A reportagem foi publicada por Amazônia.org, 07-06-2017.
No documento veiculado pelo jornal Valor Econômico, criticam as medidas que comprometem os compromissos assumidos pelo país no combate às mudanças climáticas ao permitir retrocessos na agenda ambiental. “Uma série de propostas para mudar políticas públicas ambientais no país, apresentadas pelo Congresso Nacional, sem a devida discussão com a sociedade e com surpreendente agilidade, têm deixado sociedade civil e parte do setor empresarial em constante preocupação”, afirmam.
Criticam a decisão do presidente Donald Trump, que retirou o Estados Unidos do Acordo de Paris e apontam que o Governo Brasileiro emitiu comunicado condenando a iniciativa e, portanto, não deve repetir os mesmos erros permitindo que Medidas Provisórias que diminuem a proteção à floresta sejam aprovadas. A crítica se refere às MPs 756 e 758, que tiram de proteção 588,5 mil hectares na Amazônia e diminuem em 20% o Parque Nacional de São Joaquim (SC), um dos principais refúgios da biodiversidade da Mata Atlântica na região.
“Por isso, as lideranças do século XXI não poderiam ter outra postura que não seja vetar integralmente essas medidas, em coerência com a manifestação do governo brasileiro ao condenar a decisão de Trump e em respeito ao longo caminho já percorrido até aqui na construção de uma agenda que viabilize o uso sustentável do solo do Brasil”. Os ex-ministros afirmam que o atual momento “põe em xeque a capacidade de o país empreender e construir uma agenda de futuro solidária e sustentável”.
Contradizem o discurso de que retrocessos ambientais trariam ganhos econômicos ao país, para os que assinam a carta “reduzir a proteção florestal é uma estratégia antiquada e dissonante do que o mercado exterior espera do setor agropecuário nacional.”
Assinam o documento Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente entre abril de 2010 a maio de 2016, Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente entre maio de 2008 a março de 2010), Marina Silva, ministra do Meio Ambiente entre janeiro de 2003 a maio de 2008, José Carlos Carvalho, ministro do Meio Ambiente entre março de 2002 a dezembro de 2002, Rubens Ricupero, ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal de dezembro de 1993 a abril de 1994 e José Goldemberg, ministro da Educação (1991 a 1992) e secretário do Meio Ambiente da Presidência da República entre março a julho de 1992).
Eis a carta.
Uma carta aberta às lideranças do século XXI
Já faz quase duas décadas que viramos a página da história e chegamos ao século XXI. Mas decisões como a do presidente Donald Trump, às vésperas da semana do meio ambiente, nos fazem questionar em que momento realmente estamos vivendo. Ao rejeitar fatos e ciência, Trump deu seu sinal ao mundo. Não há senso de responsabilidade que o fará abandonar promessas estapafúrdias. Os países membros do acordo, empresas e lideranças ambientais, políticas e religiosas reagiram contrariamente ao retrocesso e mandaram seu recado de volta: o acordo de clima seguirá sem o governo americano, que passa a figurar na lanterna da economia de baixo carbono.No Brasil, também não há motivo para celebrar o dia 5 de junho. O governo criticou a decisão dos Estados Unidos. Em nota, os ministérios das Relações Exteriores e Meio Ambiente, afirmaram que “o Brasil continua comprometido com o esforço global de combate à mudança do clima e com a implementação do Acordo de Paris”, posição que foi reforçada pelo posição que foi reforçada pelo presidente Michel Temer, na Cerimônia do Dia Mundial do Meio Ambiente, ao assinar o decreto que torna o acordo parte da legislação brasileira. No entanto, quem acompanha a pauta socioambiental não tem encontrado respaldo para essa afirmação.
Uma série de propostas para mudar políticas públicas ambientais no país, apresentadas pelo Congresso Nacional, sem a devida discussão com a sociedade e com surpreendente agilidade, têm deixado sociedade civil e parte do setor empresarial em constante preocupação.
Projetos legislativos que reduzem a proteção florestal colocam em risco as metas climáticas, uma vez que o setor de florestas e uso da terra é a principal fonte de emissões de gases estufa do Brasil. Além disso, ameaçam povos indígenas e suas terras, agravando a violência no campo, comprometem patrimônio natural, segurança hídrica e alimentar e atividades econômicas ligadas à floresta, assim como o próprio agronegócio, responsável por quase 25% de nosso PIB.
