por Gilson Dantas
Desde o século XIX, com o médico e ativista social R. Virchow, se
sabe que a saúde coletiva depende das condições de água, saneamento,
habitação, mobilidade urbana das pessoas.
Este é o primeiro fato, e depois dele vem a assistência médica. Marx também menciona no O capital,
que o advento da grande indústria capitalista provocou uma explosão do
que ele chamou ali, cientificamente, de “catálogo das doenças
operárias”, e que hoje os sanitaristas chamam de patologias industriais.
Em outras palavras seria o seguinte: a atenção médico-sanitária ou
assistência médica não é o determinante mais importante para a saúde
pública. Para pensar com um exemplo gráfico, tomemos nas comunidades
pobres do Recife, que vivem em palafitas [casas ultra-precárias
levantadas e amontoadas, em pés de madeira, sobre águas podres e
contaminadas, povoadas de mosquitos] e agora imagine se alguma política
médico-sanitária poderá ter sucesso sem revolucionar moradia e
saneamento daquelas pessoas? Sem chance. No máximo vão envenenar e
adoecer pessoas vaporizando tóxicos pesados – “fumacê” – sobre seus
barracos e as águas.
Este é um conceito, médico sanitário, que obviamente jamais foi
assimilado pelos sucessivos ministérios da saúde no Brasil. Sim,
certamente falam a respeito, dão aulas nas escolas de saúde pública,
fazem encontros sofisticados e caros sobre o tema, com doutores de farto
curriculum, mas quando se trata da política real e concreta, as coisas
vão ficando no papel, não vão além do papel molhado.
A primeira demanda, democrática, da grande massa trabalhadora e suas
famílias, portanto, é lutar para impor, além de emprego digno para
todos, também a imposição de condições de saneamento, moradia,
alimentos, que são a base da saúde.
Mas a questão é muito mais profunda. Ela alcança em cheio as escolas
de medicina e todo o aparato médico-hospitalar de conjunto e sua
concepção do que seja medicina. Senão vejamos.
Quando um trabalhador consegue agendar uma consulta médica – depois
de atravessar a corrida de obstáculos que o capitalismo criou no Brasil
para uma mera consulta médica – a pergunta se impõe: que tipo de atenção
ou de diálogo vai acontecer ali, entre médico e paciente?
Amplamente sucateado, o SUS sequer garante o direito universal à
atenção médica, tão buscada pela população. Aliás, diga-se de passagem,
esta é a forma “indireta” do governo privatizar a assistência médica no
Brasil: os tubarões da saúde e dos planos de saúde jamais lucraram
tanto, jamais foram tão gordos quanto nos recentes governos
lulo-petistas e agora, com o golpista Temer, com o SUS descendo ladeira
abaixo, mais ainda.
Mas voltemos.
Naquela consulta, algum médico se pergunta sobre por que você está
enfermo? Ou será que a tradição [ensinada nas faculdades] é a de, no
máximo, pedir um exame invasivo qualquer e, em seguida, a partir do
laudo, aplicar um rótulo [“hipertensão”, “insuficiência renal”] por
exemplo, e mandar tomar uma droga?
Para além do fato de que foi “tratado” nada mais que o sintoma, ou o
rótulo da doença, existe um problema mais de fundo amplamente
desconsiderado naquele diálogo: a pessoa adoeceu ANTES de entrar no
consultório médico. Não adoeceu NO consultório. No entanto, a medicina
do capital não tem qualquer interesse em relação ao “antes”. Tudo se
passa como em uma fotografia: olho, rotulo, vejo que falta uma nuance
mais azulada na foto e aplico outra coloração. Tudo se passa na esfera
do fenômeno, da aparência, do sintoma.
Não interessa ao aparelho médico-hospitalar o por que aquela pessoa
está enferma. Marx, que estava longe de ser médico, mas, à sua maneira,
já chamava a atenção para o que está fora da consulta médica: o trabalho
fabril capitalista – como consta daquela passagem do seu livro maior;
mas também Engels levanta elementos na mesma direção com o seu A
situação da classe trabalhadora na Inglaterra [este, aliás um livro que
deveria ser básico nas escolas de medicina e saúde pública].
Hoje diríamos: não existia, tempos atrás, nada parecido com doença do
asbesto, do amianto, da indústria radioativa, do operário da fábrica de
anticoncepcionais [que desenvolve tumor de próstata] e assim por
diante. Passaram a existir depois que se instalaram certas condições, de
poluentes, de trabalho massacrante e entediante, todos estes e tantos
outros, elementos de fora do consultório e que o operário carrega dentro
de si – em formato-doença. Elementos dos quais o trabalhador está
impregnado, por isso mesmo está enfermo, e os leva para a consulta
médica. Mas isso não interessa ao profissional da doença. O catálogo de
rótulos e verbetes médico-patológicos, de fato, vive um boom nos marcos
da sociedade organizada pelo capital.
Então como fica a consulta médica que não pergunta – e não se
pergunta – por que você está enfermo ou por que você está com
hipertensão? A medicina deveria saber que a doença “do trabalho fabril”
não existiria sem o trabalho fabril desumano, sujo. Por que então os
elementos de fora do consultório não entram no consultório, na consulta?
Quais são as causas para que aquela pessoa determinada apresente
pressão alta ou digamos, uma fibrose pulmonar, falta de ar? O mais
provável e quase certo é que aquela doença se deva a causas sociais, de
trabalho, ambientais, a problemas de alimentação etc que, vale repetir,
NÃO entram e não farão parte central ou consequente da consulta.
Em suma: a medicina medicaliza, a medicina deixa de fora da
paisagem o mais determinante elemento da saúde pública e o substitui
pela “assistência médica” [diga-se de passagem a serviço da big pharma,
da poderosa indústria de equipamentos de imagem ionizante, da indústria
hospitalar da doença, isto é, da medicina mercantilizada, a mesma que
vai agregar tóxicos, radiações ionizantes e exames invasivos ao
paciente].
O que você diria de um regime político que fala em nome do povo, mas
que exclui as massas do poder político? O que você dirá de uma
assistência médica que solenemente não se pergunta e não pesquisa na
história das condições reais do paciente sobre o por quê ele está
enfermo, e exclui a vida daquela pessoa, põe sua vida para fora da
atenção médica?
Assistência médico-hospitalar precisa ser um direito universal,
estatal, público e gratuito e para isso a medicina não pode ser a
medicina do capital – que torna a saúde um grande negócio – mas ao mesmo
tempo é necessário também questionar um “modelo médico” – igualmente
moldado pelo capitalismo – que não quer saber por que você está enfermo e
nem quer ou pode levar esta pergunta absolutamente lógica até o final.
Nota – Virchow, pai da patologia moderna e da medicina social,
falecido em 1902, dizia que “se a medicina quer exercer plenamente o seu
papel, deve participar da vida política e social do país; deve
assinalar os obstáculos que se opõem ao desenvolvimento normal dos
processos vitais e tentar conseguir sua eliminação”. Por sua vez, J
Benach chama mais apropriadamente a assistência médica de “atenção
sócio-sanitária”, indicando o que ela deveria ser mas não é…
* GILSON DANTAS é graduado em Medicina pela Universidade de Brasília; Doutor em Sociologia pela UnB.
(fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2016/12/17/a-medicina-que-so-trabalha-do-consultorio-para-dentro/)
terça-feira, 27 de dezembro de 2016
sábado, 24 de dezembro de 2016
As 25 propostas para tirar o Brasil da crise
Texto escrito por José de Souza Castro:
No artigo anterior, posso ter transmitido ao leitor desesperança sobre o futuro do Brasil dominado, como se encontra, pelas finanças locais e internacionais, e tendo à frente um governo ilegítimo e um Legislativo e um Judiciário que vão perdendo o respeito da população, à exceção talvez dos mais afortunados e dos que pensam lucrar com o caos.
Os erros da equipe econômica do governo Temer, por sinal, não são percebidos apenas pelos economistas e filósofos de esquerda, como demonstra hoje, na “Folha de S.Paulo”, o colunista Clóvis Rossi, que cita o economista-chefe do Banco Mundial, Paulo Romer, que foi professor da New York University “e não pode ser acusado de ter pertencido à equipe econômica de Dilma Rousseff ou de militar no PSOL”.
Romer é autor de um trabalho, “O problema da macroeconomia”, que expõe, mais uma vez, o que já sabíamos – que economia não é ciência. Mesmo se fosse, estaria sujeita a erros humanos. Pior: os macroeconomistas transformaram-se em uma seita, diz Romer, que manifesta desinteresse por ideias, opiniões e o trabalho de especialistas que não são parte do grupo.
Essa crítica do economista-chefe do Banco Mundial, publicada há três meses, encontra apoios até entre liberais nos Estados Unidos, mas até agora parece ter caído no vazio no Brasil. Um colunista do “Financial Times”, Wolfgang Munchau, propôs tirar a política fiscal do piloto automático “e começar a fazer uma distinção entre interesses do setor financeiro e da economia em geral”.
AQUI se lê, em artigo do jornalista Luis Nassif, que há alternativa razoável à política econômica adotada pelo governo Temer.
A liderança da oposição no Senado analisa um estudo que, pela primeira vez, segundo Nassif, “traça um diagnóstico realista da crise e das medidas para impedir o aprofundamento da recessão”. O estudo demonstra a influência de ideologia nas formulações econômicas que estão a aprofundar a recessão. “Nenhum dos instrumentos óbvios para superar a crise é acenado pela equipe econômica, porque afronta a ideologia a que ela está atrelada”, diz.
O estudo em análise, propõe, em resumo, o seguinte:
Ideologia à parte, há possibilidades de sairmos da crise, tomando-se medidas adequadas. Entre elas, certamente, não permitir que a Petrobras venda parte do Pré-Sal à francesa Total, punida nos Estados Unidos por corrupção em 2013. Sobre essa venda, indico aos leitores este artigo de Fernando Brito, no Tijolaço, no qual faz cálculos sobre os lucros da Total, depois de pagar US$ 2,2 bilhões pelo campo da Lapa e do Iara, outro supercampo:
(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/12/23/25-propostas-contra-crise/#more-13396)
No artigo anterior, posso ter transmitido ao leitor desesperança sobre o futuro do Brasil dominado, como se encontra, pelas finanças locais e internacionais, e tendo à frente um governo ilegítimo e um Legislativo e um Judiciário que vão perdendo o respeito da população, à exceção talvez dos mais afortunados e dos que pensam lucrar com o caos.
Os erros da equipe econômica do governo Temer, por sinal, não são percebidos apenas pelos economistas e filósofos de esquerda, como demonstra hoje, na “Folha de S.Paulo”, o colunista Clóvis Rossi, que cita o economista-chefe do Banco Mundial, Paulo Romer, que foi professor da New York University “e não pode ser acusado de ter pertencido à equipe econômica de Dilma Rousseff ou de militar no PSOL”.
Romer é autor de um trabalho, “O problema da macroeconomia”, que expõe, mais uma vez, o que já sabíamos – que economia não é ciência. Mesmo se fosse, estaria sujeita a erros humanos. Pior: os macroeconomistas transformaram-se em uma seita, diz Romer, que manifesta desinteresse por ideias, opiniões e o trabalho de especialistas que não são parte do grupo.
Essa crítica do economista-chefe do Banco Mundial, publicada há três meses, encontra apoios até entre liberais nos Estados Unidos, mas até agora parece ter caído no vazio no Brasil. Um colunista do “Financial Times”, Wolfgang Munchau, propôs tirar a política fiscal do piloto automático “e começar a fazer uma distinção entre interesses do setor financeiro e da economia em geral”.
AQUI se lê, em artigo do jornalista Luis Nassif, que há alternativa razoável à política econômica adotada pelo governo Temer.
A liderança da oposição no Senado analisa um estudo que, pela primeira vez, segundo Nassif, “traça um diagnóstico realista da crise e das medidas para impedir o aprofundamento da recessão”. O estudo demonstra a influência de ideologia nas formulações econômicas que estão a aprofundar a recessão. “Nenhum dos instrumentos óbvios para superar a crise é acenado pela equipe econômica, porque afronta a ideologia a que ela está atrelada”, diz.
O estudo em análise, propõe, em resumo, o seguinte:
- Estimular o crescimento da renda dos salários e o investimento público em programas sociais em habitação, emprego e transferência de renda para os mais pobres.
- Aumentar em 20% o valor do Bolsa Família e incorporar mais famílias, além de ampliar a política de formação profissional.
- Investir em obras sociais nas regiões da seca no Nordeste, criando frentes de trabalho – uma saída lógica para a crise, como se viu no New Deal, na década de 1930 nos Estados Unidos.
- Retomar as obras destinadas à faixa de rendimentos mais baixos do programa Minha Casa, Minha Vida, além de instituir plano para financiamento em longo prazo de reformas residenciais.
- Aumentar as parcelas do benefício do seguro desemprego, como se fez em 2009.
- Criar linhas emergenciais do BNDES para refinanciamento de dívida e capital de giro das empresas em pior situação financeira, ao invés de devolver os R$ 100 bilhões para o Tesouro.
- Recuperar as empresas de construção civil por meio de acordos de leniência e outras medidas, para permitir que esse setor volte a ser dinâmico e empregador.
- Estabilizar o câmbio em patamares mais competitivos, garantindo competitividade e previsibilidade para as empresas.
- Reduzir as taxas de juros básicas e controlar os spreads no crédito, principalmente para capital de giro. Não basta, numa economia caminhando para a recessão, reduzir a taxa Selic em apenas 0,5 ponto por trimestre, como acena o Banco Central.
- Fortalecer o Banco do Brasil e expandir o crédito agrícola para investimento e com refinanciamento de dívidas.
