Por Jaime Pinsky, historiador e editor, doutor e livre docente da USP, professor titular da Unicamp.
É
significativo um Presidente da República cortar da lista de compras
feita para abastecer o avião presidencial um sorvete importado e
substitui-lo por um gelado nacional, mais barato? Tem algum sentido um
prefeito iniciar o seu mandato antes da seis da manhã vestindo uniforme
de gari, a bordo de uma vassoura, acompanhado por todo o seu
secretariado? Muita gente escreveu tratar-se de atos, no mínimo
inconsequentes, provavelmente demagógicos. Pode ser. Fica difícil
acreditar que a limpeza realizada por garis destreinados remova muito
lixo, ou que a simples troca de marca de sorvete do avião presidencial
acabe com os problemas da economia brasileira.
Talvez
seja ceticismo de minha parte, mas também não acredito que o uso de
bicicleta pelo rei da Dinamarca acabe com o problema do aquecimento
global. Na verdade, tenho até minhas dúvidas sobre a eficiência da
cerimônia de lava pés que o Papa realiza anualmente como demonstração de
humildade do líder do catolicismo romano se sobreponha à pompa que
caracteriza outras suas aparições ao longo do ano. Contudo…
Contudo,
temos ao lado de fatos históricos relevantes, outros que têm valor
simbólico e que não são menos relevantes. Representações podem ter um
efeito devastador. Não por acaso muitos governos (geralmente
autoritários, mas não só eles) promovem desfiles em que exibem armas
modernas e tropas marchando com precisão, com o objetivo de demonstrar
poder e disciplina. Não por acaso políticos aparecem com roupas “do
povo”, uniformes militares, vestimentas folclóricas, portando ou não
gravatas e paletós, tudo em função de mensagens que desejam passar.
Roupas, veículos, falas, gestos, referências, atitudes transmitem
mensagens que, devidamente avaliadas por marqueteiros (e sociólogos, e
linguistas), carregam objetivos políticos.
Não
se pode subestimar o papel das representações. Seria um erro avaliá-las
apenas como atos demagógicos. É evidente que o Papa quer passar a noção
de que, mesmo em meio à opulência dos cerimoniais da Igreja romana, um
bom católico não pode se esquecer de ser humilde, uma vez que, diante da
divindade, todos são iguais. Muitos que vão pela primeira vez a um
enterro judaico ficam surpresos ao ver a pobreza do caixão mortuário, de
madeira fina, ou mesmo de papelão. Talvez ficassem escandalizados ao
saber que todos os cadáveres, independente do sexo e dos bens que
possuíam em vida, são despojados de todas as suas roupas (e calçados),
têm o corpo lavado e envolvido apenas em um lençol branco. A ideia,
também, aqui, é mostrar humildade e igualdade diante da morte, mesmo
para aqueles que viveram na opulência e esmagavam os mais pobres com a
exibição exagerada de seu poder econômico. Isso resolve a vida de
alguém? Não sei, mas é uma forma de passar valores, uma das principais
funções das representações.
Prova
de que representações tem enorme papel nas relações sociais está
ocorrendo neste mesmo instante em São Paulo. A Câmara Municipal, no
apagar das luzes do antigo mandato, votou um aumento salarial de 26,3%,
para os vereadores da casa, de 15 mil para 19 mil reais, em números
redondos. Foi um escândalo. Em um período de vacas magras, de
desemprego, com todo mundo cortando onde pode e onde não pode o reajuste
provocou revolta generalizada. Contudo…
Contudo,
a bem da verdade, a proporção de elevação de um salário estável há
quatro anos está abaixo da inflação registrada no quadriênio. Um
vereador que se dedique em tempo integral à sua atividade vai ter muito
trabalho pela frente e 19 mil reais brutos não é um valor absurdo,
considerando os considerandos. Por outro lado, é claro que não é no
salário dos vereadores que as pessoas deveriam se apegar, mas no custo
total dos prezados edis. Segundo a revista Exame, cada vereador gasta,
mensalmente, mais de 130 mil reais do dinheiro público para pagar seus
assessores que, frequentemente, não passam de cabos eleitorais
trabalhando pela reeleição do seu chefinho.
Então,
porque o bafafá todo? Mais uma vez, por conta da imagem que os
vereadores acabam projetando. De sua representação. Nós, o povo,
pensamos que se os homens públicos não estão se preocupando nem com sua
imagem, está tudo perdido. Então, que os pés continuem sendo lavados
pelo Papa e as calçadas varridas pelo novo prefeito de São Paulo.
Mas que não se fique só nisso…
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