terça-feira, 1 de março de 2016

As redes sociais estão matando a internet?

Há uma década, ela era inteligente e diversa como uma teia global de bibliotecas conectadas. Agora, pode reduzir-se a nova TV: previsível, infantilizante, abovinadora
Por Hossein Derakhshan*, na Piseagrama, parceiro editorial de Outras Palavras
Há alguns meses, eu me sentei na pequena mesa da cozinha do meu apartamento, no último andar de um prédio em um bairro vibrante de Teerã, e fiz uma coisa que já tinha feito milhares de vezes antes: abri meu laptop e postei no meu novo blog. Aquela, por outro lado, era a primeira vez em seis anos. E quase partiu meu coração.
Algumas semanas antes, eu havia sido abruptamente perdoado e libertado da prisão de Evin, no norte de Teerã. Eu esperava passar um bom tempo do resto da minha vida naquelas celas: em novembro de 2008, fui sentenciado a quase 20 anos de prisão por causa das coisas que eu escrevia no meu blog.
A chegada desse momento foi inesperada. Eu tinha acabado de fumar um cigarro na cozinha com um dos meus companheiros de prisão, e voltei à cela que eu dividia com uma dúzia de outros homens. Estávamos tomando chá quando a voz ao microfone que fazia os anúncios do andar – outro prisioneiro – preencheu as celas e os corredores. Em tom monótono, ele anunciou, em persa: “Queridos prisioneiros, o pássaro da sorte mais uma vez pousou sobre os ombros de um de nossos companheiros. Senhor Hossein Derakhshan, você está livre a partir de agora”.
Naquela noite, eu saí como um homem livre pela primeira vez. Tudo parecia novo: a brisa fresca do outono, o barulho do trânsito vindo de uma ponte próxima, o cheiro, as cores da cidade onde eu tinha vivido a maior parte da minha vida. À minha volta, eu percebia uma Teerã bem diferente daquela à qual eu pensava estar acostumado. Condomínios novos, desavergonhadamente luxuosos, substituíam as pequenas e encantadoras casas antes tão familiares. Havia novas vias, estradas, e hordas invasivas de SUVs. Imensos outdoors anunciavam relógios feitos na Suíça e TVs importadas da Coréia. Mulheres usavam echarpes e casacos coloridos, homens tinham cabelos e barbas pintadas, e centenas de cafés charmosos tocavam música ocidental descolada, com atendentes mulheres. Eram dessas mudanças que vão sendo absorvidas aos poucos pelas pessoas; do tipo que você só percebe mesmo quando é removido da vida normal.
Duas semanas depois, eu comecei a escrever de novo, depois que alguns amigos concordaram em me deixar começar um blog que comporia sua revista de arte. Se seis anos tinham sido um bom tempo de prisão, para a internet, foram uma era inteira. O ato de escrever na internet, em si, não havia mudado, mas a leitura – ou, pelo menos, fazer com que as coisas fossem lidas – mudara drasticamente. Já tinham me contado sobre como as redes sociais haviam se tornado essenciais enquanto eu estive fora, e eu sabia que, se quisesse fazer com que a minha escrita atingisse as pessoas, teria que usá-las a partir de agora.
Então eu tentei postar um link para um artigo meu no Facebook. Descobri que o Facebook não dava a mínima, e o meu artigo acabou parecendo mais um anúncio chato de classificados: sem descrição, sem imagem, sem nada. Três curtidas. Três! Só isso. Naquele momento, ficou claro para mim que as coisas tinham mesmo mudado. Eu não estava equipado para jogar o novo jogo – todos os meus esforços anteriores já não serviam de nada. Eu fiquei devastado.
Blogs valiam ouro e blogueiros eram como estrelas de rock quando eu fui preso em 2008. Naquele momento, embora o Estado bloqueasse o acesso ao meu blog dentro do Irã, eu tinha uma audiência de cerca de 20 mil pessoas por dia. Todo mundo que eu “linkava” nos meus textos passava por um salto repentino e considerável de tráfego no próprio blog: eu podia empoderar ou envergonhar quem eu quisesse.
As pessoas costumavam ler meus posts e deixar comentários relevantes, e até aqueles que discordavam completamente de mim ainda visitavam e liam o blog constantemente. Outros blogs se conectavam ao meu para discutir o que eu dizia. Eu me sentia um rei.