- Apoiar os setores de alta tecnologia e defesa, pois neles se encontram as indústrias nacionais de maior valor agregado e que precisam ser estimuladas, principalmente, por compras públicas e recuperação do setor de petróleo e gás.
- Aumentar a carga tributária por meio de tributação progressiva, para recompor as perdas dos últimos anos, recuperando assim a capacidade de investimento do Estado brasileiro. Esse aumento deve ser feito sobre aqueles que, apesar de sua alta renda, não pagam imposto, tais como a taxação de lucros e dividendos e o fim da isenção tributária de juros sobre capital próprio.
- Acelerar as medidas de combate à sonegação e recuperação da dívida ativa para ampliar a arrecadação sobre aqueles que devem ao Estado brasileiro. Estima-se R$ 500 bilhões de sonegação e a dívida ativa está em torno de R$ 1,3 trilhão.
- Estabelecer uma nova regra fiscal que seja ajustada ao ciclo econômico. “Seria um bom contraponto a essa maluquice da PEC 55”, observa Nassif.
- Reduzir os encargos da dívida pública e alterar o sistema de metas de inflação para ampliar o período de cumprimento da meta e mudar o método de cálculo para ao invés de IPCA cheio, estabelecer meta para o núcleo de inflação.
- Criar o Fundo Nacional de Desenvolvimento e Emprego, destinado a obras de infraestrutura, saneamento, habitação, Petrobrás, mobilidade urbana, energia renovável. Inclusive, utilizando parte das reservas internacionais.
- Concluir com urgência absoluta, até meados de 2017, a Transposição do São Francisco.
- Recuperar e duplicar as principais rodovias de acesso a todas as capitais e principais cidades brasileiras.
- Reduzir o custo da energia elétrica, atualmente a mais cara do mundo entre os grandes países em desenvolvimento, adotando o modelo de regulação pelo custo, usado na maioria dos estados norte-americanos e na maior parte mundo.
- Expandir a produção de energia elétrica focada em energias renováveis baratas.
- Completar as obras ferroviárias de integração nacional, fundamentais para reduzir o custo de transporte e de alimentação em todo o país. Elas podem gerar milhões de empregos em razão da maior competitividade que proporcionam a indústria e a agricultura.
- Salvar a Petrobrás e o Pré-Sal, estabelecendo regras na legislação que impeçam a privatização disfarçada e a preços vis de ativos da Petrobrás e a entrega de blocos gigantes do Pré-Sal, que estão sendo realizadas por este governo.
- Fortalecer a política de conteúdo nacional e compras da Petrobras.
- Adequar a tributação federal sobre a exploração do pré-sal, hoje uma das menores do mundo entre os países exportadores.
- Adequar a tributação estadual sobre o petróleo e outros minerais, aumentando os royalties do petróleo de 15% para 20% e restabelecendo o princípio constitucional que estabeleceu o ICMS de até 13% para exportação de matérias-primas minerais em estado bruto.
Ideologia à parte, há possibilidades de sairmos da crise, tomando-se medidas adequadas. Entre elas, certamente, não permitir que a Petrobras venda parte do Pré-Sal à francesa Total, punida nos Estados Unidos por corrupção em 2013. Sobre essa venda, indico aos leitores este artigo de Fernando Brito, no Tijolaço, no qual faz cálculos sobre os lucros da Total, depois de pagar US$ 2,2 bilhões pelo campo da Lapa e do Iara, outro supercampo:
“Só com o primeiro navio-plataforma que
opera ali, vai gerar a “bagatela” de R$ 569 milhões – com o preço do
petróleo e do dólar no patamar em que estão – a cada mês, produção que
vai dobrar ou triplicar com a implantação de novos poços.
Em único ano dos 30 que dura, em média, uma poço de petróleo, isso significa US$ 2 bilhões. Anuais, repita-se.
Se Lapa duplicar apenas e não triplicar, como é esperado, a extração, dá algo acima de US$ 100 bilhões a sua vida produtiva.
Mas, um dia depois de começar a produzir a
Petrobras vendeu 35% deste campo – e muito mais, inclusive parte da
imensa jazida de Iara, também no pré-sal – por US$ 2,2 bilhões, dos
quais cerca de US$ 1,6 bilhão entrarão no caixa da estatal quando o
contrato for assinado.
2 por 100, e sem contar tudo o mais que leva, inclusive 22,5% de Iara, outro megacampo.
A Total não vai procurar petróleo, perfurar poços, gastar verificando e dimensionando reservas.
Vem para colocar o canudinho e chupar o petróleo.”
Para quem pensa que tudo isso é papo de esquerdista, veja o que diz a insuspeita Fiesp neste artigo de Luiz Gonzaga Belluzzo.(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/12/23/25-propostas-contra-crise/#more-13396)
sexta-feira, 23 de dezembro de 2016
Café História da semana
[1] Café História no seu celular:
Telegram
A
partir de hoje você pode receber notícias de história no seu celular. O
Café História criou um canal no Telegram, aquele aplicativo super
simpático e rival do WhatsApp (mas que é muito melhor!). Basta seguir 4
passos: 1. Baixe o Telegram no seu celular | 2. Faça sua conta no Telegram | 3. Abra o link do nosso canal: https://telegram.me/cafehistoria | 4. Clique em entrar.
Vamos abastecer o canal com lançamentos de livros, dicas de eventos,
notícias sobre concursos, editais, conferências, seleções de
pós-graduação e muito mais! Nos vemos por lá!
[2] Mural do Historiador:
Atlas Histórico Brasileiro
O
CPDOC/FGV acaba de lançar um Atlas Histórico Brasileiro. O projeto é
resultado de uma ampla atualização e modernização do “Atlas Histórico.
Brasil 500 anos”, publicado em 1998 em formato de fascículos encartados
na revista “Isto É” e em CD Rom, de autoria de Bernardo Joffily. A nova
versão foi produzida em uma parceria entre Bernardo Joffily, responsável
pela atualização e criação de novos mapas, Mariana Joffily,
historiadora, idealizadora do projeto e uma equipe de pesquisadores,
técnicos e assistentes do CPDOC, que também coordenou os trabalhos de
atualização da obra ora apresentada. [Confira]
[3] Notícia em destaque:
Ditadura e corrupção
Muitas
das grandes empreiteiras se beneficiaram de relações especiais com o
Estado desde seu surgimento entre as décadas de 30 e 50, mas o pagamento
de propinas se consolidou durante a ditadura, afirma o historiador
Pedro Henrique Campos, em entrevista à BBC Brasil. [Veja]
[4] Acadêmico:
Revista de História
A
Revista de História da USP acaba de lançar mais uma edição: 175.
Dossiê: Grupos Intermédios nos domínios portugueses - séculos
XVIII-XIX. [Clique aqui]
Visite Cafe Historia em: http://cafehistoria.ning.com/?xg_source=msg_mes_network
quarta-feira, 21 de dezembro de 2016
Brasileiros estão sendo vítimas, como os alemães em 1919, de um ‘Tratado de Versalhes’
Texto escrito por José de Souza Castro:
A Carta Maior publicou, no dia 16 deste mês, editorial em que compara as propostas do governo Temer ao Tratado de Versalhes imposto em 1919, por Estados Unidos, Inglaterra e França, à Alemanha derrotada na I Guerra Mundial. “O alvo da elite brasileira hoje é o próprio povo, tratado como inimigo dentro do seu próprio país”, diz Saul Leblon, que assina o editorial. (Em texto de novembro, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) já tinha feito comparação semelhante.)
Recomendo a leitura de cada uma das 3.468 palavras do editorial. Apesar disso, farei uma síntese para os que não têm tempo e, mesmo assim, gostariam de entender um pouco mais a gravidade do momento em que vivemos. Um momento que pode resultar numa nova ditadura. Na Alemanha, foi a ditadura de Hitler. No Brasil, certamente, a ditadura das elites.
“O grau de sacrifício que o golpe decidiu impor à população brasileira é muito superior ao poder de ordenamento que as elites detêm para implementá-lo sem recorrer a um regime de força”, afirma Leblon, para quem “é sombrio o futuro da democracia no Brasil”, a menos que a resistência popular tenha força para mudar o destino previsível da sociedade que seremos no século XXI.
Conforme Lebron, arremeda-se aqui um Tratado de Versalhes revestido de medidas extremas de sacrifício e empobrecimento, qualificadas pela relatoria de Direitos Humanos da ONU como sem precedente no mundo em sua duração e intensidade. “A diretriz incrustada na PEC 55 – como também na reforma da Previdência em curso, e na ‘flexibilização das leis trabalhistas’ sinalizada, desenha um horizonte de afunilamento extremo do acesso a direitos e à renda, num quadro de desigualdade secularmente asfixiante”, afirma o editorial.

“O espírito de convergência inscrito no pacto social da Carta Cidadã de 1988 está sendo rompido em seus fundamentos, sem consultar a sociedade. Desobriga-se o Estado, pelos próximos vinte anos, de assegurar 18% da receita líquida da União à escola pública nacional”, acrescenta.
Na saúde, prossegue, “o Tratado de Versalhes brasileiro prevê um corte de R$ 440 bilhões até 2036. Hoje o SUS já é uma hemorragia fora do controle, um metabolismo subfinanciado, respirando por aparelhos – e esse é um consenso suprapartidário.”
O projeto de paz social que o governo golpista tenta enfiar goela abaixo da sociedade “consiste em tomar de volta, subtrair e predar tudo o que for possível e que se acumulou em décadas, por sucessivas gerações, no campo aberto das ruas, das greves, das urnas e do sacrifício – não raro da própria vida – para se implantar a universalização os direitos sociais básicos no Brasil”, interpreta Saul Leblon.
Ele
lembra que uma das primeiras medidas de Hitler, ao tomar o poder na
Alemanha, foi colocar o partido comunista na ilegalidade, seguindo-se a
cassação da socialdemocracia. “É mais um ângulo da tragédia alemã a
reservar severas advertências às forças progressistas brasileiras do
presente”. E acrescenta:
“O fato é que o Tratado de Versalhes levara a sociedade alemã a uma escalada indivisa de colapsos sequenciais de natureza econômica, social e política que pavimentou a demanda por uma solução centralizadora, impositiva e identitária. Degraus sucessivos de hiperinflação, desemprego em massa e a inexistência de alternativa crível nas fileiras progressistas criariam um incêndio social, induzindo a nação alemã a entregar seu destino e o destino de seu desenvolvimento às promessas de ordem e redenção nacional acenadas pelo nazismo.”
A política de terra arrasada em curso hoje no Brasil, afirma Leblon, à semelhança de Versalhes, “reserva um tratamento de tropa de ocupação a direitos sociais, salários, riquezas nacionais, como o pré-sal, ademais da promover a dizimação do estoque de expertise e capacidade produtiva condensado em grandes corporações empresariais — esfaceladas pela ação grosseira ou deliberada dos responsáveis pela Lava Jato, que objetivamente serviram como lubrificante à derrubada do governo Dilma Rousseff”.
Leblon
aponta caminhos para que a história que se delineia para o Brasil não
seja a mesma da Alemanha de Hitler, apesar do desalento que se observa
atualmente, desde que se consiga articular “um protagonista social com
força e consentimento para acionar novos motores do Estado e do
desenvolvimento, alternativos ao desmanche dos direitos sociais e à
entrega do patrimônio público preconizados pelo golpe”. E conclui:
“Resgatar o espaço dessa travessia nas ruas do Brasil é a tarefa que
empresta frescor e esperança a 2017.”
(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/12/20/brasileiros-vitimas-tratado-de-versalhes/#more-13389)
A Carta Maior publicou, no dia 16 deste mês, editorial em que compara as propostas do governo Temer ao Tratado de Versalhes imposto em 1919, por Estados Unidos, Inglaterra e França, à Alemanha derrotada na I Guerra Mundial. “O alvo da elite brasileira hoje é o próprio povo, tratado como inimigo dentro do seu próprio país”, diz Saul Leblon, que assina o editorial. (Em texto de novembro, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) já tinha feito comparação semelhante.)
Recomendo a leitura de cada uma das 3.468 palavras do editorial. Apesar disso, farei uma síntese para os que não têm tempo e, mesmo assim, gostariam de entender um pouco mais a gravidade do momento em que vivemos. Um momento que pode resultar numa nova ditadura. Na Alemanha, foi a ditadura de Hitler. No Brasil, certamente, a ditadura das elites.
“O grau de sacrifício que o golpe decidiu impor à população brasileira é muito superior ao poder de ordenamento que as elites detêm para implementá-lo sem recorrer a um regime de força”, afirma Leblon, para quem “é sombrio o futuro da democracia no Brasil”, a menos que a resistência popular tenha força para mudar o destino previsível da sociedade que seremos no século XXI.
Conforme Lebron, arremeda-se aqui um Tratado de Versalhes revestido de medidas extremas de sacrifício e empobrecimento, qualificadas pela relatoria de Direitos Humanos da ONU como sem precedente no mundo em sua duração e intensidade. “A diretriz incrustada na PEC 55 – como também na reforma da Previdência em curso, e na ‘flexibilização das leis trabalhistas’ sinalizada, desenha um horizonte de afunilamento extremo do acesso a direitos e à renda, num quadro de desigualdade secularmente asfixiante”, afirma o editorial.

“O espírito de convergência inscrito no pacto social da Carta Cidadã de 1988 está sendo rompido em seus fundamentos, sem consultar a sociedade. Desobriga-se o Estado, pelos próximos vinte anos, de assegurar 18% da receita líquida da União à escola pública nacional”, acrescenta.
Na saúde, prossegue, “o Tratado de Versalhes brasileiro prevê um corte de R$ 440 bilhões até 2036. Hoje o SUS já é uma hemorragia fora do controle, um metabolismo subfinanciado, respirando por aparelhos – e esse é um consenso suprapartidário.”
