europeias estão agora obcecadas, da mesma forma como costumavam estar com déficits orçamentários anuais que não excedessem os 3% do PIB, algo para o que não havia base teórica.

A redução de todo o quadro a um simples número foi acompanhada por um exagero sobre o impacto. A relação causal podia seguir a direção do alto endividamento rumo ao baixo crescimento, como sugerem os autores; ou o caminho contrário; ou em ambas as direções. Ou a relação pode ser enganosa. Ou algo completamente diferente pode ser a causa de ambos. Se a causalidade seguir o caminho contrário, a história é muito menos entusiasmante para quem propagandeia políticas econômicas. Também seria possível dizer: as pessoas são pobres porque não têm dinheiro. Se o seu crescimento é negativo, sua taxa de endividamento sobe pelo simples motivo que ela é expressa em relação ao PIB nominal.

As estatísticas não podem dizer o que causa o quê. Para isso é preciso uma teoria. Macroeconomistas, no entanto, não têm uma teoria sobre o nível ideal de endividamento. A única resposta conhecida é que isso depende - das taxas de juros reais, do crescimento, do tipo de economia, do regime cambial e de muitos outros fatores.

Diferentemente dos professores Reinhart e Rogoff, Friedman tinha uma teoria quando impulsionou o monetarismo no fim dos anos 1960 e nos anos 1970. Não havia erros de datilografia no equivalente às planilhas de Excel dos anos 1960. Ele tinha evidências empíricas sólidas. A teoria posteriormente falhou, mas é possível entender por quais motivos os presidentes de bancos centrais haviam comprado a ideia na época. A regra dos 90%, em comparação, é inacreditavelmente frágil. E mesmo já tendo sido refutada, vai continuar a direcionar o debate político por algum tempo.

Quanto aos professores Reinhart e Rogoff, suspeito que eles, também, vão ser lembrados principalmente pelo fato de que suas políticas econômicas foram experimentadas.


quarta-feira, 24 de abril de 2013

DESISTI DE SER PROFESSOR DO ESTADO

Vale a pena ler e confrontar com as propagandas do gov Anastasia sobre educação em MG



Vejam que importante denúncia faz o nosso querido Prof. Juvenal, mestre em sociologia pela Universidade de Coimbra e morador do Morro do Papagaio.
Fábio Santos
DESISTI DE SER PROFESSOR DO ESTADO
Hoje tive o dia mais triste como professor. Não estou me referindo a nenhuma indisciplina ou necessariamente a baixo rendimento escolar de meus alunos. SOLICITEI A MINHA DISPENSA NA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE MINAS GERAIS e fui surpreendido pelos meus alunos.
