“Eu tentei imaginar o que poderia ser feito na área de Ciência e Tecnologia com uma pequena fração desse recurso”, escreve Adalberto Luis Val, ex-diretor da SBPC, em artigo publicado por Jornal da Ciência, 03-05-2017.
Eis o artigo.
Nos últimos meses vimos que vocês, Emilio e Marcelo Odebrecht,
tornaram público que a empresa que administram repassou consideráveis
somas de dinheiro não contabilizado para um sem número de pessoas
inescrupulosas para obter vantagens para suas empresas. Eu tentei
imaginar o que poderia ser feito na área de Ciência e Tecnologia com uma pequena fração desse recurso. Tentei também imaginar quão melhor poderiam ser nossas escolas do interior do Brasil,
entre elas muitas sem sequer banheiro. Confesso que não consegui chegar
a uma lista definitiva. Tomei, para referência, apenas um de nossos
mais importantes programas de Ciência e Tecnologia, os INCTs
(Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia). Cada projeto desse
programa constitui uma rede de laboratórios nacionais e estrangeiros que
lidam com questões científicas de alta relevância. No desenho atual,
cada um desses projetos envolve investimentos da ordem de um milhão de
reais por ano para custear compra de insumos, equipamentos, bolsas de
estudos, coleta de material, intercâmbio de pessoal, entre outras ações.
Ou seja, são projetos que requerem só duas mochilas da Odebrecht! Tomei como referência, também, a análise do custo de um banheiro decente para crianças das muitas escolas desabastadas Brasil
afora. Com apenas uma mochila de vocês, vários banheiros poderiam ser
construídos. Mais, poderiam ser construídas várias salas adequadas para
que nossas crianças contribuam para a construção de um País melhor.
Por outro lado, lembrei-me também que vocês utilizam informações
científicas produzidas nas bancadas dos muitos laboratórios do País para
executar as obras de grande porte País afora e no exterior. Quanto
vocês pagam por essas informações? Quantos projetos de pesquisa apoiam?
Será que uma parte da propina não poderia legalmente ajudar a consolidar
nosso País na área científica? Tenho certeza que com investimento
continuado e seguro ocuparíamos uma posição de destaque na mídia
internacional de forma diferente da que estamos ocupando por conta das
ações desconcertantes que temos visto noticiadas a cada dia.
Lembro-me, ainda, de que a vida de vocês só é possível graças a
muitas informações que a ciência produz. O café que tomam durante as
reuniões, o avião em que voam, o etanol que
usam em seus carros, os exames médicos que realizam, os remédios que
tomam, os alimentos que consomem decorrem das muitas e muitas horas de
estudos de homens e mulheres devotados à ciência. Sabem, boa parte do
tempo dessas pessoas é aplicado na redação de projetos de pesquisa para
conseguir algum apoio financeiro para suas pesquisas. Bastava uma
mochila de vocês para viabilizar muitas atividades de pesquisas.
Durante muito tempo e em muitas palestras ressaltei a importância das
atividades de empresas como a de vocês para o desenvolvimento do nosso
País. Contudo, só agora a sociedade soube que essas atividades envolvem
também ações que ocorrem no porão, longe da legalidade. Confesso, nunca
estive tão magoado. Já vivi, como pesquisador, momentos de profunda
escassez de recursos para nossos experimentos mas creditava isso aos
cenários econômicos, mas saber agora que parte das dificuldades está
relacionada às ações no porão da ilegalidade é desanimador.
Porém, como sou um otimista por natureza, acredito que teremos em
breve um País passado a limpo, no qual a ciência e a tecnologia ocupem a
posição e o respeito que merecem e possam contribuir mais e melhor com o
desenvolvimento de nosso País proporcionando uma vida melhor para a
sociedade brasileira.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/567256-poxa-odebrecht-magoei)
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