O iPhone tinha pouco mais de um ano naquela época, mas os smartphones ainda eram mais usados para fazer ligações e mandar mensagens, checar e-mails, e navegar pela internet. Não havia ainda os apps como os de hoje. Não havia Instagram, SnapChat, Viber ou WhatsApp. No lugar deles, havia a web e, na web, havia os blogs: os melhores lugares para encontrar pensamentos alternativos, notícias e análises. A web era a minha vida.
Tudo começou com o 11 de setembro. Eu estava em Toronto e meu pai tinha acabado de chegar de Teerã para uma visita. Estávamos tomando café da manhã quando o segundo avião colidiu com o World Trade Center. Perplexo e confuso, eu buscava explicações e acabei chegando aos blogs. Depois de ler alguns, eu pensei: “É isso! Vou começar um blog e encorajar outros iranianos a fazer o mesmo”. E então, usando o Notepad do Windows, eu comecei a experimentar. Logo eu estava escrevendo no hoder.com, usando a plataforma de publicação Blogger, antes de sua compra pela Google.
No dia 5 de novembro de 2001, publiquei um passo a passo sobre como começar um blog. Aquilo disparou algo que depois chegou a ser chamado de revolução do blog: em pouco tempo, centenas de milhares de iranianos fizeram do Irã uma das cinco nações com maior número de blogs, e o meu papel nessa história sem precedentes da democratização da escrita no país me deixava orgulhoso.
Naquela época, eu mantinha uma lista pública de todos os blogs em persa e, por um tempo, eu era a primeira pessoa que qualquer blogueiro iniciante no Irã procurava, para aparecer na lista também. Chamavam-me de blogfather (uma piada com godfather, que significa padrinho em inglês) quando eu não passava dos meus vinte e poucos – um apelido um tanto bobo, mas que dava pistas de como aquilo tudo era importante para mim.
Todas as manhãs, do meu pequeno apartamento no centro de Toronto, eu abria meu computador e cuidava dos novos blogs, ajudando-os a ganhar exposição e audiência. Tratava-se de um grupo diverso – de autores e jornalistas exilados, passando por mulheres que escreviam diários, experts em tecnologia, a jornalistas locais, políticos, clérigos e veteranos de guerra – e eu me sentia cada vez mais motivado. Convidava mais e mais gente, homens e mulheres, de dentro do Irã, a participar e começar a escrever.
Naquele tempo, a abrangência do que estava disponível impressionava todos nós. E era parte do motivo pelo qual eu promovia blogueiros com tanto afinco. Eu havia deixado o Irã no final de 2000 para experimentar uma vida no Ocidente e tinha medo de estar perdendo todas as tendências que emergiam no meu país de origem. Ler blogs iranianos em Toronto era a experiência mais próxima que eu poderia ter de sentar em um táxi compartilhado em Teerã e escutar as conversas entre um motorista falante e passageiros aleatórios.
Há uma história no Corão sobre a qual pensei muito durante meus primeiros oito meses de confinamento solitário. Nela, um grupo de cristãos perseguidos encontra refúgio em uma caverna. Junto de um cão que os acompanhava, entram num sono profundo e acordam com a impressão de que tinham tirado apenas um cochilo. Na verdade, haviam se passado 300 anos. Uma versão da história narra o momento em que um deles sai para comprar comida – é de se esperar que estejam famintos depois de 300 anos – e percebe que sua moeda é obsoleta, que se tornou um item de museu. É assim que descobrem que estiveram ausentes por tanto tempo.
O hyperlink era minha moeda há seis anos. Oriundo da ideia de hipertexto, o hyperlink promoveu a diversidade e a descentralização que faltavam no mundo real. O hyperlink representava o espírito aberto e interconectado da world wide web – uma visão que teve início com seu inventor, Tim Berners-Lee. Era um modo de abandonar a centralização – os links, linhas e hierarquias – e substituí-la por algo mais distribuído, um sistema de nós e redes.
Os blogs deram forma a esse espírito de descentralização: eles eram janelas para vidas das quais pouco sabíamos, pontes que conectavam diferentes existências umas às outras e, portanto, as transformavam. Blogs eram cafés nos quais as pessoas trocavam ideias diversas sobre qualquer assunto possível. Eram uma versão agigantada dos táxis compartilhados de Teerã. No entanto, desde que saí da prisão, percebi o quanto o hyperlink fora desvalorizado, se tornando quase obsoleto.
