Por Jaime Pinsky, historiador e editor, doutor e livre docente da USP, professor titular da Unicamp.
Na
Alemanha de Hitler prevalecia a ideia da superioridade de uma suposta
raça ariana, à qual, evidentemente, pertenceriam os alemães. Para não
macular a pureza da raça, nem uma única gota de sangue de outras etnias
deveria circular nas veias desses super-homens. O espantoso não são os
delírios ridículos, destituídos de qualquer comprovação científica.
Ditadores em qualquer latitude têm sido pródigos em sonhos de grandeza
que acabam se transformando em pesadelos para o seu povo. O assustador
foi o fato de um povo tão culto e informado quanto o alemão ter
embarcado em “verdades” como a que garantia que um loiro de olhos azuis,
por mais boçal que fosse, pelo simples fato de pertencer a uma suposta
raça ariana era superior a gênios como Einstein, Marx e Freud, todos
eles de origem judaica.
Manipulação?
Sonhos de grandeza enrustidos na alma alemã? Vingança consciente contra
um inimigo poderoso? Puro interesse econômico? O que leva uma pessoa,
um grupo de pessoas, todo um povo, uma nação inteira a se fanatizar?
Há
quem diga que o primeiro passo em direção ao fanatismo é a
intolerância. E então, o que leva as pessoas a se tornarem intolerantes?
A esposa daquele primo de Goiânia, que parecia tão pacífica, aquela
mesma que faz uma broa de milho deliciosa, não está dizendo que tinha
que ir todo o mundo para a cadeia, menos os militantes do partido dela?
Que se houve algum desvio de dinheiro foi por necessidade política e que
isso não é crime? Não está vibrando com a prisão de gente “do outro
lado”, estes sim um bando de safados, aliados dos bancos e da grande
mídia? Quando perguntei para a Estela (ops, eu não devia revelar o nome
dela) se o partido dela não tinha beneficiado e sido beneficiado por
grandes empresas ela me pediu pra não fazer mais parada em sua casa para
bater papo e tomar café, pois não tínhamos mais nada em comum.
Por
outro lado aquele tio em terceiro grau não acha que pobre é pobre
porque não trabalha, se trabalhasse ficava todo mundo rico? Não diz que
deveriam exigir pós-graduação em administração para qualquer gestor (ele
não usa mais a palavra prefeito e governador) e comprovação de
independência econômica, já que quem tem dinheiro não precisa roubar? (E
não adianta eu dar exemplos de um grande empresário, ladrão notório dos
cofres públicos, impedido de sair do país e prestes a coroar sua vida
com alguns anos de cadeia).
Temos
de tudo por aqui. Os que ainda negam a importância do agronegócio,
querendo a volta da pequena propriedade ou até a implantação do kibutz,
experiência já abandonada até em Israel. E os que acham que a ação de
jagunços assassinos dizimando posseiros e índios é um mal menor, em face
da modernidade e dos lucros com a exportação obtida pelas grandes
empresas.
Grupos
de opinião diferentes se digladiam nas redes sociais. Mais do que
argumentos consistentes ou ideologias bem fundamentadas, vemos a
intolerância para com o outro manifestada de forma superficial e
grosseira. Claro que a rapidez e a facilidade para emitir opiniões
ajudam muito; basta acionar o celular com os polegares e o estrago está
feito: irmãos rompem amizade, tios viram a cara para sobrinhos, amigos
se ofendem e deixam de se falar por muito tempo. Mas não podemos jogar a
responsabilidade no WhatsApp ou no Facebook. Por trás das redes
sociais, por trás do celular, por trás dos dedos, há um ser humano
intolerante, convicto de que as únicas verdades são as suas.
Difícil
convencer os donos dos polegares que ouvir o outro, tolerar uma opinião
contrária à sua, não implica, necessariamente, concordar com ele ou
abrir mão de suas próprias convicções. Confundimos, muitas vezes,
tolerância com fraqueza, com complacência. Não tem de ser assim. Tolerar
opiniões contrárias às nossas não quer dizer a mesma coisa que tolerar
violência, racismo, homofobia. Pois há tolerâncias e tolerâncias.
O
intolerante, com frequência, se aproxima e se confunde com o fanático. É
aquele que acha que “o outro” é inferior. Em pleno século XXI, ainda
existe preconceito e intolerância contra negros, mulheres, homossexuais,
imigrantes, migrantes, idosos, praticantes de religiões diferentes das
nossas. Ao desenvolver uma intolerância contra “o outro”, o intolerante
busca se afirmar como superior, como pertencente a uma maioria
imaginária que teria como obrigação marginalizar, combater e até
eliminar quem não cerra fileiras com suas ideias, aparência, opção
sexual e até time de futebol. A violência é um subproduto dessa atitude.
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