Bem.. o autor é norte-americano. Parece ser um dos poucos lúcidos!!!
Uma potência à beira da insanidade
Reféns de direita primitiva, EUA paralisam governo,
põem em risco ordem financeira que os favorece e expõem gravidade de sua
decadência
Por Paul Krugman | Tradução: Antonio Martins (do Outras Palavras)
Pode ser que o mundo termine assim – não num big bang, mas num ataque de cólera.
A paralisação parcial do governo norte-americano – que
tornou-se inevitável depois que a Câmara decidiu, no domigo, liberar
recursos para o governo apenas em condições inaceitáveis – não será o
fim do mundo. Mas um calote dos Estados Unidos, que só não ocorrerá se o
Congresso elevar rápido o teto de endividamento do Estado, pode causar
catástrofe financeira. Infelizmente, muitos republicanos ou não entendem
o desastre, ou não se importam com ele.
Tratemos primeiro de Economia. Depois das paralisações
do governo em 1995 e 96, muitos observadores concluíram que tais
eventos, embora evidentemente ruins, não são catástrofes. Os serviços
essenciais continuam e o resultado é um grande incômodo, mas não um dano
duradouro. Esta observação ainda é parcialmente verdadeira, porém vale
notar que as paralisações da era Clinton ocorreram num cenário de
economia efervescente. Hoje, ela está fraca e uma das razões principais
é a queda dos gastos governamentais. Uma paralisação equivale a mais um
golpe, que pode tornar-se forte se o fenômeno se prolongar.
Ainda assim, uma pralisação do governo parece pouco, se
comparada com a possibilidade de o Congresso recusar-se a elevar o teto
de endividamento. Primeiro, porque se o teto for atingido, haverá um
corte de despesas imediato e gigantesco, que provavelmente jogará os
Estados Undios novamente em recessão. Além disso, serão interrompidos os
pagamentos da dívida governamental norte-americana. Isso pode ter
consequências aterrorizantes.
Por que? Os mercados financeiros tratam os títulos da
dívida norte-americana como o ativo mais seguro. A presunção de que os
EUA sempre honrarão sua dívida é a viga-mestra que sustenta o sistema
financeiro internacional. Em particular, os títulos do Tesouro –
obrigações de curto prazo dos EUA – são o que os investidores procuram,
quando querem contrapartidas absolutamente sólidas contra perdas em
empréstimos. Estes papéis são tão essenciais que, em momentos de
estresse severo dos mercados, eles às vezes pagam taxas de juros ligeiramente negativas. Ou seja, são tratados com se fossem melhores que dinheiro vivo.
Suponha que se torne claro que os títulos dos EUA não
são seguros; que não se pode ter certeza de que o país honrará sua
dívida. Subitamente, todo o sistema estaria rompido. Talvez, com sorte,
as instituições financeiras engendrassem juntas arranjos alternativos.
Mas parece muito provável que o calote norte-americano criaria uma
imensa crise financeira, muito superior ao abalo gerado pela quebra do
Lehman Brothers, há cinco anos.
Nenhum sistema político saudável correria este tipo de
risco. Mas nosso sistema político deixou de ser saudável. Nele, um
número expressivo de republicanos acredita que podem forçar o presidente
Obama a cancelar a reforma na Saúde chantageando-o com a paralisação do
governo, um calote da dívida ou ambos. E os líderes republicanos que
entendem o drama um pouco melhor temem opor-se à ala delirante do
partido. Por isso, também são delirantes, tanto na Economia como na
Política.
Sobre Economia: os radicais do Partido Republicano
rejeitam, em geral, o conceito científico do mudança climática. Muitos
rejeitam também a teoria da evolução das espécies. Por que esperar que
acreditem nos alertas sobre os perigos do calote? Não irão fazê-lo, com
certeza. O Partido Republicano reúne um número significativo de “negadores do calote”, que simplesmente desconhecem os perigos de os EUA deixarem de honrar seus débitos
Quanto à Política, as pessoas razoáveis sabem que Obama
não pode e não irá deixar-se chantagear desta forma – e não apenas
porque a reforma da saúde é seu legado político principal. É que, se
passar a fazer concessões àqueles que ameaçam explodir a economia
mundial se não obtiverem o que demandam, Obama poderá ser levado também a
rasgar a Constituição. Mas os republicanos fundamentalistas – e mesmo alguns dos líderes do partido – ainda insistem que Obama cederá a suas exigências.
Como tudo isso terminará? Os votos para financiar o
governo e elevar o teto da dívida existem e sempre existirão. Todos os
democratas na Câmara votariam pelas medidas necessárias para tanto,
assim como um número suficiente de republicanos. O problema é que os
líderes deste partido, temendo a cólera dos fundamentalistas, não
demonstram vontade de mobilizar tais votos. O que poderia levá-los a
mudar de ideia?
Por ironia, se levarmos em conta quem nos meteu neste
labirinto econômico, a resposta mais plausível é que Wall Street fará o
resgate – que o big money dirá aos líderes republicanos que eles
precisam acabar com sua postura absurda. Mas, e se nem mesmo os
plutocratas conseguirem controlar a direita radical? Neste caso, ou
Obama deixará que o calote ocorra, ou encontrará alguma forma de
desafiar os chantagistas, trocando uma crise financeira por uma crise
constitucional.
Tudo isso parece louco, porque é. Mas a loucura de hoje,
em última instância não reside na situação – mas nas mentes dos
políticos e de quem os elege. O calote não está em nossas estrelas. Está
em nós mesmos.
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