Por Vinicius Gomes Melo
“Bandido
bom é bandido morto”; “Tá com dó, leva pra casa”, “Direitos Humanos
para humanos direitos”. Em 2014, frases de efeito tão perversas como
essas tomaram as redes sociais, após a divulgação da foto de um
adolescente negro não-identificado, preso pelo pescoço com uma tranca de
bicicleta e no Brasil. A situação dividiu opiniões: de um lado, o grupo
que entoava os motes acima; de outro, o grupo que entendia que
justiçamento está bem longe de ser considerado justiça verdadeira.
A
onda de vigilantismo que logo se instaurou no país foi minguando aos
poucos – ou pelos menos, essas ações passaram a ser menos compartilhadas
na rede. Porém, a chama do olho por olho continua acesa no íntimo de
muitas pessoas.
Muitas
delas provavelmente não saibam, mas um homem chamado Rodrigo Duterte
compartilha da mesma crença delas, em especial no que diz respeito a
traficantes de drogas. Em sua visão, a morte é o único destino para quem
se envolve com o crime – ou no caso das Filipinas, para quem
supostamente se envolve com o crime.
Duterte
é o atual presidente das Filipinas. Desconhecido por boa parte do
mundo, ele conseguiu ser eleito (de lavada) fazendo uma campanha de
clara e cristalina intolerância ao crime. No dia da posse, afirmou seu
“compromisso intransigente” para com o devido processo da lei. Mas deu
autorização para que policiais “cumprissem seu dever” sem medo de
retaliações (leia-se: matar sem reservas qualquer pessoa que possa estar
envolvida com o crime) e convocou de cidadãos e cidadãs a fazer o mesmo
— num ato de desprezo aos fundamentos dos direitos humanos, da
democracia e das próprias leis de seu país. “Mate-os e eu lhe darei uma medalha”, ele chegou a dizer.
“Não deposite esperanças em padres e grupos de direitos humanos. Eles não podem evitar a morte”, afirmou Duterte. Outras frases de efeito também envolveram afirmações de que em seis meses, 100 mil pessoas morreriam durante
seu combate ao crime e que os peixes na Baía de Manila ficariam gordos
de tanto se alimentar dos corpos que ali seriam despejados.
Com mais de 700 pessoas assassinadas desde então, numa taxa que subiu de 10 a 13 mortes ao dia, é bem possível que até 2021, quando seu mandato de seis anos terminará, Duterte alcance sua meta de assassinatos.
A “Lista da Morte”
Como descreve um artigo da CNN,
as fotos que rodam o mundo são de “pessoas assassinadas nas ruas ou
barracos, geralmente com pés e mãos amarradas, camisas ensopadas de
sangue, rostos cobertos com fita adesiva e placas cruéis dizendo quais
foram seus supostos crimes” – além de sempre contar com uma multidão
como platéia ao redor do cadáver.
O maior periódico do país, o Philippine Daily Inquirir, mantém desde o dia 7 de julho uma página chamada Kill List, ou a Lista da Morte, onde documenta-se todas as mortes
Lê-se
na página uma nota editorial: “Desde 30 de junho de 2016, o surto de
assassinatos de suspeitos de envolvimento com o crime é claro e
inequívoco. Os mortos, em sua maioria, foram identificados pela polícia
como suspeitos de tráfico e consumo de drogas (“tulak”). Essa Lista da
Morte é uma tentativa de documentar os nomes e outras particularidades
dessas mortes na guerra ao crime da administração Duterte”.
A ABS CBN News é outra rede filipina que vem monitorando as mortes extrajudiciais no país, desde a vitória de Duterte, em sua página é possível encontrar infográficos e mapas dessas mortes em todo o território das Filipinas.
A
foto que ilustra o texto mostra uma esposa segurando o corpo sem vida
de seu marido que, segundo a polícia local, fora morto por um grupo de
justiceiros. Ela afirmou que seu marido não era um traficante de drogas,
apesar de consumi-las. Segundo ela, seu marido inclusive votou em Duterte nas eleições de maio.
“Vá se foder, ONU”
Obviamente,
não demorou muito para que grupos locais e internacionais de direitos
humanos se manifestassem junto à Diretoria Internacional de Controle de
Narcóticos (INCB, sigla em inglês) e o Escritório de Crimes de Drogas
das Nações Unidas (UNODC, sigla em inglês) para que elas tomassem uma
atitude e fizessem pressão no governo filipino para que interrompesse a
matança desenfreada.
“Nós
estamos pedindo para que os órgãos responsáveis da ONU condenem
publicamente as atrocidades ocorrendo nas Filipinas. Esses assassinatos
sem sentido não podem ser justificados como uma medida de controle à
drogas”, afirmou Ann Fordham, diretora-executiva do Consórcio
Internacional de Política sobre Drogas, que foi responsável pela
coordenação de uma carta conjunta desses grupos.
Ainda
assim, mesmo que a ONU tome alguma atitude, é provável que nada comova
Duterte. Durante uma entrevista coletiva, um mês depois de ser eleito,
Duterte descarregou sua raiva contra
a organização após alguns jornalistas perguntarem sobre as críticas que
estava recebendo da mídia internacional. “Esse é o problema, eles estão
sempre aumentando o temor sobre essa ou aquela convenção da ONU. Vá se
foder, ONU. Você não consegue nem resolver a carnificina no Oriente
Médio, não conseguiu mover um dedo contra o massacre do povo negro na
África. Calem a boca todos vocês”.
Todavia, nenhum dos jornalistas presentes relacionaram a crítica internacional a “essa ou aquela” convenção da ONU.
Os Estados Unidos seriam outro que poderiam elevar o tom com o governo em Manila – apesar de já terem “expressado preocupação”
com as mortes extrajudiciais ocorrendo no arquipélago. Porém, o que
verdadeiramente importa para os EUA nas Filipinas é a manter o país como
seu aliado na “guerra contra o terrorismo” e como cão de guarda às pretensões chinesas no Mar do Sul da China.
Uma coisa não se pode dizer contra Duterte: ele é um homem que vive pelo que diz. Como afirmou após
a vitória, ele seria um “ditador contra o mal”, além de jurar que
abdicaria do poder caso fracassasse em cumprir sua promessa de
exterminar a corrupção do país.
Assim
como é impossível dizer se ele cumprirá as duas promessas, também não
há como saber quantos corpos ficarão pelo caminho até lá.
(fonte: http://www.outraspalavras.net/ointernacionalista/2016/08/19/filipinas-justiceiros/)
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