Reflexões sobre os sentidos que a visita do
presidente dos EUA a Arábia Saudita representa para a relação entre os
países e o combate ao terrorismo
Por Elcineia Castro
Na semana passada, no dia 20 de Maio, o The New
York Times publicou uma matéria sobre a visita do presidente Donald Trump à
Arábia Saudita, afirmando logo no título, que as boas-vindas dos sauditas a ele
foi uma mensagem de rejeição à visão do ex-presidente Barack Obama sobre o
Oriente Médio. Foi a primeira vez que um presidente norte-americano escolheu a
Arábia Saudita, Israel e Vaticano como as três primeiras paradas de sua primeira
viagem internacional, além de Bélgica e Itália posteriormente. Outros
presidentes visitaram o Canadá ou o México em sua primeira viagem ao exterior.
O discurso do presidente Donald Trump e o contexto em que o mesmo se deu,
exigem um olhar mais atento, que muitas vezes passa despercebido em meio a um
conjunto disperso de tantas informações sobre o evento. Existem dois contextos,
que precisam ser considerados: dos Estados Unidos com o presidente Donald Trump
e o da Arábia Saudita na expectativa sobre como será mantido a relação entre os
dois países.
A intenção da administração do presidente Trump,
logo em sua primeira viagem internacional, foi reafirmar a influência
norte-americana sobre as três maiores religiões do mundo: islamismo, judaísmo e
cristianismo e trabalhar com a ideia de unidade entre as religiões sob a
liderança norte-americana. A viagem à Arábia Saudita foi algo inédito apenas
por ter sido a primeira vez na história dos presidentes, já que a relação
especial dos Estados Unidos com a Arábia Saudita é de longa data. A parceria
entre os dois países, começou com o presidente norte-americano Franklin
Roosevelt e o rei Abdul Aziz (pai do atual rei Salman) a bordo do navio USS
Quincy, no dia 14 de fevereiro de 1945. Fato relembrado pelo presidente Donald
Trump durante seu discurso, inclusive. De lá para cá, a parceria entre os dois
países continuou duradoura. No entanto, ao final da gestão do ex-presidente
Barack Obama, a Casa Saud vinha demonstrando descontentamento com algumas ações
da política externa norte-americana para o Oriente Médio, a saber: aproximação
do então presidente Barack Obama com o Irã (rival regional da Arábia Saudita);
redução do envolvimento dos Estados Unidos na região – resistência à
intervenção na Síria e, por fim, em setembro do ano passado, o Congresso
norte-americano derrubou o veto do Presidente, que impedia os familiares das
vítimas dos atentados de 11 de Setembro de 2001 processarem o Estado da Arábia
Saudita, já que a maioria dos terroristas envolvidos era de nacionalidade
saudita. Esses atos davam mostras de que a relação especial poderia estar se
desgastando.
Diante desse cenário, favorável para o presidente
Trump, seu tom islamofóbico, tão evidente na ordem executiva que ele assinou
recentemente, em que bloqueava temporariamente visitantes de países muçulmanos
em território norte-americano, parece que foi simplesmente deixado de lado. A
intenção agora é criar um frente de cooperação entre os Estados sunitas para
conter o Irã e sua intervenção na Síria. A justificativa do governo de Donald
Trump para esta ação está na contenção do extremismo através do ISIS (Estado
Islâmico) e da Al-Qaeda. E a outro objetivo deste plano de ação é promover e
estimular o processo de paz entre Israel e Palestina.
Do outro lado, a monarquia da Arábia Saudita, que
permanecia na expectativa sobre como seria seu relacionamento com o novo
presidente dos Estados Unidos, já que necessita de seu apoio para enfrentar seu
rival regional, o Irã. Assim que a Casa Branca anunciou que a Arábia Saudita seria
a parada inicial da primeira viagem internacional do Presidente Donald Trump,
os jornais locais publicaram matérias e anúncios sobre a notícia, com a foto do
Presidente Donald Trump ao lado do rei Salman os slogans “Saudi first” e
“Together we prevail”. No site oficial do Estado saudita, foi feita a
contagem regressiva em árabe e em inglês, contando as horas e minutos para a
chegada do presidente norte-americano. Foram distribuídos cartazes pelas ruas
de Riade com a foto do rei e presidente juntos, sempre com o slogan “Together
we prevail”. Os sauditas organizaram 3 reuniões abertas para os dois dias
que o Presidente e sua comitiva estariam no país: 1) Reunião com o Rei Salman e
os Príncipes Seniors; 2) Reunião com os chefes dos Estados-membros do Conselho
de Cooperação do Golfo Pérsico (CCG) e 3) Reunião Árabe Islâmica Americana,
organizada pela Arábia Saudita, que reuniu líderes e ministros de 50 países
muçulmanos. Além disso, a sociedade civil destes países estava se preparando
para o Ramadã, que iniciaria na semana seguinte, no dia 27 de Maio. Este é o 9°
mês do calendário islâmico, no qual os fiéis acreditam que o Profeta Maomé
recebeu a revelação da parte de Allah dos primeiros versos alcorânicos. O jejum
do Ramadã é um dos cinco pilares da fé islâmica e caracteriza-se por ser um
período em que o caráter religioso tem grande ou total peso em todas as
percepções externas do seguidor do Islã, pois ele irá se concentrar para
renovar seus votos e fé. Ou seja, o tema Islã na região neste período é muito notório
nos Estados muçulmanos.
