Antônio de Paiva Moura
Dialética é palavra criada na Grécia
Antiga para nomear o caminho percorrido pelas idéias, ou seja, um processo de
discussão sobre as idéias. Na concepção moderna, dialética é o modo de
pensarmos as contradições da realidade, ou seja, o modo de ver a realidade como
essencialmente contraditória e em permanente transformação. Dialética é
diferente do método causal, no qual se estabelece relações de causas e efeitos.
A dialética é a história das contradições.
Entende-se por contradição, o estado de coisa que se coloca numa situação
conflitante aos mecanismos produtivos e as relações de produção.
Contradição é, portanto, o que se
opõe ao que foi feito e determinado anteriormente. Um exemplo claro de
contradição social histórica foi exposto por Clovis Moura em “Rebeliões da
Senzala” (2014), no qual demonstra que a abolição da escravatura em 1888, não
se consumou pela vontade da elite dominante, mas pelas lutas travadas pelos
escravos. O racismo ou a concepção preconceituosa de que o negro era um ser
inferior ao branco é que dava sustentação ao regime de escravidão. Como os
herdeiros da elite escravista continuaram no poder até hoje, a marginalização e
o preconceito contra os negros e brancos pobres continuou.
Mas antes de chegar ao atual
conceito de dialética ele passou por muitas formas diferentes de emprego do
termo. Conforme amplo estudo de Leandro Konder (1985). Entre os pensadores
antigos, o mais contundente foi Heráclito de Efeso que viveu há cerca de 500
anos antes de Cristo. Para ele, desde o nascimento até a morte, todos os seres
vivos passam por realidades que se transformam umas nas outras. Todas as
coisas, situações e pessoas estão em permanentes transformações. Diz ele: Um homem não banha duas vezes em um mesmo
rio, pois da segunda vez, não será o mesmo homem e nem o mesmo rio. Os
pensadores metafísicos como Parmênides reagiram à posição de Heráclito,
argumentando que as coisas são imutáveis e que o que muda é só a superfície ou
as aparências. É certo que no decorrer da história a posição conservadora de
Parmênides prevaleceu. Na idade Média, por exemplo, a sociedade feudal era
estática e não permitia mudança social. Qualquer mudança poderia redundar em
quebra dos privilégios da nobreza e do clero. Até a idéia de universo era
estática. A terra era uma chapa imóvel, que não passava por transformações. No
século XVI Copérnico (1473-1543) descobriu que a terra não era o centro do
universo e que girava em torno do sol. No
campo da evolução social, outros pensadores tiveram uma compreensão mais
concreta da dinâmica das transformações. Kant (1724-1804) observa que a consciência
humana não se limita a registrar passivamente impressões provenientes do mundo
exterior, sendo a consciência de um ser que interfere ativamente na realidade.
Outro pensador que se ocupou da dialética como forma de concepção da realidade
foi Hegel (1770-1831), tendo visto o trabalho como mola que impulsiona o
desenvolvimento humano. Superar pelo trabalho tem por caminho três palavras
chaves: negar ou anular; erguer pra proteger; elevar a qualidade. No trabalho a
matéria prima é negada, conservada e elevada. É o que se pode exemplificar na
fabricação do pão, na qual o trigo é triturado (negado). Em seguida é melhorado
com mistura de outras substâncias (erguido). Finalmente é dado um trato na
massa e elevado à condição de alimento e mercadoria, enriquecida com o trabalho
humano.
Mas diferente de Hegel, Marx via no
trabalho, que em vez de servir para o ser humano realizar-se, servia para
aliená-lo. Numa coisa Marx estava de acordo com Hegel: A visão total é necessária para enxergar, e
encaminhar uma solução a um problema. Hegel dizia que a verdade é o todo. Que
se não enxergamos o todo, podemos atribuir valores exagerados a verdades
limitadas, prejudicando a compreensão de uma verdade geral. Essa visão é sempre
provisória, nunca alcança uma etapa definitiva e acabada, caso contrário a dialética
estaria negando a si própria. (KONDER,
1985). A teoria dialética alerta e identifica as contradições concretas que
constituem o tecido de cada totalidade
E agora?
O método dialético nos
incita a revermos o passado, à luz do que está acontecendo no presente. Para
entendermos o quadro político instaurado após a deposição da presidente Dilma e
a instauração do governo Temer precisamos ver o que ocorre no mundo, no momento
atual. Adorno e Horkheimer (1947) demonstram a maior e a mais profunda
contradição dos tempos modernos, de que o contínuo progresso científico e
tecnológico representou o domínio do homem sobre a natureza, mas se desvirtuou
por completo ao ser utilizado para ampliar a dominação do homem sobre o próprio
homem.
Como em
longínquos tempos, o empresariado é movido pela ambição crescente de lucro. O
trabalho humano foi sempre considerado o maior peso no custo da produção. Daí a
tendência a lesar trabalhadores em seus direitos; usar a força política e o
poder de coação para impedir remuneração justa à mão de obra. O chamado
neoliberalismo, que surgiu no final do século passado, passou a ser uma escola
que ministra estratégias no sentido de substituir e desvalorizar o trabalho
humano com: equipes de trabalhadores anônimos; salários flexíveis; trabalhos
polivalentes; terceirização; trabalhos “autônomos”; trabalho digital e trabalho
on-line. Para não ficar desempregado o trabalhador se rende a essas formas
escravistas.
As
políticas sociais que vinham sendo praticadas no ocidente após a Segunda Guerra
Mundial e, no Brasil, referendadas pela Constituição de 1988 passaram a ser
vistas como obstáculos a uma contínua e alta lucratividade em todos os setores
da economia. Na América Latina, todos os governantes apoiadores de tais
políticas sociais sofreram pressão para deixar o poder, como em Honduras,
Paraguai, Brasil e Venezuela. Nesta última, Nicolas, embora maduro, ainda não
caiu. Toda vez que as classes assalariadas elegem chefes do poder executivo, a
democracia é atacada pela classe proprietária. A grande contradição é que a democracia é conquistada com sacrifico de
muitos, mas quem dela passa a se beneficiar são as elites detentoras dos
capitais econômicos e intelectuais. A democracia passa a garantir o retrocesso
e a negar o progresso humano.
Referências:
HORKHEIMER,
Max; ADORNO, Theodor. Dialética do esclarecimento. [1947]. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
KONDER,
Leandro. O que é dialética. São
Paulo: Brasiliense, 1985.
MOURA,
Clovis. Rebelião da Senzala: quilombos,
insurreições e guerrilhas”. São Paulo: Anita Garibaldi, 2014.
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