sexta-feira, 30 de junho de 2017

Um homem bomba no comando da Arábia Saudita

Mohammad bin Salman torna-se herdeiro do trono. Despreparado e belicoso, apoiador de terroristas e desprezado pela própria CIA, ele pode desestabilizar o reino e incendiar uma das regiões mais conflagradas do mundo
Por Pepe Escobar

Bem quando comentaristas de geopolítica faziam apostas para uma mudança de regime no Qatar – orquestrada por uma Casa de Saud [da Arábia Saudita] desesperada –, a mudança de regime acabou por acontecer em Riad, orquestrada pelo Príncipe Guerreiro, Destruidor do Iêmen e Bloqueador do Qatar, Mohammad bin Salman (MBS).

Considerando a impenetrabilidade daquela oligarquia familiar do petrodólar do deserto travestida de nação, dar conta desse mais recente Game of Thrones árabe é tarefa de uns poucos estrangeiros com acesso garantido. E também não ajuda que o abundante dinheiro dos lobbies sauditas – e dos Emirados – em Washington reduza virtualmente todos os think-tanks e jornalistas venais à mais abjeta máquina de calúnia e difamação.

Alta fonte no Oriente Médio, próxima da House of Saud, e dissidente de fato do consenso construído em Washington, não poupa palavras: “A CIA está muito insatisfeita com a demissão do [ex-príncipe coroado] Mohammad bin Nayef. Mohammad bin Salman é visto como patrocinador de terroristas. Em abril de 2014,  as famílias reais dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita estiveram à beira de ser derrubadas pelos EUA, por causa do terrorismo. Fez-se então um acordo, pelo qual Nayef assumiria o reino, para pôr fim ao terrorismo.”

Antes do golpe de Riad, uma insistente narrativa percorria seletos círculos geopolíticos no Oriente Médio. Segundo ela, os seviços secretos dos EUA teriam interrompido “indiretamente” outro golpe contra o jovem emir do Qatar, Xeique Tamim al-Thani, orquestrado por Mohammad bin Zayed, príncipe coroado de Abu Dhabi, com a ajuda do exército de mercenários de Eric Prince da Blackwater/Academi, nos Emirados Árabes Unidos. Zayed é nada menos que o mentor de MBS.

Nossa fonte esclarece: “os eventos estão conectados. O príncipe é CIA, mas provavelmente conteve qualquer atentado contra o Qatar. A CIA bloqueou o golpe no Qatar e os sauditas reagiram derrubando o eleito da CIA, Mohammed bin Nayef, que deveria ser o próximo rei. Os sauditas estão assustados. A monarquia está em dificuldades, porque a CIA pode pôr o exército na Arábia contra o rei. MBS fez um movimento defensivo.”

A fonte acrescenta que “MBS está caindo por todos os lados. Iêmen, Síria, Qatar, Iraque, etc. são, todos esses, fracassos de MBS. A China também não está satisfeita com MBS, que está criando problemas também em Xinjiang. A Rússia não pode estar satisfeita com o a evidência de que MBS esteve e continua por trás dos baixos preços do petróleo. Quem são seus aliados? Só tem um, seu próprio pai, que não se pode dizer que seja competente.” O rei Salman está virtualmente incapacitado, vítima de demência.
A fonte é muito clara: “É muito possível que a CIA aja contra a monarquia na Arábia Saudita.” É como dizer que a guerra entre o presidente Trump e setores seletos do Estado profundo nos EUA subiriam a um nível completamente novo.

E para complicar ainda mais o quadro, há o fator Jared da Arábia. Não há o que faça qualquer ator insider sério confirmar qualquer coisa sobre o golpe (abortado) no Qatar. Mas se esse golpe realmente aconteceu e foi abortado, Jared Kushner pode ter recebido informação interna, considerando suas conexões.

Segundo a mesma fonte, “Jared Kushner está essencialmente falido na Quinta Avenida 666, e carece da ajuda financeira dos sauditas. Nessa situação, está fazendo tudo que os sauditas mandam. 666 Fifth está em tão péssima situação financeira, que nem o sogro pode resgatá-lo.”

