Pois é, até na Folha aparecem artigos inteligentes de vez em quando...
Barbara Gancia: perdemos a oportunidade de discutir o que importa
Da Folha
Sobrou para o Ulysses
Barbara Gancia
Cansei de dizer que não era para tratar como clássico de futebol.
Mas, para os 50 gatos pingados que foram choramingar na frente do
palácio da Dilma em Brasília na quarta, é bom lembrar que o julgamento
do mensalão não acabou em pizza.
Dos 39 réus, dez já foram apenados e outros 12 terão suas penas
revistas. Se há o que lamentar, a esta altura, não é a atuação do
Supremo ou a suposta impunidade que está reservada a quem dispõe de
meios de pagar pelo advogado que saiba cavar as garantias
constitucionais estabelecidas pela lei. Afinal, essas garantias, como
bem lembrou o ministro Barroso, valem para petistas, peessedebistas,
torcedores do Íbis, inocentes, culpados, para seu filho, seu pai, sua
sogra ou qualquer outro brasileiro que sente no banco dos réus.
Quem ora está frustrado foi quem embarcou ingenuamente na nau das
falsas expectativas. Será que algum processo desse porte, com penas tão
altas, poderia ter terminado sem direito a recurso? Sejamos realistas.
Você, que nestes últimos dois dias andou xingando o ministro Celso
de Mello como se ele fosse juiz de futebol, será que você se dá conta de
que o acusado de ser o mandante do assassinato da missionária Dorothy
Stang, em 2005, está sendo julgado pela quarta vez?
Será que você esqueceu de que nossa desigualdade recordista
mundial, que coloca o réu que é atendido pela Defensoria Pública em um
patamar e aquele que tem meios para contratar bons advogados em outro, é
a mesma que é sentida pelo estudante rico que poderá pagar seu caminho
do jardim da infância até a faculdade nas melhores instituições de
ensino e aquele que será excluído do sistema educacional por falta de
investimento do poder público? Ou a mesmíssima diferença que há entre o
doente que se vê obrigado a passar pela máquina de horrores do SUS e
quem pode se tratar nos hospitais Sírio-Libanês ou Einstein? Cadê a
novidade?
Por que os indignados com o resultado sobre os embargos
infringentes não espumam bílis ao constatar que Celso Russomanno, Paulo
Maluf, Jader Barbalho, José Sarney, Roseana Sarney, Renan Calheiros,
Luiz Estevão e outros tantos circulam livremente pelos mesmíssimos
motivos que os réus do mensalão? Em algum momento todos eles foram
julgados, condenados e obtiveram recursos para serem julgados em outra
instância, não?
É evidente que culpados por crimes de corrupção devem ser
severamente punidos. Mas o problema neste caso foi a uma vulgar
tendência a usar dois pesos e duas medidas por serem os acusados pessoas
que causam pavor em certas classes.
Assim, perdemos de novo a oportunidade de discutir o que importa.
Que seria, quem sabe, encontrar uma maneira de impor limites recursais
para impedir que processos durem "ad eternum". Ou encontrar uma forma de
fortalecer a ação das Defensorias Públicas ou ainda os privilégios dos
legisladores que legislam em causa própria.
Mas mais do que isso, que nós tivéssemos de uma vez por todas a
coragem de tirar a cabeça das nuvens e admitir que nossa gloriosa Carta
Magna é nota cinco.
A Constituição de 1988, que todos louvam como se fosse um documento
sagrado, foi redigida na ressaca de um regime autoritário e carrega os
cacoetes e resquícios de anos de práticas não democráticas. Some-se a
isso Códigos Civil e Penal da época do avião a lenha e podemos entender
porque daqui a pouco a Nova Guiné será um país bem mais moderno que o
nosso.
Se alguém não tiver coragem de propor a correção dos graves desvios contidos na Carta, a coisa não engrena.
Se até o papa Francisco está colocando na roda temas cabeludos como o celibato, não vejo por que não podemos começar a sonhar.
fonte: http://jornalggn.com.br/
Muito bom, corajoso e com proposta pé no chão.
ResponderExcluirQuebrar paradigmas não devia ser reservado apenas a momentos limítrofes ao apocalípse.