O projeto de paz social que o governo golpista tenta enfiar goela abaixo da sociedade “consiste em tomar de volta, subtrair e predar tudo o que for possível e que se acumulou em décadas, por sucessivas gerações, no campo aberto das ruas, das greves, das urnas e do sacrifício – não raro da própria vida – para se implantar a universalização os direitos sociais básicos no Brasil”, interpreta Saul Leblon.

“O fato é que o Tratado de Versalhes levara a sociedade alemã a uma escalada indivisa de colapsos sequenciais de natureza econômica, social e política que pavimentou a demanda por uma solução centralizadora, impositiva e identitária. Degraus sucessivos de hiperinflação, desemprego em massa e a inexistência de alternativa crível nas fileiras progressistas criariam um incêndio social, induzindo a nação alemã a entregar seu destino e o destino de seu desenvolvimento às promessas de ordem e redenção nacional acenadas pelo nazismo.”
A política de terra arrasada em curso hoje no Brasil, afirma Leblon, à semelhança de Versalhes, “reserva um tratamento de tropa de ocupação a direitos sociais, salários, riquezas nacionais, como o pré-sal, ademais da promover a dizimação do estoque de expertise e capacidade produtiva condensado em grandes corporações empresariais — esfaceladas pela ação grosseira ou deliberada dos responsáveis pela Lava Jato, que objetivamente serviram como lubrificante à derrubada do governo Dilma Rousseff”.

(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/12/20/brasileiros-vitimas-tratado-de-versalhes/#more-13389)
As razões de um assassinato
Quem matou o embaixador de Moscou em Ankara queria frustrar um
movimento geopolítico crucial: a Turquia está cada vez mais próxima da
Eurásia, para desespero dos EUA e União Europeia
Por Pepe Escobar | Tradução Vila Vudu
Vamos logo ao que interessa: Ankara 2016 não é Sarajevo 1914. Não é prelúdio da 3ª Guerra Mundial. Quem tenha urdido o assassinato do embaixador russo na Turquia Andrey Karlov – diplomata calmo, educado, contido, da velha escola russa – pode esperar revide de altíssima octanagem.
O assassino Mevlut Mert Altintas, graduado da Academia de Polícia, 22 anos, recebeu pena de suspensão da Polícia Nacional Turca por suspeita de laços com a Organização Terrorista Fethullahista [ing. Fethullahist Terrorist Organization (FETO)] depois do fracassado putsch de 15 de julho contra Erdogan, mas retornou ao serviço em novembro.
Não é segredo que os gulenistas estão pesadamente infiltrados dentro da Polícia Nacional Turca; assim sendo, um específico efeito do ataque será ataque ainda mais furioso e incansável, de Erdogan/AKP contra a rede de Gulen. A investigação turca terá de se concentrar na falha (gigantesca) de segurança naquele prédio do moderno centro de artes de Ankara, – mas também terá de alcançar outros muitos pontos. A evidência de que o ministro do Interior turco Suleyman Soylu só se manifestou, em frases tensas, mais de três horas depois do evento mais preocupa que tranquiliza.
O assassino, vestido num terno preto com gravata, gritou slogans sobre vingança “por Aleppo” – incluído o indefectível “Allahu Akbar” – em língua turca e em árabe, coisa que pode estabelecer alguma conexão com a retórica de um grupo islamista, mas não é prova conclusiva.
O momento do crime é crucialmente importante. Aconteceu apenas um dia antes da reunião dos ministros de Relações Exteriores de Rússia, Turquia e Irã, em Moscou, para discussão estratégica sobre a Síria. Já estavam em contato próximo há várias semanas, prontos para firmar um amplo acordo sobre Aleppo – e além de Aleppo.
E isso exatamente depois do acordo crucial, recentemente assinado entre Putin-Erdogan, que implica nada menos que milhares de “rebeldes moderados” sob comando da Turquia serem autorizados a safar-se por um “corredor” para fora de Aleppo. Ankara estava perfeitamente informada sobre esse desenvolvimento. Só esse detalhe basta para eliminar a possibilidade de ataque provocado por Ankara sob falsa bandeira.
O presidente Putin, por sua vez, disse muito claramente que quer saber “quem dirigiu o assassino”. Pode-se interpretar como alguma espécie de código sutil para dizer que a inteligência russa já sabe quem fez o que.
O Grande Quadro
No front bilateral, Moscou e Ankara trabalham atualmente juntas e muito próximas no campo do contraterrorismo. O ministro da Defesa da Turquia foi convidado a visitar a Rússia para negociações do sistema de defesa antiaérea. O comércio bilateral está novamente florescendo, inclusive com a criação de um fundo conjunto de investimentos. No sempre importante front da energia, o gasoduto Ramo Turco, apesar da obsessão no governo Obama para fazê-lo desandar completamente, foi consolidado numa lei do estado turco, em Ankara, no início de dezembro corrente.
Os atlanticistas estão em pânico, agora que Moscou, Ankara e Teerã estão trabalhando em tempo integral para traçar as linhas de um futuro para a Síria depois da Batalha de Aleppo e exclusão e vergonhosa expulsão de lá, de todo o combo OTAN-CCG (Conselho de Cooperação do Golfo).
Sob esse contexto é que de deve interpretar a recente noticiada captura pelas Forças Especiais Sírias em Aleppo, de um punhado de agentes de OTAN-CCG – operando na Síria camuflados” dentro da “coalizão” que os EUA lideram pela retaguarda.
Fares Shahabi, deputado do Parlamento sírio, presidente da Câmara de Comércio em Aleppo, publicou os nomes dos agentes presos. A maioria são sauditas; há um qatari; a presença de um marroquino e um jordaniano explica-se porque Marrocos e Jordânia são membros “não oficiais” do CCG. Mais um turco, um norte-americano (David Scott Winer) e um israelense. Apenas dois agentes da OTAN, mas a conexão OTAN-CCG está super estabelecida. Se essa informação procede – ainda há um grande “se” – esses todos podem bem ser a coalizão de pessoal militar e comandantes de campo que antes dava aconselhamento aos “rebeldes moderados” e agora está convertida em formidável moeda de troca nas mãos de Damasco.
Ambos, OTAN e CCG não disseram uma palavra; nem negações do tipo “não nego que…” apareceram até agora. Pode significar algum acordo clandestino já firmado para a saída de prisioneiros de alto valor, o que dá ainda mais peso à posição de Damasco.
Foi o presidente Putin que realmente estabeleceu um eixo de fato Rússia-Irã-Turquia para lidar com fatos em campo na Síria – ação paralela ao embuste e solução-zero dos “trabalhos” em andamento na ONU em Genebra. Moscou enfatiza diplomaticamente que o trabalho do eixo complementa o que se faz em Genebra. De fato, o russo é o único trabalho baseado na vida real. Espera-se que tudo esteja assinado, com parâmetros definitivos bem fixados em campo ainda antes de Donald Trump entrar na Casa Branca.
Resumidamente: o projeto combo de mudança de regime, cinco anos (e ainda não terminou), que custou à OTAN-CCG multibilhões de dólares, para expulsar Assad da Síria… fracassou miseravelmente. Erdogan, o matreiro, parece que afinal aprendeu sua lição de realpolitik. Mesmo assim, foram abertas no front atlanticista miríades de avenidas para canalizar o ressentimento geopolítico .
O grande quadro não poderia ser mais absolutamente insuportável para os atlanticistas neoliberais/neoconservadores. Lentamente, mas sem parar de andar, Ankara vai tomando o rumo da Eurásia. Bye bye União Europeia e, talvez, OTAN; bem-vindas as Novas Rotas da Seda, também chamadas Projeto Um Cinturão, uma Estrada [ing. One Belt, One Road (OBOR)], puxado pela China; bem-vinda a União Econômica Eurasiana [Eurasia Economic Union (EEU)] puxada pela Rússia; bem-vinda a Organização de Cooperação de Xangai [Shanghai Cooperation Organization (SCO)]; a parceria estratégica Rússia-China; e a Turquia como nodo chave de entroncamento na integração da Eurásia.
Para que tudo isso aconteça, Erdogan concluiu que Ankara tem de estar a bordo da estratégia de longo prazo de Rússia-China-Irã para pacificar e reconstruir a Síria e fazer dela um nodo chave também das Novas Rotas da Seda. Entre isso e uma “aliança” de interesses em conflito, com Qatar, Arábia Saudita e EUA, a escolha não é difícil.
Mas que ninguém se engane. Ainda haverá sangue.
Por Pepe Escobar | Tradução Vila Vudu
Vamos logo ao que interessa: Ankara 2016 não é Sarajevo 1914. Não é prelúdio da 3ª Guerra Mundial. Quem tenha urdido o assassinato do embaixador russo na Turquia Andrey Karlov – diplomata calmo, educado, contido, da velha escola russa – pode esperar revide de altíssima octanagem.
O assassino Mevlut Mert Altintas, graduado da Academia de Polícia, 22 anos, recebeu pena de suspensão da Polícia Nacional Turca por suspeita de laços com a Organização Terrorista Fethullahista [ing. Fethullahist Terrorist Organization (FETO)] depois do fracassado putsch de 15 de julho contra Erdogan, mas retornou ao serviço em novembro.
Não é segredo que os gulenistas estão pesadamente infiltrados dentro da Polícia Nacional Turca; assim sendo, um específico efeito do ataque será ataque ainda mais furioso e incansável, de Erdogan/AKP contra a rede de Gulen. A investigação turca terá de se concentrar na falha (gigantesca) de segurança naquele prédio do moderno centro de artes de Ankara, – mas também terá de alcançar outros muitos pontos. A evidência de que o ministro do Interior turco Suleyman Soylu só se manifestou, em frases tensas, mais de três horas depois do evento mais preocupa que tranquiliza.
O assassino, vestido num terno preto com gravata, gritou slogans sobre vingança “por Aleppo” – incluído o indefectível “Allahu Akbar” – em língua turca e em árabe, coisa que pode estabelecer alguma conexão com a retórica de um grupo islamista, mas não é prova conclusiva.
O momento do crime é crucialmente importante. Aconteceu apenas um dia antes da reunião dos ministros de Relações Exteriores de Rússia, Turquia e Irã, em Moscou, para discussão estratégica sobre a Síria. Já estavam em contato próximo há várias semanas, prontos para firmar um amplo acordo sobre Aleppo – e além de Aleppo.
E isso exatamente depois do acordo crucial, recentemente assinado entre Putin-Erdogan, que implica nada menos que milhares de “rebeldes moderados” sob comando da Turquia serem autorizados a safar-se por um “corredor” para fora de Aleppo. Ankara estava perfeitamente informada sobre esse desenvolvimento. Só esse detalhe basta para eliminar a possibilidade de ataque provocado por Ankara sob falsa bandeira.
O presidente Putin, por sua vez, disse muito claramente que quer saber “quem dirigiu o assassino”. Pode-se interpretar como alguma espécie de código sutil para dizer que a inteligência russa já sabe quem fez o que.
O Grande Quadro
No front bilateral, Moscou e Ankara trabalham atualmente juntas e muito próximas no campo do contraterrorismo. O ministro da Defesa da Turquia foi convidado a visitar a Rússia para negociações do sistema de defesa antiaérea. O comércio bilateral está novamente florescendo, inclusive com a criação de um fundo conjunto de investimentos. No sempre importante front da energia, o gasoduto Ramo Turco, apesar da obsessão no governo Obama para fazê-lo desandar completamente, foi consolidado numa lei do estado turco, em Ankara, no início de dezembro corrente.
Os atlanticistas estão em pânico, agora que Moscou, Ankara e Teerã estão trabalhando em tempo integral para traçar as linhas de um futuro para a Síria depois da Batalha de Aleppo e exclusão e vergonhosa expulsão de lá, de todo o combo OTAN-CCG (Conselho de Cooperação do Golfo).
Sob esse contexto é que de deve interpretar a recente noticiada captura pelas Forças Especiais Sírias em Aleppo, de um punhado de agentes de OTAN-CCG – operando na Síria camuflados” dentro da “coalizão” que os EUA lideram pela retaguarda.
Fares Shahabi, deputado do Parlamento sírio, presidente da Câmara de Comércio em Aleppo, publicou os nomes dos agentes presos. A maioria são sauditas; há um qatari; a presença de um marroquino e um jordaniano explica-se porque Marrocos e Jordânia são membros “não oficiais” do CCG. Mais um turco, um norte-americano (David Scott Winer) e um israelense. Apenas dois agentes da OTAN, mas a conexão OTAN-CCG está super estabelecida. Se essa informação procede – ainda há um grande “se” – esses todos podem bem ser a coalizão de pessoal militar e comandantes de campo que antes dava aconselhamento aos “rebeldes moderados” e agora está convertida em formidável moeda de troca nas mãos de Damasco.
Ambos, OTAN e CCG não disseram uma palavra; nem negações do tipo “não nego que…” apareceram até agora. Pode significar algum acordo clandestino já firmado para a saída de prisioneiros de alto valor, o que dá ainda mais peso à posição de Damasco.
Foi o presidente Putin que realmente estabeleceu um eixo de fato Rússia-Irã-Turquia para lidar com fatos em campo na Síria – ação paralela ao embuste e solução-zero dos “trabalhos” em andamento na ONU em Genebra. Moscou enfatiza diplomaticamente que o trabalho do eixo complementa o que se faz em Genebra. De fato, o russo é o único trabalho baseado na vida real. Espera-se que tudo esteja assinado, com parâmetros definitivos bem fixados em campo ainda antes de Donald Trump entrar na Casa Branca.
