O professor Nilson Lage conta, neste artigo, como ficou sabendo da morte de Getúlio Vargas. No dia 24 de agosto de 1954, acordou às 7 horas da manhã e ligou a Rádio Globo, onde horas antes ouvira Carlos Lacerda dizer em entrevista como era importante expulsar do Palácio do Catete o “ditador que navegava em mar de lama”. A rádio estava fora do ar. Ligou na Rádio Nacional, que tocava uma música de Debussy. Só alguns minutos mais tarde entrou o prefixo do Repórter Esso e o locutor anunciou o suicídio do presidente da República.
Eu tinha 10 anos de idade e hoje, ao ler este artigo, me lembrei mais uma vez daquele dia, do qual nunca me esqueci. Havia sido acordado às 5h30, como de hábito no rígido colégio interno dirigido por um padre alemão que vinha insistindo, com grande relutância nossa, para seguir-lhe os passos rumo ao sacerdócio.
Às 7 horas, já estávamos na sala de aula, a do segundo ano primário. Pouco depois, a porta foi aberta de supetão por frei Elias – um cearense que não era maior do que eu naquela época – que anunciou, às gargalhadas: “Getúlio Vargas morreu”. Rapidamente, por insistência da professora, contou como foi. Ele tinha pressa para transmitir a grande notícia às outras três salas.
Acho que todos nós sabíamos quem era Getúlio. Um homem malvado que havia ajudado os americanos a derrotarem Hitler, impedindo assim que o líder alemão acabasse com o comunismo no mundo. Nosso diretor, grande admirador do Füher, só apareceu naquele dia às 11h – o horário normal das pregações dele a todos os alunos.
O padre não gargalhava, como frei Elias. Nem ao menos sorria. Começou dando uma esculhambação no subordinado de batina, que estava de pé ao seu lado, cabisbaixo. A morte de alguém, ainda mais por suicídio, não era motivo de regozijo, pregou o padre.
Frei Elias, que não brilhava pela inteligência, não esperava por essa.
Talvez o padre tivesse se regozijado em segredo. Mas, àquela altura, a ficha já caíra. Até para Carlos Lacerda. Assis Chateaubriand, que, com os Diários Associados, era então o que viria a ser nas décadas seguintes Roberto Marinho com sua Rede Globo de Televisão, tinha sido cauteloso. Seus jornais, rádios e TVs não embarcaram de peito aberto na campanha contra Getúlio – e se salvaram da ira do povo.
Neste agosto, quando se tenta novo golpe contra um presidente eleito – pior agora, uma mulher –, eu me pergunto: quem na imprensa se salvará da ira do povo contra os golpistas, se a situação do país se deteriorar muito mais a partir do desfecho do golpe?
Volto às lembranças de Nilson Lage:
“Era o fecho de uma conspiração que
transcorreu paralelamente nas esferas política, militar – essencialmente
na Aeronáutica, de que provinha o candidato derrotado nas eleições de
1950 e hoje patrono da Força, Brigadeiro Eduardo Gomes –, e na imprensa,
movida sob discreta coordenação dos poderosos Diários Associados, de
Assis Chateaubriand.
Chateaubriand, no entanto, não se expunha.
Na linha de frente da campanha de insultos, calúnia e difamação estava
seu ex-funcionário, dono da Tribuna da Imprensa, o mesmo Carlos Lacerda;
e O Globo, vespertino regional carioca associado à emissora de ondas
médias do mesmo nome. O dono do Globo era Roberto Marinho, que na época
recolhia migalhas que sobravam no banquete de Chatô.
Unindo essas forças, na retaguarda e
inteligência do golpe contra Getúlio, os Estados Unidos. Os americanos
não lhe perdoavam o preço que cobrou na negociação para a cessão de
bases no Nordeste e envio da Força Expedicionária Brasileira à Itália: a
construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda, da Fábrica Nacional
de Motores e, principalmente, o planejamento da industrialização e
desenvolvimento do Brasil por uma comissão econômica mista.
Para a implantação dos projetos, o governo
americano deveria destinar US$ 500 milhões no âmbito do Plano Marshall
e, contando com isso, o Brasil fez enormes concessões durante todo o
governo de Eurico Gaspar Dutra, abrindo excessivamente seu mercado,
comprando petroleiros (do Plano Salte) que se partiam no mar e perdoando
grandes dívidas inglesas.
Mas os americanos não mandaram um tostão.
Getúlio governou dois anos de cintos
apertados, criou um adicional ao Imposto de Renda, fez caixa e, então,
iniciou a execução das obras por conta própria com recursos do Estado –
da construção da Hidrelétrica da Paulo Afonso à criação da Petrobras
para explorar um petróleo que se afirmava inexistir.”
(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/08/25/agosto-uma-historia-que-se-repete-como-farsa/#more-12905_
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