Quando li, não me contive! Será que qualquer coincidência é mera semelhança???
Roland Freisler (1893 - 1945): lições da biografia de um juiz
Flávio Aguiar ( http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Principios-Fundamentais/Roland-Freisler-1893-1945-licoes-da-biografia-de-um-juiz/40/29584)
O clima de intolerância saturada que paira no clima jurídico-midiático-político do país traz várias coisas à lembrança.
Já
não falo dos Torquemadas inquisitoriais, quando não só cabia de jure ao
réu comprovar sua inocência – se é que esta chance lhe era dada – como
também ele muitas vezes sequer sabia do que era acusado. Só sabia que
fora denunciado por algo, e que, no mais das vezes, apenas a confissão
podia lhe atenuar a pena – muitas vezes pela benesse de ser garroteado
antes de seu corpo – já morto – ser queimado. Senão, era queimado vivo
mesmo.
Mais ou menos, sem qualquer benesse, como a velha mídia faz com seus réus: queimá-los vivos.
Num
mundo já um pouco mais próximo do nosso, dá para lembrar o
comportamento do juiz soviético Andrei Vyshinsky, um dos homens fortes
de Stalin nos processos jurídicos que legitimavam os grandes expurgos
promovidos. Vyshinsky tinha um comportamento particularmente ruidoso no
tribunal: vociferava, gritava impropérios não só contra os réus, mas
contra o que pensava que eles representavam. Muitas vezes no meio do
julgamento de um réu, começava a gritar contra Trotsky, chamando-o disto
ou daquilo, a seu bel desprazer. Vyshinsky tinha uma motivação para
este seu comportamento “espetaculoso”: no seu passado tinha a “mancha”
de ter sido menchevique. Dominado por esta assombração, precisava ser
mais estalinista do que o Stalin de ocasião.
Bem
mais próximo do nosso mundo, vem-me à mente o senador Joseph (Joe)
McCarthy. Em sua carreira como juiz – antes de tornar-se senador pelo
estado de Wisconsin – McCarthy notabilizou-se pela pressa com que
despachava seus casos e definia as sentenças. Depois, como senador,
tornou-se famoso pela virulência das acusações que fazia, notadamente em
torno do suposto comunismo dos acusados, ou de uma suposta traição,
quando não os acusava de... do “crime” de homossexualismo. Mas o que o
notabilizou igualmente foi o fato de que normalmente suas acusações
carregadas de ódio não eram acompanhadas de qualquer tipo de prova. O
“clima” da época – Guerra Fria, vitória dos comunistas na China – era a
“prova” de que necessitava. Além disto, contava com a repercussão de
suas acusações numa mídia tão ávida de sensacionalismo político quanto
de anti-comunismo. Examinando-se mais de perto a sua biografia, vem à
mente de novo aquela imagem de algum tipo de “compensação programática
na sua vida”: McCarthy morreu com 48 anos, vítima de uma hepatite
agravada por alcoolismo (provavelmente cirrose).
Mas
o exemplo que vem mais à mente é, na verdade, um pouco anterior.
Refiro-me ao verdadeiro ás dos tribunais nazistas, o juiz Roland
Freisler (1893 – 1945). Por que ás? Pelo seu estilo retumbante, pelo seu
desempenho nos julgamentos, gritando com os réus, insultando-os
frequentemente, pela velocidade dos vereditos, por frequentemente
arrogar-se simultaneamente os papeis de promotor e juiz, pelas
“inovações” de suas “teses jurídicas”, adaptando práticas e conceitos
aos ditames do nazismo triunfal – mesmo quando este já estava
derrotado.
Assim
como Vyshinsky (que, aliás, como menchevique, assinou um ordem de
prisão contra Lênin em 1917 – bom, isto pode ter-lhe rendido alguns
pontos positivos com Stalin depois), Freisler tinha uma mancha no
passado. Na Primeira Guerra Mundial fora feito prisioneiro pelos russos.
Depois da Revolução, antes de ser repassado aos alemães, consta que
Freisler tornou-se o responsável pela distribuição de víveres no campo
de prisioneiros onde estava. Falsamente ou nào, isto lhe rendeu uma fama
de na juventude ter simpatias pelo comunismo. Consta até, e em dois
relatos distintos, que, ao ser elogiado certa vez por Goebbels, na
presença de Hitler, este teria retrucado: “quem, aquele velho
bolchevique?”.
Membro
do Partido Nazista, Freisler ganhou a admiração dos correligionários
por sua retórica, o fato de conhecer códigos e leis de cor, pela
presteza e velocidade de seus juízos (antes de se transformarem em
sentenças). Ainda assim, enfrentou resistências em sua carreira. Era
considerado “não-confiável”, por ser “temperamental”.
Ainda
assim Freisler fez uma carreira aplicada, tanto do ponto de vista
funcional, no Ministério da Justiça, como em termos jurídicos,
destacando-se por sua contribuição para a “nazificação” do sistema legal
alemão. Uma de suas contribuições teóricas mais importantes foi a de
que diante do esforço de guerra e da luta pela afirmação do nazismo, era
perfeitamente legítimo condenar menores de idade às mesmas penas que os
adultos. Isto abriu caminho para que menores de idade, de até 16 anos
fossem condenados à morte por, por exemplo, distribuírem panfletos
anti-regime.
Mas
o ápice da carreira de Freisler foi sua nomeação para chefe do
Volksgerichtehof – um tribunal especial criado pelo regime para julgar
os crimes políticos, em 1942. Além de chefe ele era também o presidente
da corte suprema deste tribunal. Ele dedicou-se com afinco à seu papel.
Nos menos de três anos em que esteve à testa do tribunal, foi
responsável por 50% de todas as condenações à morte dele, desde sua
criação, em 1934. O tribunal exarou nestes anos de existência cerca de
10 mil condenações à morte; 5.000 somente entre 42 e 45, e destas,
ainda, 2.600 em sessões presididas por Freisler.
Ele
notabilizou-se, além da dureza de seus julgamentos, pela rapidez na
execução das sentenças. Ele presidiu os julgamentos dos partidários do
movimento Rosa Branca, universitários de Munique, que distribuíam
panfletos anti-hitleristas, condenando-os à morte na guilhotina.
Presidiu também os julgamentos dos envolvidos no atentado de 20 de julho
de 1944 contra Hitler. Neste caso foi notável também a presteza na
execução das sentenças. Não raro os acusados saíam diretamente do
tribunal para a prisão onde eram enforcados com requintes de crueldade,
com cordas de piano, para que a dor fosse maior e o enforcamento durasse
mais tempo.
Entretanto,
seu zelo matou-o. Em 3 de fevereiro de 1945, enquanto presidia o
julgamento de um dos acusados no atentado de 20 de julho, houve um
bombardeio aéreo nas proximidades do tribunal, na rua Bellevue, no. 15,
em local hoje ocupado, em parte, pelo Sony Center, perto da Potsdammer
Platz. Ele mesmo ordenou que todos – inclusive o réu – se abrigassem no
porão. Entretanto ele se deteve para arrepanhar os autos do processo.
Neste momento uma bomba caiu diretamente no prédio, e uma coluna da sala
tombou sobre ele, matando-o instantaneamente (há outras versões sobre
quem estava sendo julgado, ou sobre ele ter morrido em consequencia de
uma hemorragia decorrente dos ferimentos, mas aquela é a mais aceita).
De qualquer modo, fica a consideração: o que, afinal, matou-o, o seu zelo ou a sua soberba?
Nenhum comentário:
Postar um comentário