Por Jaime Pinsky, historiador e editor, doutor e livre docente da USP, professor titular da Unicamp.
Em
algumas décadas o Brasil transformou-se de país rural em país urbano. É
verdade que a produção agrícola não diminuiu, pelo contrário, mas a
maior parte da população vive agora nas cidades. Cidades grandes
tornaram-se gigantescas e cidades médias são hoje cidades grandes. Cerca
de 20 municípios possuem mais de 1 milhão de habitantes e acima de 200
contam com mais de 150 mil habitantes! Administrá-los tornou-se tarefa
dificílima, mesmo desconsiderando eventuais (e não raros) traços de
incompetência e desonestidade por parte de muitos prefeitos e
vereadores.
Secretários
municipais não ficam próximos dos cidadãos, isto seria impossível em
cidades mais populosas. As pessoas, por seu lado, não se sentem donas da
cidade. Edifícios com guaritas, vigilantes guardando a entrada de
condomínios, muros altos tentando isolar os cidadãos de outros cidadãos,
por medo, fazem dos habitantes das cidades prisioneiros que respiram
aliviados ao voltar para trás das grades no final do dia, seja para
conviver com sua família, seja para simplesmente esparramar-se em uma
poltrona para assistir à TV (cada membro da família na sua, se
possível), ou ainda para navegar pelas mídias sociais, onde poderá
ofender quem quiser sem risco...
As
pessoas desenvolveram também o hábito de ir ao shopping. Lá elas até
fazem compras, mas utilizam-no mais para passear, ir ao cinema, lanchar,
levar os filhotes, encontrar amigos. O shopping é uma instituição
curiosamente classista. Depende do bairro em que se instalou a
“categoria” das lojas que abriga, o preço do estacionamento, os
restaurantes e cinemas e até a música que toca. Esta área, aliás, é
interessante: o volume do som de fundo dos shoppings é inversamente
proporcional ao poder aquisitivo do público a que se destina. Os de
classe A são tranquilos e silentes, os C, muito barulhentos. Com raras
exceções, as pessoas encontram centros de venda adequados à sua renda,
aspirações, etc. Cada um na sua tribo, como se vivêssemos em uma
sociedade estamental. Vivemos?
Rua
é um conceito estranho. Quem passa por bairros residenciais
sofisticados (como o Jardim Paulista, o Alto de Pinheiros, em São Paulo,
vai encontrar vigilantes de quarteirão e empregadas domésticas
usufruindo daquela rua agradável, sob a sombra das tipuanas e das
sibipirunas (ambas com flores amarelas, se for primavera), enquanto os
patrões entram e saem da casa velozmente e nem sabem, por vezes, que
aquelas lindas árvores abrigam sabiás, sanhaços e outros belos pássaros.
Nem mesmo notam quando o caroço de uma manga vingou e se transformou em
uma enorme mangueira, que por conta das chuvas e do calor oferece suas
frutas para os passantes, que podem também escolher amoras, mamões e até
bananas que não têm vergonha em se oferecer a quem os desejar.
Claro
que as ruas das cidades sempre têm os que fazem uso delas, e às vezes,
até abusam. São os que emporcalham as paredes pichando qualquer espaço
limpo. Não falo dos artistas que, bem ou mal (é questão de gosto apenas)
dão cores ao cinza, mas dos porcalhões que dão um ar lúgubre à cidade.
Mobilizar os cidadãos para coibir atividades desses indivíduos é
importante. Como importante é transformar as pessoas em colaboradoras da
cidade, não de um governo deste ou daquele partido. Todas as cidades
têm gente com espírito público. Gente que toma para si a
responsabilidade de manter um pequeno espaço verde, plantando, podando,
aparando a grama, dando um jeito de irrigar o verde no tempo da seca.
Que tal potencializar esse comportamento? Há quem se ofereça a apoiar
creches, doando alimentos, ou equipamentos. Há editoras que podem dotar
bibliotecas de livros, particularmente as infantis.
O
cidadão pode e deve zelar para que as leis de cidade limpa sejam
cumpridas. Já tem gente tratando de arrancar faixas colocadas
ilegalmente, assim como cartazes que sujam os postes. Outros tentam
impedir a distribuição de panfletos de propaganda enfiados às dezenas
nos para-brisas dos carros estacionados ou entregues em faróis de
trânsito. Aos poucos os cidadãos se dão conta do que é cidadania ativa:
não simplesmente uma série de direitos civis, políticos e sociais (que
são indispensáveis e devem ser preservados e ampliados), mas também um
conjunto de obrigações que implicam a busca do bem comum.
Cabe às prefeituras abrir espaço e oferecer condições para que essas práticas cidadãs se espalhem pelas nossas cidades.
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