sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Prisões suecas: aqui se reabilitam seres humanos

Numa semana em que os horrores do sistema prisional brasileiro foram expostos ad nauseam pelo ocorrido nas cadeias do feudo dos Sarney, é importante a leitura do contraponto.


Prisões suecas: aqui se reabilitam seres humanos


País fecha cárceres, por falta de detentos, e comprova: presídios bárbaros só alimentam ódios; para combater criminalidade e reincidência, receita é outra
Por Cibelih Hespanhol

Quando Alexander Petrovich, assassino confesso de sua própria mulher, viu-se encarcerado entre as paredes de um presídio na Sibéria, passou a conhecer o dia-a-dia, detalhes e hábitos deste sistema. E escreveu as seguintes linhas em seu diário pessoal: “não resta dúvidas de que o tão gabado regime de penitenciária oferece resultados falsos, meramente aparentes. Esgota a capacidade humana, desfibra a alma, avilta, caleja e só oficiosamente faz do detento ‘remido’ um modelo de sistemas regeneradores”. Se Alexander e sua história pertencem ao romance Recordações da Casa dos Mortos, de Dostoievski, publicado em 1860, seu drama ainda pode ser considerado absurdamente atual.
As recentes notícias sobre o fechamento de quatro prisões suecas reabriram discussões sobre a forma como lidamos com nossos detentos. Isto porque a falta de presos no país nórdico é atribuída principalmente à forma de organização de seu sistema penitenciário, que conta com investimentos na reabilitação dos prisioneiros; adoção de penas mais leves em delitos relacionados a drogas; e revisões judiciais que optam por penas alternativas em alguns casos, como liberdade vigiada. Em situação semelhante, a Holanda já havia anunciado em 2012 a necessidade de fechar oito prisões e demitir mais de mil funcionários – pelo mesmo motivo: suas celas estavam praticamente vazias. O que tem a nos dizer estes países?
Em sentindo inverso, nos Estados Unidos, país com maior população carcerária do mundo, o número de detentos chega a praticamente 2,3 milhões. E a taxa de reincidência é de 60% – ou seja, a cada dez pessoas que saem da prisão, seis voltarão para o crime. O Brasil, que ocupa o quarto lugar no ranking de população carcerária, possui cerca de 500 mil presos, num índice de 274 detentos por 100 mil habitantes. Além disso, o número de detentos é 66% maior do que a capacidade que o sistema brasileiro possui de abrigá-los nas prisões. Em junho do ano passado, a ONU declarou em relatório oficial a necessidade do país “melhorar as condições de suas prisões e enfrentar o problema da superlotação”. Casos de violação dos direitos humanos, torturas físicas e psicológicas são recorrentes em presídios brasileiros: no Rio de Janeiro, um preso é morto a cada dois dias, principalmente de tuberculose e AIDS.

A abismal diferença entre prisões suecas e brasileiras (ou norte americanas) está nas teorias que fundamentam seus sistemas penitenciários. O país da pena de morte é o mesmo que viu sua população carcerária praticamente dobrar desde o início dos anos 90. Já o país que optou por uma política de reinserção social, em que uma agência governamental é encarregada de supervisionar os detentos e oferecer programas de tratamento para aqueles com problemas com drogas, vê agora suas prisões serem fechadas por falta de prisioneiros. Em entrevista ao The Guardian, Kenneth Gustafsson, governador da prisão de Kumla, a mais segura da Suécia, declara: “existem pessoas que não querem ou não podem mudar. Mas na minha experiência a maioria dos prisioneiros quer mudar, e nós precisamos fazer o que pudermos para ajuda-los. E não é apenas a prisão que pode reabilitar. Isso é um processo combinado, que envolve a sociedade. Podemos dar educação e treinamento, mas quando essas pessoas deixam as prisões elas precisam de moradia e emprego”.
Em suma, o que a Suécia tem a nos ensinar é a noção contrária do senso comum de que “cadeia boa é cadeia infernal”: optar pela humanização do sistema penitenciário prova-se como a maneira mais eficaz de se verem reduzidos os índices de criminalidade. Ou nas palavras daquele personagem de Dostoievski, de duzentos anos atrás: “E já que [o detento] é de fato um homem, deve ser assim tratado. Um tratamento humano pode até devolver a condição humana mesmo àqueles que se esquivaram…”.
                                      