Quase todas as redes sociais tratam os links como qualquer outro objeto – como uma foto ou um texto –, ao invés de enxergá-los como uma forma de enriquecer o texto em que se encontram. Somos estimulados a postar apenas um hyperlink e expô-lo a um processo que consiste em receber “curtidas”, sinais de adição ou coraçõezinhos, e é bem comum que não seja sequer permitido adicionar muitos links a um único texto. Os hyperlinks foram objetivados, isolados e despidos de seu poder.
Ao mesmo tempo, essas mesmas redes sociais tendem a tratar textos e imagens nativos, ou seja, diretamente publicados em suas plataformas, com muito mais respeito do que aqueles hospedados em páginas externas. Um amigo fotógrafo me explicou que suas imagens publicadas diretamente no Facebook recebem um grande número de “curtidas”, o que significa que elas aparecem mais para outros usuários. Por outro lado, quando posta um link para uma mesma imagem hospedada fora do Facebook – em seu enferrujado blog, por exemplo – ela é muito menos visível no Facebook e recebe um número muito menor de “curtidas”. O ciclo reforça a si mesmo.
Algumas redes, como o Twitter, por exemplo, tratam os hyperlinks de maneira um pouco melhor. Outras são muito mais paranoicas. O Instagram, propriedade do Facebook, não permite que sua audiência saia do aplicativo. Você pode até colocar um endereço na descrição de suas fotos, mas aquele link não o levará a lugar algum. Muitas pessoas começam sua rotina diária online nessas redes sociais sem saída, e suas jornadas também terminam ali. Muitos nem percebem que estão usando a infraestrutura da internet quando curtem uma foto no Instagram ou deixam um comentário no vídeo de um amigo no Facebook. É só um aplicativo.
Mas os hyperlinks não são apenas o esqueleto da internet: são seus olhos, um caminho até sua alma. Uma página web cega, ou sem hyperlinks, não pode olhar para outras páginas – e isso tem consequências sérias nas dinâmicas de poder na web. Muitos teóricos pensam a relação entre olhar e poder, e a maioria em um sentido negativo: o observador desnuda o observado e o transforma em um objeto sem poder, destituído de inteligência ou ação. Mas no mundo das páginas web, o olhar funciona de um modo diferente: ele traz empoderamento. Quando um site poderoso, como o Google ou o Facebook, lança seu olhar ou cria um link para outras páginas, ele não só se conecta a elas, mas confere existência a elas. Metaforicamente, sem esse olhar empoderador, sua página não respira. Não importa quantos links você tenha colocado numa página: até que alguém olhe para ela, ela está morta e cega e, portanto, incapaz de transferir poder a outras páginas web. Por outro lado, as páginas mais poderosas são aquelas que têm muitos olhos sobre elas. Como celebridades – que estabelecem um tipo de poder graças aos milhares de olhos humanos que as observam o tempo todo –, páginas web podem capturar e distribuir seu poder a partir de hyperlinks.
No entanto, aplicativos como Instagram são cegos, ou quase cegos. Seu olhar não leva a lugar nenhum, exceto para dentro de si mesmos, relutante em transferir seus vastos poderes a outros. A consequência disso é que as páginas web fora das redes sociais estão morrendo.
Antes mesmo da minha prisão, os poderes do hyperlink já estavam sendo constrangidos. Seu maior inimigo era uma filosofia que combinava dois dos mais dominantes e superestimados valores de nossos tempos: novidade e popularidade, refletidos na dominação, no mundo real, das celebridades jovens. Essa filosofia é o stream. O stream domina a maneira por meio da qual as pessoas recebem informação na web. Poucos usuários checam diretamente as páginas na internet; em vez disso, são alimentados por um fluxo infinito de informações que são selecionadas e exibidas por algoritmos complexos – e secretos.
O stream significa que você não precisa mais abrir tantos sites e abas. Você não precisa sequer de um navegador. Você abre o Twitter ou o Facebook em seu celular e ali mergulha profundamente. A montanha chega até você – os algoritmos já escolheram tudo para você. De acordo com o que você ou seus amigos já leram ou viram, eles preveem aquilo que você poderia gostar de ver. É bom sentir que não estamos gastando tempo procurando coisas interessantes na internet. Mas o que estamos perdendo com isso? O que estamos trocando por essa eficiência toda?
