Pois é... pois é... 2015! Quem diria!!!
O mensalão PSDB-MG é lindo
dom, 29/09/2013 - 15:57
Num país onde os três poderes devem conviver em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais?
O mensalão do PSDB-MG é mesmo um caso especial.
Criado em 1998 para ajudar a campanha de Eduardo Azeredo ao governo de Minas, até hoje o julgamento não ocorreu.
A
primeira e única condenação acaba de sair. Atingiu um banqueiro do
Rural, condenado a 9 anos. Mas a lei lhe confere o direito de pedir
recurso, o que quer dizer que tem 50% de chances matemáticas de provar
sua inocência em segunda instância. Ninguém ficou indignado com isso,
nem achou que seria uma ameaça às instituições ou um estímulo a
criminalidade.
Tudo
em paz, ao contrário do que ocorreu com os petistas, que não têm
direito a apresentar um recurso pleno, equivalente a um segundo
julgamento. Mesmo assim, fez-se um escândalo contra os embargos
infringentes.
Leio
hoje um artigo que classifica a decisão sobre os embargos como um
“segundo roubo.” Um historiador diz nos jornais, hoje, que os embargos
infringentes ameaçam transformar o STF numa instituição igual ao
Legislativo e ao Executivo.
A
pergunta é saber se, num país onde os três poderes devem conviver em
harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais, um
anacrônico Poder Moderador, no estilo de Pedro I durante no império, ou
das Forças Armadas em tantas ditaduras, que se consideravam auto
destinadas a resolver impasses políticos às costas do eleitorado.
Respeito o direito de todos a opinião mas acho que estamos a caminho de formar uma escola de cinismo à brasileira.
Isso acontece quando se impõem tratamentos diferentes para situações
iguais. Os dois lados sabem que estão diante de uma mentira, na qual
fingem acreditar. Um lado, porque lhe convém. O outro, porque não tem
força para assegurar que a falsidade seja desmascarada.
Os
réus do mensalão PSDB-MG tiveram direito ao desmembramento, que não foi
oferecido aos petistas. Só isso seria suficiente para definir um abismo
– mas não é só. Sua apuração é tão vagarosa que acaba de ser anunciado,
oficialmente, que o caso deve ser julgado em 2015. Então fica
combinado: um crime quatro anos mais velho será julgado três anos mais
tarde.
Enquanto
os réus do STF já poderão estar atrás das grades, como querem nossos
indignados de plantão, os mineiros estarão ouvindo depoimento, fazendo
sua defesa – e ganhando tempo para prescrições.
Ninguém
conhece muitos detalhes do mensalão PSDB-MG por um bom punhado de
razões. Uma boa apuração levaria a nomes e pessoas que ninguém tem
interesse de colocar sob os holofotes. Quem? Homens de confiança do PSDB
instalados no Banco do Brasil. Quem mais? Figurões do PSDB em atividade
política, tanto os responsáveis por nomeações no Banco do Brasil como
os beneficiários do dinheiro recebido.
Lucas Figueiredo diz, no livro O Operador, que a conta do mensalão PSDB-MG foi de R$ 40 milhões.
Pergunto: além de Eduardo Azeredo, derrotado em 1998, quem mais foi ouvido a respeito, como aconteceu com Lula?
A
fábula do mensalão petista diz que o dinheiro para “comprar deputados”
saiu da empresa Visanet e, de lá, foi desviado para Delúbio Soares e
Marcos Valério. É assim que se procura provar a tese – falsa, na minha
opinião – de que houve desvio de dinheiro público.
Como
é inevitável numa fábula, havia um vilão necessário no centro desta
operação, Henrique Pizzolato, petista histórico, diretor do Banco do
Brasil. Ele foi condenado como responsável pelos pagamentos. Mas essa
visão só pode ser sustentada quando se deixa o mensalão PSDB-MG de lado.
Pizzolato
nunca foi o principal responsável pelos pagamentos as agências de
Valério. Sequer tomou, solitariamente, qualquer decisão que poderia
beneficiar a DNA. Nem estava autorizado a isso. Uma auditoria interna
demonstrou que outro diretor, chamado Leo Batista, sem qualquer ligação
com o PT, é que tinha a responsabilidade legal de fazer os pagamentos.
Se era o caso de acusar alguém sozinho, teria de ser ele. Se era para
acusar meia dúzia, deveria estar no meio. Nem era preciso invocar a
teoria do domínio do fato. Seu nome está lá, nos papéis oficiais, com
atribuições e assinaturas correspondentes. Mas não se fez uma coisa nem
outra.
O
problema é que Leo Batista e os colegas de diretoria eram, todos,
remanescentes do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, quando o
PSDB nomeava cargos de confiança no Banco do Brasil. Esse fato foi
descoberto por um auditoria feita pelo banco, logo depois que o
escândalo estourou.
Os
diretores foram ouvidos e investigados. Mas, curiosamente, o inquérito
que apura suas responsabilidades foi mantido em segredo. Sequer foi
levado em tempo hábil ao conhecimento dos advogados de Pizzolato, embora
pudesse ter sido útil para sua defesa. O próprio Pizzolato só tomou
conhecimento da existência do inquérito secreto quando o julgamento
estava em curso, em condições extremamente desfavoráveis.
