Sempre achei estranho o nosso STF se ocupar de tantas atribuições quando ele deveria ter, como meta fundamental, a guarda da Constituição. Vejo hoje no blog DoLaDoDeLa, esta matéria em que o renomado jurista mostra como se pode mudar e agilizar a nossa justiça. A única coisa que considerei discutível foi a necessidade de o Congresso ter de aprovar os nomes dos juízes. Por que não deixar que essa escolha seja feita pelo CNJ, MP e OAB?
Deixar o Executivo ou o Legislativo aprovarem nomes sempre traz o risco de vermos raposas sendo nomeadas para tomar conta dos galinheiros, tanto no nível federal, quanto no municipal e estadual.
Com
exceção dos profissionais do foro, ninguém mais se interessa neste País
pela atuação dos magistrados. No teatro político, eles não costumam
subir ao palco, e quando o fazem, infelizmente nem sempre é para exercer
o papel de juízes, mas algumas vezes de réus. Acontece que, sem um
Judiciário independente e eficaz não existe adequado controle do poder
e, por conseguinte, efetiva garantia de respeito aos direitos humanos.
Tomemos,
por exemplo, o caso da Corte de Justiça situada no topo da pirâmide: o
Supremo Tribunal Federal. Seu funcionamento deixa muito a desejar, por
duas razões principais: sua composição e a natureza de suas atribuições.
Os defeitos de composição do Supremo Tribunal Federal
Em
todas as nossas Constituições republicanas, segundo o modelo
norte-americano, determinou-se a nomeação dos Ministros do Supremo
Tribunal Federal pelo Presidente da República, com aprovação do Senado
Federal.
Nos
Estados Unidos, esse controle senatorial funciona adequadamente, já
tendo havido a desaprovação de doze pessoas indicadas pelo Chefe de
Estado para a Suprema Corte. Algumas vezes, quando o Presidente dos
Estados Unidos percebe que a pessoa por ele escolhida não será aprovada
pelo Senado, retira a indicação. Assim procedeu o Presidente George W.
Bush em 2006, quanto à indicação à Suprema Corte de Harriet Miers,
conselheira da Casa Branca.
No
Brasil, ao contrário, até hoje o Senado somente rejeitou uma nomeação
para o Supremo Tribunal Federal. O fato insólito ocorreu no período
conturbado do início da República, quando as arbitrárias intervenções
decretadas por Floriano Peixoto em vários Estados suscitaram o
acolhimento, pelo Supremo Tribunal, da doutrina extensiva do habeas-corpus,
sustentada por Rui Barbosa. Os líderes oposicionistas, nos Estados sob
intervenção federal, puderam assim escapar da prisão. Furioso, Floriano
resolveu então nomear para preencher uma vaga no Supremo o Dr. Barata
Ribeiro, que era seu médico pessoal. Literalmente, não houve violação do
texto constitucional, pois a Carta de 1891 exigia que os cidadãos
nomeados para o Supremo Tribunal Federal tivessem “notável saber e
reputação”; o que ninguém podia negar ao Dr. Barata Ribeiro. Foi somente
pela Emenda Constitucional de 1926, e em razão daquele episódio, que se
resolveu acrescentar o adjetivo “jurídico” à expressão “notável saber”.
Mas
essa qualificação aditiva em nada mudou a prática das nomeações para o
Tribunal. Como gostava de contar o grande advogado Evandro Lins e Silva,
quando Getúlio nomeou para o Supremo o presidente do infame tribunal de
segurança nacional, o escrivão daquele pretório anunciou, em alto e bom
som, que era candidato à próxima vaga na mais alta Corte de Justiça do
País; pois, dizia ele, “reputação ilibada ninguém me nega, e notável
saber jurídico vem no decreto de nomeação”...
Ora,
o que se vem assistindo ultimamente, de forma constrangedora, é uma
frenética corrida ao Palácio do Planalto de candidatos ao Supremo
Tribunal, na esperança de serem escolhidos pelo Presidente da República.
Há até, como se sabe, quem repita a tentativa várias vezes, após
sucessivas “bolas na trave”.
O excesso de atribuições
A
Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Supremo Tribunal Federal, como
seu objetivo precípuo, “a guarda da Constituição” (art. 102). Mas a
consecução dessa finalidade maior é simplesmente obliterada pelo acúmulo
de atribuições daquela Corte (aquilo que os juristas denominam
“competência”), para julgar processos de puro interesse individual ou de
grupos privados.
Segundo
informa a Secretaria do Supremo Tribunal Federal, há atualmente em
andamento naquela Corte mais de 68.000 processos. O que perfaz,
abstratamente, a média aproximada de mais de 6.000 por Ministro. Tal
significa na prática que, tirante alguns casos especiais, os processos
levam em média uma dezena de anos para serem julgados.
Esboço de solução
O
que fazer, então? Certamente, não podemos nos resignar a “tocar um
tango argentino”, como sugeriu um poema de Manuel Bandeira; muito embora
a situação judiciária no país vizinho pareça bem melhor do que a nossa.
Eis porque proponho a transformação do atual Supremo Tribunal Federal em uma Corte Constitucional.
Ela
seria composta de 15 Ministros, nomeados pelo Presidente do Congresso
Nacional, após aprovação de seus nomes pela maioria absoluta dos membros
da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a partir de listas
tríplices de candidatos oriundos da magistratura, do Ministério Público e
da advocacia. Tais listas seriam elaboradas, respectivamente, pelo
Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e
o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Transitoriamente,
os atuais Ministros do Supremo Tribunal Federal passariam a compor a
Corte Constitucional, com o acréscimo de mais quatro novos membros,
nomeados como indicado acima.
O
novo sistema de nomeação tornaria muito difícil, senão impossível, o
exercício com êxito de alguma atividade lobista; além de estabelecer, já
de início, uma seleção de candidatos segundo um presumível saber
jurídico.
A
competência da Corte Constitucional seria limitada às causas que
dissessem respeito diretamente à interpretação e aplicação da
Constituição, transferindo-se todas as demais à competência do Superior
Tribunal de Justiça.
Este
último passaria a ter uma composição semelhante à da Corte
Constitucional, mas contaria doravante com um mínimo de 60 Ministros; ou
seja, quase o dobro do fixado atualmente na Constituição.
Bem
sei que esta proposta, se oficializada, suscitará, segundo nossa
inveterada tradição anti-republicana, a resistência de todos aqueles que
só cuidam de proteger seus interesses próprios, virando as costas ao
bem comum. Mas o essencial é pôr desde logo o dedo na ferida e exigir o
indispensável tratamento terapêutico.
***Fábio
Konder Comparato, nascido em Santos, no dia 8 de outubro de 1936, é
advogado, escritor e jurista brasileiro, formado pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo. Professor titular aposentado da
Faculdade de Direito da USP, onde também recebeu o título de Professor
Emérito, em 2009. Doutor em Direito pela Universidade de Paris e doutor
Honoris Causa da Universidade de Coimbra. Especializou-se inicialmente
em Direito comercial, tendo publicado O Poder de Controle na Sociedade
Anônima. Em 2005, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, prêmio
entregue pela ONG brasileira Grupo Tortura Nunca Mais a todos aqueles
que tal ONG consideram ter se destacado na luta pelos Direitos Humanos.
Publicou, entre outros livros, Para viver a democracia e um projeto de
Constituição para o Brasil, intitulado Muda Brasil.
http://www.reformapolitica.org.br/component/content/article/26-em-destaque/781-o-jurista-fabio-konder-comparato-propoe-pec-para-mudar-o-stf-e-stj.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário