A reportagem é publicada por Instituto Socioambiental - Isa, 13-12-2016.
A proposta que ameaça colocar o Brasil na rota de catástrofes ambientais, como a de Mariana (MG), pode ser votada na Câmara, na manhã desta quarta (14/12). O substitutivo do deputado ruralista Mauro Pereira (PMDB-RS) ao Projeto de Lei (PL) 3.729/2004 está na pauta da Comissão de Finanças e Tributação (CFT).
Depois da CFT, o projeto deveria ir à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas pode ser alçado diretamente ao plenário, por tramitar em regime de urgência. Se aprovado na Câmara, vai ao Senado.
Os ruralistas correm contra o tempo para votar o PL já que esta é a última semana do ano legislativo – a menos que o recesso parlamentar seja adiado se o Congresso não conseguir votar o orçamento de 2017. Por causa de outras votações, a sessão da CFT também pode ser adiada para quinta.
Tornado lei, o projeto seria um dos maiores retrocessos ambientais da história do país. Ele visa desmantelar o sistema de licenciamento atual, promovendo isenções e flexibilizações que impediriam a prevenção, mitigação e compensação de impactos socioambientais decorrentes das atividades econômicas, inclusive de grandes projetos, como a hidrelétrica de Belo Monte (PA).
A versão final do PL foi apresentada ontem, na CFT. Ela foi elaborada a portas fechadas com apoio do lobby da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Não foi discutida em audiência pública, com a sociedade civil ou pesquisadores. O Ministério Público Federal (MPF) condena o texto.
“Seria temerária a aprovação de um projeto apresentado na última hora, sem qualquer debate com a sociedade e aqui na própria Câmara, principalmente pela sua relevância e complexidade”, adverte o advogado do ISA Maurício Guetta. “A possibilidade existe porque sabemos que, em fim de ano, a Câmara, muitas vezes, tenta votar a todo custo algumas matérias que durante o ano ficaram de lado”, completa.
Padilha e pressões ruralistas
Na sexta (9/12), o Observatório do Clima divulgou que o Planalto desistira de votar a proposta de uma Lei Geral do Licenciamento elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e que vinha sendo discutida no governo. A ordem para apoiar e votar o PL ruralista teria partido do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. A decisão ocorreu dias depois de Padilha ser citado em escândalos envolvendo grilagem de terra e crimes ambientais no Rio Grande do Sul e Mato Grosso.Também é tomada depois que a bancada ruralista pediu a demissão do ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho. A CNA entrou com uma representação no MPF contra Sarney após o MMA ter divulgado os dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), conforme recomendação do próprio MPF e determina a legislação.
O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista (FPA), Ricardo Trípoli (PSDB-SP), avalia que a redação de Mauro Pereira vai ampliar conflitos socioambientais, a insegurança jurídica e a judicialização do licenciamento. “O que está se vendendo para dentro do setor do agronegócio é que isso vai facilitar a vida das pessoas. Pelo contrário, isso vai gerar mais problemas”, afirma. Ele lembra ainda que a proposta do MMA vinha sendo discutida com a sociedade e esse processo foi interrompido.
Necessitando de apoio parlamentar após a divulgação da delação premiada da Odebrecht, Temer teria decidido chancelar o projeto ruralista. A disputa pela Presidência da Câmara também pode ter influenciado a mudança de orientação do governo.
“A questão ambiental está sendo usadas pelos ruralistas como moeda de troca em cima da crise política e do processo de eleição da Câmara”, disse o deputado Nilto Tatto (PT-SP). A eleição acontece em fevereiro, mas a disputa pelo cargo já é acirrada dentro da base parlamentar do governo Temer. Os ruralistas inclusive já lançaram como candidato o deputado Marcos Montes (PSD-MG).
Saiba quais as principais ameaças do PL ruralista contra o licenciamento
Licenciamento autodeclaratório – permite licença ambiental com meros cadastramento e emissão automática em sistema eletrônico para atividades econômicas consideradas de menor impacto, por exemplo, postos de gasolina.Guerra “fiscal ambiental” – autoriza Estados e Municípios a flexibilizar exigências ambientais sem qualquer critério; eles passariam a competir pela atração de empreendimentos quanto menos rígidas fossem suas regras de licenciamento
Isenções – sem estabelecer critérios consistentes, o projeto dispensa a licença ambiental para uma série de atividades e empreendimentos poluidores, como propriedades rurais e indústrias. A isenção já foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2001.
Redução e vencimento de prazos – Além de reduzir o tempo disponível para avaliação dos Estudos de Impacto Ambiental dos projetos, estabelece a concessão automática da licença por vencimento desses prazos; as medidas tornam impossível a análise adequada dos impactos socioambientais de empreendimentos da parte do Ibama e abre caminho para o licenciamento sem a participação de órgãos como Funai, ICMBio, Fundação Cultural Palmares e Iphan.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/563362-fabrica-de-marianas-apoiada-por-temer-pode-ser-votada-na-camara-nesta-semana)
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