terça-feira, 23 de julho de 2013

A corte secreta dos EUA

Esta matéria foi publicada no Observatório da Imprensa. Dá bem a dimensão do Big Brother que já está em vigor.

ESPIONAGEM NOS EUA

A corte secreta que ampliou os poderes da NSA

23/07/2013 na edição 756
Tradução: Larriza Thurler, edição de Leticia Nunes. Informações de Eric Lichtblau [“In Secret, Court Vastly Broadens Powers of N.S.A.”, The New York Times, 7/7/2013]

A Agência de Segurança Nacional (NSA, sigla em inglês) teve seu alcance de vigilância ampliado por documentos secretos emitidos por uma corte nos EUA que deram a ela o poder de reunir dados de cidadãos americanos enquanto buscava não apenas por suspeitos de terrorismo, mas também por pessoas possivelmente envolvidas em proliferação nuclear, espionagem e ciberataques.
Em mais de cem páginas, a Corte de Vigilância de Inteligência Externa, conhecida como corte FISA, avaliou questões constitucionais gerais e estabeleceu importantes precedentes judiciais, com quase nenhuma divulgação pública. Composta por 11 membros, no passado a corte já foi focada em aprovar ordens de grampos, caso a caso. Mas desde que foram feitas grandes mudanças na legislação americana e instituída uma maior fiscalização judicial de operações de inteligência, há seis anos, a corte tornou-se quase uma Suprema Corte paralela, servindo como o árbitro final sobre questões de vigilância e inteligência.
No mês passado, a FISA ganhou destaque quando o ex-funcionário da NSA Edward Snowden vazou uma ordem secreta desse tribunal que autorizou a coleta de registros telefônicos dos clientes da operadora Verizon. Mas as decisões ainda secretas da corte vão muito além de uma única ordem de vigilância.
Doutrina de necessidades especiais
Em uma das decisões mais importantes da FISA, os juízes expandiram o uso, em casos de terrorismo, de um princípio legal conhecido como doutrina das necessidades especiais e criaram uma exceção para a requisição da Primeira Emenda de um mandado para buscas e apreensões. Essa doutrina foi originalmente criada em 1989 pela Suprema Corte em uma ordem que permitiu o teste de uso de drogas de trabalhadores de estradas de ferro, considerando que uma mínima intrusão de privacidade era justificada pela necessidade do governo de combater um perigo público primordial. Aplicando esse conceito de maneira mais ampla, os juízes da FISA determinaram que a coleta e a análise de dados de comunicação de americanos pela NSA para rastrear possíveis terroristas não entram em conflito com a Quarta Emenda da Constituição.
Essa interpretação legal é significativa, avaliam especialistas, porque usa uma área relativamente limitada da lei – geralmente utilizada para justificar raio X de aeroportos, por exemplo – e a aplica de maneira muito mais ampla, em segredo, para a coleta de dados na busca por suspeitos de terrorismo. “É uma outra maneira de permitir que o governo tenha acesso a todos esses dados”, avalia William Banks, especialista em legislação de segurança nacional da Universidade Syracuse.
Enquanto o presidente Barack Obama e seus conselheiros de inteligência falaram sobre os programas vazados por Snowden especialmente em termos de combater o terrorismo, a corte também interpretou a lei de maneira que a amplia para outras preocupações de segurança nacional. Em um caso recente, por exemplo, funcionários da inteligência puderam ter acesso a um anexo enviado por e-mail nos EUA porque alegaram que estavam preocupados que ele poderia conter um diagrama possivelmente relacionado ao programa nuclear do Irã. No passado, isso teria que ser feito por meio de um mandado judicial porque o e-mail suspeito envolvia comunicação americana. No caso em questão, entretanto, uma cláusula pouca notada na lei, de 2008, ampliando a definição de “inteligência externa” para incluir “armas de destruição em massa” foi usada para justificar o acesso à mensagem.
O uso pela corte dessa abordagem permitiu que funcionários da inteligência tivessem um acesso mais amplo a dados e comunicação que eles acreditavam estar ligados à proliferação nuclear. Eles também alegaram que outros dados secretos facilitaram o acesso a dados sobre espionagem, ciberataques e outras possíveis ameaças conectadas à inteligência externa.
Apenas um lado ouvido
Ao contrário da Suprema Corte, a FISA ouve apenas um lado do caso – o governo – e suas conclusões quase nunca são divulgadas. Uma corte de revisão foi composta para ouvir apelações, mas isso só aconteceu poucas vezes e nenhum caso foi levado à Suprema Corte. Na realidade, não está claro se as empresas de telefonia e internet que entregaram dados à NSA têm direito de apelar na corte FISA.
Criada em 1978 pelo Congresso, a corte encontra-se fisicamente em um tribunal federal em Washington. Todos os atuais 11 juízes, que têm sete anos de mandato, foram apontados por uma corte especial pelo Chefe de Justiça dos EUA, John G. Roberts Jr. Nenhum dos pedidos de agências de inteligência foi negado até hoje. Além de questões legais mais amplas, os juízes tiveram que definir sobre questões como novos tipos de tecnologia e como e quando o governo pode ter acesso a eles. Também tiveram que intervir quando empresas privadas de telefonia e internet levantaram questões sobre se o o governo estava indo muito longe nos pedidos para registro ou quando o próprio governo divulgou ter coletado inadvertidamente mais dados do que o autorizado. Nesses casos, a corte pediu à NSA para destruir o material coletado de maneira imprópria.
Para os juízes, a mera coleta de dados – como tempo e número de ligações, mas não seu conteúdo, os chamados “metadados” – não viola a Quarta Emenda, desde que o governo estabeleça uma razão válida sob regulações antes de dar o passo seguinte de examinar o conteúdo das comunicações de americanos. Esse conceito está enraizado na provisão de “necessidades especiais” adotada pela corte.
Sob os novos procedimentos aprovados pelo Congresso em 2008 no Ato de Alterações da FISA, até mesmo a coleta de metadados deve ser justificada como “relevante” para uma investigação sobre terrorismo ou outras atividades de inteligência. Mas a corte indicou que, enquanto dados individuais podem não parecer “relevantes” para uma investigação sobre terrorismo, a visão total é sim relevante.
Pressão por divulgação de dados
A maioria das operações de vigilância envolve a NSA, um gigante de espionagem. Seu papel na coleta de informações dentro dos EUA cresceu enormemente desde os ataques de 11 de setembro. Logo depois dos atentados, o presidente George W. Bush, sob um programa de escutas secretas que contornou a corte FISA, autorizou a NSA a coletar metadados e, em alguns casos, ouvir chamadas externas para ou a partir dos EUA. Depois de um debate acalorado, os elementos essenciais do programa de Bush foram colocados em lei pelo Congresso, em 2007, mas com um maior envolvimento da FISA.
Mesmo antes dos vazamentos de Snowden, membros do Congresso e defensores das liberdades civis vinham pressionando para a revelação e divulgação pública de decisões judiciais. Reggie Walton, juiz que preside a FISA, chegou a reconhecer o “benefício potencial de melhor informar o público” sobre as decisões da corte. No entanto, alegou que há sérios obstáculos para fazê-lo, devido ao potencial de mal entendidos causados por omitir detalhes confidenciais.

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