Texto escrito por José de Souza Castro:
No momento em que a maioria entre nós parece desalentada com a
situação política e econômica em que vive, ouvi e li nos últimos dias
dois velhos pensadores – um político paranaense e um professor português
– que indicam uma porta de saída para os brasileiros submetidos ao
governo Temer.
Começando com o político e a crise brasileira, que pode ser ouvido aqui,
numa entrevista dada ao site “Diarinho”. O mais importante são os
quatro minutos iniciais. O senador Roberto Requião, do PMDB, é um
crítico de seu partido no governo e defensor das Diretas Já. Ele
governou o Paraná em dois mandatos, pelo PMDB.
Em resumo, Requião explica porque criticava a política econômica de
Lula orientada pelo então presidente do Banco Central, Henrique
Meirelles, que presidiu a Associação de Bancos Estrangeiros no Brasil. E
a de Dilma, que escolheu Joaquim Levi ministro da Fazenda ao ser
reeleita. Escolhas inadequadas de dois banqueiros para um projeto de
nação brasileira. “Mas Dilma fez um acordo conosco de convocar eleições
gerais no Brasil se o impeachment não passasse”, afirma o senador.
O impeachment passou e veio Michel Temer com a “Ponte para o futuro”,
plano econômico feito pelos bancos, diz Requião. “Uma proposta de
extrema direita num mundo que não aceita mais o liberalismo econômico”,
acrescenta.
Segundo ele, trata-se de uma proposta de dependência do Brasil num
momento em que o mundo começa a rejeitá-la e em que o único país que
está conseguindo alguma coisa de sinal de saída para essa crise é
Portugal, que está com um governo socialista. “Portugal abandonou a
austeridade fiscal, aumentou o salário dos aposentados, aumentou o
salário mínimo e está fazendo investimentos públicos”, afirma.
Parêntesis: Sobre o que ocorre em Portugal após as eleições gerais de
2015, quando a esquerda reconquistou o poder, vale ler a entrevista do
sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, 76 anos, professor da
Universidade de Coimbra, publicada domingo pela “Folha de S.Paulo“.
Trecho: “Tornou-se o único governo de esquerda na Europa a governar à
esquerda. Promove o fim dos cortes em pensões e salários, reverte a
precarização dos contratos de trabalho, torna o sistema fiscal mais
justo, reforça a educação pública. E a economia começa a crescer. Neste
momento, a economia portuguesa é uma das que mais crescem na Europa,
mais de 2%. O desemprego está nos níveis dos anos 1990, 9%. O déficit
público está a diminuir”.
Requião lembra que o mundo já saiu de crises piores, e exemplifica: o
presidente Roosevelt tirou os Estados Unidos da crise, diminuindo a
carga horária do trabalhador e aumentando o salário mínimo, com grandes
investimentos públicos. A saída foi proposta ao presidente por um
empresário, Henry Ford, o criador da linha de montagem na indústria
norte-americana e que foi copiada, na Alemanha, por um banqueiro: o
ministro da Economia Hjalmar Schacht, que também cortou juros da rolagem
da dívida, entre outras medidas postas em prática durante o governo
Hitler.
Conforme Requião, Schacht, numa associação com grandes empresas
alemãs, abriu a possibilidade de investimentos em infraestrutura. “Com
isso, acabou com o lucro estéril da rolagem da dívida e garantiu uma
rentabilidade para grandes projetos, recuperando a economia a partir de
investimentos do Estado”. Ao imitar Ford e sua linha de montagem,
conseguiu também acelerar a produção industrial alemã, deixando Ford
apreensivo. Conta o senador:
“Roosevelt quis condecorar Ford, e ele não aceitou a condecoração.
‘Você vai me condecorar enquanto eu estou quebrando a economia
americana?’, ele disse. E Roosevelt pergunta o motivo. ‘Porque essa
produtividade está sendo copiada pelas empresas industriais alemãs.
Estamos aumentando a produtividade e não tem consumo. Nós vamos
explodir’, respondeu. E o presidente pergunta: ‘Então, o que eu faço?’.
‘Você diminui a carga horária e aumenta os salários e depois disso faça
grandes investimentos públicos’, sugeriu Ford. Exatamente o contrário do
que esse pessoal tá fazendo no Brasil hoje e já estava fazendo no
governo do PT.”
Michel Temer, suponho, deve estar fazendo por ignorância ou, simplesmente, para agradar a Donald Trump, cada vez mais ameaçador, a exemplo de Hitler.
A crise do capitalismo global
O segundo entrevistado é o português António José Avelãs Nunes. É
doutor em Direito e professor aposentado da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, da qual foi vice-reitor, depois de ter
participado dos cinco governos que se seguiram à Revolução dos Cravos
(1974) que pôs fim à ditadura Salazar. Esteve neste ano no Brasil há um
mês, para o lançamento de seu último livro: “A Revolução Francesa na
História do Capitalismo”.
Em entrevista ao Conversa Afiada,
Avelãs Nunes faz um resumo de apenas 24 páginas de seu pensamento sobre
a crise atual do capitalismo. Pode-se ler em pouco tempo. É um texto
claro, sem a inconveniência do sotaque português da linguagem oral que
por vezes nos confunde. Apesar disso, vou fazer um brevíssimo apanhado.
