segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Wallerstein: tempos de incerteza caótica

Cresce a instabilidade global. Atores políticos antes previsíveis alteram seu comportamento bruscamente. Antecipar o futuro torna-se quase impossível. A crise estrutural aprofunda-se

Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Inês Castilho

Você está confuso com o que acontece no mundo? Eu também estou. Todo mundo está. Essa é a realidade subjacente e contínua de um sistema-mundo caótico.
Numa situação caótica, há mudanças constantes e dramáticas nas prioridades de todos os atores. Num dia, as coisas parecem correr de modo favorável, do ponto de vista de certo ator. No dia seguinte, a perspectiva parece muito desfavorável.
Além disso, parece não haver possibilidade de predizer que posição os atores assumirão no momento seguinte. Comportam-se de maneiras que pensávamos impossíveis, ou no mínimo improváveis, surpreendendo-nos repetidamente. Mas estão simplesmente tentando maximizar sua vantagem, ao mudar de postura sobre uma questão importante, mudando também as alianças que farão para conseguir aquela vantagem.
Nem sempre o sistema-mundo esteve mergulhado no caos. Muito pelo contrário! O sistema-mundo moderno, como qualquer sistema, tem suas regras de funcionamento. Essas regras possibilitam que tanto os de fora quanto os participantes avaliem o comportamento provável de diferentes atores. A aderência às regras de comportamento expressa o funcionamento “normal” do sistema.
Somente quando o sistema atinge um ponto em que não é possível retornar a um equilíbrio (móvel) que renova suas operações normais é que ele entra numa crise estrutural. A incerteza caótica é uma característica central dessa crise estrutural.
No começo de setembro de 2017 houve três dessas mudanças dramáticas em prioridades e alianças. A que atraiu maior atenção foi o anúncio, pelo presidente dos EUA Donald Trump, de que havia chegado a um acordo com os líderes democratas do Congresso – senador Chuck Schumer e deputada Nancy Pelosi – para promulgar uma medida de (1) ajuda emergencial para o furacão no Texas e estados vizinhos, sem impor quaisquer condições, combinada com (2) aumento do teto do endividamento, por três anos.
Esse acordo foi significativo por duas razões. Primeiro, porque Trump havia se comprometido a não negociar com os democratas. E mais, essa negociação foi aparentemente nos termos estabelecidos pelos democratas. Mais importante ainda, Trump fez esse acordo sem informar, até o último minuto, a liderança republicana no Congresso – o deputado Paul Ryan e o senador Mitch McConnell, que se sentiram compreensivelmente atacados por essa ação. Segundo, e ainda mais surpreendente, ele adiou por seis meses o fim do programa DACA, celebrado pelo ex-presidente Barack Obama. O DACA foi projetado por Obama para permitir a permanência, nos EUA aos chamados dreamers, imigrantes “ilegais” que chegaram ao país na infância. Trump prometera cancelar o programa no primeiro dia do seu mandato.
Por quanto tempo esse acordo irá durar, ainda não se sabe. Mas seu simples anúncio perturbou, provavelmente por um longo tempo, a relação de confiança entre Trump e os congressistas republicanos. Foi por certo uma virada dramática.
Menos notada, mas muito importante, foi o anúncio, pelo governo da Indonésia, da mudança, para Mar de Natuna Norte, do nome das águas imediatamente ao norte do país. Esse ato aparentemente inócuo pode ser entendido em termos de história das reivindicações marítimas nas águas do leste e sudeste da Ásia. Há algum tempo, a China tem reivindicado a maior parte desses mares e construído bases em ilhas ou mesmo rochas neles localizadas.
As reivindicações chinesas foram contestadas pelas Filipinas, Taiwan e Vietnã, e também pelos Estados Unidos. Até agora, a Indonésia tentou manter-se neutra nessas disputas e até se ofereceu como mediadora. O ato de renomear as águas ao norte do país é, contudo, uma proclamação dos direitos indonésios a águas reclamadas pela China. Anunciar publicamente essa disputa é não apenas um ato contra a China como também uma atitude muito “dura” da Indonésia. A China imediatamente sinalizou seu desagrado com a renomeação. A Indonésia não está recuando.
A terceira virada em alianças é menos dramática porque já acontece há algum tempo. Todavia, agora assumiu uma forma dramática. A Turquia parece ter renunciado a suas obrigações como membro da OTAN, ao decidir pela compra de um sistema militar russo de mísseis terra-ar, que não é “interoperável” pelos aliados da OTAN.
Esse ato é considerado um grande giro nas antigas relações turcas com a Europa Ocidental e os Estados Unidos. Da perspectiva turca, é simplesmente uma resposta a atos hostis de membros da OTAN contra ela. Tem ainda implicações para alianças geopolíticas e grandes arranjos econômicos. É uma maneira de relegar ao passado disputas entre a Turquia e a Rússia sobre a Síria e o Irã. Também aqui é preciso averiguar o quanto durará.
Viradas dramáticas são o arroz com feijão cotidiano de uma crise estrutural. Isso significa que viveremos em incerteza caótica até que a crise estrutural seja resolvida em favor de uma das duas pontas da bifurcação. Precisamos concentrar nossas análises e nossas ações naquilo que torna mais provável o lado progressista da bifurcação ultrapassar, no médio prazo, o lado reacionário, para a resolução dessa luta.

(fonte: http://outraspalavras.net/capa/wallerstein-tempos-de-incerteza-caotica/)

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