Texto escrito por José de Souza Castro:
Passados dez meses da publicação do artigo pelo Centro Internacional
de Políticas para o Crescimento Inclusivo – uma parceria entre o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Governo do Brasil
–, já é possível afirmar como nossa imprensa se distancia dos interesses
da maioria dos brasileiros. Uma pesquisa no Google mostra que grandes
jornais, rádios e televisões não destacaram que “cerca de dois terços da
renda dos super-ricos (meio milésimo da população) está isenta de
qualquer incidência tributária”, como se lê AQUI.
O tema interessa sobretudo agora, quando o novo governo busca formas
de garantir pelos próximos 20 anos o pagamento aos investidores ricos
que compram títulos públicos, atraídos pelos mais altos juros pagos por
um governo de país responsável no mundo, à custa de programas que
interessam de perto à grande maioria dos brasileiros pobres ou
remediados.
O desinteresse foi notável, tanto que o site da ONU no Brasil insistiu na divulgação do artigo, ao publicar no dia 31 de março, nova notícia
a respeito do estudo feito pelos pesquisadores Sérgio Gobetti e Rodrigo
Orair, que também são pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), desta vez com o seguinte título: “Brasil é paraíso
tributário para super-ricos, diz estudo de centro da ONU”. O título do
artigo publicado em dezembro é este: “Tributação e distribuição da renda
no Brasil: novas evidências a partir das declarações tributárias das
pessoas físicas”.
Trechos desse artigo:
– O Brasil é um dos países que, por falta de suficiente transparência
fiscal, ficaram de fora do estudo dos economistas Anthony Atkinson e
Thomas Piketty, que fornece uma perspectiva global sobre a concentração
de renda no topo da distribuição, a partir dos dados das declarações do
imposto de renda. Felizmente, em 2015, a Receita Federal do Brasil
voltou a disponibilizar, à sociedade, informações mais detalhadas das
declarações do imposto de renda, que permitem, por exemplo, identificar
os brasileiros no topo da pirâmide social, aproximadamente, 71 mil
pessoas que correspondem ao meio milésimo mais rico (0,05 por cento da
população adulta) e ganharam, em média, R$ 4,1 milhões em 2013.
– A concentração de renda brasileira supera qualquer outro país com
informações disponíveis. O décimo mais rico apropria-se de metade da
renda das famílias brasileiras (52 por cento), o centésimo mais rico
algo próximo a um quarto (23,2 por cento) e o milésimo mais rico chega a
um décimo (10,6 por cento), índices que ultrapassam os limites
considerados toleráveis para as sociedades democráticas, segundo
Piketty. Mas o que realmente chama a atenção é que o meio milésimo mais
rico concentra 8,5 por cento da renda.
– Os brasileiros super-ricos pagam menos imposto, em proporção da sua
renda, que um cidadão típico de classe média alta, sobretudo o
assalariado, o que viola o princípio da progressividade tributária,
segundo o qual o nível de tributação deve crescer com a renda. Cerca de
dois terços da renda dos super-ricos (meio milésimo da população) está
isenta de qualquer incidência tributária, proporção superior a qualquer
outra faixa de rendimentos. O resultado é que a alíquota efetiva média
paga pelos super-ricos chega a apenas 7 por cento, enquanto a média nos
estratos intermediários dos declarantes do imposto de renda chega a 12
por cento.
– Essa distorção deve-se, principalmente, a uma peculiaridade da
legislação brasileira: a isenção de lucros e dividendos distribuídos
pelas empresas a seus sócios e acionistas. Dos 71 mil brasileiros
super-ricos, cerca de 50 mil receberam dividendos em 2013 e não pagaram
qualquer imposto por eles. Além disso, beneficiaram-se de uma baixa
tributação sobre ganhos financeiros, que no Brasil varia entre 15 por
cento e 20 por cento, enquanto os salários estão sujeitos a um imposto
progressivo, cuja alíquota máxima de 27,5 por cento atinge níveis muito
moderados de renda (acima de R$ 4,7 mil de renda mensal.
– O potencial distributivo do imposto de renda no Brasil, medido em
termos de queda no índice de Gini, é menor que nos países mais
desenvolvidos da América Latina, como México, Uruguai, Argentina e
Chile, e bem inferior ao dos países europeus. Em resumo, os dados
revelam que o Brasil é um país de extrema desigualdade e também um
paraíso tributário para os super-ricos, combinando baixo nível de
tributação sobre aplicações financeiras, uma das mais elevadas taxas de
juros do mundo e uma prática pouco comum de isentar a distribuição de
dividendos de imposto de renda na pessoa física.
