Reproduzo, abaixo, o post do Blog da KikaCastro de hoje. E acrescento citações de um livro que li recentemente, muito a propósito.
O que estão esperando para acabar com as torcidas organizadas?!
by Cristina Moreno de Castro
Domingão,
último jogo do Galo no Brasileiro, volta do Ronaldinho, véspera da
estreia no Mundial -- enfim, muitos motivos para comemorações
futebolísticas. Meio alheia a tudo isso, eu estava no carro, a caminho
do jornal, para o plantão de fim de semana, quando levei o maior susto,
com fogos de artifício sendo estourado na calçada ao lado. Logo surge
uma pequena multidão, que entra invadindo a avenida, mesmo com o sinal
verde para os carros. Primeira coisa que passou pela minha cabeça: as
cenas dos protestos de junho, que eram sempre daquele jeito mesmo, a
invasão dos espaços públicos. Mas quem seriam esses manifestantes?
Segunda coisa que pensei: arrastão. Fechei os vidros do carro, mesmo com
o calor da falta do ar condicionado. Até que vi as camisas da multidão:
Galoucura.
No
carro ao lado, o motorista usava uma camisa vermelha do Bayern de
Munique, o time que deve enfrentar o Galo no Mundial de Futebol. Dois
adolescentes da Galoucura se postaram em frente ao carro dele -- e do
meu -- e começaram a xingá-lo e fazer gestos agressivos. Buzinei: o
sinal tinha aberto de novo, eu não queria ficar ali. Finalmente, alguns
segundos depois, os caras me viram e resolveram ir até a calçada,
liberando a rua.
Eu
tremia. Ali havia pelo menos 50 jovens, provavelmente alguns armados,
agressivos, agindo, em tese, em nome de uma torcida de futebol. Mas qual
a diferença entre eles e qualquer outra gangue ou quadrilha? Ou entre
eles e um grupo de pessoas que promove linchamento? Nenhuma: em todos os
casos, se sentem acima da lei e muito mais poderosos pelo pertencimento
a um grupo mais forte. Se cruzarem com alguém a pé, com a camisa do
Bayern ou do Cruzeiro, o que farão contra essa pessoa? Se eu,
atleticana, estivesse a pé, usando, digamos, uma blusa azul, correria
risco? Ou se apenas quisessem implicar com a minha buzinada?
Assim
como a Galoucura, eu poderia falar da Máfia Azul, Dragões da Real,
Mancha Verde, Gaviões da Fiel, qualquer outra. Mas escolhi, de forma
proposital, a torcida organizada do meu time, porque o que vou defender
neste post independe de futebol. Aliás, nada tem a ver com futebol.
Quero
o fim das torcidas "organizadas". Que hoje em dia nada mais são do que
gangues, que promovem a violência dentro e fora dos estádios.
Tanto
nada tem a ver com futebol que, em plena festa do título do Cruzeiro
pelo Campeonato Brasileiro, duas torcidas rivais -- Máfia Azul e
Pavilhão -- resolveram brigar. A coisa ficou tão feia que a festa foi
cancelada, prejudicando torcedores reais, que tinham motivo real de
comemoração. E são, em tese, torcedores do mesmo time!
Tanto
nada tem a ver com futebol que, quando vimos aquele escândalo no jogo
Vasco x Atlético-PR na tarde de ontem, com torcedores tentando matar,
literalmente, uns aos outros, com gente desacordada no chão sendo
chutada por vários, os jogadores -- ídolos? -- iam conversar com suas
próprias torcidas e eram recebidos aos gritos de ódio.
Ouço
de pessoas nem tão mais velhas assim que ir ao estádio, há alguns anos,
era um prazer e um divertimento. Que era possível haver partidas,
inclusive clássicos, com torcedores misturados na arquibancada, sem
necessidade de barreira, de policiamento fortíssimo (como o que faltou
na Arena Joiville, contribuindo para os quase-assassinatos vistos). Que
dava até para levar as crianças numa boa, com segurança. Que a
rivalidade em campo se restringia exclusivamente ao jogo, ao futebol, ao
esporte, e nunca era extrapolada para inimizades, agressões, violências
gratuitas. Que um placar de jogo era só um placar de jogo e não um
decreto de morte.
