segunda-feira, 9 de outubro de 2017
Catalunha: depois da polícia, os tanques?
Até os neoliberais inteligentes sugerem ao governo espanhol negociar. Mas Mariano Rajoy recrudesce — ou por cálculo eleitoral, ou porque à “nova” direita já não importa nem as aparências democráticas
Por Nuno Ramos de Almeida, de Barcelona
O Tribunal Constitucional mandou anular a sessão de segunda-feira do Parlamento catalão, na qual o presidente do governo da Catalunha, Carles Puigdemont, apresentaria os resultados do referendo de 1º de outubro, antes mesmo da sessão ter sido formalmente convocada. Apesar das várias ofertas de mediação para tentar que governos espanhol e catalão se encontrem e falem sem condições prévias, como referiu à estação de televisão La Sexta o vice-presidente da Generalitat, Oriol Junqueras, a verdade é que Mariano Rajoy, presidente do Governo espanhol exige, para conversar, a rendição dos catalães.E a pressão segue em várias frentes. O responsável pela polícia catalã, Josep Lluís Trapero, e os dirigentes das associações independentistas Assembleia Nacional Catalã (ANC) e Omnia Cultural foram responder em Madrid no tribunal da Audiência Nacional por acusações de sedição.Apesar de repetir todos os dias, como um mantra, que a Catalunha continuará a ser parte de Espanha, o governo de Rajoy ultima um decreto que facilite a saída de empresas da região rebelde para outras partes de Espanha. Segundo o vice-presidente catalão, “o governo espanhol pressionou os bancos Sabadell e a Caixa para saírem da Catalunha com métodos que não usam governos democráticos”. Métodos à parte, o banco Sabadell já confirmou a saída para Alicante, justificando a “necessidade de defender os seus acionistas e os seus depositantes”, perante um cenário de anúncio de Declaração Unilateral de Independência (DIU), e não podendo arriscar ficar fora do euro e do guarda-chuva do Banco Central Europeu.
Uma decisão que tem dois lados, como sublinha em entrevista ao i, a sair na próxima segunda-feira, o antigo porta-voz da Candidatura de Unidade Popular Unitária (CUP, autonomista de esquerda) no Parlamento da Catalunha, David Fernàndez. “Se a Caixa e o Sabadell se forem, perdem grande parte dos seus negócios aqui; no caso da Caixa isso significa cerca de 50% de seu faturamento”, afirmou. Mais do que medidas econômicas está-se assistindo a um segundo turno do referendo de 1º de outubro, em que algumas das grandes empresas catalãs tomam uma posição ativa contra uma possível independência, a exemplo do que fizeram as suas congêneres escocesas, nomeadamente o Banco da Escócia, quando da realização do referendo sobre a eventual independência dessa parte do Reino Unido.
O fato de o ministro das Finanças espanhol, Luis de Guindos, elaborar uma lei para facilitar a saída das empresas da Catalunha, em caso de uma Declaração Unilateral de Independência, prova duas coisas: que o governo de Rajoy joga armas pesadas contra os independentistas, ao mesmo tempo que implicitamente admite que uma independência de fato da província não é totalmente impossível. A situação está num verdadeiro impasse. Rajoy só aceita negociar caso a Catalunha desista da ideia de ser independente, e pelo seu lado, a Generalitat quer negociar para acordar com Madrid os termos da realização de uma alteração legal que permita a realização de um referendo com a anuência de todos, a qual possibilite aos catalães decidir os termos da sua relação com Espanha, como cantou a célebre banda britânica Clash: Should I Stay Or Should I Go?.
Apesar de parecer ter os tanques e a força na mão, a atitude de Rajoy nesta crise tem motivado críticas duras da imprensa internacional, com destaque para a influente revista Economist. “Qualquer acordo [entre os governos catalães e espanhol] tem de incluir a opção de um referendo para a independência”, considera a revista. Ela critica a via repressiva espanhola para resolver o problema, e afirma que a gestão da crise que Rajoy fez, não é mais do que atirar gasolina ao fogo. Para a revista britânica, a saída da Catalunha será um mau negócio para todos. A capa da edição desta semana é todo um programa: “Não é demasiado tarde para evitar a ruptura com a Espanha”, e isso só é possível com diálogo, coisa que Rajoy parece incapaz de fazer. “Para evitar a calamidade, perguntem aos catalães o que querem realmente”, avisa o editorial da Economist, que recorda a via eficiente como o Reino Unido resolveu o problema escocês e aconselha que o governo espanhol promova um referendo e dê a escolher aos catalães “um novo acordo constitucional”, que inclua “mais autonomia e poder de criar e recolher mais impostos próprios, mais proteção da língua catalã e um certo reconhecimento dos catalães como nação”.
O problema da lógica racional da imprensa internacional é que ela não vive na Espanha e ignora que grande parte das pulsões do conflito têm a “racionalidade” do nacionalismo. Na Espanha, quando se fala em nacionalismo é para falar de bascos, catalães e galegos, ignorando o discurso nacionalista hegemônico que é o espanholista. Só assim se percebe que, no dia seguinte à greve geral na Catalunha, o El País tivesse uma foto com um grupo de 31 pessoas nas ruas de Barcelona, quando se manifestaram centenas de milhares de pessoas nesse dia; ou que os jornalistas da TVE da Catalunha tenham feito um comunicado para protestar por terem sido proibidos de filmar e exibir, na emissão da televisão pública, as imagens da repressão policial no dia 1º de outubro, que provocou cerca de 900 feridos.
O que impede a resolução do conflito não é só Madrid recear que um referendo pudesse dar uma hipotética vitória aos independentistas, é Mariano Rajoy ter a certeza que inflamar os sentimentos nacionalistas espanhóis pode-lhe garantir uma vitória por maioria absoluta, à Erdogan, numas próximas eleições antecipadas em Espanha. Ou os catalães têm a força suficiente – com a ajuda da União Europeia, que entende o potencial economicamente explosivo desta crise – para colocar as duas partes a negociar, ou a ação de Mariano Rajoy será demasiado previsível: evocar o artigo 155 da Constituição que extingue a autonomia, fazê-lo aprovar pelo Senado, onde o PP tem maioria, e caso o seu governo seja censurado e derrubado no parlamento, ir para eleições antecipadas. Ficaríamos com um quadro em que Madrid teria maioria absoluta do PP e na Catalunha deixariam de existir eleições e autonomia por muito, muito tempo. Num país da Europa que se ufana da democracia teríamos uma situação de clara repressão a uma comunidade e nação histórica. Naturalmente, isso só seria possível com o tornar a democracia espanhola uma espécie de ditamole e uma farsa, que iriam pagar não só os catalães, mas os espanhóis no seu conjunto.
(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/catalunha-depois-da-policia-os-tanques/)
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