Resumidamente: o projeto combo de mudança de regime, cinco anos (e ainda não terminou), que custou à OTAN-CCG multibilhões de dólares, para expulsar Assad da Síria… fracassou miseravelmente. Erdogan, o matreiro, parece que afinal aprendeu sua lição de realpolitik. Mesmo assim, foram abertas no front atlanticista miríades de avenidas para canalizar o ressentimento geopolítico .
O grande quadro não poderia ser mais absolutamente insuportável para os atlanticistas neoliberais/neoconservadores. Lentamente, mas sem parar de andar, Ankara vai tomando o rumo da Eurásia. Bye bye União Europeia e, talvez, OTAN; bem-vindas as Novas Rotas da Seda, também chamadas Projeto Um Cinturão, uma Estrada [ing. One Belt, One Road (OBOR)], puxado pela China; bem-vinda a União Econômica Eurasiana [Eurasia Economic Union (EEU)] puxada pela Rússia; bem-vinda a Organização de Cooperação de Xangai [Shanghai Cooperation Organization (SCO)]; a parceria estratégica Rússia-China; e a Turquia como nodo chave de entroncamento na integração da Eurásia.
Para que tudo isso aconteça, Erdogan concluiu que Ankara tem de estar a bordo da estratégia de longo prazo de Rússia-China-Irã para pacificar e reconstruir a Síria e fazer dela um nodo chave também das Novas Rotas da Seda. Entre isso e uma “aliança” de interesses em conflito, com Qatar, Arábia Saudita e EUA, a escolha não é difícil.
Mas que ninguém se engane. Ainda haverá sangue.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2016
Dom Paulo Evaristo Arns: Símbolo da luta contra a ditadura
Símbolo da resistência à ditadura, dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo, morreu nesta quarta-feira 14 aos 95 anos.
A reportagem foi publicada por CartaCapital, 14-12-2016.
O estado de saúde do cardeal se agravou na segunda-feira 12. O arcebispo emérito foi internado no Hospital Santa Catarina em 28 de novembro, com um quadro de broncopneumonia. A assessoria do hospital informa que dom Paulo morreu às 11h45, em decorrência de falência múltipla dos órgãos.
De formação e hábitos franciscanos, dom Paulo é um missionário que dedicou sua vida à defesa dos pobres e à justiça social. A denúncia da tortura e da perseguição política durante a ditadura está diretamente relacionada à sua pregação religiosa
Em 1966, dom Paulo tornou-se bispo em um momento de renovação na Igreja Católica. Quatro anos antes, o então papa João XXIII deu início ao Concílio Vaticano II, que buscava redefinir o papel da religião na sociedade, com foco em uma nova orientação pastoral voltada para a resolução dos problemas sociais e econômicos. No Brasil, a cartilha ganhou força após a Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada em 1968 em Medellín, na Colômbia.
As reuniões foram fundamentais para o desenvolvimento da Teologia da Libertação, preocupada prioritariamente com a promoção da justiça social, e para a consolidação das Comunidades Eclesiais de Base, que buscavam substituir a supremacia das paróquias na organização da vida religiosa pela valorização de comunidades menores, com a presença tanto de integrantes da Igreja quanto de leigos. Atento à renovação, dom Paulo abraçou a nova doutrina e o modelo descentralizado de comunidades.
Dom Paulo tornou-se arcebispo de São Paulo em um momento crucial. Em 1969, um grupo de dominicanos foi preso pelo delegado Sérgio Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social, sob acusação de manter laços com a Ação Libertadora Nacional, organização de luta armada comandada por Carlos Marighella.
Uma das lideranças dominicanas, Frei Tito foi brutalmente torturado. À época, dom Agnelo Rossi, então arcebispo paulista, preferiu não interceder em favor dos presos. A repercussão dos relatos de Tito publicados na Europa levou o então papa Paulo VI a substituir Rossi por dom Paulo no comando da Arquidiocese.
Pouco após assumir o cargo, dom Paulo não se omitiu ao tomar conhecimento da prisão do padre Giulio Vicini e da assistente social leiga Yara Spaldini pelo Departamento de Ordem Política e Social em 1971. O sacerdote foi pessoalmente ao Deops e testemunhou as agressões físicas sofridas por seus colaboradores.
No ano seguinte, por iniciativa de dom Paulo, a Assembleia da CNBB publicou o Documento de Brodósqui, um relatório que denunciava as prisões arbitrárias, a tortura e o desaparecimento de perseguidos políticos após a aprovação do Ato Institucional nº 5.
A partir de 1973, o arcebispo passou a celebrar missas com forte conteúdo político. O assassinato pelos militares do líder estudantil Alexandre Vannucchi Leme, da ALN, foi respondido com uma missa-protesto na Catedral da Sé para contestar a versão oficial apresentada pela ditadura para sua morte, segundo a qual o estudante teria sido vítima de um atropelamento.
Em 1975, o arcebispo organizou um ato inter-religioso em homenagem a Valdimir Herzog, torturado e assassinado pelos militares. A cerimônia serviu também para manifestar repúdio à versão de que o jornalista teria cometido suicídio.
Além da resistência aos militares, Dom Paulo foi fundamental para a consolidação das Comunidades Eclesiais de Base, que buscavam substituir a supremacia das paróquias na organização da vida religiosa pela valorização de comunidades menores, com a presença tanto de integrantes da Igreja quanto de leigos.
Segundo Leonardo Boff, expoente da Teologia da Libertação, D. Paulo não enxergava as comunidades como uma simples frente de pastoral ou um prolongamento da paróquia em meios pobres. O objetivo era valorizar tanto as bases sociais como a participação dos leigos. “Dom Paulo animava-os a decidirem os caminhos da Igreja e aceitava suas sugestões.”
Para reforçar o aspecto pedagógico das comunidades, lembra Boff, o arcebispo convidou o pedagogo Paulo Freire para acompanhar as atividades na periferia. “Além de sua dimensão especificamente religiosa, as comunidades de base eram centros de conscientização, de resistência contra a ditadura e de construção da cidadania”, afirma. A articulação das comunidades é, por sinal, um dos pontos de partida para a fundação do Partido dos Trabalhadores em 1980.
Boff tem muito a agradecer a dom Paulo. O cardeal foi professor do teólogo em Petrópolis e o ajudou a ingressar na Universidade de Munique. Em 1982, Boff foi alvo de um processo doutrinário na Congregação para a Doutrina da Fé, antiga Inquisição, por conta da publicação de seu livro Igreja: Carisma e Poder, crítico às instituições católicas tradicionais. O interrogatório foi conduzido pelo então cardeal Joseph Ratzinger, que mais tarde se tornaria o papa Bento XVI.
Dom Paulo acompanhou Boff a Roma para defendê-lo no processo. “Ao lado do cardeal Aloysio Lorscheider, ele argumentou a Ratzinger: ‘Damos nosso testemunho de pastores de que se trata de uma teologia edificante e boa para a Igreja’”, lembra o ex-aluno do arcebispo emérito.
Dom Paulo convidou ainda o cardeal a “visitar as comunidades eclesiais no Brasil e rezar com o povo”. Em seguida, negociou que Boff e seu irmão apresentassem um documento à congregação para ressaltar a importância da Teologia da Libertação.
Após o fim da ditadura, dom Paulo seguiu no comando da Arquidiocese paulista até 1998, quando renunciou por limite de idade e tornou-se arcebispo emérito. Nos últimos anos, seu estado de saúde piorou, mas não o suficiente para impedi-lo de comparecer a homenagens. Em julho, uma missa na catedral da Sé celebrou os 50 anos de sua ordenação episcopal. Em outubro, comemorou-se os 95 anos do arcebispo emérito em evento no Teatro da Universidade Católica (Tuca), na PUC-SP.
Ao lembrarem a enorme contribuição do franciscano em seus anos à frente da Arquidiocese, os convidados presentes ao Tuca usaram o espaço para criticar as medidas impopulares defendidas pelo governo de Michel Temer.
Com dificuldades de se expressar por conta da idade avançada, dom Paulo esforçou-se para homenagear Santo Dias, ativista sindical assassinado no fim da ditadura, e fez questão de usar o boné do MST entregue pelos militantes presentes ao Tuca.Um de seus principais aliados no período como arcebispo da capital paulista, o bispo Dom Angélico Sândalo Bernardino afirmou que a resistência de dom Paulo à ditadura é uma inspiração para o atual momento.
"Ele é descendente de alemão, mas o rosto dele é da periferia de São Paulo. Quando imagino dom Paulo, eu o imagino com o cheiro do povo, misturado com os bispos, padres, religiosos, leigos e leigas, anunciando a urgência de resistirmos contra toda a mentira. Naquele tempo, a luta era contra a ditadura civil-militar, mas a resistência a que ele nos convida deve ser permanente no Brasil atual também."
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/563405-dom-paulo-evaristo-arns-simbolo-da-luta-contra-a-ditadura)
A reportagem foi publicada por CartaCapital, 14-12-2016.
O estado de saúde do cardeal se agravou na segunda-feira 12. O arcebispo emérito foi internado no Hospital Santa Catarina em 28 de novembro, com um quadro de broncopneumonia. A assessoria do hospital informa que dom Paulo morreu às 11h45, em decorrência de falência múltipla dos órgãos.
De formação e hábitos franciscanos, dom Paulo é um missionário que dedicou sua vida à defesa dos pobres e à justiça social. A denúncia da tortura e da perseguição política durante a ditadura está diretamente relacionada à sua pregação religiosa
Em 1966, dom Paulo tornou-se bispo em um momento de renovação na Igreja Católica. Quatro anos antes, o então papa João XXIII deu início ao Concílio Vaticano II, que buscava redefinir o papel da religião na sociedade, com foco em uma nova orientação pastoral voltada para a resolução dos problemas sociais e econômicos. No Brasil, a cartilha ganhou força após a Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada em 1968 em Medellín, na Colômbia.
As reuniões foram fundamentais para o desenvolvimento da Teologia da Libertação, preocupada prioritariamente com a promoção da justiça social, e para a consolidação das Comunidades Eclesiais de Base, que buscavam substituir a supremacia das paróquias na organização da vida religiosa pela valorização de comunidades menores, com a presença tanto de integrantes da Igreja quanto de leigos. Atento à renovação, dom Paulo abraçou a nova doutrina e o modelo descentralizado de comunidades.
Dom Paulo tornou-se arcebispo de São Paulo em um momento crucial. Em 1969, um grupo de dominicanos foi preso pelo delegado Sérgio Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social, sob acusação de manter laços com a Ação Libertadora Nacional, organização de luta armada comandada por Carlos Marighella.
Uma das lideranças dominicanas, Frei Tito foi brutalmente torturado. À época, dom Agnelo Rossi, então arcebispo paulista, preferiu não interceder em favor dos presos. A repercussão dos relatos de Tito publicados na Europa levou o então papa Paulo VI a substituir Rossi por dom Paulo no comando da Arquidiocese.
Pouco após assumir o cargo, dom Paulo não se omitiu ao tomar conhecimento da prisão do padre Giulio Vicini e da assistente social leiga Yara Spaldini pelo Departamento de Ordem Política e Social em 1971. O sacerdote foi pessoalmente ao Deops e testemunhou as agressões físicas sofridas por seus colaboradores.
No ano seguinte, por iniciativa de dom Paulo, a Assembleia da CNBB publicou o Documento de Brodósqui, um relatório que denunciava as prisões arbitrárias, a tortura e o desaparecimento de perseguidos políticos após a aprovação do Ato Institucional nº 5.
A partir de 1973, o arcebispo passou a celebrar missas com forte conteúdo político. O assassinato pelos militares do líder estudantil Alexandre Vannucchi Leme, da ALN, foi respondido com uma missa-protesto na Catedral da Sé para contestar a versão oficial apresentada pela ditadura para sua morte, segundo a qual o estudante teria sido vítima de um atropelamento.
Em 1975, o arcebispo organizou um ato inter-religioso em homenagem a Valdimir Herzog, torturado e assassinado pelos militares. A cerimônia serviu também para manifestar repúdio à versão de que o jornalista teria cometido suicídio.
Além da resistência aos militares, Dom Paulo foi fundamental para a consolidação das Comunidades Eclesiais de Base, que buscavam substituir a supremacia das paróquias na organização da vida religiosa pela valorização de comunidades menores, com a presença tanto de integrantes da Igreja quanto de leigos.
Segundo Leonardo Boff, expoente da Teologia da Libertação, D. Paulo não enxergava as comunidades como uma simples frente de pastoral ou um prolongamento da paróquia em meios pobres. O objetivo era valorizar tanto as bases sociais como a participação dos leigos. “Dom Paulo animava-os a decidirem os caminhos da Igreja e aceitava suas sugestões.”
Para reforçar o aspecto pedagógico das comunidades, lembra Boff, o arcebispo convidou o pedagogo Paulo Freire para acompanhar as atividades na periferia. “Além de sua dimensão especificamente religiosa, as comunidades de base eram centros de conscientização, de resistência contra a ditadura e de construção da cidadania”, afirma. A articulação das comunidades é, por sinal, um dos pontos de partida para a fundação do Partido dos Trabalhadores em 1980.
Boff tem muito a agradecer a dom Paulo. O cardeal foi professor do teólogo em Petrópolis e o ajudou a ingressar na Universidade de Munique. Em 1982, Boff foi alvo de um processo doutrinário na Congregação para a Doutrina da Fé, antiga Inquisição, por conta da publicação de seu livro Igreja: Carisma e Poder, crítico às instituições católicas tradicionais. O interrogatório foi conduzido pelo então cardeal Joseph Ratzinger, que mais tarde se tornaria o papa Bento XVI.
Dom Paulo acompanhou Boff a Roma para defendê-lo no processo. “Ao lado do cardeal Aloysio Lorscheider, ele argumentou a Ratzinger: ‘Damos nosso testemunho de pastores de que se trata de uma teologia edificante e boa para a Igreja’”, lembra o ex-aluno do arcebispo emérito.