Como sou muito exigente, muitas vezes coloco fardos pesados sobre meus alunos. Acreditava que a minha saída na transição dos bimestres seria encarada apenas como mais uma das tantas mudanças corriqueiras que ocorrem na Escola. Estava enganado. Fui surpreendido pelo choro mais desolador que já vi em toda a minha vida. Minha maior tristeza foi pensar que eu poderia ser responsável por esse choro. Jamais pensei que meus ALUNOS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE MINAS GERAIS fossem chorar por minha saída. Preocupado com o que eu diria para eles como motivo, preferi a verdade. ESTOU SAINDO PORQUE NÃO CONSIGO ME SUSTENTAR NA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE MINAS GERAIS. Como são crianças, muitas não entenderam o que eu queria dizer e me responderam novamente com o choro mais desolador que já vi ou causei em toda a minha vida. “PROFESSOR NÃO NOS ABANDONE”! A criança não entende a opção que nós professores fazemos quando abandonamos a sala de aula. Uma de minhas alunas gritou: “Vou me mudar para a escola onde o senhor vai continuar como professor”. Nessa hora engasguei o choro e me perguntei como poderia ser isso? Se a maioria de nós no Brasil e na REDE PÚBLICA ESTADUAL DE MINAS GERAIS não dispomos de recursos para bancar o ensino privado. Algumas crianças se puseram na porta e tentavam impedir minha saída, sem palavras e assustado com o choro e o pedido de que não as “abandonasse”, restou-me recolher na solidão de meu objetivo racional e deixar a sala com crianças chorosas como nunca vi a se despedirem com o olhar que jamais esquecerei, do professor que NÃO CONSEGUIU SE SUSTENTAR NA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE MINAS GERAIS.
Eu poderia recolher-me na vaidade, em pensar que sou um bom professor e que vou conseguir o melhor para mim. Entretanto, sei que hoje a exemplo do que ocorreu comigo, DEZENAS DE OUTROS PROFESSORES DEIXARAM A REDE PÚBLICA ESTADUAL DE MINAS GERAIS POR NÃO CONSEGUIREM SE SUSTENTAR, ASSIM COMO TAMBÉM DEZENAS DE CRIANÇAS CHORARAM AO SE DESPEDIREM DE SEUS PROFESSORES. Resta-me na revolta implorar a todos os mineiros e brasileiros que lerem essa carta. PELO AMOR DE DEUS! NÃO ACREDITEM NA EDUCAÇÃO FAZ DE CONTA DO GOVERNO DE MINAS GERAIS. O ESTADO FAZ DE CONTA QUE REMUNERA SEUS PROFESSORES, PROFESSORES INFELIZMENTE FAZEM DE CONTA QUE ENSINAM, ALUNOS FAZEM DE CONTA QUE APRENDEM E ATORES GLOBAIS FAZEM DE CONTA QUE FALAM DA MELHOR EDUCAÇÃO DO PAÍS. O episódio dessa carta ocorreu NO DIA 18 DE ABRIL DE 2013 NA ESCOLA ESTADUAL BARÃO DO RIO BRANCO EM BELO HORIZONTE. Infelizmente ocorreu também em dezenas de Escolas do Estado de Minas Gerais. ENQUANTO O GOVERNO DE MINAS PAGA MILHARES DE REIAIS A ATORES GLOBAIS PARA MENTIREM SOBRE A EDUCAÇÃO NO HORÁRIO NOBRE, NOSSAS CRIANÇAS CHORAM OS SEUS PROFESSORES QUE ESTÃO SAINDO PORQUE NÃO CONSEGUEM MAIS SE SUSTENTAR NO ESTADO.
Prof. Juvenal Lima Gomes
EX-PROFESSOR DA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE MINAS GERAIS

