Olhemos para a saúde do planeta, mas também para a daqueles que o habitam, parece dizer Carlo Petrini, em uma singular sintonia com o Papa Francisco.
Apenas se olharmos para o problema a partir dessa perspectiva é que se
poderá ter um olhar mais amplo que permita conectar questões que, na
agenda política, estão rigorosamente separadas: as mudanças climáticas, a
produção de alimentos e as migrações, por exemplo.
A reportagem é de Angelo Mastandrea, publicada por Il Manifesto, 23-04-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O idealizador do Slow Food
está convencido de que não se pode enfrentar a febre que corre o risco
de levar a Terra ao fim da linha pensando apenas em aliviar os sintomas.
Na opinião dele, é necessário enfrentar o mal-estar na raiz, combatendo
“o insano sistema econômico” que o produz e propondo uma “mudança de paradigma” radical. Socialista e humanitária, se poderia dizer.
Eis a entrevista.
A sua receita teórica para salvar o planeta é composta por
dois ingredientes fundamentais: a descolonização do pensamento e a
criação de um novo modelo socioeconômico. Essa prática se resolve na
proposta de um Plano Marshall para os países mais pobres.
Há dois dias, o nosso primeiro-ministro, Paolo Gentiloni, disse que é preciso aumentar as ajudas aos países de origem dos migrantes para criar empregos na casa deles. Certo, mas a verdade é que a União Europeia não faz nada. Se realmente quisesse intervir, deveria inventar uma espécie de Plano Marshall, mas ainda mais forte.
Isso significaria abandonar a austeridade, justamente aquilo que a União Europeia não quer.
Seria
muito dinheiro, é claro. Em todo o caso, se nada for feito, nós vamos
pagar esses custos de qualquer maneira, porque não haverá muros que se sustentarão diante da onda migratória. Essa é a batalha política mais importante na Europa de hoje, a única maneira de enfrentar o avanço dos Salvini e das Le Pen.
Nesse domingo, celebra-se o Dia Mundial da Terra, mas ninguém teve a ideia de ligá-la às migrações, como você faz.
Se não vemos a conexão entre a destruição dos ecossistemas
e as migrações, não entendemos nada do que está acontecendo. A maioria
das pessoas não fogem por causa das guerras, mas porque as suas
perspectivas de vida são nulas. Os jovens africanos veem negado o seu
direito à terra, que, antigamente, era costumeiro, porque os novos
colonizadores chegam a adquiri-la legalmente, apossando-se dela a preços
ridículos, graças aos governos canalhas, filhos da descolonização.
O que você entende por novos colonizadores?
Eu penso nos chineses e nos indianos, que compram milhões de hectares de terra na África para produzir alimentos que não vão para os africanos, ou nos fundos soberanos que fazem o mesmo para produzir biocombustíveis. Isso provoca a perda da biodiversidade e da fertilidade das terras, e as migrações em massa.
Depois, há os velhos colonizadores. Muitos investimentos europeus na África estão ligados à sustentabilidade ambiental.
Esse também é um campo minado. Dou-lhe um exemplo: em Uganda, o governo local disponibilizou à Noruega
uma grande superfície de terras para o reflorestamento. Por si só,
seria uma coisa boa, exceto que 10 mil pastores ficaram sem trabalho. É
preciso aprender a decodificar as novas formas de colonialismo que se
escondem por trás desses projetos, que podem ser sustentáveis do ponto
de vista ambiental, mas não do social. Especialmente na África,
é necessário um processo de descolonização do pensamento, até porque a
história começa a nos apresentar a conta. Depois do escravismo, do
colonialismo grosseiro e do mascarado dos acordos com os governos
pós-coloniais, agora as pessoas começam a se rebelar. Áreas inteiras
estão se desertificando por causa das mudanças climáticas, massas de deserdados não podem mais viver nessas terras. Essa situação não se sustenta.
Mas a exploração dos recursos não para.
O
comportamento da humanidade nos últimos 50 anos, sem dúvida, foi
irresponsável. Basta pensar no que foi feito com os desmatamentos e as
extrações de minérios e de petróleo, nas quais os mais penalizados foram
as comunidades locais. Se adotarmos esse ponto de vista, ter uma
atenção pelos mais fracos nos leva a pensar em uma visão de ecologia
integral semelhante à que foi proposta pelo Papa Francisco na encíclica Laudato si’:
é necessário pensar não só na terra, mas também naqueles que a habitam.
Existem formas de egoísmo e de insensibilidade que a comunidade
internacional tolera há muito tempo, como se os recursos fossem
infinitos. O sofrimento dos ecossistemas se soma ao das comunidades.
A sua crítica é radical ao neoliberalismo.
É
preciso voltar à fonte desses comportamentos irresponsáveis. Eu
acredito que a principal razão é uma lógica econômica perversa, que
coloca na frente de tudo o lucro e não olha na cara de ninguém. Trata-se
de um hiperliberalismo desenfreado que está destruindo o planeta em
benefício de poucos. Por isso, é necessária uma mudança de paradigma. Se
não pensarmos na construção de uma economia de comunidade, que olhe
para as necessidades em nível local, não sairemos disso.
Depois, há a questão dos alimentos, que você foi um dos primeiros a levantar, com o Slow Food e a Terra Madre.
A
questão alimentar é um dos pontos-chave, mas a comunidade internacional
nunca a destacou. Fala-se das mudanças climáticas e da perda de
fertilidade dos solos e não se põe em discussão a prática mais invasiva,
que é a produção de alimentos.
Fala-se das toneladas de plástico no mar, mas se cala sobre a pesca de
arrasto para a produção de rações animais, que depreda a biodiversidade.
Ou os governos começam a refletir sobre essas coisas, ou iremos rumo ao
desastre. Infelizmente, as coisas não estão indo nessa direção: Trump
não demonstra aquela sensação que uma das potências mundiais que têm
mais responsabilidades no desastre ecológico deveria ter. Estamos em uma
encruzilhada decisiva.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/566920-um-plano-marshall-para-a-terra-entrevista-com-carlo-petrini)
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