Vivemos, diz ele, na “Europa alemã”, desde a criação da União
Europeia, do euro, do Banco Central Europeu. E das regras destinadas a
impor o deutsche euro como instrumento de domínio da Alemanha sobre os
restantes países da zona do euro, cujos dirigentes se sujeitam ao papel
de governadores das províncias ou colônias “do império alemão em que
transformaram os estados ditos soberanos que integram a eurozona”.
Referindo-se ao novo presidente francês, Avelãs Nunes diz que “Macron
limitou-se a seguir o exemplo de Hollande, que Perry Anderson
classificou como ‘o intendente francês do sistema neoliberal europeu’. O
grave é que, agora, os dirigentes sociais-democratas europeus integram
as fileiras da Europa de Vichy”. (Vichy foi o presidente francês que
submeteu seu país a Hitler, na segunda guerra mundial).
Hoje, afirma Avelãs Nunes, há uma crise do capitalismo e, no seio
dela, uma crise da Europa, “que não é apenas uma crise financeira, mas
também uma crise econômica, política e social, que se apresenta também
como uma crise da democracia”.
A crise do capitalismo vem de longe, mas agora surgiu um fenômeno
novo, a estagflação. Ao contrário do que sempre tinha acontecido até
então e contra tudo o que ensinavam os manuais de Economia, explica
Avelãs Nunes, “coexistiam agora, no quadro de um capitalismo altamente
monopolizado, situações de inflação elevada e crescente e situações de
estagnação ou mesmo de regressão da atividade econômica”.
Outros fenômenos observados globalmente são a tendência para a baixa
da taxa média de lucro no setor produtivo da economia e
a financeirização da economia. Com sua hegemonia, o capital
financeiro “chama a si uma parte significativa da mais-valia criada nos
setores produtivos”.
É o capitalismo de cassino que atrai capital “em busca de rendimentos
elevados a curto prazo, em prejuízo do investimento (a médio e a longo
prazos) nos setores produtivos (aqueles onde se gera a mais-valia)”, diz
Avelãs Nunes. Para quem os setores produtivos são forçados a suportar
taxas de juro mais elevadas e os bancos comerciais não se distinguem dos
bancos de investimento, podendo todos “investir” em atividades
especulativas e nos “jogos de cassino”.
As tentativas de enfrentamento se frustraram e a situação se agravou
após o desmoronamento da União Soviética e da comunidade socialista,
quando “os neoliberais de todos os matizes convenceram-se, mais uma vez,
de que o capitalismo tinha garantida a eternidade, podendo regressar
impunemente ao ‘modelo’ puro e duro do século XVIII. A vitória da
‘contrarrevolução monetarista’ abriu o caminho ao reino do deus-mercado,
à sobre-exploração dos trabalhadores, assumindo sem disfarce o genes do
capitalismo como a civilização das desigualdades”, analisa Avelãs
Nunes.
Segundo ele, o neoliberalismo consolidou-se como ideologia dominante e corresponde a uma nova fase na evolução do capitalismo:
“O neoliberalismo é o reencontro do capitalismo consigo mesmo, depois
de limpar os cremes das máscaras que foi construindo para se disfarçar.
O neoliberalismo é o capitalismo puro e duro do século XVIII, mais uma
vez convencido da sua eternidade, e convencido de que pode permitir ao
capital todas as liberdades, incluindo as que matam as liberdades dos
que vivem do rendimento do seu trabalho. O neoliberalismo é o
capitalismo na sua essência de sistema assente na exploração do trabalho
assalariado, na maximização do lucro, no agravamento das desigualdades.
O neoliberalismo é a expressão ideológica da hegemonia do capital
financeiro sobre o capital produtivo, hegemonia construída e consolidada
com base na ação do estado capitalista, que é hoje, visivelmente,
a ditadura do grande capital financeiro”.
Vai em frente o pensador português:
“É o neoliberalismo que informa a política de globalização
neoliberal, apostada na imposição de um mercado único de capitais à
escala mundial, assente na liberdade absoluta da circulação de capitais,
que conduziu à supremacia do capital financeiro sobre o capital
produtivo e à criação de um mercado mundial da força de trabalho, que
trouxe consigo um aumento enorme do exército de reserva de mão de obra.”
Alguém duvida que seja esse o problema dos brasileiros que se submetem ao governo Temer?
No restante da entrevista, o professor Avelãs Nunes continua na sua
análise da crise do capitalismo e tenta dar respostas aos problemas
diagnosticados. Mas, depois de tudo que leu até aqui, se não se
interessou pela entrevista na íntegra, que pode ser lida aqui, só me resta ir direto ao último parágrafo:
“Sabemos muito bem que o trabalho que nos espera é um trabalho longo e
difícil. Vale a pena acreditar nos poetas, acreditando que o sonho
comanda a vida e que a utopia ajuda a fazer o caminho. Em tempos de
(outra) ditadura, Chico Buarque sonhava e cantava o seu “sonho
impossível”, porque acreditava nele, apontando-nos o caminho: “Lutar,
quando é fácil ceder / (…) Negar, quando a regra é vender / (…) E o
mundo vai ver uma flor / Brotar do impossível chão”. Apesar das
dificuldades, temos de dar razão a Geraldo Vandré (que o Chico cantou):
‘quem sabe faz a hora, não espera acontecer.’ Porque (ainda o Chico)
‘quem espera nunca alcança'”.
(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/06/19/crise-capitalismo/#more-13990)
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