Em muitos aplicativos, os juízos que lançamos – as “curtidas”, os “mais”, as estrelas, os corações – estão mais ligados a ícones fofos, fotos de perfil bonitas e ao status de gente famosa do que à substância daquilo que foi publicado. Um parágrafo brilhante de uma pessoa ordinária pode ser deixado de fora do stream, enquanto qualquer texto bobo de uma pessoa famosa ganha presença virtual instantânea.
Os algoritmos por trás do stream não só equiparam novidade e popularidade à importância; eles também tendem a nos mostrar mais daquilo que já curtimos. Esses serviços leem cuidadosamente nosso comportamento e desenham nosso feed de notícias com os posts, fotos e vídeos que acham que gostaríamos de ver.
A popularidade não é algo ruim em si, mas tem seus efeitos colaterais. Em uma economia de livre mercado, produtos de baixa qualidade com os preços errados estão supostamente fadados ao fracasso. Ninguém se sente triste quando um café que serve bebidas ruins e tem garçons mal-humorados vai à falência. Mas opiniões não são como produtos e serviços materiais. Elas não somem se forem ruins. Na verdade, a história vem provando que a maior parte das grandes ideias (muitas delas, más ideias) não foi popular por muito tempo e seu status marginal só serviu para fortalecê-las. Pontos de vista minoritários são radicalizados quando não podem ser expressos e reconhecidos.
Hoje, o stream é a forma dominante de organização da informação nas mídias digitais. Ele está em toda rede social e aplicativo de celular. Desde que ganhei liberdade, vejo o stream em todos os lugares. Imagino que não vai demorar até que vejamos novos sites organizando seu conteúdo inteiro com base nos mesmos princípios. A predominância do stream hoje não só prejudica a qualidade de um bom pedaço da internet, como também contraria a diversidade que a word wide web visionou originalmente.
Não tenho dúvidas de que a diversidade de temas e opiniões na internet é menor hoje do que no passado. Ideias novas, diferentes e desafiadoras são suprimidas pelas redes sociais porque suas estratégias de ranking priorizam o popular e a mesmice – não é à toa que a Apple está contratando editores humanos para seu aplicativo de notícias. Mas a diversidade está também sendo reduzida de outras formas, por outras razões.
Uma delas é visual. Sim, é verdade que meus posts no Twitter e no Facebook se parecem com um blog pessoal: são coletados numa ordem cronológica reversa, em uma página específica, com um endereço web direto para cada publicação. Mas eu tenho muito pouco controle sobre sua aparência e não posso personalizar nada. Minha página deve seguir a aparência uniforme que os designers daquela rede social escolheram para mim.
A centralização da informação também me preocupa, porque acaba fazendo as coisas desaparecerem. Depois que fui preso, meu serviço de hospedagem online fechou a minha conta, porque eu não conseguia mais pagar sua taxa mensal. Pelo menos eu tinha o backup de todos os meus posts no banco de dados do servidor (a maioria das plataformas de blog costumava permitir que você transferisse seus posts e arquivos para seu próprio espaço web, o que já não é mais permitido por muitas plataformas). Mas o que acontece se a minha conta no Facebook ou no Twitter for deletada por alguma razão? É possível que esses serviços ainda demorem a morrer, mas não é muito difícil imaginar serviços americanos fechando, um dia, as contas de qualquer cidadão do Irã, por exemplo, como resultado de um sistema de sanções. Se isso acontecesse, pode até ser que eu conseguisse baixar meus posts de alguma dessas plataformas. Mas e o endereço único para meu perfil na rede social? Será que eu poderia tê-lo de volta?
Entretanto, o resultado mais sério da centralização da informação nos tempos de mídia social é ainda outro: estamos nos tornando muito menos poderosos em relação a governos e corporações. A vigilância nos vai sendo imposta cada vez mais e parece que a única maneira de ficar longe desse vasto aparato é ir para uma caverna e dormir. Ser observado é algo a que teremos que nos acostumar em algum momento e, infelizmente, não tem nada a ver com o país em que residimos. Ironicamente, os Estados que cooperam com o Facebook e o Twitter sabem muito mais sobre seus cidadãos do que aqueles, como o Irã, em que o governo controla a internet, mas não tem acesso legal às empresas de mídias sociais.
O que é ainda mais assustador do que ser vigiado, no entanto, é ser controlado. Quando o Facebook nos conhece melhor do que nossos pais com apenas 150 curtidas, e melhor que nossos parceiros com 300 curtidas, o mundo se torna muito previsível, tanto para os governos quanto para os negócios. E essa previsibilidade significa controle.