terça-feira, 23 de abril de 2013

Máfia dos Transplantes: outro caso estarrecedor e um elo político

Noticias pouco divulgadas. As demais revistas semanais não falam nada quando há tucanos envolvidos...

Analista de sistemas brasileiro luta, do exterior, para esclarecer morte do filho, que teve órgãos retirados. Deputado mineiro pode estar envolvido 
Por Leandro Fortes, em CartaCapital
Sozinho, escondido em Londres, na Inglaterra, depois de ter conseguido asilo humanitário na Itália, em 2008, o analista de sistemas Paulo Pavesi se transformou no exército de um só homem contra a impunidade dos médicos-monstros que, em 2000, assassinaram seu filho para lhe retirar os rins, o fígado e as córneas.
Paulo Veronesi Pavesi, então com 10 anos de idade, caiu de um brinquedo no prédio onde morava, e foi levado para a Irmandade Santa Casa de Poços de Caldas, no sul de Minas, onde foi atendido pelo médico Alvaro Inhaez que, como se descobriu mais tarde, era o chefe de uma central clandestina de retirada de órgãos humanos disfarçada de ONG, a MG Sul Transplantes. Paulinho foi sedado e teve os órgãos retirados quando ainda estava vivo, no melhor estilo do médico nazista Josef Mengele.
Na edição desta semana de CartaCapital, publiquei uma reportagem sobre o envolvimento do deputado estadual Carlos Mosconi (PSDB) com a chamada “Máfia dos Transplantes” da Irmandade Santa Casa de Poços de Caldas.
Mosconi, eleito no início do ano, pela quarta vez consecutiva, presidente da Comissão de Saúde (!) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, foi assessor especial do senador Aécio Neves (PSDB-MG), quando este era governador do estado. Aécio o nomeou, em 2003, presidente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMG), à qual a MG Sul Transplantes, idealizada por Mosconi e outros quatro médicos ligados á máfia dos transplantes, era subordinada.
As poucas notícias que são veiculadas sobre o caso, à exceção da matéria de minha autoria publicada esta semana, jamais citam o nome de Carlos Mosconi. Em Minas Gerais, como se sabe, a imprensa é controlada pela mão de ferro do PSDB. Nada se noticia de ruim sobre os tucanos, nem quando se trata de assassinato a sangue frio de uma criança de 10 anos que teve as córneas arrancadas quando ainda vivia para que fossem vendidas, no mercado negro, por 1,2 mil reais. Nada.
Esse silêncio, aliado à leniência da polícia e do judiciário mineiro, é fonte permanente da dor de Paulo Pavesi. Mas Pavesi não se cala. De seu exílio inglês, ele nos lembra, todos os dias, que somos uma sociedade arcaica e perversa ao ponto de proteger assassinos por questões políticas paroquiais.
Como sempre, a velha mídia nacional, sem falar na amordaçada mídia mineira, não deu repercussão alguma à CartaCapital, como se isso tivesse alguma importância nesses tempos de blogosfera e redes sociais.
Pela internet, o Brasil e o mundo foram apresentados ao juiz Narciso Alvarenga de Castro, da 1ª Vara Criminal de Poços de Caldas. Em de 19 de fevereiro desse ano, ele condenou quatro médicos-monstros envolvidos na máfia: João Alberto Brandão, Celso Scafi, Cláudio Fernandes e Alexandre Zincone. Eles foram condenados pela morte de um trabalhador rural, João Domingos de Carvalho.
Internado por sete dias na enfermaria da Santa Casa, entre 11 e 17 de abril de 2001, Carvalho, assim como Paulinho, foi dado como morto quando estava sedado e teve os rins, as córneas e o fígado retirados por Cláudio Fernandes e Celso Scafi. Outros sete casos semelhantes foram levantados pela Polícia Federal na Santa Casa.
Todos os condenados são ligados à MG Sul Transplantes. Scafi, além de tudo, era sócio de Mosconi em uma clínica de Poços de Caldas, base eleitoral do deputado. A quadrilha realizava os transplantes na Santa Casa, o que garantia, além do dinheiro tomado dos beneficiários da lista, recursos do SUS para o hospital. O delegado Célio Jacinto, responsável pelas investigações da PF, revelou a existência de uma carta do parlamentar na qual ele solicita ao amigo Ianhez o fornecimento de um rim para atender ao pedido do prefeito de Campanha (MG). A carta, disse o delegado, foi apreendida entre os documentos de Ianhez, mas desapareceu misteriosamente do inquérito sob custódia do Ministério Público Estadual de Minas Gerais.
Ontem, veio o troco.
A Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) suspendeu as audiências que aconteceriam de hoje, 17 de abril, até sexta-feira, 19 de abril, para se iniciar, finalmente, o julgamento do caso de Paulinho. Neste processo, estão sendo julgados, novamente, Cláudio Fernandes e Celso Scafi, além de outros acusado, Sérgio Poli Gaspar.
De acordo com a assessoria do TJMG, o cancelamento se deu por conta de uma medida de “exceção de suspeição” contra o juiz Narciso de Castro impetrada pelo escritório Kalil e Horta Advogados, que defende Fernandes e Scafi. A defesa da dupla, já condenada a penas de 8 a 11 anos de cadeia, argumenta que o juiz teria perdido a “necessária isenção e imparcialidade” para apreciar o Caso Pavesi.
Ou seja, querem trocar o juiz, justo agora que o nome do deputado Carlos Mosconi veio à tona.
Eu, sinceramente, ainda espero que haja juízes – e jornalistas – em Minas Gerais para denunciar esse acinte à humanidade de Paulo Pavesi que, no fim das contas, é a humanidade de todos nós.

