Antônio de Paiva Moura
Na década de 1960 Huxley, autor de Admirável mundo novo, publicado em 1932,
começou a fazer uma avaliação do que vinha ocorrendo no mundo com as consequências
de uma série de ditaduras ocorridas antes e depois da Segunda Guerra Mundial. O
autor considera que os dois maiores perigos para a humanidade são a superpopulação
e a super-organização. A superpopulação concorre para o aumento da pobreza e
revoltas dos excluídos. Para controlar as massas excluídas as classes
superiores lançam mão de força física, força armada e tecnologia para controle
da mente humana. Huxley mostra como as técnicas de persuasão e de controle são
empregadas nas ditaduras e nas democracias contemporâneas. A liberdade do
indivíduo e seus padrões são ameaçados por uma imensa indústria de comunicação.
Pela leitura de “Regresso ao
admirável mundo novo” percebe-se que o autor é dono de uma alta
intelectualidade e arguto conhecimento científico aliado à sua experiência de
vida. Daí a observação de que ninguém dispõe de tempo para conhecer tudo. Cada
um só pode conhecer um pouco de cada coisa. Por isso adverte que os estudiosos
dos destinos da humanidade devem aprender a simplificar sem falsear ou ocultar
a verdade. Se considerarmos que o livro trata só da questão da liberdade
humana, ele não é tão resumido assim. Freud e Sartre observaram com propriedade
que o homem, ao contrário dos animais irracionais, libertou-se da natureza, mas
criou normas de comportamento e busca do ideal de ordem na sociedade.
Tanto no primeiro como no segundo
livro, Huxley aborda o desejo e a repugnância da ordem estabelecida. Para sociólogos
como Carl Mannheim a ordem na sociedade humana é estabelecida e sustentada por
um conjunto de crenças por ele chamadas de ideologia. Mas Huxley vai pelo approach cultural. Para ele a ordem na
sociedade é necessária porque a liberdade só surge e tem sentido dentro de uma
comunidade auto-regulamentada de indivíduos que colaboram livremente. Mesmo que
indispensável, a ordem pode ser fatal. A organização em excesso transforma em
autômatos homens e mulheres; reprime o espírito criador e elimina própria
possibilidade de liberdade. O ideal é o meio termo. Nem o laissez-faire de Adam
Smith de ontem, nem o atual de Margaret
Thatcher e muito menos as ditaduras. Os meios de comunicação estão concentrados
na elite do poder. A indústria da comunicação só age no sentido de divertir,
distrair o povo. O esclarecimento e a busca da razão é que permitem uma vida
livre e democrática. Só uma pessoa dotada de consciência consegue viver em
liberdade. Somente os que estão constantemente cultivando a razão e a
inteligência podem alimentar a esperança de se governar a si próprio.
Para Huxley a grande ameaça à
sustentação da democracia é o avanço tecnológico que proporciona o aumento da
concentração de riqueza e o poder de seus detentores. Passado meio século do
falecimento de Huxley, Richard Freeman, professor da Universidade Harvard, em
2017, fez minucioso estudo sobre os efeitos do avanço da inteligência
artificial sobre a economia, educação e mercado de trabalho. Para ele os robôs
proporcionam acumulação de riqueza a seus proprietários. O emprego da máquina
na produção de bens e prestação de serviços vem aumentando progressivamente a
taxa de desemprego. Os parcos empregos que restam não são mais bem remunerados
como eram antes.
Nas primeiras décadas do século XXI
houve uma notável transferência de poder das instituições representativas da
sociedade para a esfera econômica. Na América Latina, nas últimas décadas do
século XX houve o restabelecimento do regime democrático. As novas
constituições se dispuseram a proteger as classes subalternas e buscar o
desenvolvimento social. Mas essa situação durou cerca de três décadas, até que
a classe empresarial promoveu o desmanche do corpo legislado que amparava o
desenvolvimento humano. No Brasil a chamada operação lava-jato colocou a nu a intenção do empresariado em subornar
autoridades constituídas na busca de aumento de seus privilégios.
Huxley aborda com propriedade as
formas de persuasão sobre os indivíduos no sentido de torná-los passivos,
ordeiros e bons consumidores, isto é, consumidores compulsivos, eleitores
enganados, cidadãos alienados. Nas ditaduras prevalecem os meios de torturas
físicas e psicológicas. Nas democracias exploram o subconsciente. A psiquiatria
moderna chama isso de “projeção subliminal” que está associada à distração das
massas. Na antiguidade clássica o circo desempenhou essa função; na Idade Média
a religião ocupava todo o tempo livre das pessoas e na atualidade, a televisão,
a mídia eletrônica e mega shows internacionais. Os comunicadores sociais
estudam a psicologia das massas e sabem como gerar as condições psicológicas apropriadas
à persuasão subconsciente. Basta lembrar alguns exemplos de emprego de projeção
no subconsciente nas campanhas publicitárias. A coca cola aparece sempre
associada a belas paisagens geladas induzindo a idéia de refrigeração. Papai
Noel, que é uma criação da coca cola, deslizando em trenó sobre gelo, induz à
ideia de prodigalidade e generosidade.
Em 2016, na campanha eleitoral para prefeitos, os candidatos vitoriosos
de São Paulo e de Belo Horizonte, aproveitaram a aversão dos brasileiros aos
atuais políticos e se afirmaram como não sendo políticos. Por isso, e por
nenhum outro motivo, ganharam a preferência do público. É exatamente isso que Huxley
chama de persuasão do subconsciente, pois para pessoas esclarecidas, João Dória
e Alexandre Kalil não podem negar que são políticos.
HUXLEY,
Aldous. Regresso ao Admirável Mundo Novo.
Belo Horizonte: Itatiaia, 2000.
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