Dom Paulo convidou ainda o cardeal a “visitar as comunidades eclesiais no Brasil e rezar com o povo”. Em seguida, negociou que Boff e seu irmão apresentassem um documento à congregação para ressaltar a importância da Teologia da Libertação.
Após o fim da ditadura, dom Paulo seguiu no comando da Arquidiocese paulista até 1998, quando renunciou por limite de idade e tornou-se arcebispo emérito. Nos últimos anos, seu estado de saúde piorou, mas não o suficiente para impedi-lo de comparecer a homenagens. Em julho, uma missa na catedral da Sé celebrou os 50 anos de sua ordenação episcopal. Em outubro, comemorou-se os 95 anos do arcebispo emérito em evento no Teatro da Universidade Católica (Tuca), na PUC-SP.
Ao lembrarem a enorme contribuição do franciscano em seus anos à frente da Arquidiocese, os convidados presentes ao Tuca usaram o espaço para criticar as medidas impopulares defendidas pelo governo de Michel Temer.
Com dificuldades de se expressar por conta da idade avançada, dom Paulo esforçou-se para homenagear Santo Dias, ativista sindical assassinado no fim da ditadura, e fez questão de usar o boné do MST entregue pelos militantes presentes ao Tuca.Um de seus principais aliados no período como arcebispo da capital paulista, o bispo Dom Angélico Sândalo Bernardino afirmou que a resistência de dom Paulo à ditadura é uma inspiração para o atual momento.
"Ele é descendente de alemão, mas o rosto dele é da periferia de São Paulo. Quando imagino dom Paulo, eu o imagino com o cheiro do povo, misturado com os bispos, padres, religiosos, leigos e leigas, anunciando a urgência de resistirmos contra toda a mentira. Naquele tempo, a luta era contra a ditadura civil-militar, mas a resistência a que ele nos convida deve ser permanente no Brasil atual também."
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/563405-dom-paulo-evaristo-arns-simbolo-da-luta-contra-a-ditadura)
O construtor e o lobista
Texto escrito por José de Souza Castro:
A. falou:
– Acho que vou à falência.
– Isso é ruim – comentou B., sem o menor sinal de simpatia. – Como foi que aconteceu?
– Fui contratado para edificar o novo edifício da escola na Rua 94.
– O orçamento não cobre as despesas? – perguntou B..
– Não é nada com o orçamento.
– Dificuldades com os operários?
– Não. Dificuldades com os fiscais.
– Como assim?
– Perseguem-me o tempo todo. Fazem-me desmanchar o trabalho assim que principio.
– Por quê? Você não segue as especificações?
– Claro que sigo, mas não se trata disso. É uma questão de hostilidade latente. Agarram-se a qualquer ninharia para me embaraçar, atrasando e fazendo parar o trabalho.
B. fez ouvir um murmúrio de simpatia. Seus olhos, especulativos e duros, conservavam-se fixos em A.
– Reclamei do inspetor – continuou este último – e ele me disse: “Por que não vai falar com B.?”
– Não gosto disso – observou B..
Mas A. não lhe deu atenção. E continuou:
– Um amigo meu disse a mesma coisa: “Ora, seu tolo, vá ver B.” E aqui estou eu.
– Que quer que eu faça?
– Chame os seus sabujos.
– Não são meus sabujos.
– Não quis dizer isso.
– Mas disse.
Houve um minuto de silêncio.
– Quanto vai ganhar nesse negócio? – perguntou afinal, B..
– Se me deixarem em paz, devo tirar aí uns 5 milhões de lucro.
– Pena que as coisas não estejam lhe correndo bem – disse B. – Quero uma fórmula das especificações e uma declaração sua a respeito do gênero de dificuldades que está encontrando. Se eu vir que está sendo tratado injustamente, exigirei uma investigação severa e não creio que o tornem a incomodar. Mas preciso de dinheiro, é lógico.
– Lógico – concordou A. secamente.
– Garanto-lhe que depois que principiarmos a trabalhar juntos, os fiscais o deixarão em paz. Trate apenas de fazer um bom trabalho e não se preocupe com o resto. Não leve as medidas demasiado a sério e use na massa só o cimento estritamente necessário.
– A única coisa que quero é ter um bom começo em minha carreira.
– Você o terá – prometeu-lhe B.. – Faça-me um adiantamento de 200 mil amanhã, pague 500 mil dos dois primeiros pagamentos que receber e mais 5% do pagamento final. Depois falaremos sobre o próximo trabalho. Ouvi dizer que está planejando entrar na concorrência para a construção da passagem de nível da Avenida T.
Pois o texto nem sequer foi escrito nestes tempos de Lava Jato.
O autor chama-se Erle Stanley Gardner. Advogado criminalista norte-americano, falecido em 1970, aos 82 anos, ele escreveu mais de 150 romances policiais protagonizados por Perry Mason e vários outros advogados e detetives que, vira e mexe, se viam envolvidos em crimes de corrupção.
O trecho transcrito acima, eu o encontrei na página 12 de “O caso da ‘boa’ do calendário”, publicado no Brasil pela Tecnoprint em 1960, dois anos após seu lançamento nos Estados Unidos com o título “The Case of The Calendar Girl”.
Não faria sentido, nessa transcrição, a meu ver, chamar o lobista B. de Meredith Barden, como fez Garden. Do mesmo modo, o construtor George Ansley. E fugiria da realidade de nosso mercado atual, passados 58 anos, os 50 mil dólares que A. esperava lucrar. Ou os 2 mil dólares da primeira parcela da propina e os 5 mil dos pagamentos seguintes pedidos pelo corruptor B.
No mais, notam-se similitudes entre os modos de agir de nossos corruptores reais e os da ficção norte-americana. Eu diria que a corrupção não varia fundamentalmente, independente do lugar, do tempo e da língua falada. Não é pior no Brasil do que na maioria dos países. Já era um problema no Egito, por ocasião das obras das pirâmides, e em Roma, na construção do Coliseu. E prosseguiu invicta pelos séculos e milênios, ultrapassando aqui os governos Lula e Dilma – e, certamente, o governo Temer e os que virão a seguir.
Apesar do juiz Moro… Que simplesmente reforça a corrupção – quando, acolitado pelo Ministério Público, a Polícia Federal e o STF, age seletivamente no seu combate.
(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/12/15/construtor-lobista/#more-13369)
A. falou:
– Acho que vou à falência.
– Isso é ruim – comentou B., sem o menor sinal de simpatia. – Como foi que aconteceu?
– Fui contratado para edificar o novo edifício da escola na Rua 94.
– O orçamento não cobre as despesas? – perguntou B..
– Não é nada com o orçamento.
– Dificuldades com os operários?
– Não. Dificuldades com os fiscais.
– Como assim?
– Perseguem-me o tempo todo. Fazem-me desmanchar o trabalho assim que principio.
– Por quê? Você não segue as especificações?
– Claro que sigo, mas não se trata disso. É uma questão de hostilidade latente. Agarram-se a qualquer ninharia para me embaraçar, atrasando e fazendo parar o trabalho.
B. fez ouvir um murmúrio de simpatia. Seus olhos, especulativos e duros, conservavam-se fixos em A.
– Reclamei do inspetor – continuou este último – e ele me disse: “Por que não vai falar com B.?”
– Não gosto disso – observou B..
Mas A. não lhe deu atenção. E continuou:
– Um amigo meu disse a mesma coisa: “Ora, seu tolo, vá ver B.” E aqui estou eu.
– Que quer que eu faça?
– Chame os seus sabujos.
– Não são meus sabujos.
– Não quis dizer isso.
– Mas disse.
Houve um minuto de silêncio.
– Quanto vai ganhar nesse negócio? – perguntou afinal, B..
– Se me deixarem em paz, devo tirar aí uns 5 milhões de lucro.
– Pena que as coisas não estejam lhe correndo bem – disse B. – Quero uma fórmula das especificações e uma declaração sua a respeito do gênero de dificuldades que está encontrando. Se eu vir que está sendo tratado injustamente, exigirei uma investigação severa e não creio que o tornem a incomodar. Mas preciso de dinheiro, é lógico.
– Lógico – concordou A. secamente.
– Garanto-lhe que depois que principiarmos a trabalhar juntos, os fiscais o deixarão em paz. Trate apenas de fazer um bom trabalho e não se preocupe com o resto. Não leve as medidas demasiado a sério e use na massa só o cimento estritamente necessário.
– A única coisa que quero é ter um bom começo em minha carreira.
– Você o terá – prometeu-lhe B.. – Faça-me um adiantamento de 200 mil amanhã, pague 500 mil dos dois primeiros pagamentos que receber e mais 5% do pagamento final. Depois falaremos sobre o próximo trabalho. Ouvi dizer que está planejando entrar na concorrência para a construção da passagem de nível da Avenida T.
*
Paro por aqui a transcrição dessa obra de ficção. Quem a escreveu não
suspeitava de nenhum lobista do PT, PMDB, PSDB, DEM ou de qualquer
outro partido brasileiro.Pois o texto nem sequer foi escrito nestes tempos de Lava Jato.
O autor chama-se Erle Stanley Gardner. Advogado criminalista norte-americano, falecido em 1970, aos 82 anos, ele escreveu mais de 150 romances policiais protagonizados por Perry Mason e vários outros advogados e detetives que, vira e mexe, se viam envolvidos em crimes de corrupção.
O trecho transcrito acima, eu o encontrei na página 12 de “O caso da ‘boa’ do calendário”, publicado no Brasil pela Tecnoprint em 1960, dois anos após seu lançamento nos Estados Unidos com o título “The Case of The Calendar Girl”.
Não faria sentido, nessa transcrição, a meu ver, chamar o lobista B. de Meredith Barden, como fez Garden. Do mesmo modo, o construtor George Ansley. E fugiria da realidade de nosso mercado atual, passados 58 anos, os 50 mil dólares que A. esperava lucrar. Ou os 2 mil dólares da primeira parcela da propina e os 5 mil dos pagamentos seguintes pedidos pelo corruptor B.
No mais, notam-se similitudes entre os modos de agir de nossos corruptores reais e os da ficção norte-americana. Eu diria que a corrupção não varia fundamentalmente, independente do lugar, do tempo e da língua falada. Não é pior no Brasil do que na maioria dos países. Já era um problema no Egito, por ocasião das obras das pirâmides, e em Roma, na construção do Coliseu. E prosseguiu invicta pelos séculos e milênios, ultrapassando aqui os governos Lula e Dilma – e, certamente, o governo Temer e os que virão a seguir.
Apesar do juiz Moro… Que simplesmente reforça a corrupção – quando, acolitado pelo Ministério Público, a Polícia Federal e o STF, age seletivamente no seu combate.
(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/12/15/construtor-lobista/#more-13369)
quarta-feira, 14 de dezembro de 2016
Secas e desmatamento podem levar à savanização da Amazônia
Nos últimos 60 anos, o desmatamento atingiu cerca de 20% da floresta Amazônica e a temperatura na região subiu 1ºC. Se a temperatura aumentar 4ºC e o desmatamento atingir o patamar de 40%, há risco de savanização no Sul e no Leste da Amazônia. Isso significa que a floresta tropical vista hoje poderá dar lugar a uma paisagem próxima à das savanas africanas, de campo ralo, árvores esparsas e menos folhas.
A reportagem é de Cleide Carvalho*, publicada por O Globo, 08-12-2016.
A previsão faz parte do estudo “Riscos de uso da terra e mudança climática na Amazônia e a necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento sustentável”, assinado por especialistas dos principais centros brasileiros de pesquisas espaciais, estudos climáticos e de monitoramento e alerta de desastres naturais — Inpe, CPTEC e Cemaden —, além de universidades. O estudo será apresentado nesta terça-feira no Simpósio Amazônia Sustentável, em Belém.
Nos últimos 15 anos, a região registrou três períodos de seca acentuada. Quando o primeiro deles ocorreu, em 2005, foi considerado o mais grave em 100 anos. Cinco anos depois, em 2010, a seca foi ainda pior e pesquisas mostraram que as chuvas diminuíram numa área de 3 milhões de km² da floresta, 57% maior do que a afetada em 2005. Em 2015, a seca se repetiu.
— Um dos principais efeitos das secas é a elevação da mortalidade de árvores grandes, as quais estocam maiores quantidades de carbono e que têm o maior efeito na regulação do clima. Conforme essas árvores morrem e o clima fica mais seco, os incêndios florestais tendem a ser muito mais intensos — afirma Paulo Brando, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), acrescentando que a seca pode também reduzir a taxa de crescimento de árvores.
Na avaliação dos cientistas, o avanço da agricultura e da pecuária na região tem sido de baixa produtividade e insustentável. Numa área desmatada de 750 mil km², a Amazônia responde por 14,5% do PIB agrícola nacional. São Paulo, que usa uma área de 193.000 km², responde por 11,3%. Uma das explicações está no solo mais arenoso da região Amazônica.
Mudança no padrão das chuvas
Gilvan Sampaio, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), explica que o efeito estufa (aumento de gases na atmosfera) eleva as temperaturas na região tropical, a mais quente do planeta. A temperatura mais alta, por sua vez, muda o padrão das chuvas. Chove menos e em menos tempo, causando degradação do solo.Desde 1979, a estação seca no sul da Amazônia tem sido incrementada em seis dias e meio por década, principalmente devido ao início tardio da estação, acompanhado por um período prolongado de queimadas.
— Quando você retira a floresta e substitui pela agricultura, também muda o padrão de chuvas. Causa mais secas e estiagens e o período seco fica mais extenso. O aquecimento não é bom para as árvores. Causa estresse na vegetação, levando ao fenômeno da savanização — diz Sampaio.