[Leia a seguir a carta-resposta do deputado estadual Carlos Mosconi (PSDB-MG) e a tréplica do jornalista Leandro Fortes]
Resposta do deputado estadual mineiro Carlos Mosconi (PSDB) sobre a matéria Um Feliciano piorado na Assembleia mineira, publicada na edição 744 de CartaCapital.
Em resposta à matéria “Um Feliciano piorado na Assembleia mineira”, publicada na revista Carta Capital da semana passada (nº744), a assessoria de comunicação do deputado estadual mineiro Carlos Mosconi esclarece que este não foi réu, processado ou sequer investigado em nenhum procedimento relativo ao tema tratado na matéria. Mosconi foi apenas testemunha de defesa dos médicos citados no processo, acreditando na inocência dos mesmos, tendo a convicção que a justiça será feita.
Realmente, o deputado Carlos Mosconi é pela 4ª vez presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Anteriormente, foi quatro vezes deputado federal, duas vezes presidente da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, relator da Saúde na Assembleia Nacional Constituinte, onde se criou o SUS.
Foi secretário de Saúde do Distrito Federal. Também foi presidente do Inamps, no governo Itamar Franco, quando propôs e conseguiu sua extinção para prevalecer o SUS. Na mesma época, exerceu a função de Secretário Nacional de Assistência à Saúde.
Em Minas, presidiu a Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig). Como professor universitário, lecionou na Faculdade de Medicina de Itajubá e na Escola de Medicina da Unifenas. O deputado Carlos Mosconi é médico urologista, com especialização no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
Mosconi é o autor da Emenda Constitucional 29, que prevê maior aporte de recurso para a saúde. Durante sua atividade na Câmara Federal, o deputado Mosconi participou ativamente, como autor ou relator, da elaboração das leis de transplantes no Brasil, sendo de sua autoria o parágrafo 4º do artigo 199 da Constituição Federal, que proíbe a comercialização de órgãos no Brasil.
Quando presidente do Inamps, participou da regulamentação e credenciamento de diversos serviços de transplantes no país, como, por exemplo, o serviço de transplante cardíaco do professor Zerbini, o mais notável da época.
Respondendo especificamente as questões apontadas pela matéria, o deputado Mosconi informa que o serviço de transplante de Poços de Caldas nunca foi uma ONG, mas, sim, um serviço oficial e credenciado pelo Ministério da Saúde e pelo MG Transplantes – órgão regulador de transplante no Estado mineiro -, assim como todos os outros serviços de transplantes de Minas Gerais. Os procedimentos eram pagos regularmente pelo Ministério da Saúde, mostrando que o serviço era oficial, e não clandestino.
Quanto à alegação da revista sobre a suposta solicitação de um rim para um amigo do prefeito de Campanha, além da carta não ter sido apresentada em momento algum, a sentença não informa se o documento seria de autoria do prefeito ou do próprio deputado Mosconi.
O doutor Celso Scafi, urologista da Unicamp, nunca foi sócio de Mosconi. Tendo ido trabalhar em Poços de Caldas, ele passou a usar o antigo consultório do deputado, quando este deixou o exercício da medicina, nos anos 90.
Ao contrário do que disse a revista, a organização de uma lista de receptores de rins era regional, com supervisão do MG Transplantes, e, todos os transplantes eram realizados pelo SUS, sem recebimento de qualquer tipo de honorários além desses, e não tendo ocorrido nenhuma denúncia de pagamento ilícito. Isso demonstra, com clareza, a inexistência de tráfico de órgãos.
Os 204 transplantes realizados em Poços foram auditados pelo Ministério da Saúde, Polícia Federal e Ministério Público, sendo que nove foram objeto de investigação, como os casos do menino Paulo Pavesi e do trabalhador rural João Domingos. Como consta nos autos, não há nenhum envolvimento médico ou administrativo de Mosconi nesses episódios. Nessa época, o deputado não mais exercia a medicina.
Na CPI dos Transplantes, realizada em 2004, na Câmara dos Deputados, o deputado Carlos Mosconi não foi, em nenhum momento, convocado, seja como depoente, testemunha ou acusado.
Realmente, Mosconi foi presidente do Conselho Curador da Santa Casa de Poços de Caldas, em 2003 e 2004, quando o serviço de transplante não mais existia naquela instituição.