Operação Húbris do Deserto

Essa complexa sucessão de eventos realmente confirma o famoso memorando de dezembro de 2015 da inteligência alemã (BND) –, segundo o qual a Casa de Saud adotara “uma impulsiva política de intervenção”. O memorando da inteligência alemã detalhava o modo como a Casa de Saud, na Síria, financiara a criação do Exército da Conquista – basicamente a Jabhat al-Nusra, codinome al-Qaeda na Síria ressuscitada – bem como o grupo Ahrar al-Sham, irmão ideológico desses todos. Tradução: a Casa de Saud ajuda, apoia e arma o terrorismo salafista-jihadista. E isso num regime que agora acusa o Qatar de fazer o mesmo (Doha apoiou grupos diferentes).

No Iêmen, a inteligência alemã preocupava-se porque a guerra de MBS contra os houthis e o Exército do Iêmen só interessava à al-Qaeda na Península Arábica. Agora, a guerra de MBS – guerreada com armas norte-americanas e britânicas – também já provocou ser catástrofe humanitária horrenda.

Como é possível que um ignorante arrogante sujo doente de húbris como MBS tenha chegado tão perto de incendiar todo o sudoeste da Ásia [Oriente Médio, na terminologia eurocêntrica]? E não só o sudoeste da Ásia: ondas de desespero começam a chegar aos círculos de investimento ocidentais, ante o risco que de MBS e suas ações de tiroteio ensandecido para todos os lados rapidamente destruam incontáveis poupanças para aposentadoria por todos os lados.

Para compreender é preciso conhecer alguns detalhes. O que se tem hoje é o 3º Reinado saudita – fundado por Ibn Saud em 1902, mantendo sempre a mesma aliança tóxica com os clérigos wahhabistas trogloditas. Ibn Saud governou só Najd no início; depois, em 1913, anexou a Arábia Ocidental xiita (onde está todo o petróleo), e em 1926, Hejaz, na costa do Mar Vermelho. Um reino da Arábia Saudita “unido” só começou a existir em 1932.

Ibn Saudi morreu em 1953. A mais influente de seu harém de esposas foi, pode-se dizer assim, Hassa al-Sudairi. O casal teve sete filhos. O rei Salman (hoje consumido pela demência senil), Nayef e MBS são Sudairis. MBS é o primeiro dos netos de Ibn Saud com real possibilidade de chegar ao trono.

Alguns outros príncipes são mais competentes que MBS. Nayef, serviu durante muito tempo como ministro do Interior, foi o czar saudita do contraterrorismo (o que fez dele queridinho da CIA). Há Mitab bin Abdullah, ministro da Guarda Nacional da Arábia Saudita; o notório príncipe Turki, ex-chefe de inteligência, ex-embaixador nos EUA e ex-melhor amigo de Osama bin Laden; e Khaled bin Faisal, governador de Meca e ex-ministro da Educação.

MBS está apostando tudo na sua “Visão 2030″ – que em teoria poderia empurrar a economia saudita para além da dependência única no petróleo, mas implica uma modernização política virtualmente impossível: afinal de contas, a House of Cards [literalmente: “castelo de cartas”] saudita é não reformável. Considere-se a lista cômica, das 13 “exigências” agora impostas ao Qatar – serviço de MBS – incluindo a belicosa virtual excomunhão do Irã e o fechamento da rede al-Jazeera.

Não é surpresa que praticamente todos os grandes atores geopolíticos estejam trabalhando já em cenários de guerra – embora só a Alemanha tenha exposto oficialmente essas preocupações. O Qatar é observador na OTAN. Doha já decidiu que não se curvará às absurdas “exigências” dos sauditas. O que virá a seguir? MBS – o mais perigoso “líder” de todo o quadro geopolítico hoje – se deixará humilhar? Ou lançará mais uma guerra alucinada, pervertida, que ele jamais vencerá e que, dessa vez, convulsionará todo o planeta?

(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/arabia-saudita-um-homem-bomba-no-comando/)

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