A mudança de clima na Amazônia é impactada diretamente pelo desmatamento, pelas queimadas e por alterações no uso da terra. Sofre ainda os efeitos do aquecimento global, que eleva a temperatura dos oceanos, que provoca o fenômeno El Niño (aquecimento das águas do Oceano Pacífico), responsável por alterar os padrões de vento no mundo todo e, de novo, afetando as chuvas nas regiões tropicais.
Segundo Sampaio, quando retirada a cobertura florestal da região, o solo exposto ao calor se degrada em 10 anos, e é muito caro para recuperar.
— Até o pasto se degrada. Por isso temos tantas áreas já desmatadas e abandonadas e a continuidade dos desmatamentos — explica.
A mudança climática na Amazônia não se restringe à região. A floresta amazônica tem papel crucial no ciclo hidrológico de toda a América do Sul. É da dali que se formam os chamados “rios voadores”, ondas de umidade que garantem as chuvas de verão no Sudeste, por exemplo. Há ainda impactos na América do Norte e na Europa.
— A atmosfera não tem fronteiras, a não ser a própria terra e o espaço. O papel da Amazônia para o clima global é muito importante e não há outra saída senão o desmatamento zero — diz Sampaio.
O estudo lembra que é urgente parar o desmatamento também porque se sabe que, para a área de quase 1 milhão de quilômetros quadrados desmatada na floresta amazônica, outra porção igual se encontra em processo de degradação.
*A repórter viajou a convite da Rede Amazônia Sustentável (RAS), composta por mais de 100 pesquisadores de 30 instituições do Brasil e do exterior, criada com o objetivo de usar a Ciência como provedora de medidas que fortaleçam a sustentabilidade na região Amazônica.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/563265-secas-e-desmatamento-podem-levar-a-savanizacao-da-amazonia)
‘Fábrica de Marianas’ apoiada por Temer pode ser votada na Câmara nesta semana
A reportagem é publicada por Instituto Socioambiental - Isa, 13-12-2016.
A proposta que ameaça colocar o Brasil na rota de catástrofes ambientais, como a de Mariana (MG), pode ser votada na Câmara, na manhã desta quarta (14/12). O substitutivo do deputado ruralista Mauro Pereira (PMDB-RS) ao Projeto de Lei (PL) 3.729/2004 está na pauta da Comissão de Finanças e Tributação (CFT).
Depois da CFT, o projeto deveria ir à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas pode ser alçado diretamente ao plenário, por tramitar em regime de urgência. Se aprovado na Câmara, vai ao Senado.
Os ruralistas correm contra o tempo para votar o PL já que esta é a última semana do ano legislativo – a menos que o recesso parlamentar seja adiado se o Congresso não conseguir votar o orçamento de 2017. Por causa de outras votações, a sessão da CFT também pode ser adiada para quinta.
Tornado lei, o projeto seria um dos maiores retrocessos ambientais da história do país. Ele visa desmantelar o sistema de licenciamento atual, promovendo isenções e flexibilizações que impediriam a prevenção, mitigação e compensação de impactos socioambientais decorrentes das atividades econômicas, inclusive de grandes projetos, como a hidrelétrica de Belo Monte (PA).
A versão final do PL foi apresentada ontem, na CFT. Ela foi elaborada a portas fechadas com apoio do lobby da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Não foi discutida em audiência pública, com a sociedade civil ou pesquisadores. O Ministério Público Federal (MPF) condena o texto.
“Seria temerária a aprovação de um projeto apresentado na última hora, sem qualquer debate com a sociedade e aqui na própria Câmara, principalmente pela sua relevância e complexidade”, adverte o advogado do ISA Maurício Guetta. “A possibilidade existe porque sabemos que, em fim de ano, a Câmara, muitas vezes, tenta votar a todo custo algumas matérias que durante o ano ficaram de lado”, completa.
Padilha e pressões ruralistas
Na sexta (9/12), o Observatório do Clima divulgou que o Planalto desistira de votar a proposta de uma Lei Geral do Licenciamento elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e que vinha sendo discutida no governo. A ordem para apoiar e votar o PL ruralista teria partido do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. A decisão ocorreu dias depois de Padilha ser citado em escândalos envolvendo grilagem de terra e crimes ambientais no Rio Grande do Sul e Mato Grosso.Também é tomada depois que a bancada ruralista pediu a demissão do ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho. A CNA entrou com uma representação no MPF contra Sarney após o MMA ter divulgado os dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), conforme recomendação do próprio MPF e determina a legislação.
O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista (FPA), Ricardo Trípoli (PSDB-SP), avalia que a redação de Mauro Pereira vai ampliar conflitos socioambientais, a insegurança jurídica e a judicialização do licenciamento. “O que está se vendendo para dentro do setor do agronegócio é que isso vai facilitar a vida das pessoas. Pelo contrário, isso vai gerar mais problemas”, afirma. Ele lembra ainda que a proposta do MMA vinha sendo discutida com a sociedade e esse processo foi interrompido.
Necessitando de apoio parlamentar após a divulgação da delação premiada da Odebrecht, Temer teria decidido chancelar o projeto ruralista. A disputa pela Presidência da Câmara também pode ter influenciado a mudança de orientação do governo.
“A questão ambiental está sendo usadas pelos ruralistas como moeda de troca em cima da crise política e do processo de eleição da Câmara”, disse o deputado Nilto Tatto (PT-SP). A eleição acontece em fevereiro, mas a disputa pelo cargo já é acirrada dentro da base parlamentar do governo Temer. Os ruralistas inclusive já lançaram como candidato o deputado Marcos Montes (PSD-MG).
Saiba quais as principais ameaças do PL ruralista contra o licenciamento
Licenciamento autodeclaratório – permite licença ambiental com meros cadastramento e emissão automática em sistema eletrônico para atividades econômicas consideradas de menor impacto, por exemplo, postos de gasolina.Guerra “fiscal ambiental” – autoriza Estados e Municípios a flexibilizar exigências ambientais sem qualquer critério; eles passariam a competir pela atração de empreendimentos quanto menos rígidas fossem suas regras de licenciamento
Isenções – sem estabelecer critérios consistentes, o projeto dispensa a licença ambiental para uma série de atividades e empreendimentos poluidores, como propriedades rurais e indústrias. A isenção já foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2001.
Redução e vencimento de prazos – Além de reduzir o tempo disponível para avaliação dos Estudos de Impacto Ambiental dos projetos, estabelece a concessão automática da licença por vencimento desses prazos; as medidas tornam impossível a análise adequada dos impactos socioambientais de empreendimentos da parte do Ibama e abre caminho para o licenciamento sem a participação de órgãos como Funai, ICMBio, Fundação Cultural Palmares e Iphan.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/563362-fabrica-de-marianas-apoiada-por-temer-pode-ser-votada-na-camara-nesta-semana)
terça-feira, 13 de dezembro de 2016
Do golpe ao caos
Causas da crise institucional são claras. Grupos que tomaram poder não têm projeto de país; agora degladiam-se pela parte do leão no butim. Alternativa é articular bloco potente pelos direitos sociais
Por Antonio Martins
No momento em que se redige este texto, informam os noticiários, Michel Temer procura juntar cacos e encontrar uma saída “honrosa” para o conflito entre Renan Calheiros, presidente do Senado, e Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos trabalharam pela derrubada do governo eleito em 2014, mas agora entraram em conflito ácido. Mello quer afastar Renan da presidência do Senado. Para isso, brande entendimento jurídico que, se consolidado, viola direitos fundamentais e sepulta a presunção de inocência. Renan, contrariado, fez o macho: ao invés de contestar a decisão provisória do STF, decidiu ignorá-la, projetando o país no cúmulo da insegurança jurídica. Temer tenta um remendo, nas poucas horas que faltam para o final da sessão plenária do Supremo. Nada garante que será bem-sucedido.
Mas o barraco entre chefes de dois dos três poderes é apenas a parte mais visível de um conflito que se alastra entre os golpistas. O epicentro é o Executivo, por razões óbvias. Duas semanas depois de aceitar a renúncia do munistro Geddel Vieira Lima, um dos responsáveis pela articulação política do governo, Temer não sabe como substituí-lo. O posto foi oferecido ao PSDB, que reclamava mais espaço no governo. Os tucanos recusaram. Desejam participar do núcleo central do poder – mas usando luvas grossas e mãos de gato. Sugerem, gaiatos: e se ficássemos com o ministério da Fazenda?
É briga de banqueiros grandes – e globais. Armínio Fraga, o eterno escolhido do PSDB para o ministério da Fazenda, trabalha com George Soros. Teria atuado no planejamento de vários ataques especulativos. Mas Henrique Meirelles, o titular atual, seria menos influente? Brasileiro de Anápolis, herdeiro de pecuaristas, estudou em Harvard e cultivou relações. Presidiu o Bank Boston brasileiro e o global. Foi tido como um dos banqueiros mais próximos de Bill Clinton – talvez o presidente norte-americano mais ligado à oligarquia financeira. No Brasil, transitou por todo o universo político. Elegeu-se deputado federal pelo PSDB, dirigiu o Banco Central sob Lula e assumiu o ministério da Fazenda com Temer.
O butim é farto, mas a crise é funda. Por isso, a disputa no Planalto se agrava. É ela que traga os demais poderes. Todos – Renan, Temer, César Maia, Gilmar Mendes, Aécio, Serra, Alckmin – querem parte dos bônus. Entrega do Pré-Sal às petroleiras estrangeiras. PEC-241-55, para achatar o gasto social e ampliar a transferência de recursos do Estado aos banqueiros. Desmonte da Previdência, que arrasará o INSS e abrirá caminho para os sistemas de aposentadorias privadas, administrados pelos bancos. Em cada PEC, Projeto de Lei, Medida Provisória, tenebrosas transações. Vinte e quatro horas depois de o Palácio do Planalto enviar ao Congresso a PEC-287, que desmantela a Previdência Social, o relator da matéria na Câmara, deputado Alceu Moreira, anunciava já ter preparado parecer favorável à proposta. “Sou o Flash”, disse com escárnio.
Porém, não há projeto de país. Os que nos exasperávamos com a falta de ideias e criatividade, no período Dilma, enxergamos agora o que é a infertilidade política real. Em nove meses, que mísera ideia o governo Temer apresentou – além do assalto aos direitos sociais e da entrega do Estado aos particulares? Que originalidade demonstraram o PSDB ou a mídia associada ao golpe?
À falta de futuro, alimentam-se de ódios. Erguem a bandeira da luta contra a corrupção. Em nome dela, querem incapacitar ou prender adversários – desde que tal ação preserve… o atual sistema político, no qual nadarão de braçadas, em seguida! Este punitivismo sem programa acende heróis fugazes. Marco Aurélio Mello tentou ceifar Renan imaginando que se converteria imediatamente em herói de Higienópolis, do Leblon e da mídia. O presidente do Senado trucou: sem ele, para a farra das privatizações. Mídia, Planalto e movimentos como o MBL e o Vem Pra Rua enrolaram as bandeiras e puseram-se a negociar com quem tratavam como bandido.
* * *
No cenário de caos para o qual o país regrediu, os direitos sociais
parecem ser a chave crucial. Sua devastação divide os golpistas, que
disputam o butim. Defendê-los pode unir os que sustentam, além da
democracia e da igualdade, a própria ideia de preservar a República –
algo a que as elites parecem cada vez mais indiferentes.
Do golpe ao caos – é e tende a ser, por lógica, o caminho dos que impuseram um governo ilegítimo. Contra o caos, os direitos –
é uma alternativa. As multidões que se reuniram contra o golpe, entre
março e maio, articularam-se acima de tudo em torno da ideia de
direitos. Não tinham cor partidária. Reuniam uma galáxia — de velhos
militantes a secundaristas; dos movimentos sindicais à luta LGTB; todo o
leque de sensibilidades feministas e negras. Estavam unidas pela ideia
de que Outro País é Possível; de que não suportamos a normatização social, política e moral que querem nos impor.
Esta galáxia pode se formar de novo – agora pela defesa dos direitos sociais. Em torno deles, e da ideia de país solidário que expressam, é que se pode articular um bloco social amplo e potente – ainda que diverso.
Certas oportunidades não devem ser perdidas. Para 13 de dezembro
começam a ser convocadas manifestações que se opõem às políticas de
rapina – à PEC 55 e ao desmonte da Previdência, em especial.No fim de um ano pesado, é preciso reforçá-las. Nelas reside nossa esperança de começar a virada; de acirrar as contradições evidentes entre os que governam contra o país; de abrir caminho para um 2017 respirável.
(fonte: http://outraspalavras.net/brasil/do-golpe-ao-caos/)
Para a CIA, a Rússia interferiu na campanha a favor de Donald Trump
MARC BASSETS (*)
A CIA (serviço secreto norte-americano) acredita que a Rússia interferiu na campanha eleitoral dos Estados Unidos para favorecer o candidato vencedor, o republicano Donald Trump, segundo revelou na sexta-feira o jornal The Washington Post. A CIA, segundo a notícia, atribui a pessoas ligadas ao Governo russo a divulgação de mensagens de e-mail roubadas que acabaram prejudicando a candidata democrata, Hillary Clinton. A equipe de Trump questionou por meio de um comunicado as conclusões da agência de espionagem. O presidente Barack Obama quer esclarecer o caso antes de deixar o cargo, em 20 de janeiro.
“É o mesmo pessoal que disse que Sadam Hussein tinha armas de destruição em massa”, argumenta a nota de Trump. Refere-se às conclusões – que se revelaram falsas, posteriormente - que serviram para que outro presidente republicano, George W. Bush, justificasse a invasão do Iraque em 2003. Quando assumir o cargo, Trump terá que trabalhar com os serviços de inteligência que agora acusa de difundir informação falsa.