E finalmente, o registro de criação do serviço de Transplantes em Poços de Caldas, publicado no Jornal Brasileiro de Transplantes (volume 1, número 4), mostra a legalidade e a transparência do processo, afastando, definitivamente, qualquer tipo de suspeita de clandestinidade.
Diante do exposto, o deputado Carlos Mosconi espera ter esclarecido os fatos. Mas também manifesta sua profunda indignação pelo injusto envolvimento de seu nome nesta lamentável situação, que visa denegrir sua imagem conquistada por mais de 30 anos de dedicação e trabalho em benefício da saúde do povo brasileiro.
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Réplica do repórter Leandro Fortes:
Sobre a carta enviada pela assessoria de imprensa do deputado estadual Carlos Mosconi (PSDB-MG), referente à reportagem de minha autoria publicada em CartaCapital, tenho a dizer o seguinte, por partes:
1) A assessora de imprensa Janaína Massote afirma que “a reportagem da revista não ouviu a opinião do deputado Mosconi sobre o assunto, resumindo-se a colocar que, até o fechamento da matéria, a assessoria de comunicação do deputado não tinha se pronunciado”.
- Como ela deve ser jornalista, sabe que a revista não fez um resumo, reportou um fato. Em 9 de abril, eu enviei um e-mail para o deputado (dep.carlos.mosconi@almg.gov.br), solicitando uma entrevista. Não houve resposta. No dia 10, falei com Janaína por telefone, expliquei qual era a pauta e pedi, então, para falar com Carlos Mosconi. Ela me informou que ambos, a assessora e o deputado, estavam em vias de embarcar de Brasília para Belo Horizonte, razão pela qual ela iria me telefonar no dia seguinte para que eu pudesse falar com o parlamentar. Ainda assim, combinamos que eu iria enviar um novo e-mail, desta feita ao endereço eletrônico da assessoria (imprensa.dep.mosconi@gmail.com) para formalizar o pedido, o que foi feito. Janaína nem respondeu ao e-mail, nem muito menos me ligou de volta. Então, como fiz publicar, até o fechamento da matéria, o deputado não havia se pronunciado sobre o assunto. Não é difícil imaginar o porquê.
2) Adiante, Janaína escreve: “Mosconi foi apenas testemunha de defesa (grifo da assessora) dos médicos citados no processo, acreditando na inocência dos mesmos, tendo a convicção que a justiça será feita”.
– Ou seja, foi testemunha de defesa de um grupo de médicos acusados e, posteriormente, condenados por arrancar órgãos de seres humanos ainda vivos. Não consigo entender de como isso possa ser um contra-argumento de defesa à minha matéria.
3) Janaína garante, em nome do deputado, que “o doutor Celso Scafi, urologista da Unicamp, nunca foi sócio de Mosconi. Tendo ido trabalhar em Poços de Caldas, ele passou a usar o antigo consultório do deputado, quando este deixou o exercício da medicina, nos anos 90”.
- Ouçamos o que diz o juiz Narciso de Castro, da 1ª Vara Criminal de Poços de Caldas, nos autos:
“Consta ainda que todos eram vizinhos de sala: a clínica NEPHROS, de IANHEZ, a Central ‘MG-Sul Transplantes’ dirigida por ele, a entidade PRO RIM –funcionariam na mesma sala ou andar o consultório de MOSCONI e CELSO SCAFI (grifo do repórter), todas localizadas no prédio em frente à SANTA CASA (esta localizada na Praça Francisco Escobar s/n), que custearia o aluguel da Central clandestina, conforme auditoria constante no Processo : 0518.10.018719-5/Anexo VII do Relatório da CPI”.
4) Logo depois, sobre a central clandestina MG Sul Transplantes: “O deputado Mosconi informa que o serviço de transplante de Poços de Caldas nunca foi uma ONG, mas, sim, um serviço oficial e credenciado pelo Ministério da Saúde e pelo MG Transplantes – órgão regulador de transplante no Estado mineiro -, assim como todos os outros serviços de transplantes de Minas Gerais. Os procedimentos eram pagos regularmente pelo Ministério da Saúde, mostrando que o serviço era oficial, e não clandestino”.
– Reproduzo, aqui, trecho escrito pelo juiz Narciso Alvarenga de Castro retirado do Processo 0518.10.018719-5, da 1ª Vara Criminal de Poços de Caldas, referente a ação de autoria do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, tendo como réus Félix Herman Gamarra Alcantara; Alexandre Crispino Zincone; Gérsio Zincone; Cláudio Rogério Carneiro Fernandes; Celso Roberto Frasson Scafi e João Alberto Goes Brandão:
“A ONG (grifo do repórter) ‘MG SUL Transplantes foi criada em 1991, conforme artigo veiculado no Jornal Brasileiro de Transplantes, vol. 1, n.4: “Autores A.Ianhez, C.R.C Fernandes, C.E.V.Mosconi, S.Zenun,
M.M.R.Bertozzi, J.A.C.Brandão, S.V.Vargas, C.F.Scafi Irmandade da Santa Casa Objetivos: Mostrar o trabalho realizado no serviço, em conjunto com hospitais da região do sul de Minas, que facilitou a captação de órgãos e a realização de transplantes renais e de córneas, viabilizando a regionalização destes serviços e, em consequência, a formação do MG SUL TRANSPLANTES, que há 8 anos vem funcionando como uma ONG (organização não governamental) (grifo do repórter).(…)’. Curiosamente, a maioria dos
autores viraria investigado ou réu…”
Logo, se o juiz que condenou os médicos diz que a MG Sul Transplantes é uma ONG, não serei eu a dizer o contrário.
5) Continua a assessora: “Os 204 transplantes realizados em Poços foram auditados pelo Ministério da Saúde, Polícia Federal e Ministério Público, sendo que nove foram objeto de investigação, como os casos do menino Paulo Pavesi e do trabalhador rural João Domingos. Como consta nos autos, não há nenhum envolvimento médico ou administrativo de Mosconi nesses episódios. Nessa época, o deputado não mais exercia a medicina”.
- Eu nunca escrevi que havia participação de Mosconi nesses episódios, não sei de onde a assessora tirou isso. Escrevi, isso sim, que o deputado tem ligação pessoal e profissional com todos os envolvidos, além de ser idealizador da ONG que era a central clandestina de captação e distribuição de órgãos retirados de pessoas ainda vivas. O que, convenhamos, não é pouca coisa.
6) Na mesma linha, diz Janaína: “Na CPI dos Transplantes, realizada em 2004, na Câmara dos Deputados, o deputado Carlos Mosconi não foi, em nenhum momento, convocado, seja como depoente, testemunha ou acusado”.
- Ela deve ter lido outra matéria, porque, na minha, também nada falei sobre Mosconi ter sido convocado a depor na CPI do Tráfico de Órgãos (“dos Transplantes” é tucanização explícita). Quem depôs na CPI foi o delegado Célio Jacinto, responsável pelas investigações da Polícia Federal, que revelou a existência de uma carta do parlamentar na qual ele solicita ao amigo Alvaro Ianhez, médico da Santa Casa, o fornecimento de um rim para atender ao pedido do prefeito de Campanha (MG). A carta, disse o delegado na CPI, foi apreendida entre os documentos de Ianhez, mas desapareceu misteriosamente do inquérito sob custódia do Ministério Público Estadual de Minas Gerais.
7) Por falar nisso, emenda a assessora: “Quanto à alegação da revista sobre a suposta solicitação de um rim para um amigo do prefeito de Campanha, além da carta não ter sido apresentada em momento algum, a sentença não informa se o documento seria de autoria do prefeito ou do próprio deputado Mosconi”.
- É o caso de ler, outra vez, o depoimento acima, do delegado Célio Jacinto, na qual ele explicita: “uma carta do parlamentar na qual ele solicita ao amigo Alvaro Ianhez, médico da Santa Casa, o fornecimento de um rim para atender ao pedido do prefeito de Campanha (MG)”. É exatamente isso que está nos autos que, creio, Janaína não leu. Para ajudá-la, reproduzo as exatas palavras do juiz Narciso de Castro, no processo, com base nas notas taquigráficas da CPI do Tráfico de Órgãos:
“Para finalizar este contexto fático/histórico, vale o registro (constante do relatório da CPI, em anexo):
Dep. Neucimar Fraga perguntou ao Delegado da Polícia Federal CÉLIO JACINTO: “Queria que o senhor apenas confirmasse: é verdade que existe uma carta do DEPUTADO MOSCONI solicitando a ALVARO IANHEZ o fornecimento de um rim para um amigo do Prefeito de Campanha/MG?
Delegado: Existe. Foi apreendida uma carta, eu não sei precisar se no escritório do Dr. ALVARO, em sua casa ou na central. (…)”
Ou seja, não há um único erro de informação na matéria publicada por CartaCapital, nem nada que não tenha sido retirado de documentos oficiais relativos ao processo em curso na 1ª Vara Criminal de Poços de Caldas e à CPI do Tráfico de Órgãos.
A “versão” apresentada pela assessoria de Carlos Mosconi é uma tentativa débil de neutralizar a força dos fatos.