Associações nacionais e internacionais de antropologia alertam para
criminalização da pesquisa básica sobre populações tradicionais,
indígenas e quilombolas no Brasil.
A reportagem é publicada por Instituto Socioambiental - Isa, 12-05-2017.
Associações
científicas antropológicas, nacionais e internacionais, receberam com
profunda preocupação e alarme os resultados, divulgados este mês, dos
trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e Incra
instaurada em 2015 na Câmara dos Deputados, encerrada sem conclusões e
reaberta em 2016, sob a liderança dos deputados ruralistas Alceu Moreira (PMDB/RS), Luiz Carlos Heinze (PP/RS) e Nilson Leitão (PSDB/MT).
Com mais de 3000 páginas, o relatório final pede o indiciamento de 88
pessoas em cinco estados (Bahia, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio
Grande do Sul e Santa Catarina) entre indígenas, quilombolas, assentados
da reforma agrária, ativistas, procuradores, políticos, além de
antropólogos e outros pesquisadores que atuaram em processos de
reconhecimento de direitos territoriais.
A direção executiva da Associação Americana de Antropologia (AAA) enviou nesta terça (9/5) uma carta a autoridades brasileiras
pedindo esclarecimentos e expressando “profunda preocupação” com os
resultados apresentados. “Estamos alarmados que a pesquisa antropológica
básica no Brasil, especificamente a pesquisa documentando povos
indígenas e quilombolas, seja vista como ‘criminosa’ pela Comissão”. Em
tom diplomático, o documento sugere haver, no mínimo, “um mal-entendido
sobre a natureza da pesquisa antropológica” e destaca que “a comunidade
antropológica brasileira é internacionalmente respeitada pela sua
pesquisa científica e sua defesa dos direitos humanos”. A associação
norte-americana – maior organização de antropologia profissional do
mundo fundada em 1902 – lembra ainda que a “a liberdade, a liberdade
acadêmica, o respeito à diversidade e ao pluralismo, assim como os
direitos culturais e o direito à terra, são valores protegidos pela
constituição brasileira”.
A carta da AAA reforça o conteúdo de uma manifestação semelhante também enviada a autoridades, dias antes (5/5), pela Salsa
(Society for the Anthropology of Lowland South America) – a maior
associação internacional de especialistas em antropologia das terras
baixas sul-americanas do mundo. Para a Salsa, a decisão da CPI
de criminalizar o trabalho que antropólogos e outros profissionais
desenvolvem entre comunidades tradicionais, “só pode ser interpretada
como uma estratégia para intimidar e interromper o trabalho de
profissionais altamente respeitados”. O documento destaca a preocupação
da entidade com a independência acadêmica e a liberdade de pesquisa no
Brasil, além de reiterar a qualidade dos trabalhos desenvolvidos pela
comunidade antropológica brasileira: “estudiosos de todo o mundo são
sabedores da alta qualidade da pesquisa científica produzida pelos
antropólogos brasileiros”.
Reforçando o coro, o Diário de Notícias Lusa, de Lisboa, divulgou também nesta terça (9/5) uma entrevista com a antropóloga portuguesa Suzana de Matos Viegas, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, indiciada por sua atuação nos estudos de identificação e delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença na Bahia, aprovados pela Funai em 2009. Para Viegas,
as acusações não só são falsas, como evidenciam que seus proponentes
estão “contra a existência da lei e não (preocupados) com o rigor da sua
aplicação”. “Eles (CPI) começam a acusar a própria Associação
Brasileira de Antropologia (ABA) de ser uma associação sem fins
lucrativos para fins ideológicos”. Para ela, o relatório final da CPI
é “um documento contra os direitos humanos, contra a legislação que o
Brasil adotou desde que é uma nação democrática, com muitas afirmações
racistas, contra a legislação internacional”.
Estas manifestações da comunidade internacional se somam também a uma nota divulgada em 8/5 nas redes sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ).
Além de prestar solidariedade às dezenas de indiciados – dentre os
quais alunos e ex-alunos do programa – o documento repudia a “tentativa
de criminalização da prática da perícia antropológica” e reitera que
“toda a ação dos pesquisadores e pesquisadoras acusado/as tem se feito à
luz da legislação vigente”.
A nota relembra ainda que a “perícia antropológica [é] apenas uma
pequena parte de cunho técnico-científico de processos
jurídico-administrativos em que o amplo direito do contraditório está
assegurado”. Argumentam os antropólogos do Museu Nacional que “as
acusações revelam-se inteiramente infundadas e mesmo fraudulentas” e tem
por objetivo “inviabilizar o exercício da atividade de pesquisa
daqueles e daquelas que estão sendo injustamente acusados”.
Na mesma onda de repúdio ao relatório da CPI Funai/Incra, uma petição foi divulgada (9/5) pela Salsa em conjunto com a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e o Groupe International de Travail pour les Peoples Autochtones (GITPA).
No documento, “professores, intelectuais e membros do mundo acadêmico”
manifestam seu “repúdio veemente à política anti-indígena do Estado
brasileiro” e sua “preocupação em relação a uma política que já tem
consequências genocidas em estados como o Mato Grosso do Sul, Bahia e
Maranhão”.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/567616-liberdade-academica-esta-em-risco-no-brasil-afirmam-antropologos)
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