Segundo fontes governamentais anônimas citadas pelo Post, pessoas ligadas ao Governo russo entregaram à organização Wikileaks as mensagens do Comitê Nacional Democrata e do presidente da campanha de Clinton, John Podesta. A Wikileaks as publicou. Antes, a espionagem norte-americana apontava a Rússia como responsávelpelo roubo e divulgação das mensagens, mas não lhe atribuía explicitamente um objetivo em favor de um candidato com nome e sobrenome.
“A avaliação da comunidade de inteligência é que o objetivo da Rússia era favorecer um candidato em relação a outro, ajudar que Trump se elegesse. Esse é o consenso”, disse ao jornal um funcionário de alto escalão. Essa fonte teve acesso à informação que os responsáveis pela espionagem dos EUA deram a portas fechadas ao Senado.
Há poucos precedentes de intervenção estrangeira de tal dimensão nas eleições norte-americanas. Menos ainda para favorecer um candidato específico, que além disso acabou vencendo e será o próximo presidente.
Não existem provas conclusivas sobre o possível papel da Rússia, mas é pública a afinidade entre Trump e o presidente russo, Vladimir Putin. Ambos trocaram elogios nos meses anteriores à eleição, e Trump, que se cercou de assessores pró-Rússia na campanha, prometeu melhorar as relações com Moscou caso se elegesse. E, em plena campanha, Trump incentivou a Rússia a piratear os e-mails de Clinton.
A resposta de pessoas do círculo de Trump e da Wikileaks, a organização que divulgou as mensagens democratas, é que as acusações contra a Rússia são teorias sem confirmação que fazem reviver a paranoia do terror vermelho —o medo da infiltração soviética nos EUA— da Guerra Fria e o macartismo.
Obama encomendou aos serviços de inteligência um relatório que deve ficar pronto antes de Trump assumir o posto. Não ficou claro se os resultados serão tornados públicos. O FBI (polícia federal dos EUA) já tem uma investigação em curso.
“É possível que tenhamos cruzado um novo umbral, e nos cabe levar isso em conta, fazer sua revisão e executar alguma ação complementar, para entender o que aconteceu e tirar as lições aprendidas”, disse na sexta-feira num café da manhã com jornalistas Lisa Monaco, conselheira de Obama em antiterrorismo e segurança interna.
A análise da Casa Branca se soma às petições de vários democratas no Senado e na Câmara para que o Governo dos EUA lhes forneça informações mais detalhadas sobre a ingerência russa e eventualmente elimine o sigilo dos dados.
Paralelamente, republicanos proeminentes no Senado críticos a Trump, como John McCain, preparam uma investigação sobre o caso, segundo o Post. Caso a ponham em marcha, podem provocar um confronto com o presidente Trump.
Trump nega que a Rússia esteja por trás da divulgação dos e-mails do Comitê Nacional Democrata e de Podesta. As mensagens, publicadas durante a campanha, não revelaram casos de corrupção nem fatos criminosos, mas foram um gotejar contínuo que ajudou a minar Clinton. Reforçaram sua imagem, entre parte da população, de política pouco transparente e até corrupta. Não ficou provado que o vazamento de e-mails tenha sido decisivo, mas quem o orquestrou provavelmente conseguiu seu objetivo.
“Não deve haver dúvida. Não foi algo feito por acaso. Não era um objetivo escolhido de forma arbitrária”, disse dias atrás o almirante Michael Rogers, chefe da Agência de Segurança Nacional (NSA). “Foi um esforço consciente de um Estado-nação para tentar atingir um efeito específico.”
Em comunicado publicado em 7 de outubro, o Departamento de Inteligência Nacional e o Departamento de Segurança Interna apontaram a Rússia como responsável pela pirataria cibernética. “A Comunidade de inteligência dos EUA acredita que o Governo russo tenha liderado as recentes [ações] comprometedoras de e-mails de pessoas e instituições dos EUA, incluindo organizações políticas dos EUA”, informa a nota.
“Não creio. Não creio que interferissem”, disse Trump em entrevista publicada esta semana na revista Time. O jornalista lhe pergunta se acredita que os chefes da espionagem dos EUA tiveram motivação política para publicar tal declaração. “Acho que sim”, responde o presidente eleito.
(*) Publicado originalmente no EL PAÍS
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Para-a-CIA-a-Russia-interferiu-na-campanha-a-favor-de-Donald-Trump/6/37421)
A CIA (serviço secreto norte-americano) acredita que a Rússia interferiu na campanha eleitoral dos Estados Unidos para favorecer o candidato vencedor, o republicano Donald Trump, segundo revelou na sexta-feira o jornal The Washington Post. A CIA, segundo a notícia, atribui a pessoas ligadas ao Governo russo a divulgação de mensagens de e-mail roubadas que acabaram prejudicando a candidata democrata, Hillary Clinton. A equipe de Trump questionou por meio de um comunicado as conclusões da agência de espionagem. O presidente Barack Obama quer esclarecer o caso antes de deixar o cargo, em 20 de janeiro.
“É o mesmo pessoal que disse que Sadam Hussein tinha armas de destruição em massa”, argumenta a nota de Trump. Refere-se às conclusões – que se revelaram falsas, posteriormente - que serviram para que outro presidente republicano, George W. Bush, justificasse a invasão do Iraque em 2003. Quando assumir o cargo, Trump terá que trabalhar com os serviços de inteligência que agora acusa de difundir informação falsa.
Segundo fontes governamentais anônimas citadas pelo Post, pessoas ligadas ao Governo russo entregaram à organização Wikileaks as mensagens do Comitê Nacional Democrata e do presidente da campanha de Clinton, John Podesta. A Wikileaks as publicou. Antes, a espionagem norte-americana apontava a Rússia como responsávelpelo roubo e divulgação das mensagens, mas não lhe atribuía explicitamente um objetivo em favor de um candidato com nome e sobrenome.
“A avaliação da comunidade de inteligência é que o objetivo da Rússia era favorecer um candidato em relação a outro, ajudar que Trump se elegesse. Esse é o consenso”, disse ao jornal um funcionário de alto escalão. Essa fonte teve acesso à informação que os responsáveis pela espionagem dos EUA deram a portas fechadas ao Senado.
Há poucos precedentes de intervenção estrangeira de tal dimensão nas eleições norte-americanas. Menos ainda para favorecer um candidato específico, que além disso acabou vencendo e será o próximo presidente.
Não existem provas conclusivas sobre o possível papel da Rússia, mas é pública a afinidade entre Trump e o presidente russo, Vladimir Putin. Ambos trocaram elogios nos meses anteriores à eleição, e Trump, que se cercou de assessores pró-Rússia na campanha, prometeu melhorar as relações com Moscou caso se elegesse. E, em plena campanha, Trump incentivou a Rússia a piratear os e-mails de Clinton.
A resposta de pessoas do círculo de Trump e da Wikileaks, a organização que divulgou as mensagens democratas, é que as acusações contra a Rússia são teorias sem confirmação que fazem reviver a paranoia do terror vermelho —o medo da infiltração soviética nos EUA— da Guerra Fria e o macartismo.
Obama encomendou aos serviços de inteligência um relatório que deve ficar pronto antes de Trump assumir o posto. Não ficou claro se os resultados serão tornados públicos. O FBI (polícia federal dos EUA) já tem uma investigação em curso.
“É possível que tenhamos cruzado um novo umbral, e nos cabe levar isso em conta, fazer sua revisão e executar alguma ação complementar, para entender o que aconteceu e tirar as lições aprendidas”, disse na sexta-feira num café da manhã com jornalistas Lisa Monaco, conselheira de Obama em antiterrorismo e segurança interna.
A análise da Casa Branca se soma às petições de vários democratas no Senado e na Câmara para que o Governo dos EUA lhes forneça informações mais detalhadas sobre a ingerência russa e eventualmente elimine o sigilo dos dados.
Paralelamente, republicanos proeminentes no Senado críticos a Trump, como John McCain, preparam uma investigação sobre o caso, segundo o Post. Caso a ponham em marcha, podem provocar um confronto com o presidente Trump.
Trump nega que a Rússia esteja por trás da divulgação dos e-mails do Comitê Nacional Democrata e de Podesta. As mensagens, publicadas durante a campanha, não revelaram casos de corrupção nem fatos criminosos, mas foram um gotejar contínuo que ajudou a minar Clinton. Reforçaram sua imagem, entre parte da população, de política pouco transparente e até corrupta. Não ficou provado que o vazamento de e-mails tenha sido decisivo, mas quem o orquestrou provavelmente conseguiu seu objetivo.
“Não deve haver dúvida. Não foi algo feito por acaso. Não era um objetivo escolhido de forma arbitrária”, disse dias atrás o almirante Michael Rogers, chefe da Agência de Segurança Nacional (NSA). “Foi um esforço consciente de um Estado-nação para tentar atingir um efeito específico.”
Em comunicado publicado em 7 de outubro, o Departamento de Inteligência Nacional e o Departamento de Segurança Interna apontaram a Rússia como responsável pela pirataria cibernética. “A Comunidade de inteligência dos EUA acredita que o Governo russo tenha liderado as recentes [ações] comprometedoras de e-mails de pessoas e instituições dos EUA, incluindo organizações políticas dos EUA”, informa a nota.
“Não creio. Não creio que interferissem”, disse Trump em entrevista publicada esta semana na revista Time. O jornalista lhe pergunta se acredita que os chefes da espionagem dos EUA tiveram motivação política para publicar tal declaração. “Acho que sim”, responde o presidente eleito.
(*) Publicado originalmente no EL PAÍS
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Para-a-CIA-a-Russia-interferiu-na-campanha-a-favor-de-Donald-Trump/6/37421)
Cada vez mais a educação é um negócio
Em entrevista, o educador e filósofo Gaudêncio Frigotto faz um retrospecto dos acertos e erros dos últimos governos na educação brasileira.
Eduardo Sá - Fazendo Média
Com a reforma do ensino médio estamos
resgatando retrocessos que remetem ao que há de pior na história da
educação brasileira, e a juventude está ocupando as escolas porque essa
geração não vê um futuro seguro para sua vida. Esses são alguns dos
principais elementos que o educador e filósofo Gaudêncio Frigotto,
professor do Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas e Formação
Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), atribui ao
atual cenário de crise na educação brasileira. O pensador, discípulo de
Paulo Freire, tem visitado algumas ocupações e conversado com os alunos
para entender melhor esse processo, além de acompanhar atentamente as
mudanças realizadas pelo governo de Michel Temer.
Na
entrevista ao Fazendo Media, ele faz um retrospecto dos acertos e erros
dos últimos governos na educação brasileira. Frigotto destaca ainda o
surgimento de movimentos junto ao empresariado, como o Escola Sem
Partido, que se tornaram hegemônicos nas decisões do ensino nacional.
Para ele, a educação vista como um negócio e não um direito é o que mais
prejudica as próximas gerações.
Parceiro
de movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), o professor defende a aproximação com os jovens para um
diálogo em busca de um bem maior: uma educação pública de qualidade para
todos. Embora o cenário no médio prazo seja auspicioso, segundo ele,
existem sinais de um acúmulo de lutas e consciência que nos trazem
esperanças com essa juventude e outros movimentos para o futuro.
Quando o Lula assumiu o governo havia um grupo
que tinha pensado o Plano Nacional de Educação (PNDE). O contra ponto
era as políticas de educação dos anos 90 no contexto do neoliberalismo
e, sobretudo, o restabelecimento da dualidade na educação básica com o
decreto 2.208/96. E recuperar, portanto, o debate da Lei de Diretrizes e
Bases (LDB) da Constituinte da educação básica como direito social e
subjetivo. Quais são os avanços? Se restabeleceu na educação básica o
ensino médio como sua parte final, numa perspectiva integrada: não
separar o técnico e o político do humano, uma educação básica com a
ciência, a cultura e o trabalho como suporte ao jovem para sua autonomia
e cidadania. Ou seja, se posicionar na sociedade ativamente e ter as
bases para se inserir no mundo do trabalho. E do ponto de vista de
política educacional, sem dúvida nenhuma a criação e expansão dos
Institutos Federais com a sua interiorização. Isso tem extraordinários
ganhos, apesar dos seus problemas. A criação de 17 universidades também,
como a Fronteira Sul, que tem um papel enorme e é uma reivindicação dos
movimentos sociais. Seu desenho é totalmente diferente, onde os
movimentos são parte da gestão da universidade. São avanços
significativos, e por isso não comungo com os que dizem que o governo
Lula foi igual ao FHC na educação.
Quais foram os problemas, então?
Por
volta de 2005 viu se que o governo não tinha um projeto claro de
sociedade, e nem de educação. Se constituiu mais um projeto de poder, do
que um diálogo com a sociedade. Aí começam, inclusive, as cisões dentro
do próprio PT. Olhando hoje para trás, o capital com as forças que são
donas dos instrumentos de produção quando viram o Lula assumindo o
governo com aquela base social acendeu um sinal vermelho. Por isso se
organizou na sua divergência e prioridade como classe, e no campo da
educação surgiram duas frentes que acabaram dominantes e pautaram a
educação a partir de 2006 no Ministério da Educação e nos estados e
municípios. O Todos Pela Educação em 2005, que é incorporado no PDE em
2006, com um grupo de 14 empresários como financiadores e mais 18
colaboradores, que são na verdade os vampiros que querem fazer da
educação um negócio ou direcionar qual o método, o currículo, etc. Antes
disso, em 2004, começou a surgir o movimento Escola Sem Partido. A
economia ia bem com até 6% do PIB e esses empresários ganharam muito
dinheiro, porque a transferência e distribuição de renda pelo salário
mínimo e pelas políticas sociais é uma margem muito pequena em relação
ao que se pagou de juros da dívida interna. Mas a partir de 2012,
especialmente no final do governo Dilma, a crise mundial do capital veio
forte no Brasil e essa classe organizada disse basta à transferência de
renda e políticas públicas. A partir de 2014 se cunhou isso com os
mortadelas, que são aqueles que só comiam mortadela e começaram a ser
incluídos, como os índios, quilombolas, mulheres, cotas, etc.