A justificativa dos congressistas para seguir com as peças legislativas que legalizam ocupações irregulares e outras atividades ilegais no campo é a necessidade de se liberar terras para produzir – o que não se sustenta.
Enquanto isso, duas simbólicas medidas provisórias aguardam a sanção do presidente Temer em plena semana do meio ambiente. As Mps 756 e 758 retiram de proteção 588,5 mil hectares de florestas na Amazônia e diminuem em 20% o Parque Nacional de São Joaquim (SC), um dos principais refúgios da biodiversidade da mata atlântica na região. Tais medidas impactam áreas críticas de preservação que, entre 2012 e 2015, lideraram o ranking de unidades de conservação mais desmatadas do país.
A motivação original da MP 758 era liberar uma faixa e cerca de 862 hectares de um Parque Nacional para a passagem da Ferrogrão, perto da cidade de Itaituba, no Pará. Uma segunda MP foi elaborada e tramitou junto com esta, propondo a redução de 300 mil hectares de outras Unidades para legalização de ocupação ilegal, posterior à criação das unidade de conservação, e de garimpo, praticamente na mesma região da Ferrogrão e da BR-163.
No entanto, o Congresso Nacional alterou significativamente essas Mps, chegando à proposta de redução de 600 mil hectares e ainda reduzindo um Parque em Santa Catarina. Tais propostas abrem o caminho para a maior degradação ambiental da região e o próprio ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, já se posicionou contra a aprovação dessas medidas.
É inegável que o Brasil carece de projetos de infraestrutura, principalmente no setor de logística. Mas essas Mps comprometem a imagem das ações de desenvolvimento, tão necessárias para o país, ao propor empreendimentos que desconsideram critérios de sustentabilidade.
Em meio à turbulência política do país, pode parecer secundário preocupar-se com as políticas ambientais. Não é. A taxa de desmatamento da Amazônia, que vem em preocupante elevação desde 2014 e atingiu quase 30% em 2016, pode afastar investidores e mercados externos que passam a desconfiar da competência do Brasil para cumprir suas obrigações e compromissos internacionais.
Como exemplo, podemos mencionar os investimentos do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), um dos maiores projetos de conservação de florestas do mundo. Os cerca de US$ 215 milhões, provenientes de doadores internacionais, só serão desembolsados caso o país não sofra perdas em suas unidades de conservação. Reduzir a proteção florestal é uma estratégia antiquada e dissonante do que o mercado exterior espera do setor agropecuário nacional.
Precisamos entender o momento de crise – política, econômica e socioambiental – de forma ampla. Não são apenas os índices de empregabilidade, o apetite para investimento e o custo de serviços básicos que não andam bem. Vivemos também um momento que coloca em xeque a capacidade de o país empreender e construir uma agenda de futuro justa, solidária e sustentável. Nesse cenário, líderes, representantes da sociedade e formadores de opinião devem nos ajudar a reerguer.
Por isso, as lideranças do século XXI não poderiam ter outra postura que não seja vetar integralmente essas medidas, em coerência com a manifestação do governo brasileiro ao condenar a decisão de Trump e em respeito ao longo caminho já percorrido até aqui na construção de uma agenda que viabilize o uso sustentável do solo do Brasil.
Esperamos, com isso, que o presidente Temer possa usar a decisão sobre essas Mps como uma oportunidade para dizer ao Brasil em que período histórico o seu governo se encontra. Se estiver no passado, abrirá caminho para a destruição florestal, ignorando os apelos da sociedade e da ciência. Se fizer parte do presente, irá reconhecer que mudanças nas políticas ambientais necessitam de diálogo e irá vetar essas medidas para reiniciar o debate de uma forma diferente, com transparência e envolvimento dos atores da agenda de clima, florestas e agricultura. Torcemos pelo século XXI.
Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente (abril de 2010 a maio de 2016)
Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente (maio de 2008 a março de 2010)
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente (janeiro de 2003 a maio de 2008)
José Carlos Carvalho, ministro do Meio Ambiente, (março de 2002 a dezembro de 2002)
Rubens Ricupero, ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal (dezembro de 1993 a abril de 1994)
José Goldemberg, ministro da Educação (1991 a 1992) e secretário do Meio Ambiente da Presidência da República (março a julho de 1992)
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/568506-ex-ministros-do-meio-ambiente-divulgam-carta-aberta-as-liderancas-do-seculo-xxi)
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