segunda-feira, 11 de março de 2013

REALITY SHOWS E CONFORMIDADE



Mais uma colaboração de nosso velho conhecido, prof. Antônio de Paiva Moura   


                   
REALITY SHOWS E CONFORMIDADE



Na edição número 68 de “Le Monde Diplomatique”, março de 2013, foi publicada a entrevista de Luis Brasilino com Silvia Viana, autora do livro “Rituais de Sofrimento”, da Boitempo. Na referida obra Silvia Viana mostra que a sociedade tem mais semelhanças com o ambiente cruel e brutal dos BBBs do que se imagina. No mercado de trabalho, nas últimas décadas ocorre o mesmo que no programa de televisão. A revolução molecular-digital aumentou a produtividade das empresas, que passaram a dispensar o trabalho. A exclusão tornou-se o pesadelo para um exército de “inúteis para o mundo”. Ou o indivíduo se adapta às novas condições de trabalho e de vida, ou vai para o rol dos inúteis, dos eliminados.

                        O capitalismo atual inventou formas de flexibilização como o mecanismo de terceirização, informalidade e trabalho temporário. O mundo de exclusão tornou-se um fantasma que assombra o cidadão. No reality show BBB há seleção para o ingresso no programa, como provas de resistência e habilidades. Em cada um dos participantes há momentos de regozijo quando escapa de uma eliminação. A certeza de permanência por mais uma semana é motivo de comemoração. Os participantes do BBB agem compulsivamente para não ser demitidos por déficit de empreendedorismo entretenedor.

                        O ambiente no interior do BBB e de “A Fazenda” é sempre tenso: indivíduo contra indivíduo e grupo contra grupo. No interior das empresas, onde vigora o trabalho flexível, o drama do competitismo culmina em tragédia: suicídios, migrações forçadas, crises de depressão. Conforme Silvia Viana as avaliações nas empresas são verdadeiras delações premiadas, assédio moral entre trabalhadores e manobras patronais para burlar as leis. Os vendedores de produtos industrializados, a exemplo de cosméticos, sem vínculo empregatício, que são remunerados somente com comissão de venda, concorrem entre si e não têm nenhum benefício social. Se em determinado tempo não conseguir vender, são sumariamente dispensados. Trabalhadores em telemarketing são monitorados por computador e câmeras durante o tempo de trabalho. O tempo de uso de sanitários ou de refeição é controlado. Caso não apresente o nível de produção programado, o trabalhador é descartado, como acontece nos reality shows, em que o telespectador vota para ver o descarte, para ver rolar cabeças. No interior da Fazenda ou do BBB quem tiver pena ou compaixão pelo sofrimento do outro participante corre o risco de ser considerado mole, inapto. Corre, portanto, o risco de ser eliminado. Tem que ser, o tempo todo, um contra o outro: ter sangue frio para fazer o outro sofrer; para fazer o jogo da traição e ver a caveira do outro.

                        “Rituais de sofrimento” de Silvia Viana mostra como os reality shows criam um clima de ausência de solidariedade, em que os participantes são empreendedores da aniquilação uns dos outros. Os reality shows acabam sendo o espelho da sociedade em que vivemos: individualista, competitiva, excludente e eliminadora.
                        Belo Horizonte, 10 de março de 2012.

                        Antonio de Paiva Moura

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