No livro de Machado de Assis, “Dom
Casmurro”, Bento Santiago (Bentinho) se dispõe a narrar a história de sua vida.
Trata-se de um homem aos 60 anos de idade. O espaço dedicado à infância é
bastante limitado. Diz apenas que morava no interior e que foi para o Rio de
Janeiro, aos 2 anos de idade, quando o pai foi eleito deputado. A sua biografia
focaliza a adolescência, momento que passa a se interessar pelo relacionamento
com a jovem Capitu, a vizinha que viria a ser o grande amor de sua vida. Capitu
é uma garota bela, inteligente e possui um extraordinário poder de sedução,
manifesto em seus “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, capazes de atrair
como a ressaca do mar.
Com a morte do pai, Bentinho vive sob a
proteção da mãe, a viúva D. Glória, que sendo muito rica, mantém sob sua
dependência um grupo de parentes: o irmão Cosme, a prima Justina e o agregado
José Dias. É nessa casa de velhos viúvos que Bentinho cresce. Depois da perda
do primeiro filho, D. Glória jurou que o segundo seria padre. O juramento
transformou-se em angústia e prenúncio de separação do filho único. O namoro
com Capitu reforça no menino a falta de vocação, mas ele acaba por obedecer ao
desejo materno e entra para um seminário.
No seminário, Bentinho e Escobar se
tornam amigos. Juntos, os jovens conseguem convencer os pais a retirá-los do
seminário. Com isso, Bentinho se forma em Direito e se casa com Capitu,
enquanto a melhor amiga desta, Sancha, acaba por casar-se com Escobar. A
felicidade de Bentinho se completa com o nascimento de Ezequiel, seu filho, que
vem fazer companhia a Capituzinha, filha do casal amigo.
Quando tudo corria bem, sem maiores
acidentes, ocorreu um imprevisto que acabou mudando o rumo do grupo de amigos: Escobar
morre afogado. Durante o velório, Bentinho percebe no comportamento da esposa
marcas de um adultério que ele, até ali, não tinha suspeitado. A partir
desse momento, outros indícios se juntam ao primeiro. O maior deles é a grande
semelhança que Bentinho vê entre seu filho e o amigo morto. Obtida essa prova
viva da traição, separa-se e envia Capitu e Ezequiel para a Europa. Dali até a
velhice, Bentinho vive em estado de relativa reclusão, o que faz surgir seu
apelido: Dom Casmurro, que quer dizer introspectivo. O narrador personagem
é uma figura teimosa: insiste em defender seus pontos de vista, convicto que
eles são verdadeiros. Defende a idéia de que foi traído, mesmo que não tenha
nenhuma prova concreta. Em Dom Casmurro,
Machado de Assis toma a traição como ponto de partida para discutir temas mais
amplos e permanentes, o que lhe confere a condição de obra atual. Ao mesmo
tempo, parte dessa discussão ilumina seu próprio tempo, o que lhe confere uma
marca histórica.
A palavra complexo indica que o
fenômeno a ser estudado traz em si uma grande quantidade de fatores
amalgamados, dificultando seu entendimento. Freud empregou esse termo na
exposição do impulso ao amor incestuoso, exemplificando-o com os casos de Édipo
e de Electra. Na mitologia grega, o
ciúme aparece na história da deusa Hera, que ao matar as amantes de Zeus,
manifestava seu ciúme pelo medo de perder o poder. Outra manifestação de tal
sentimento aparece na história de Medeia, que por ciúmes, matou o marido, a
amante e involuntariamente, seus filhos.
Adultérios e atos de traição, na idade média foram muito frequentes.
Giovanni Boccaccio, em “Decamerão”, conta muitas histórias de mulheres traindo
o marido e as respectivas punições. A mais freqüente era a devolução da
adúltera aos pais, porém, sem os dotes recebidos.
Essas recorrências históricas servem
para mostrar que o drama do sentimento de ciúmes é o mesmo desde os primórdios
da civilização. O que muda são as formas de reação do homem diante da traição
por parte da mulher. Bentinho, o narrador personagem vive no final do século
19, com perspectivas de entrada no século 20. Momentos de transformações
sociais, com a burguesia agrária se acomodando nas grandes cidades; início de
um processo de liberação da mulher; aumento de status do homem burguês formado
em cursos superiores. Apesar de ser um homem bem atualizado, Bentinho se
comporta como os personagens de Boccaccio. Uma simples e possivelmente falsa hipótese
de traição, foi o suficiente para ele despachar Capitu para Portugal e passar o
resto da vida ruminando a verdade e descartando a falsidade.
No
dizer de João Paulo Cunha, Bentinho não sofria só pelo sentimento de
traição de Capitu, mas porque não entendia que o mundo mudou. Os cidadãos
brasileiros da mesma classe social de Bentinho sofrem o mal da ilusão que os
leva à recusa de ver a situação do pais e do mundo de forma verdadeira.
Preferem atribuir tudo à corrupção, ou a erros de governantes. Não entendem que
a prática da corrupção, em busca de enriquecimento e de maiores lucros está na
veia do capitalismo. Em busca de resultados políticos fazem acusações falsas de
adversários e ocultam as verdadeiras de seus correligionários.
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