Quem
mudou essa história foram as torcidas organizadas. As gangues armadas
de desmiolados. Há anos, propõe-se cadastrar esses sujeitos, proibí-los
de ir ao estádio, desarticular as agremiações. Parte dessas medidas está
prevista no Estatuto do Torcedor, que é lei federal desde 2003.
Mas, de que adianta? As coisas só pioraram nesses dez anos. O
corintiano que esteve preso na Bolívia após a morte de um adolescente se
envolveu em briga contra a torcida do Vasco logo que foi solto. Banido
dos estádios com base no Estatuto do Torcedor, ele burlou a proibição e
compareceu em um jogo contra o Grêmio apenas dois meses depois.
Então,
não adianta dizer que o sujeito está banido dos estádios por alguns
meses. Isso não vai contê-lo. Tem que reprimir e proibir a existência
das torcidas organizadas. Tem que adotar leis mais severas -- que
precisam ser cumpridas --, assim como a Inglaterra fez para conter seus
hooligans, que eram tão agressivos que, em 1985, causaram a morte de 38 pessoas em um único jogo.
Naquele país, a própria federação inglesa baniu seus clubes das
competições europeias por cinco anos. Suas leis preveem, além de prisão
de até quatro anos, banimento dos estádios por até dez anos, inclusive
fora do Reino Unido, para os que se envolverem em confusão. Em caso de
reincidência, há previsão de afastamento dos campos para sempre. Também
há multas pesadas, grande policiamento e vigilância intensa com câmeras.
Resultado: a violência caiu e os hooligans estão sumidos pelo menos desde 2006.
O
que eu sei é que não dá para continuar assim. Tendo medo de ir ao
estádio para torcer pelo meu time e, pior, chego até mesmo a ter medo de
andar pelas ruas vestindo uma cor específica (que dirá uma camisa
oficial). Que a chegada da Copa do Mundo sirva para acordar as
autoridades brasileiras para o que já é óbvio há anos: é preciso acabar
com essas gangues organizadas e agir de forma mais severa contra
torcedores-bandidos encamisados e nada organizados.
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Este ódio que está se espalhando pelo país (pelo mundo?), obviamente não se restringe ao futebol e às torcidas organizadas. Ele está intimamente relacionado ao Fanatismo, que se expressa no campo da religião, da política, da etnicidade (ou do racismo, como dizem alguns). E, infelizmente, também no campo do lazer, especificamente nos campos de futebol. Será por mero acaso que agora os estádios são chamados de ARENAS? As arenas famosas da Antiguidade eram as romanas, onde gladiadores lutavam até a morte, onde pessoas eram jogadas aos leões. Coincidência?
" Os fanáticos, como nos explica o escritor Amós Oz, são ' aqueles que acreditam que o fim, qualquer fim, justifica os meios', que acham que a justiça - ou o que quer que queiram dizer com a palavra justiça -, seus valores, suas convicções e crenças são mais importantes do que a vida".
" O assunto é preocupante. Qualquer pessoa de bom senso sabe que o fanatismo já provocou muito estrago. É mais que hora de ser identificado, compreendido e combatido. Para tanto, é preciso saber reconhecê-lo em suas diversas manifestações. Saber até onde foi para se ter uma ideia de até onde poderá ir, se não for detido."
"Confrontos violentos entre torcidas organizadas não ocorrem ao acaso, por mera coincidência. São manifestações programadas, baseadas em estratégias militares, envolvendo táticas como: ação de batedores, linha de frente, retaguarda, caças e emboscadas, além de armamentos [...]. Essas táticas e armamentos fazem parte do cotidiano das torcidas organizadas e são utilizadas contra o oponente sempre que os agressores julgarem necessário."
As citações em itálico, acima, foram retiradas do livro Faces do Fanatismo, organizado por Jaime e Carla Pinsky, publicado pela editora Contexto em 2004. (páginas 11,13 e 270, respectivamente).
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