Estudo norte-americano mostra que
produtos à base de glifosato são mais tóxicos do que essa substância
isoladamente. É o caso do Roundup, herbicida líder de vendas
Por Raquel Torres, do Outra Saúde
O herbicida mais famoso do mundo mata
células humanas. É o que dizem os estudos mais recentes de
pesquisadores ligados ao governo norte-americano, segundo uma reportagem
publicada hoje no jornal britânico The Guardian (a matéria está neste link).
Os testes são do Programa Nacional de
Toxicologia e trazem fortes evidências de que os produtos
comercializados — como o Roundup, o herbicida mais famoso do mundo,
produzido pela Monsanto há quatro décadas — são mais tóxicos para
células humanas do que o seu princípio ativo sozinho. O princípio ativo é
a substância que de fato produz os efeitos e, no caso do Roundup, é o
glifosato.
Isso é um grande problema porque,
embora ele componha herbicidas há mais de 40 anos, essa é a primeira vez
que são feitos testes nos agrotóxicos formulados com essa substância —
para a aprovação e registro, só se exigem testes com o próprio
glifosato, isoladamente.
Seu uso é, há muito tempo, cercado de
polêmicas — hoje, ele é proibido e restrito em alguns países. E os
estudos foram solicitados pela Agência de Proteção Ambiental (EPA, na
sigla em inglês) justo depois que, em 2015, a Agência Internacional de
Pesquisa sobre o Câncer (Iarc) classificou o glifosato como um provável
carcinógeno humano. Na mesma ocasião, ela destacou preocupações sobre as
formulações que combinam esse princípio ativo com outros ingredientes.
O coordenador do laboratório que conduz as pesquisas, Mike DeVito, disse ao Guardian que
o trabalho ainda está em andamento, mas as descobertas iniciais já são
bastante claras: o herbicida mata células humanas, enquanto o glifosato
sozinho não o faz. O pesquisador ressalta, porém, que isso não significa
necessariamente que os produtos causem câncer ou outras doenças.
Monsanto já sabia
Existe um importante impedimento à
testagem adequada dos herbicidas nessa pesquisa: é o fato de que sua
formulação é segredo corporativo, uma informação comercial confidencial.
Ninguém sabe exatamente a fórmula do Roundup, nem como ela vem mudando
ao longo dos anos.
Mas, em relação à toxicidade, a
reportagem cita e-mails internos antigos da Monsanto que vieram à tona
durante um julgamento no ano passado e indicam que a própria empresa já
tinha alguma noção desse perigo, mesmo que ele não fosse mensurado.
“Você não pode dizer que o Roundup não é um agente cancerígeno… Nós não
fizemos os testes necessários na formulação para fazer essa declaração.
Os testes nas formulações não estão nem perto do nível do ingrediente
ativo”, diz um deles, de 2003. Em outra mensagem, de 2010, se lê: “Com
relação à carcinogenicidade de nossas formulações, não temos esses
testes realizados diretamente nelas”. E mais uma, de 2002, é clara: “O
glifosato é OK, mas o produto formulado … Causa o dano”.
Situação no Brasil
O Roundup é o famoso “mata-mato”,
amplamente pulverizado para matar ervas consideradas daninhas. É o
herbicida mais usado no mundo, e líder de vendas no Brasil. Mas a
confiança em sua segurança não é nada unânime e, aqui, sua reavaliação
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se arrasta desde
2008. No ano passado, a agência estabeleceu que
a análise toxicológica do glifosato — e não dos herbicidas à base dele —
vai terminar no ano que vem. Só a partir daí haverá uma consulta
pública e, depois, sua proibição (ou não) vai ser decidida.
Mas, muito antes disso, pode ser votado na Câmara o PL 6299/02,
um projeto que veio do Senado e ao qual foram apensados vários outros
ligados ao tema. O conjunto ficou conhecido como ‘Pacote do Veneno’. Não
à toa. As propostas alteram a legislação referente aos agrotóxicos no
Brasil, e este documento da
campanha Chega de Agrotóxicos resume o que acontece se o pacote for
aprovado. Por exemplo: o nome ‘agrotóxicos’ vai ser substituído por
‘defensivos fitossanitários e produtos de controle ambiental’, será
criada uma Política Nacional de Apoio ao Agrotóxico, a aplicação de
agrotóxicos no meio urbano vai ser facilitada, a fiscalização vai ficar
mais frouxa e a aprovação de novos agrotóxicos vai ser acelerada, com
brechas para que isso aconteça inclusive em relação a produtos que
comprovadamente fazem mal à saúde.
Desde o fim de abril, está para ser apreciado em uma comissão da Câmara o parecer do
relator deputado Luiz Nishimori (PR-PR) sobre o Pacote. Ele é favorável
a essas mudanças. Havia outros projetos apensados que poderiam ser
positivos — como três PLs relacionados à proibição ou reavaliação
periódica de produtos contendo glifosato. Mas Nishimori os rejeita.
Nos últimos tempos, a pressão pela não aprovação está intensa. A campanha Chega de Agrotóxicos divulgou um manifesto assinado
por 271 organizações que repudiam o texto. O Departamento de Vigilância
em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador (DSAST), do Ministério da
Saúde, lançou nota se posicionando contra; a Fiocruz e o Conselho Nacional de Saúde também. E o Conselho Nacional dos Direitos Humanos recomendou a
rejeição. Além disso, o subprocurador-geral da República Nívio Silva
Filho encaminhou ao Congresso uma nota técnica afirmando que há inconstitucionalidades no texto.
(fonte: http://outraspalavras.net/outrasaude/2018/05/08/agrotoxico-faz-mais-mal-do-que-se-pensava/)
Nenhum comentário:
Postar um comentário