Quem são esses empresários, são das universidades e colégios particulares?
São
o setor industrial, bancos, meios de comunicação, tudo, e os institutos
como o Ayrton Senna, o Lemann e o Itaú, dentre outros. O reflexo disto é
o golpe, que se materializa também na educação. A face oculta da face
clara do golpe, que é o capital e seus aparelhos, como a mídia, o setor
jurídico, o parlamento, setores da polícia federal, são os grandes
braços do capital que executam o golpe. A face oculta é a criminalização
do PT, sobretudo com a expressão petralha, que na verdade é uma crítica
ao pensamento divergente. Como disse o Veríssimo numa crônica recente,
justiça social se tornou sinônimo de inimigo. O explícito disso é a PEC
241, que agora é 55 no Senado, é a conta: vai se cobrir o fígado da
classe trabalhadora e eliminar todas as políticas de avanços. Vão tirar
migalhas para pagar juros da dívida e fazer com que ano que vem noticiem
de novo que mais 11 mil brasileiros estão na lista dos maiores
milionários do mundo.
Na
educação temos o PL que trata da Escola Sem Partindo tentando
transformar em lei aquilo que era uma disputa: só é válido ensinar na
escola aquilo que é do partido, do mercado na verdade. Ninguém é imbecil
de achar que queremos uma escola de um partido como PSDB, PT, etc. Não,
a grande disputa é a questão da neutralidade: a escola tem que ensinar,
mas não educar. A interpretação que vale é a de acordo com os trâmites,
ou as visões da neutralidade científica que interessam ao mercado.
Então a Escola Sem Partido é uma guilhotina que se coloca de censura e
autocensura à análise: a ciência pelo que debate é política.
Na
maior parte das análises políticas e sociológicas dos livros, por
exemplo, nos caracterizam como uma nação européia. Mas aí outro
historiador vai dizer: cuidado porque de 1500 a 1850 a cada branco
europeu colonizador vieram seis negros, então na história da humanidade
somos uma nação mais africana. No fundo a concepção mercantil de
educação foi tomando a gestão da escola, depois o currículo, o método e
agora eles dizem “cala a boca professor” com a Escola Sem Partido. É uma
guilhotina, e com uma diferença radical da censura da ditadura civil e
militar nos anos 60: o dedo duro era conhecido e pago para dedurar o que
não devia ser dito nas aulas, mas hoje pode ser o meu colega, o meu
aluno, o pai do aluno ou o diretor da escola. Quebra-se absolutamente o
que é orgânico na relação pedagógica, que é a confiança.
Uma
contradição difícil de explicar é que quando nos referimos à educação
sempre aparecem nomes como Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darcy
Ribeiro, dentre outros, que são pensadores com inúmeros livros
publicados mundo afora e condecorados em universidades em vários países.
Por que os que pensaram a educação de forma mais generosa e
democrática, são criticados pelo poder hegemônico e mal vistos no senso
comum no Brasil?
A
última vez que me informei, Paulo Freire já havia sido traduzido em 27
idiomas e a Pedagogia do Oprimido é um clássico. Darcy Ribeiro com o
Processo Civilizatório é outro clássico, assim como Anísio Teixeira,
Florestan Fernandes, dentre outros, como Celso Furtado noutro ângulo.
Essa contradição se explica pelo tipo de classe dominante que temos.
Para ela, reforma agrária era coisa comunista, por exemplo. Japão fez
reforma agrária! E a não reforma agrária significa hoje o entorno de
grandes cidades absolutamente inabitável com favelas e todos os
problemas. Isso é diferente das classes dominantes do capitalismo
central, como disse Florestan Fernandes, que fizeram uma revolução
burguesa mas garantiram primeiro a construção de uma nação e de direitos
mais universais com menos desigualdade.
Os autores que defendem a universalidade da educação, como Paulo Freire, que educar é ajudar a criança, o jovem ou o adulto a ler o mundo, a interpretar, a tornar-se sujeito, esse tipo de formação para a classe dominante brasileira é uma ofensa, um empecilho. Os próprios empresários e os intelectuais a eles vinculados, como o sociólogo [José] Pastore, falaram em apagão educacional se referindo a pequenos setores da economia que exigem trabalho complexo e não tem gente preparada para isso. Mas quem produziu esse apagão? E a própria imagem de apagão mostra a visão medíocre dessa classe, imaginando que você forma um profissional qualificado como se corrige um problema de falta de luz. Um apagão é momentâneo, mas o processo educativo é de larga duração. Na verdade é coerente, para a classe dominante não é contraditório. Como o sociólogo Francisco de Oliveira coloca muito bem: é uma sociedade que produz a miséria, e se alimenta dela.
E
manipulam, porque qualquer pensamento divergente é de comunista mas
Paulo Freire nunca foi comunista. Num debate da TV Cultura com um dos
fundadores da Escola Sem Partido, o Miguel Nagib, ele disse: esse
petista Paulo Freire, que escreveu os livros, etc. Até o âncora
corrigiu: mas olha, o Paulo Freire escreveu esses livros antes do PT
existir. É uma classe dominante anti nação, povo e direitos elementares
de morar, ter saúde, locomoção e educação. É uma classe de estigma
colonizador e escravocrata como poucas no mundo, que faz com que
cheguemos ao século XXI com 13 milhões de analfabetos e 9,5 milhões
dizendo que não estudam ou não trabalham. São esses os candidatos do
Degase e das prisões.
Um
fenômeno que vem em paralelo a esse processo é a ascensão de uma
juventude com uma nova consciência e ocupando as escolas em todo o
Brasil. Qual a origem disso?
Antes
gostaria de fazer uma ligação da PEC da Escola Sem Partido e a reforma
do ensino médio, que é uma interdição de 85% dos jovens que frequentam
escolas a terem um futuro. De criar uma base de conhecimento e valores
para se tornar sujeito ativo na sociedade. E também uma interdição para
que eles possam aspirar ao trabalho complexo, além de trazer três
retrocessos que existiram de pior na nossa história. Nos anos 30 a
reforma Capanema com a não equivalência do ramo industrial, de serviços e
agrícola para ter acesso à universidade, que foi corrigido em 1961: a
Lei 5.692 pega o que tem de pior da ditadura, que é a profissionalização
precoce. O Decreto 2.208 do FHC e Paulo Renato também traz a dualidade,
e agora liberando inclusive os professores da parte flexível da reforma
de não precisar de licenciatura. E a educação básica foi então
decretada por Medida Provisória por Ato Institucional, e o ensino médio
não faz mais parte. O Plano Nacional de Educação ficou escanteado, e
dessa virulência vem a mobilização dos jovens. Especialmente os
secundaristas, que entenderam essa relação entre a hostilidade econômica
e os seus futuros no mundo do trabalho. Sem uma boa escola não vão
competir para entrar numa universidade nem no mercado de trabalho.
O
jovem desde sempre é sensor, porque na adolescência ele catalisa e é
muito sensível à falsidade. Hoje tem muita manipulação, mas a própria
cisão de classe às vezes é rompida. Esse movimento Ocupa da educação
começa em torno de 2004 no Chile, é um movimento dos jovens que estão
querendo ter futuro e não uma vida provisória em suspenso. É um gérmen
importantíssimo para mostrar que as políticas e decisões tomadas são
contra o futuro dessa geração. Tem que haver um diálogo, porque sem ele
os jovens não aprendem com os acertos da geração adulta e não aprendem
com os seus erros. É preciso fazer essa aproximação ouvindo a partir da
agenda dos jovens, e o que é mais fantástico é a clareza dos
secundaristas de que eles não devem atingir o patrimônio público, manter
uma ordem e ter solidariedade. Tem diferenciações, mas tem lições
importantíssimas que nos dão esperança. Como diz o Florestan, são os
homens e mulheres em luta que fecham ou abrem o circuito da história.
Estão fechando um circuito da história negativo no Brasil, mas também
tem forças sinalizando que não será eterno. O grande ganho dessa
juventude é que ela não será mais a mesma.
Estão
acontecendo diversas atividades extracurriculares nessas ocupações, e
muitos dizem que é uma grande formação que não têm na sala de aula e um
aprendizado que vão levar para a vida inteira. Essa geração é um sinal
para um futuro de embate político e de conflitos?
São contextos muito diversos, a geração que foi ao embate na década de 80 foi educada na ditadura e era um momento de participação mais ampla da sociedade com a constituinte. Tinha um foco de sair de um circuito de extrema violência para uma democracia, e na década de 90 foi uma violência do neoliberalismo e um movimento mais institucional das associações científicas e culturais. Sem dúvida a juventude não se movimentou tanto, apesar de ter sido sempre disputada por partidos políticos, igreja, tráfico, mercado, etc. O movimento de agora é porque nesses 15 anos houve um processo com novos sujeitos emergindo. As ocupações não são de jovens de classe média, os secundaristas em sua maioria são classe popular: tem os segmentos de negros, mulheres, LGBT, tudo isso foi construído em políticas que permitiram voz e formação na sociedade. É o novo, por isso é um processo positivo das políticas de inclusão. Esse movimento tem um veio do aprendizado dos jovens da luta do Chile que foi extremamente bem sucedida, mas também por causa da particularidade do nosso processo histórico. Aqui o neoliberalismo chegou depois, e tivemos essa experiência de olhar para o andar debaixo ainda que com políticas mais assistenciais do que com reformas estruturais.
Quando
falamos em educação sempre remetemos às grandes cidades, mas no governo
do PT teve muita escola rural fechada. Como é essa questão da educação
pra dentrão do país?
Cada
vez mais a educação é considerada não como um direito social, mas como
um negócio. Por isso a ideia da educação como custo, e não como direito.
Por outro lado, para você pagar a dívida do país tem que ter criado a
responsabilidade fiscal. Todo um esforço do país é pago em juros de uma
dívida que é uma imoralidade, um crime. Então os municípios e estados
enxugam o custo, fecha a escola, mata uma cultura, tira o menino do seu
habitat, etc. Os movimentos sociais, especialmente os do campo, lutam
muito contra isso. O novo do ponto de vista de concepção pedagógica vem
daí, a pedagogia do MST, da via Campesina e outros movimentos diz que
não quer uma educação para o campo e nem pelo campo: querem uma educação
do campo. Existem sujeitos e conhecimentos, é desta particularidade que
temos de partir para um conhecimento que possa dar na cidade e no
campo. A política de esvaziamento do campo e fechamento de escolas vem
da ideia de que a educação não é um direito: é um serviço e, portanto,
tem que ser tratada por critérios de mercado. Ou seja, um processo de
crescente mercantilização dos direitos, mas há resistência.
E incomoda, porque bateram recentemente na porta da escola Florestan Fernandes, do MST.
Por
isso tentam marginalizar o pensamento divergente, e criticam esses
pensadores que ajudavam a pensar, a ver a nossa diversidade e os nossos
direitos. Isso é uma expressão dessa truculência do golpe, que vai tirar
e já está tirando direitos em todos os campos.
Com base nessa transição de governo, quais são os sinais do que virá pela frente?
O
cenário no médio prazo não é auspicioso. Ontem estava lendo uma
entrevista do prefeito de São Paulo, que é uma tendência no mundo de
culpar o Estado, da direita para a extrema direita. No Rio de Janeiro é o
fundamentalismo religioso, que torna Deus uma mercadoria, junto ao
fundamentalismo do mercado. A votação do Bolsonaro aqui é preocupante,
assim como a votação localizada do Crivella nas comunidades pobres onde
atua o pastor. Então o desenho, no médio e curto prazo, será de anos
duros. Mas a história não é linear: esses movimentos apontam que há
resistência, há acúmulo, forças. Porém, tenho ouvido muito que o campo
crítico deveria ter se organizado como o campo do capital, ao invés de
ficar debatendo o seus problemas e dividindo. Buscar um denominador
comum no pluralismo, de sorte que fomos surpreendidos. Ninguém com mais
de 60 anos que passou pela ditadura vai te dizer que se podia imaginar
chegar a 2016 com esse cenário, por mais grave que fosse a crise. Para
renascer das cinzas, a primeira coisa é fazer esse inventário como
estamos tentando aqui.
Um
fator interessante é que essa geração não previa, e também não entende
essa nova geração. Os jovens chegam com uma nova dinâmica organizativa,
de forma mais horizontal, e não dialogam tanto com os partidos e
movimentos.
Porque
os partidos tais como estão, inclusive isso foi um dos erros do PT, não
pensam mais em sociedade e sim no mandato. Partido vira lugar de
emprego, e não de representação da sociedade. Há um descrédito nos
partidos, e isso é muito ruim. Os sindicatos idem, se encastelaram muito
e se formou um emprego. É difícil fazer generalizações, mas também
esqueceram em boa medida a sociedade. Há um descrédito na política, e
por outro lado isso dificulta o diálogo de gerações. Mas não vai haver
mudança sem organização: precisamos do sindicato, dos partidos e do
Estado, mas não desse. Precisamos de um regramento jurídico, e os jovens
contestam isso, assim como contestam a própria escola. O aluno não
gosta da escola porque ela não é escola, é um espaço pouco educativo,
não tem salas legais, o professor não tem tempo, não tem biblioteca nem
espaço para lazer ou cultura. Como diz Miguel Arroyo, mais escola dessa
escola que horror.
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Educacao/-Cada-vez-mais-a-educacao-e-um-negocio-/13/37395)
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