A sociedade parece cada vez mais obcecada por novas tendências. Utilidade e qualidade, usualmente, vêm em segundo lugar. No começo dos anos 2000, escrever blogs fazia de uma pessoa alguém descolado. Então, por volta de 2008, surgiu o Facebook. Depois veio o Twitter. Desde 2014, a moda é o Instagram, e ninguém sabe o que virá a seguir. Mas talvez as minhas preocupações estejam mal endereçadas. Talvez eu esteja preocupado com a coisa errada. Talvez a questão não seja exatamente a morte do hyperlink ou a centralização.
Talvez o texto em si esteja desaparecendo. Afinal de contas, os primeiros visitantes da web passavam seu tempo lendo revistas online. Depois vieram os blogs, e depois o Facebook e o Twitter. Agora é com os vídeos do Facebook, o Instagram e o SnapChat que as pessoas gastam seu tempo. Temos cada vez menos textos disponíveis para leitura nas redes sociais e mais e mais vídeos para assistir e imagens para olhar. Será que estamos presenciando o declínio da leitura na internet em nome do assistir e do escutar?
Será que essa tendência resulta de mudanças de hábitos das pessoas, ou será que as pessoas estão simplesmente seguindo novas regras impostas pelas redes sociais? Eu não sei e deixo para os pesquisadores essas questões, mas me parece que estamos revivendo velhas guerras culturais. Afinal, a web começou imitando livros e, por muitos anos, foi extremamente dominada por textos e hipertextos. Os mecanismos de busca colocaram um grande valor nesses objetos e empresas inteiras foram construídas a partir disso. Mas à medida que o número de scanners, fotos digitais e câmeras de vídeo crescem exponencialmente, isso parece estar mudando. As ferramentas de busca estão começando a incorporar algoritmos avançados de reconhecimento de imagem; e dinheiro de propaganda está flutuando por lá.
O stream, os aplicativos de celular e as imagens em movimento, todos eles apontam para uma mudança fundamental: de uma internet-livro para uma internet-televisão. Aparentemente saímos de um modo não linear de comunicação – nós, redes e links – para uma situação linear, com centralizações e hierarquias. Quando foi inventada, a web não foi vislumbrada como uma forma de televisão. Mas, querendo ou não, está rapidamente imitando a TV: linear, passiva, programada e ensimesmada.
Assim que entro no Facebook, começa minha televisão pessoal. Tudo que tenho para fazer é rolar a página para baixo e ver as novas fotos de perfil dos amigos, pequenos trechos de opinião, links para novos textos com legendas curtas, publicidade e, obviamente, vídeos que tocam automaticamente. Às vezes, curto ou compartilho alguma coisa, leio os comentários das pessoas, ou abro algum artigo. Mas continuo dentro do Facebook, e ele continua a me mostrar aquilo que sabe que eu posso gostar. Essa não era a web que eu conhecia quando fui para a prisão. Esse não é o futuro da web, isso é televisão.
Às vezes penso que estou me tornando muito ranzinza com a idade e que talvez essa seja mesmo a evolução natural da tecnologia. Mas não dá para ignorar o que está acontecendo: a perda da diversidade intelectual e tecnológica, e do grande potencial que poderiam ter em tempos tão turbulentos. No passado, a internet era poderosa e séria o suficiente para me levar à cadeia. Hoje, ela não passa de uma ferramenta de entretenimento. Tanto é que o Irã nem considera algumas plataformas, como o Instagram, sérias o suficiente para que sejam alvo de bloqueio.
Sinto falta do tempo em que as pessoas buscavam opiniões diferentes e se preocupavam em ler mais de um parágrafo ou 140 caracteres. Sinto falta dos dias em que eu podia escrever alguma coisa no meu blog pessoal e publicar no meu domínio sem ter que gastar o dobro do tempo promovendo o texto em várias redes sociais; quando ninguém ligava para “curtidas” ou compartilhamentos.
Essa é a internet da qual eu me lembro antes da prisão. Essa é a internet que nós temos que salvar.
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*Hossein Derakhshan – Escritor, blogueiro e ativista da internet iraniano-canadense. Foi libertado da prisão de Evin, no Irã, depois de seis anos, em novembro de 2014. (http://hoder.com)

(fonte: http://outraspalavras.net/capa/as-redes-sociais-estao-matando-a-internet/)

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