A queixa foi feita por uma senhora de 80 anos que tinha acabado de chegar de uma consulta ao oftalmologista.
Ana Claudia Vargas
Ao chegar, pensativa e visivelmente irritada, ela disse ter sido tratada como uma ‘idiota’ pela moça que auxiliava o médico.
E como a moça a tratou, dona Isaura? _ perguntei.
“Como se eu fosse uma imbecil e incapaz,
ou melhor, como se eu fosse uma criança boba, não uma criança esperta,
mas uma criança boba! É porque a todo momento ela falava somente comigo,
com uma voz infantil, fininha e chata, como se fosse uma professora do
ensino básico que lidasse com um aluno bem burro, coisas como “coloque
seu bracinho aqui”; “agora, chegue seu queixinho pra frente”, “isso,
muito bem! Estou gostando de ver”! , “agora, coloque sua mãozinha ali”;
“agora a senhora vai ficar quietinha… isso, que bonitinho! Não doeu
nada, viu?”; “a senhora fez direitinho, que belezinha! Que gracinha!
Que fofinha…”.
E dona Isaura continuava nervosa e
seguia falando: “Além de me tratar como se eu fosse uma criança idiota
falando tudo no diminutivo e com aquela voz de loira de programa
infantil, ela ainda me tocava como se eu fosse de porcelana ou como se
estivesse com nojo de mim! Que mulher irritante !”
Ouvindo tudo aquilo, tentei argumentar: _ Mas dona Isaura, a moça só estava tentando ser simpática e educada.
Mas dona Isaura não quis nem saber e
disse que está cansada de ser tratada como idiota por todos: pelas moças
que trabalham com médicos e pelos médicos, pelas pessoas que a olham
penalizada ou como se ela fosse um bibelô na fila da farmácia e do
supermercado ou de qualquer outro lugar. Também disse que seus próprios
filhos a acham uma boba quando querem fazer as coisas por ela, quando
acham que ela não sabe mais do que gosta em matéria de alimentação,
entre outras coisas, e ficam tentando forçá-la a ser sempre ‘saudável’ e
a comer ‘aqueles horríveis pães integrais’!
Dona Isaura estava bem brava mas não era
só braveza, ela estava se sentindo ‘desprezada’. Ela dizia: _ Justo eu
que trabalhei tanto para criar meus filhos sozinha quando o Zé Carlos me
largou, justo eu que busquei estudar ainda que estivesse sempre cansada
para ter um emprego melhor porque queria que eles se formassem em boas
faculdades… Quantas noites eu passei em claro, preocupada com as contas
pra pagar e pensando no que fazer? Mas suportei e venci todas as
dificuldades, eles são hoje profissionais respeitados e eu me orgulho
muito disso. Pois é, e agora, depois de tantas provas que a vida me
trouxe, sou tratada como uma incapaz, idiota e as pessoas ficam cheias
de dedos, como se eu fosse uma imbecil, só porque fiquei velha?! Sou
velha sim, mas idiota não!
De minha parte deixei dona Isaura falar e
falar e falar… Ela estava precisando muito e o que ela falou me fez
pensar que nós ainda não sabemos lidar com os velhos. Ou os ignoramos ou
os achamos idiotas e coitados. Ou os colocamos no nicho ‘da melhor
idade’ e achamos que eles só querem viajar pra Caldas Novas e ir a
bailes ou queremos impor a eles nosso jeito moderno de nos alimentarmos
desprezando o fato de que eles talvez sintam vontade de comer alimentos
que tenham o sabor longínquo da infância mesmo que sejam gordurosos,
adocicados e não tenham aquela cara da comida saudável da TV.
Pois é… Mas, porque os velhos não podem
ser o que eles quiserem? Vestir e comer o que quiserem, falarem
palavrões se quiserem ou rezar seus terços, mantras ou serem ateus… se
quiserem?
Dona Isaura continua brava e com toda razão.
(fonte: https://portalplena.com/vamos-discutir/velha-sim-idiota-nao/)
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