Gosto muito dos comentários deste autor, leio sempre o que ele publica no Observatório da Imprensa. E hoje encontrei este artigo que nos leva à reflexão.
Imprensa engole a isca
Por Luciano Martins Costa em 15/10/2013 na edição 768 (Observatorio da Imprensa)
Mudou sutilmente a cobertura dos três principais jornais de circulação
nacional sobre a crise na segurança pública de São Paulo: depois de
comprar sem reservas as bravatas da organização criminosa conhecida como
Primeiro Comando da Capital (PCC), a imprensa começa a se dar conta de
que estava prestando um serviço à quadrilha ao divulgar, sem
contrapontos, algumas informações que os bandidos haviam “plantado” no
relatório do Ministério Público que serviu de base para as primeiras
reportagens. Os criminosos disseram o que queriam que fosse escutado, os
jornais engoliram a isca.
A equação é muito simples: com base no levantamento iniciado
regularmente em 2010, o Ministério Público anunciou que iria pedir o
confinamento dos líderes da organização que estão cumprindo pena. Com
isso, eles perderiam o contato com seus comandados, o que provavelmente
afetaria seus negócios, principalmente o tráfico de drogas.
Sabendo que suas conversações telefônicas estavam sendo gravadas, os
líderes do PCC fizeram chegar às autoridades suas supostas intenções de
assassinar o governador e, posteriormente, também de infiltrar
criminosos em manifestações de protesto. Na terça-feira (15/10), os
jornais “informam” que o PCC ameaça promover ataques durante a Copa do
Mundo e as eleições de 2014.
Se o leitor estiver atento ao noticiário fragmentado dos últimos dias,
vai se dar conta de que essa agenda coincide com os planos dos grupos
que têm saído às ruas sob escolta dos Black Blocs, promovendo
depredações em nome de uma pauta de reivindicações tão ampla quanto
imprecisa.
Ao dar destaque a tais bravatas, deixando no ar o temor de que o Estado
é impotente contra a desordem, a imprensa fortalece tanto o PCC quanto
os insensatos que pensam poder paralisar indefinidamente a vida nas
cidades. Com isso, tanto as autoridades da Segurança Pública quanto os
jornais colaboram para demonizar as manifestações originais, aquelas de
junho, que traziam a público reivindicações essenciais para a qualidade
de vida de milhões de brasileiros, como o direito à mobilidade urbana,
melhorias na saúde e na educação, controle da corrupção e reforma no
sistema político-partidário.
Ao empacotar todos os protestos no contexto da criminalidade, essa ação
conjunta da imprensa incentiva os agentes públicos mais propensos ao
uso da violência a aumentarem sua sanha contra qualquer grupo que se
mova nas ruas.
Conversas plantadas
O primeiro jornal a reproduzir a seleção de informações do Ministério
Público sobre as conversas dos líderes do PCC, na série iniciada
sexta-feira (11/10), foi o Estado de S.Paulo, que se mantém na atitude pouco jornalística de dar encaminhamento às informações oficiais sem exercer o dever da dúvida.
A Folha de S. Paulo e o Globo entraram na cobertura mas, na terça (15/10), a Folha
dá um novo tom ao assunto, destacando contradições nas avaliações do
governo paulista sobre o poderio da organização criminosa e lembrando
que, em 2011, o então secretário da Segurança havia afirmado que “o PCC
são no máximo 30 presos influentes que exercem algum poder de decisão e
estão cumprindo pena em um só presídio”.
Segundo a Folha, o governo paulista foi questionado até mesmo
por entidades internacionais por nunca haver produzido um relatório
abrangente sobre a onda de ataques promovida em 2006 pela organização
criminosa.
É interessante observar que essa postura da Folha quebra o
discurso uniforme da mídia tradicional sobre o problema do crime
organizado em São Paulo. Ao mesmo tempo, convém chamar atenção para o
fato de que os distúrbios provocados por transportadores autônomos que
controlam o serviço de micro-ônibus no Rio, nos últimos dias, tem por
trás a mão das milícias chefiadas por policiais corruptos.
Portanto, já é tempo de a imprensa sair das caixinhas onde costuma
colocar os grandes problemas nacionais e questionar se a questão da
corrupção de autoridades, que fertiliza o poder dos criminosos, não
estaria a merecer uma ação conjunta dos estados com o governo federal,
envolvendo todas as instituições da República.
O Brasil está precisando de uma “Operação Mãos Limpas”, como foi feito
na Itália a partir dos anos 1980. O assassinato de um jovem promotor em
Pernambuco, ocorrido na manhã de segunda-feira (14/10), vem se somar ao
quadro de insegurança que envolve os agentes públicos que tratam de
fazer seu trabalho.
Os líderes do PCC falaram o que queriam que fosse gravado. Ao dar
publicidade ao conteúdo dessas conversas sem complementar as informações
oficiais com suas próprias investigações e reflexões, parte da imprensa
corre o risco de servir ao mesmo tempo ao crime organizado e às
autoridades que tentam dissimular sua incapacidade de lidar com o
problema.
O jornalismo que não questiona suas fontes pode acabar se desmoralizando.
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