O título deste post, na verdade, é o título de um livro publicado há muitos anos. Nossos índios, nossos mortos. Nunca esteve tão atual. E a pergunta que não quer calar: por que o governo Dilma não sacramenta a demarcação, pondo fim à situação dramática vivida pelos índios? Por quê? Por quê? Estará esperando morrer o último dos Guarani para lamentar que não adianta mais demarcar, porque não existem mais índios?
A resistência guarani em Yvy Katu e seus sentidos
Há 45 dias acampados
em seu próprio território, os Guarani Ñandeva não dão sinal de que irão
ceder às pressões de fazendeiros e às reintegrações de posse contra as
ocupações de 14 propriedades que incidem sobre a Terra Indígena Yvy
Katu. Localizada entre municípios de Japorã e Iguatemi, fronteira do
Mato Grosso do Sul com o Paraguai, a área foi declarada como terra
indígena em 2005 pelo governo federal.
Segundo a comunidade, 100% dos 7,5 mil hectares antes
ocupados por fazendas está sob o controle dos Guarani. Os fazendeiros
utilizavam a terra para criação de gado, que já foi retirado das
fazendas pelos proprietários. Estradas e vicinais estão sob o controle
dos indígenas. Ao menos duas vezes por semana, famílias e lideranças de
todas as áreas retomada se reúnem em assembleias para discutir o
dia-a-dia dos acampamentos, compartilhar informações e notícias de
jornais locais, e decidir os rumos da luta pela demarcação de Yvy Katu.
Os guerreiros se alinham com suas crianças, arcos, flechas,
facões, maracás e lanças; as mulheres com suas taquaras e bebês a
tira-colo; as crianças com espadas de brinquedo e galões de água. Uma
Nãndesy abençoa a cada um dos indígenas enfileirados, bem como suas
armas tradicionais e seus pés. Muitos vestem máscaras, por temer se
tornarem alvo de ameaças e ataques individuais dos “seguranças”
contratados por fazendeiros.
Em meio a um longo discurso em Guarani durante uma
assembleia na última sexta-feira, 22, o trecho em português gritado por
uma mulher de 65 anos sintetizou com clareza a posição unânime da
comunidade em resistir, sob quaisquer circunstâncias: “Estou aqui com
meu povo. Nós somos 5 mil. Aqui tem homens, mulheres, crianças. Nós
vamos ficar aqui. Nós não vamos sair. Que venham 20, 40, 200, 1000
tratores. Vocês querem nos matar e nós estamos prontos para morrer. Essa
é a minha palavra”.
“A gente é livro vivo” – ouça discurso de liderança em defesa de Yvy Katu
Durante a reunião, os indígenas tomaram conhecimento de que
a Justiça Federal de Naviraí concedera, no último dia 18, mais uma
reintegração de posse contra a comunidade, em favor da Agropecuária
Pedra Branca. Na decisão, a Justiça afirma que a atuação dos indígenas
carrega “características de guerrilha e forte oposição ao Estado”. Esta é
a segunda reintegração desde o início das novas retomadas, em primeiro
de outubro.
A outra decisão judicial veio em favor do proprietário da fazenda Chaparral, Luiz Carlos Tormena, no dia 31 de outubro. Após “tentativa” de execução da ordem de expulsão
pela Polícia Federal no dia 6 de novembro – considerada truculenta pelo
Conselho do Aty Guasu, grande assembleia Guarani e Kaoiwá do Mato
Grosso do Sul -, a Justiça determinou um prazo de dez dias para que os
indígenas saíssem voluntariamente das propriedades ocupadas. O prazo
venceu na última sexta – e os indígenas não deixaram a Chaparral. Ali, a
reintegração é iminente.
“O povo guarani está bastante unido e pronto para resistir a
qualquer tipo de ataque ou ameaça”, explica uma das lideranças, que
prefere não ser identificada e nem fotografada. “Temos 800 crianças nas
escolas que não estão estudando por causa das ameaças. Estamos todos
juntos e prontos para morrer”.
Os indígenas relatam ataques,
disparos e intimidações por parte de fazendeiros da região,
contrastando com o apoio que os indígenas tem recebido da comunidade
local – a prefeitura e a presidência da Câmara dos Vereadores de Japorã
apóiem abertamente a luta dos Ñandeva. Durante a assembleia de sexta, ao
menos dez veículos tentaram trespassar o bloqueio de uma das vicinais
que atravessa o acampamento, a menos de 50 metros da reunião.
Antes de retomarem o território de Yvy Katu, os indígenas
estavam ocupando apenas 10% da área total reivindicada, por força de
decisão judicial. “Nós aceitamos esse acordo [da Justiça] com o
compromisso de que enquanto estaríamos nos 10%, a demarcação da terra
seria concluída. Mas nós entendemos que foi um erro aceitar esse acordo,
porque nos enganaram, porque depois disso tudo ficou parado como
estava. Então agora nós só vamos aceitar acordo de 100%. 100% da terra é
nossa, nós não vamos sair mais”.
“Jogaram na mídia que conseguiram 500 cabeças de gado pra
leilão, para adquirir recursos principalmente para segurança. Quando
falam isso, querem dizer jagunço, nós entendemos”, comenta a liderança, a
respeito do Leilão da Resistência, organizado por associações de
criadores de gado e produtores rurais do estado. “Se acontecer uma
tragédia, nós responsabilizamos o governo”.
Organizações sociais lançaram uma carta aberta à presidenta Dilma Rousseff
exigindo uma intervenção federal no Mato Grosso do Sul, acusando
proprietários rurais de estarem “organizando força paramilitar para
atentar contra a vida de coletividades e contra o Estado de direito no
Brasil”.
Histórico
Os Guarani reivindicam a conclusão da demarcação da Terra Indígena Yvy Katu, com 9,4 mil hectares.
Estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai) e de uma
perícia judicial comprovaram que os Ñandeva ocupavam a área de Yvy Katu
no período da colonização da região, de onde foram expulsos em meados de
1928. A maioria dos indígenas foi confinada na reserva de Porto Lindo,
localizada no município de Japorã, junto de outras famílias Guarani do
sul do estado.
Iniciada há 29 anos, a demarcação da Terra Indígena Yvy
Katu, na qual a reserva de Porto Lindo está incorporada, foi
interrompida diversas vezes por recursos judiciais. Em 2003, para
pressionar o governo e o judiciário, os indígenas realizaram a primeira
retomada de seu território tradicional, expulsando não-indígenas de 14
diferentes fazendas na área reivindicada.
Em junho de 2005, o Ministério da Justiça editou a Portaria
no. 1289, declarando os 9,4 mil hectares de Yvy Katu como de posse
permanente dos indígenas. A demarcação física já foi realizada, faltando
apenas a homologação pela Presidência da República, ato final da
demarcação. Os indígenas ocupam, atualmente, 10% do total da área
demarcada, por força de decisão judicial.
Em março deste ano, a Justiça considerou nulos os títulos
de propriedade incidentes sobre a Terra Indígena Yvy Katu, atestando a
validade do processo demarcatório da área.
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