sábado, 22 de fevereiro de 2014

Jornalista lembra em carta aberta a morte de seu filho

Esta carta complementa a matéria publicada ontem, da Hildegard Angel. É bom ler as duas!


 
Em carta aberta divulgada nas redes sociais, o jornalista Dermi Azevedo, colunista da Carta Maior, lembrou ontem o primeiro ano da morte do seu filho.
 
Dermi Azevedo
 
Carta ao meu filho

Caro Carlos Alexandre Azevedo (Cacá)

Meu querido filho,

Bom dia !

Faz hoje exatamente um ano que você partiu para outra vida. Como aconteceu com muitas outras crianças, você foi uma das vítimas da cruel e sanguinária ditadura civil-militar de 1964. Com apenas um e ano oito meses, você foi submetido a torturas pela “equipe” do delegado Josecyr  Cuoco, subordinado ao  delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais violentos esbirros da história contemporânea.

Já no sofá da pequena casa em que morávamos no bairro de Campo Belo, na zona sul paulistana, os investigadores da repressão quebraram os seus dentinhos; mais tarde, você foi submetido a novos vexames na sede do DEOPS. Em seguida, na madrugada de 14 de janeiro de 1974, você foi levado a São Bernardo do Campo, onde moravam seus avós Carlos e Joana. Eles foram acordados  com o barulho dos agentes que jogaram você no piso da sala...

Toda a sua vida foi marcada por esses acontecimentos. Quando você, anos mais tarde, tomou conhecimento do que viveu, você leu muito e estudou a história da repressão fascista.  Em entrevista à repórter Solange Azevedo, da ISTO É,  você sussurrou:  “Minha família nunca conseguiu se recuperar totalmente dos abusos sofridos durante a ditadura... Muita gente ainda acha que não houve ditadura nem tortura no Brasil...”.

É isto mesmo, meu filho. Ainda há muita gente que não acredita que milhares de brasileiros e de brasileiras, de estrangeiros e de estrangeiras que viviam no Brasil, dedicados aos mais oprimidos e excluídos, tenham sido perseguidos e esmagados pela ditadura...”

Ainda há cidadãos, fardados ou não, no Brasil e na América Latina, que praticam e legitimam a tortura...

Definitivamente marcado pela dor...por sua dor e pelo sofrimento (inenarrável ) de sua mãe e de seus irmãos, você decidiu partir...

Cabe a mim, seu pai, a tarefa quase apenas de compartilhar a narração do seu calvário, de denunciar – como jornalista – os crimes da ditadura e de lutar para que dores e agonias, como as que você viveu, nunca mais aconteçam...

Do seu pai

Dermi Azevedo

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