– A justificativa para tal isenção é evitar que o lucro, já tributado
ao nível da empresa, seja novamente taxado quando se converte em renda
pessoal. Entre os 34 países da OCDE, que reúne economias desenvolvidas e
algumas em desenvolvimento que aceitam os princípios da democracia
representativa e da economia de livre mercado, apenas três isentavam os
dividendos até 2010. México retomou a taxação em 2014 e República
Eslováquia instituiu em 2011 uma contribuição social para financiar a
saúde. Restou somente a Estônia, pequeno país que adotou uma das
reformas pró-mercado mais radicais do mundo, após o fim do domínio
soviético nos anos de 1990, e que, como o Brasil, concede total isenção
tributária à principal fonte de renda dos mais ricos. Em média, a
tributação total do lucro (somando pessoa jurídica e pessoa física)
chega a 48 por cento nos países da OCDE (sendo 64 por cento na França,
48 por cento na Alemanha e 57 por cento nos Estados Unidos). No Brasil,
com as isenções de dividendos e outros benefícios tributários, essa taxa
cai abaixo de 30 por cento. No entanto, a excentricidade brasileira não
para por aí. O Brasil possui uma elevada carga tributária para os
padrões das economias em desenvolvimento, por volta de 34 por cento do
PIB, equivalente à média dos países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Diferentemente dos países da OCDE, nos
quais a parcela da tributação que recai sobre bens e serviços é
residual (cerca de um terço do total) e há maior peso da tributação
sobre renda e patrimônio, cerca de metade da carga brasileira provém de
tributos sobre bens e serviços que, proporcionalmente, oneram mais a
renda dos mais pobres. Ou seja, os privilégios aos rendimentos da
propriedade do capital, que tornam o imposto de renda no Brasil pouco
redistributivo, são apenas um elemento de uma estrutura tributária
global muito regressiva.
– Contudo, é interessante assinalar que nem os governos conservadores
de Ronald Reagan e George W. Bush, nos Estados Unidos, e Margaret
Thatcher, no Reino Unido, conseguiram fazer o que o governo brasileiro
fez em 1995, ao isentar completamente os lucros e os dividendos. E,
enquanto o avanço conservador está sendo parcialmente revertido na
maioria dos países da OCDE, que estão aumentando a taxação sobre os mais
ricos, inclusive os dividendos, de acordo com os esforços de ajustes
fiscais que não penalizem tanto os mais pobres; no Brasil nenhuma
reforma de fôlego com o objetivo de ampliar a progressividade do sistema
tributário foi realizada nos últimos 30 anos de democracia, dos quais
12 anos sob o governo de centro-esquerda do Partido dos Trabalhadores
(PT). Repensar essa questão e colocar em pauta a agenda da
progressividade, já com certo atraso, é um dos grandes desafios para o
Brasil na atualidade.
Os leitores mais atentos podem dizer que já leram sobre isso por aí. É
verdade. Muitos sites divulgaram o estudo na Internet. E não apenas
“blogs sujos”. Este, por exemplo, não pode ser considerado suspeito aos olhos de Temer.
Mas quem, na imprensa, no governo e no Congresso Nacional, está
debatendo o tema neste momento? O que seria mais apropriado? Nem Elio
Gaspari ousa, num jornal como a “Folha de S. Paulo”, em artigo
intitulado “Para que a PEC 241 seja eficaz, precisa morder para cima”, explicitar quem deve ser mordido.
O jornal citado, que no passado dizia não ter rabo preso com ninguém e
se tornou o mais lido do país, talvez pudesse publicar editorial de
primeira página, como fez algumas vezes sobre assuntos de grande
relevância, apontando a quem morder: os 71 mil brasileiros super-ricos,
dos quais cerca de 50 mil receberam dividendos em 2013 e não pagaram
qualquer imposto por eles.
(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/10/14/pec-241-a-quem-morder-para-cima/#more-13127)
Isso vem mais uma vez ratificar que no Brasil, em desrespeito à sua Constituição, que reza em seus primeiros artigos que, "todos são iguais perante a Lei" porém que muitos são mais iguais que todos.
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