Texto escrito por José de Souza Castro:
A Carta Maior publicou, no dia 16 deste mês, editorial
em que compara as propostas do governo Temer ao Tratado de Versalhes
imposto em 1919, por Estados Unidos, Inglaterra e França, à Alemanha
derrotada na I Guerra Mundial. “O alvo da elite brasileira hoje é o
próprio povo, tratado como inimigo dentro do seu próprio país”, diz Saul
Leblon, que assina o editorial. (Em texto de novembro, o senador
Roberto Requião (PMDB-PR) já tinha feito comparação semelhante.)
Recomendo a leitura de cada uma das 3.468 palavras do editorial.
Apesar disso, farei uma síntese para os que não têm tempo e, mesmo
assim, gostariam de entender um pouco mais a gravidade do momento em que
vivemos. Um momento que pode resultar numa nova ditadura. Na
Alemanha, foi a ditadura de Hitler. No Brasil, certamente, a ditadura
das elites.
“O grau de sacrifício que o golpe decidiu impor à população
brasileira é muito superior ao poder de ordenamento que as elites detêm
para implementá-lo sem recorrer a um regime de força”, afirma Leblon,
para quem “é sombrio o futuro da democracia no Brasil”, a menos que a
resistência popular tenha força para mudar o destino previsível da
sociedade que seremos no século XXI.
Conforme Lebron, arremeda-se aqui um Tratado de Versalhes revestido
de medidas extremas de sacrifício e empobrecimento, qualificadas pela
relatoria de Direitos Humanos da ONU como sem precedente no mundo em sua
duração e intensidade. “A diretriz incrustada na PEC 55 – como também
na reforma da Previdência em curso, e na ‘flexibilização das leis
trabalhistas’ sinalizada, desenha um horizonte de afunilamento extremo
do acesso a direitos e à renda, num quadro de desigualdade secularmente
asfixiante”, afirma o editorial.
“O espírito de convergência inscrito no pacto social da Carta Cidadã
de 1988 está sendo rompido em seus fundamentos, sem consultar a
sociedade. Desobriga-se o Estado, pelos próximos vinte anos, de
assegurar 18% da receita líquida da União à escola pública nacional”,
acrescenta.
Na saúde, prossegue, “o Tratado de Versalhes brasileiro prevê um
corte de R$ 440 bilhões até 2036. Hoje o SUS já é uma hemorragia fora do
controle, um metabolismo subfinanciado, respirando por aparelhos – e
esse é um consenso suprapartidário.”
O projeto de paz social que o governo golpista tenta enfiar goela
abaixo da sociedade “consiste em tomar de volta, subtrair e predar tudo o
que for possível e que se acumulou em décadas, por sucessivas gerações,
no campo aberto das ruas, das greves, das urnas e do sacrifício – não
raro da própria vida – para se implantar a universalização os direitos
sociais básicos no Brasil”, interpreta Saul Leblon.
Ele
lembra que uma das primeiras medidas de Hitler, ao tomar o poder na
Alemanha, foi colocar o partido comunista na ilegalidade, seguindo-se a
cassação da socialdemocracia. “É mais um ângulo da tragédia alemã a
reservar severas advertências às forças progressistas brasileiras do
presente”. E acrescenta:
“O fato é que o Tratado de Versalhes levara a sociedade alemã a uma
escalada indivisa de colapsos sequenciais de natureza econômica, social e
política que pavimentou a demanda por uma solução centralizadora,
impositiva e identitária. Degraus sucessivos de hiperinflação,
desemprego em massa e a inexistência de alternativa crível nas fileiras
progressistas criariam um incêndio social, induzindo a nação alemã a
entregar seu destino e o destino de seu desenvolvimento às promessas de
ordem e redenção nacional acenadas pelo nazismo.”
A política de terra arrasada em curso hoje no Brasil, afirma Leblon, à
semelhança de Versalhes, “reserva um tratamento de tropa de ocupação a
direitos sociais, salários, riquezas nacionais, como o pré-sal, ademais
da promover a dizimação do estoque de expertise e capacidade produtiva
condensado em grandes corporações empresariais — esfaceladas pela ação
grosseira ou deliberada dos responsáveis pela Lava Jato, que
objetivamente serviram como lubrificante à derrubada do governo Dilma
Rousseff”.
Leblon
aponta caminhos para que a história que se delineia para o Brasil não
seja a mesma da Alemanha de Hitler, apesar do desalento que se observa
atualmente, desde que se consiga articular “um protagonista social com
força e consentimento para acionar novos motores do Estado e do
desenvolvimento, alternativos ao desmanche dos direitos sociais e à
entrega do patrimônio público preconizados pelo golpe”. E conclui:
“Resgatar o espaço dessa travessia nas ruas do Brasil é a tarefa que
empresta frescor e esperança a 2017.”
(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/12/20/brasileiros-vitimas-tratado-de-versalhes/#more-13389)
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