Cresce a instabilidade global. Atores políticos antes previsíveis
alteram seu comportamento bruscamente. Antecipar o futuro torna-se
quase impossível. A crise estrutural aprofunda-se
Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Inês Castilho
Você está confuso com o que acontece no mundo? Eu também estou. Todo
mundo está. Essa é a realidade subjacente e contínua de um sistema-mundo
caótico.
Numa situação caótica, há mudanças constantes e dramáticas nas
prioridades de todos os atores. Num dia, as coisas parecem correr de
modo favorável, do ponto de vista de certo ator. No dia seguinte, a
perspectiva parece muito desfavorável.
Além disso, parece não haver possibilidade de predizer que
posição os atores assumirão no momento seguinte. Comportam-se de
maneiras que pensávamos impossíveis, ou no mínimo improváveis,
surpreendendo-nos repetidamente. Mas estão simplesmente tentando
maximizar sua vantagem, ao mudar de postura sobre uma questão
importante, mudando também as alianças que farão para conseguir aquela
vantagem.
Nem sempre o sistema-mundo esteve mergulhado no caos. Muito pelo
contrário! O sistema-mundo moderno, como qualquer sistema, tem suas
regras de funcionamento. Essas regras possibilitam que tanto os de fora
quanto os participantes avaliem o comportamento provável de diferentes
atores. A aderência às regras de comportamento expressa o funcionamento
“normal” do sistema.
Somente quando o sistema atinge um ponto em que não é possível
retornar a um equilíbrio (móvel) que renova suas operações normais é que
ele entra numa crise estrutural. A incerteza caótica é uma
característica central dessa crise estrutural.
No começo de setembro de 2017 houve três dessas mudanças dramáticas
em prioridades e alianças. A que atraiu maior atenção foi o anúncio,
pelo presidente dos EUA Donald Trump, de que havia chegado a um acordo
com os líderes democratas do Congresso – senador Chuck Schumer e
deputada Nancy Pelosi – para promulgar uma medida de (1) ajuda
emergencial para o furacão no Texas e estados vizinhos, sem impor
quaisquer condições, combinada com (2) aumento do teto do endividamento,
por três anos.
Esse acordo foi significativo por duas razões. Primeiro, porque Trump
havia se comprometido a não negociar com os democratas. E mais, essa
negociação foi aparentemente nos termos estabelecidos pelos democratas.
Mais importante ainda, Trump fez esse acordo sem informar, até o último
minuto, a liderança republicana no Congresso – o deputado Paul Ryan e o
senador Mitch McConnell, que se sentiram compreensivelmente atacados por
essa ação. Segundo, e ainda mais surpreendente, ele adiou por seis
meses o fim do programa DACA, celebrado pelo ex-presidente Barack Obama.
O DACA foi projetado por Obama para permitir a permanência, nos EUA aos
chamados dreamers, imigrantes “ilegais” que chegaram ao país na infância. Trump prometera cancelar o programa no primeiro dia do seu mandato.
Por quanto tempo esse acordo irá durar, ainda não se sabe. Mas seu
simples anúncio perturbou, provavelmente por um longo tempo, a relação
de confiança entre Trump e os congressistas republicanos. Foi por certo
uma virada dramática.
Menos notada, mas muito importante, foi o anúncio, pelo governo da
Indonésia, da mudança, para Mar de Natuna Norte, do nome das águas
imediatamente ao norte do país. Esse ato aparentemente inócuo pode ser
entendido em termos de história das reivindicações marítimas nas águas
do leste e sudeste da Ásia. Há algum tempo, a China tem reivindicado a
maior parte desses mares e construído bases em ilhas ou mesmo rochas
neles localizadas.
As reivindicações chinesas foram contestadas pelas Filipinas, Taiwan e
Vietnã, e também pelos Estados Unidos. Até agora, a Indonésia tentou
manter-se neutra nessas disputas e até se ofereceu como mediadora. O ato
de renomear as águas ao norte do país é, contudo, uma proclamação dos
direitos indonésios a águas reclamadas pela China. Anunciar publicamente
essa disputa é não apenas um ato contra a China como também uma atitude
muito “dura” da Indonésia. A China imediatamente sinalizou seu
desagrado com a renomeação. A Indonésia não está recuando.
A terceira virada em alianças é menos dramática porque já acontece há
algum tempo. Todavia, agora assumiu uma forma dramática. A Turquia
parece ter renunciado a suas obrigações como membro da OTAN, ao decidir
pela compra de um sistema militar russo de mísseis terra-ar, que não é
“interoperável” pelos aliados da OTAN.
Esse ato é considerado um grande giro nas antigas relações turcas com
a Europa Ocidental e os Estados Unidos. Da perspectiva turca, é
simplesmente uma resposta a atos hostis de membros da OTAN contra ela.
Tem ainda implicações para alianças geopolíticas e grandes arranjos
econômicos. É uma maneira de relegar ao passado disputas entre a Turquia
e a Rússia sobre a Síria e o Irã. Também aqui é preciso averiguar o
quanto durará.
Viradas dramáticas são o arroz com feijão cotidiano de uma crise
estrutural. Isso significa que viveremos em incerteza caótica até que a
crise estrutural seja resolvida em favor de uma das duas pontas da
bifurcação. Precisamos concentrar nossas análises e nossas ações naquilo
que torna mais provável o lado progressista da bifurcação ultrapassar,
no médio prazo, o lado reacionário, para a resolução dessa luta.
(fonte: http://outraspalavras.net/capa/wallerstein-tempos-de-incerteza-caotica/)
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