Fonte: http://outraspalavras.net/blog/2014/01/08/prisoes-suecas-aqui-se-reabilitam-seres-humanos/


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Prisões: a culpa da sociedade e a da mídia


Opinião pública ainda crê em presídios cruéis, como remédio contra crime. Tal irracionalidade é repetida, todos os dias, por TVs e jornais
Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania
O que mais assusta na tragédia ocorrida na região metropolitana de São Luis (MA) e no Complexo Penitenciário de Pedrinhas é a constatação extemporânea, tardia e hipócrita da mídia, de parte da classe política e dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário sobre as condições desumanas dessa prisão e de praticamente todas as outras pelo país afora.
Alguém acredita seriamente que um país rico como este não tem condições de construir prisões minimamente dignas para os cerca de 500 mil presos brasileiros? Até porque, não seria necessário construir prisões para toda essa gente, mas apenas para a parte que constitui o excedente da população carcerária.
Então, se “um país rico como este” poderia ter prisões minimamente humanas, por que não tem? Resposta: porque a sociedade brasileira quer que suas prisões sejam desumanas mesmo. E por que este povo quer isso? Porque acredita não só que prisões desumanas podem dissuadir os que cogitem ingressar no crime como acredita que violência policial produz o mesmo efeito.
Não é preciso nem discutir o mérito dessa ideia maluca. É melhor discutir sua efetividade. Como se sabe, tem muita gente que vive espalhando por aí que nossas prisões são “colônias de férias” e que o castigo que a lei prevê para os criminosos é “brando demais”. Vendo o que aconteceu em Pedrinhas, percebe-se quanto idiota há por aí espalhando essas tolices.
O sistema carcerário brasileiro é o quarto maior do mundo e um dos mais cruéis e desumanos. Cumprir um ano de prisão no Brasil equivale a cumprir dez em uma prisão civilizada. Assim, o aumento de penas que tantos pregam como “solução” para o crime não passa de outra cretinice cavalar.
Mas por que a sociedade pede prisões desumanas e as autoridades, premidas por interesses políticos, atendem a essa exigência não apenas burra, mas suicida da maioria dos brasileiros? Simples, porque estes são insuflados cotidianamente pela mídia e, também, por políticos demagogos que se entregam a prometer tudo que o povo pede, por mais absurdo que seja.
Mas quem insufla toda essa burrice é a mídia, acima de qualquer outro. Seus programas policialescos, ao estilo Datena ou Marcelo Resende – que se reproduzem como pragas pelas televisões e rádios regionais e até municipais de todo país –, instilam ódio na sociedade.
Esses apresentadores de programas sangrentos sobre crimes vivem dizendo sobre a violência que gostariam de praticar com as próprias mãos contra os bandidos, durante seus arroubos de machões. O espectador/ouvinte é estimulado a pensar na prisão como forma de vingança e nunca como forma de ressocializar o preso.
Até porque, o princípio de ressocialização não é conhecido. E que princípio é esse? O de que aquele que comete crimes seja preso como forma de proteção à sociedade, não como forma de ela se vingar dele. E o de que é preciso ressocializar porque todo criminoso preso volta às ruas um dia e, se não for ressocializado, volta pior.
Quem passa por uma prisão brasileira, no mais das vezes sai dela pior do que entrou não só porque “aprende o que não presta lá dentro”, mas porque sai de lá no mínimo revoltado. Só que, muitas vezes – ênfase em muitas vezes –, sai de lá com graves problemas mentais, tornando-se um risco ainda maior do que o criminoso meramente revoltado.
A solução para a violência e a criminalidade no Brasil, portanto, não é só mais justiça social, menos pobreza e miséria zero. É, também, construir prisões que preparem o presidiário para ser reinserido na sociedade. Enquanto forem o que são, nossas prisões continuarão sendo a linha de montagem do crime, onde o bandido se profissionaliza e se torna monstruoso.
Para que isso ocorra, a mídia teria que parar de insuflar ódio e começar a instilar reflexão na sociedade. Haveria que explicar que violência policial e prisões desumanas nunca conseguiram diminuir violência e criminalidade em parte alguma do mundo. Mas aí é querer demais. Programas que insuflam ódio e burrice dão muito mais audiência.

Fonte: http://outraspalavras.net/outrasmidias/capa-outras-midias/barbarie-nas-prisoes-a-culpa-da-sociedade-e-a-da-midia/

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