por Leneide Duarte-Plon, de Paris*
Um vento polar começou a soprar entre Moscou e Paris. As relações entre as duas capitais nunca estiveram tão frias.
Dia
19 de outubro, o presidente russo deveria estar em Paris para inaugurar
o monumental Centro Espiritual e Cultural Ortodoxo Russo, que conta com
uma imponente Igreja Ortodoxa no coração de Paris, perto da Torre
Eiffel. O projeto milionário custou 170 milhões de euros e, pela lei, o
conjunto goza do status de « bem diplomático ».
Mas a vinda de Putin foi cancelada e a inauguração não vai contar com a presença de Hollande.
Assim,
as relações diplomáticas entre franceses e russos estão congeladas até
segunda ordem. Nesse quadro de guerra fria, o presidente Vladimir Putin
encarna a figura do vilão.
O seu grande pecado é garantir a sobrevida
do regime sírio de Bachar Al-Assad através de bombardeios permanentes
aos rebeldes que, diga-se de passagem, são armados pelos Estados Unidos e
pela própria França. Mas, como em quase todas as guerras, tudo é muito
nebuloso e complexo.
Bombas sobre Alepo
Para
alguns observadores, colocar em Putin toda a responsabilidade dos
efeitos atuais da guerra na Síria (civis morrendo sob as bombas,
refugiados fugindo em desespero) e do fracasso das duas tréguas tentadas
recentemente não passa de « russofobia » da política externa francesa.
Para
outros, Vladimir Putin é um criminoso de guerra ao prosseguir o
bombardeio de Alepo, deixando milhares de civis como reféns do regime de
Bachar Al-Assad. Para esses, Putin traça sua política de enfrentamento
com o mundo ocidental seguindo sua própria lógica.
Tanto
o presidente francês quanto o Quai d’Orsay enviaram um recado
diplomático sobre o que gostariam de tratar com Putin em Paris : a Síria
e somente este assunto. Nada de frivolidades, diziam os diplomatas
referindo-se ao Centro Cultural e à igreja ortodoxa. O mal estar que se
formou levou Moscou a cancelar ontem, dia 12, a visita do presidente,
prevista há mais de um ano.
O
porta-voz do Kremlin anunciou que Putin virá a Paris « quando o momento
for oportuno e o presidente Hollande se sentir à vontade », deixando
claro quem provocou a anulação.
Crimes de guerra : Alepo seria a nova Guernica
Numa
escalada diplomática, a França denunciou a Rússia e a Síria por
« crimes de guerra » no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
« Nós
respondemos a essa acusação no Conselho de Segurança da ONU (8 de
outubro) quando a resolução francesa foi bloqueada. Depois eles
bloquearam nossa resolução. Tudo foi dito e explicado », respondeu o
chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, na cúpula sobre a energia,
que aconteceu em Istambul, onde Vladimir Putin esteve presente.
Durante
um debate extraordinário na Câmara dos Comuns, em Londres, o
conservador Andrex Mitchell, ex-ministro britânico do Desenvolvimento
Internacional, comparou a posição atual da Rússia na ONU ao que a Itália
e a Alemanha fizeram na Sociedade das Nações nos anos 30.
E foi além : em Alepo, a Rússia faz o que os nazistas fizeram em Guernica, durante a Guerra Civil Espanhola, em 1937.
Na
França, a política externa de Hollande em relação a Moscou não agrada
nem à extrema direita nem à extrema esquerda. Nos dois extremos há quem
acuse o presidente de « lacaio dos americanos » ou de « alinhamento
total com Washington ». No complexo universo político francês tanto
Marine Le Pen, do Front National, de extrema-direita, quanto Jean-Luc
Mélenchon, do Parti de Gauche, extrema-esquerda, condenam a diabolização
que governo e uma certa imprensa francesa tentam fazer do presidente
russo.
Como o novo presidente
francês será eleito em maio próximo, o prudente Putin vai, quem sabe,
esperar para ver com quem terá que se entender (ou não) nos próximos
anos.
* Leneide
Duarte-Plon é autora de « A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao
Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e
o terrorismo de Estado » (Editora Civilização Brasileira, 2016)
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/A-guerra-fria-entre-Paris-e-Moscou/6/37005)
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