Depois de explorar brevemente os principais
contextos dos Estados Unidos e Arábia Saudita, compreende-se a acentuada
mudança nas percepções e, consequentemente, no discurso do presidente Trump.
Ele agradeceu ao Rei Salman pelos investimentos em solo norte-americano e pelo
seu empenho em trazer desenvolvimento para Arábia Saudita e região. Afirmou que
o país tem todos os ingredientes para alcançar um sucesso extraordinário. Em
momento algum usou a palavra petróleo ou qualquer termo relacionado ao
abastecimento energético, considerando que a matéria-prima saudita ainda é a
melhor para exploração e utilização, ou seja, a capacidade produtiva saudita é
a mais elevada do mundo. Contudo, usou repetidamente as palavras segurança, armas,
contratos bilionários (o acordo de armas firmado entre os dois países tem o
valor de 350 bilhões de dólares), extremismo, unidade e Deus. Todas as vezes
que falou sobre terrorismo e terroristas, fez questão de evidenciar que eles
pertencem a um grupo separado dos muçulmanos, que estão à margem da sociedade
árabe. Acusou o Irã de ser responsável pela instabilidade na região, por
financiar e recrutar terroristas.
O acordo de armas no valor total de US$350 bilhões
que o presidente Donald Trump firmou com a Arábia Saudita, cobrirá um período
de 10 anos. Sendo que, aproximadamente US$110 bilhões já serão utilizados
durante este ano. Isso porque, de acordo com declaração do Departamento de
Estado dos Estados Unidos no dia 20 de Maio, o pacote de defesa, que compreende
armas, equipamentos, serviços de treinamento e apoio à segurança interna e
externa saudita servirá de apoio diante das ameaças que o Irã tem trazido à
região do Golfo. Além disso, afirmam que com este Acordo, o reino Saudita irá
aumentar sua capacidade e garantir mais segurança interna e ao mesmo tempo,
continuará contribuindo com as operações de combate ao terrorismo, diminuindo a
responsabilidade das forças militares norte-americana na região. Na realidade,
este acordo está sendo apenas renovado, mesmo que em maiores proporções, mas
sempre existiu. A diferença é que desta vez, ambas as partes estão em plena
sintonia de interesses, se comparado ao governo do ex-presidente Barack Obama.
Aliás, no dia 14 de março, o maior porta-voz da Arábia Saudita em Washington, o
príncipe herdeiro Mohammed bin Salman se encontrou com o Presidente Donald
Trump para um almoço na Casa Branca, inicialmente era pra ser um rápido e
formal encontro. No entanto, combate ao terrorismo, Irã, conflito no Iêmen,
ISIS (Estado Islâmico) e outros temas acabaram se convertendo em horas de uma
longa conversa. Além do grande Acordo de Armas firmado entre os países, houve
um grande Fórum fechado ao público no dia 20, que reuniu executivos e
empresários norte-americanos e sauditas e que, também foi finalizado com
diversos acordos bilionários. Vale destacar a carta de intenção assinada pela
maior fábrica de produtos militares do mundo, a Lockheed Martin no valor de
US$6 bilhões referentes aos 150 helicópteros Black Hawk que serão entregues em
território saudita. E a General Electric, outra empresa gigante de serviços e
tecnologia, que anunciou projetos com a Arábia Saudita avaliados em US$15
bilhões.
O presidente Donald
Trump quer formar uma nova coalizão no Oriente Médio, vislumbrando apresentar-se
como líder dos países sunitas. A reunião entre os Estados-membros do Conselho
de Cooperação do Golfo Pérsico é um sinal claro da intenção do Presidente
Donald Trump, que quer distanciar-se ao máximo das políticas do ex-presidente
Barack Obama. E o Estado da Arábia Saudita pode ser um parceiro estratégico de
grande relevância neste cenário, em função do que representa politicamente e
ideologicamente na região, através da religião principalmente. E para que essa
nova postura tão conciliadora adotada pelo presidente frente ao Islã e seus
seguidores, possa convencer e conquistar adeptos, ele mudou seu discurso da
água para o vinho e foi proferi-lo no local mais sagrado para os muçulmanos e
no período do Ramadã, quando todos estão mais voltados ao viés religioso. Essa
mudança tão radical no discurso até então, xenófobo e islamofóbico, do
presidente Donald Trump, demonstra claramente que as questões pragmáticas são
capazes de prevalecer até sobre as convicções e percepções mais enraizadas.
(fonte: http://outraspalavras.net/terraemtranse/2017/06/01/saudi-first-primeira-viagem-internacional-do-presidente-trump/)
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