Jornalismo e história
Do Observatório da Imprensa
Por Luciano Martins Costa
A Folha de S. Paulo denunciou, em manchete na primeira página, o
desenrolar de uma tentativa de golpe no Brasil. No texto, há referências
à “evolução de acontecimentos políticos”, observando que “as
autoridades governamentais são obrigadas a dedicar quase que o tempo
integral de seus esforços em solucionar crises político-militares ou
sociais nascidas ou provocadas artificialmente”.
A reportagem, de autoria do jornalista Plínio de Abreu Ramos, foi
publicada no dia 13 de dezembro de 1963, pouco menos de seis meses antes
do golpe militar que derrubou o então presidente João Goulart.
A referência a esse episódio está na seção “Há 50 anos”, que a
Folha publica na edição de sexta-feira (13/12). O personagem central é o
general Jair Dantas Ribeiro, então ministro da Guerra, defensor do
legalismo nas Forças Armadas, que buscava desmontar o golpe que estava
sendo articulado no ambiente militar com apoio dos principais jornais do
país.
No texto do documento reservado, obtido pelo repórter Abreu Ramos
(ver aqui), o ministro alertava para a “tentativa de radicalização de
posições entre direita e esquerda”, denunciando “o sensacionalismo da
imprensa, sendo que alguns jornais estão certamente comprometidos com a
agitação” e “a atuação violenta de grupos exaltados da oposição (...)”.
Aquele 13 de dezembro também era uma sexta-feira. A crise de
governabilidade completava pouco mais de dois anos, iniciada logo após a
renúncia de Jânio Quadros e agravada com a recusa dos partidos
conservadores, insuflados por parte da imprensa, em aceitar a posse do
vice-presidente, João Goulart.
Os jornais a que o general Dantas Ribeiro se referia eram, entre
outros, o Globo e o Estado de S.Paulo, onde proliferavam reportagens e
editoriais contra o governo. Os arquivos apontam que outros diários,
como o Correio da Manhã, o Jornal do Brasil e a Folha de S.Paulo,
aderiram aos golpistas quando tudo indicava que Goulart não poderia mais
se sustentar.
A reportagem de Plínio de Abreu Ramos, publicada naquela
sexta-feira, 13 de dezembro de 1963, foi uma das últimas iniciativas da
Folha em favor da legalidade. Depois, o jornal paulista também entraria
na corrente pela deposição do presidente.
O Brasil mudou, a imprensa não
Esses registros têm valor especial na análise da imprensa
contemporânea, porque a mesma estratégia utilizada para respaldar o
golpe de 1964 foi aplicada a partir de 2006 para desestabilizar o então
presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O projeto de poder articulado pelos jornais só não foi bem sucedido
porque, nesse período, a economia do Brasil já mostrava sinais de
recuperação, após o ciclo negativo iniciado em 1999, e as políticas
sociais de geração de renda davam início ao processo de redução da
pobreza.
Na nova versão dessa mesma estratégia, a “tentativa de
radicalização de posições entre direita e esquerda” denunciada pelo
general Dantas Ribeiro em 1963, fica por conta de articulistas raivosos,
que proliferam em todos os meios, desqualificando o jornalismo e
espalhando a irracionalidade.
O “sensacionalismo da imprensa” ainda pode ser observado nas
manchetes, quase diariamente, mas se deslocou principalmente para as
notícias de economia, com sucessivas ondas de pessimismo e campanhas
explícitas para desmoralizar o governo.
Nesta sexta-feira (13/12), a leitura dos diários indica que a
realidade começa a se impor à pauta dos jornalistas. O aspecto mais
evidente é a crescente convicção de que a corrupção é um fenômeno
generalizado na política nacional, institucionalizada pelas próprias
regras do jogo.
As versões simplistas sobre uma “máfia de fiscais”, ou o cartel de
uma empresa só, desabam sob o peso dos fatos. Por outro lado, as reações
à votação do Supremo Tribunal Federal sobre as doações eleitorais de
empresas abrem espaço para a discussão sobre a origem dos vícios na
política.
A imprensa é uma instituição conservadora, em parte porque, para
melhor identificar o que é novidade, precisa desenvolver o instinto do
ceticismo. A sociedade brasileira mudou muito nos últimos 50 anos –
principalmente porque não acredita tão cegamente na imprensa.
A principal diferença para aquela outra sexta-feira, 13, parece
estar na constatação de que as Forças Armadas aprenderam com a aventura
de 1964 e já não se deixam manipular por manchetes de jornais.
(Fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/o-brasil-mudou-a-imprensa-nao)
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