Claro
que você tem todo direito de perguntar o que esses diretores faziam por
ali, naqueles anos todos. Abasteciam as agências de Marcos Valério com
recursos do Visanet para ajudar a pagar as contas da campanha de 1998 do
PSDB. Está lá, na CPMI dos Correios, para quem o esquema tucano
levantou R$ 200 milhões.
Imagine,
então, o que teria acontecido se todos os réus, acusados do mesmo
crime, tivessem sido julgados no mesmo tribunal, com base numa mesma
denúncia. O STF seria obrigado a condenar petistas e tucanos pela mesma
melodia, decisão que teria coerência com os fatos e provas reconhecidas
pelos ministros – mas teria o inconveniente de esvaziar qualquer
esforço para criminalizar o PT e o governo Lula.
Em
vez de fazer piadinhas e comentários altamente politizados sobre o
“maior escândalo de corrupção da história”, nossos ministros teriam de
dizer a mesma coisa sobre os tucanos.
Imagine
se Marcos Valério resolvesse colaborar e tentar uma delação premiada
para alcançar o PSDB? Quais histórias poderia contar após tantos anos de
convívio? Quais casos poderia relatar?
Do
ponto de vista da investigação policial, o mensalão mineiro seria pura
delícia. É que coube ao candidato vitorioso na campanha mineira de 1998,
Itamar Franco, receber boa parte dos pagamentos devidos a DNA. Itamar
morreu sem falar publicamente sobre o assunto. Mas seu governo nada
tinha a ver com o esquema. Eu já ouvi de um secretario de Itamar um
relato consistente sobre tentativas de convencer Itamar, rompido com o
PSDB, a honrar compromissos deixados pelos tucanos. Imagine se ele fosse
ouvido. Seria um depoimento melhor que o de Roberto Jefferson, podem
acreditar.
Mas
vamos seguindo a história para chegar ao final. Com início diferente e
tratamento diferente, o mensalão PSDB-MG irá terminar, certamente, com
outro final. As penas duríssimas da ação penal 470 dificilmente irão se
repetir. Varias razões contribuem para isso. Se hoje um número crescente
de advogados de primeira linha já questiona as condenações, imagine o
que irá ocorrer com o passar do tempo. O saldo político dos embargos
infringentes não é favorável a novos linchamentos exemplares.
Quem
conhece as relações entre os meios de comunicação de Minas Gerais e o
governo de Estado, butim da campanha de 1998, sabe que não se pode
esperar nada igual ao que se viu durante o julgamento da ação penal 470.
No
julgamento dos petistas, os meios de comunicação assumiram a dianteira
da denúncia e colocaram o STF atrás. Preste atenção: em certa medida,
não foi o Supremo que assumiu o protagonismo neste episódio. Isso é o
que dizem os jornais e a TV. Na verdade, foram eles, os meios de
comunicação, que assumiram um papel central em todo o processo, levando o
STF atrás de si.
Os
jornalistas nunca tiveram dúvida sobre a culpa dos réus e, do ponto de
vista legal, nem seriam obrigados a tê-las, já que não são juízes. Com
base no veredito de seus “repórteres investigativos” jornais e revistas
cobraram punições exemplares. Quando ficou claro que não havia provas
objetivas, deram sustentação a teoria do domínio do fato. Empurrou o
tribunal no caminho de condenações pesadas sob ameaça de acusar todo
mundo de fazer pizza. O STF veio atrás, como o presidente Ayres
Britto deixou claro ao prefaciar o livro de um jornalista que simbolizou
essa postura duríssima dos meios de comunicação.
É
curioso notar que apenas no julgamento dos embargos infringentes a
Corte demonstrou uma postura diversa daquela assumida pelos meios de
comunicação.Em mais de 60 sessões, foi a primeira decisão divergente.
Tanto a pancadaria a que foi submetido Celso de Mello, como o esforço de
outros ministros para dizer que não se fez nada demais são duas faces
de uma mesma moeda. É um aperitivo para o que deve ocorrer caso os
embargos possam beneficiar os réus.
Imagine se teremos a mesma indignação no mensalão PSDB-MG.
Meus leitores sabem que estou convencido de que as principais denúncias
do mensalão não foram provadas nem demonstradas. Advogados de cultura
jurídica muito maior, como Celso Antônio Bandeira de Mello, Yves Gandra
Martins, para citar polos ideologicamente opostos do Direito brasileiro,
pensam da mesma forma.
Tenho
a mesma visão sobre o mensalão PSDB-MG. Temos verbas de campanhas, que
se constituem crime de caixa 2, mas condenações menores.
Eu acredito que o interesse político em criminalizar Lula e o PT
permitiram uma condenação sem provas. Mas será possível fazer a mesma
coisa quando esse interesse político não existir?
É claro que não. E é por isso que o mensalão PSDB-MG deve ficar para longe, bem longe.
Paulo
Moreira Leite é Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A
Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e
ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher
que Era o Outro General da Casa".
Nenhum comentário:
Postar um comentário