O texto de Leonardo Boff, publicado no site da Agência Carta Maior leva-nos a repensar uma série de questões importantes. O papel da mídia, o que fizemos com o planeta são os dois temas fundamentais.
A teatralização do atentado de Boston
Precisamos estar atentos ao significado político-ideológico da espetacularização do atentado de Boston. É uma forma de desviar a atenção mundial de questões muito mais fundamentais: a primeira é o estado de terror que o Estado norte-americano está impondo internamente a seus cidadãos e ao mundo inteiro. Com isso atraiçoa o que de melhor tinha: a defesa dos direitos fundamentais. Por Leonardo Boff
Leonardo Boff*
Precisaria ser inumano e sem sentido de
solidariedade e de compaixão não se indignar e não condenar o atentado
perpetrado em Boston, com dois mortos e centenas de feridos. Mas isso
não nos dispensa de sermos críticos. Houve uma teatralização mundial do
atentado com objetivos ocultos que devem ser desvendados. Atentados
ocorrem muitos no mundo, especialmente no Afeganistão e no Iraque, na
presença das tropas norte-americanas e dos aliados. Sempre com muitos
mortos e centenas de feridos. Quase ninguém dá importância ao fato, já
naturalizado e banalizado. Muitos pensam: trata-se de gente terrorista
ou próxima a eles, incômodos à ocupação ocidental. Que se matem.
Convenhamos: são seres humanos como aqueles de Boston. Mas as medidas de
avaliação são diferentes. Sabemos o porquê.
Precisamos estar atentos ao significado político-ideológico da espetacularização do atentado de Boston. É uma forma de desviar a atenção mundial de questões muito mais fundamentais: a primeira é o estado de terror que o Estado norte-americano está impondo internamente a seus cidadãos e ao mundo inteiro. Com isso atraiçoa o que de melhor tinha: a defesa dos direitos fundamentais. Não fechou Guantánamo nem ratificou instrumentos internacionais importantes como o Tratado de Roma da Corte Penal Internacional nem a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José de Costa Rica). Não quer que as violações e atentados que seus agentes perpetram pelo mundo afora para garantir o império sejam levados àqueles tribunais.
Mas pela ininterrupta ocupação das mídias mundiais (a nossa Globo estava em peso por lá) a propósito do atentado, os “senhores do mundo” querem desviar a atenção da segunda questão, esta, sim, de consequências funestas e que pode afetar a todos: a ameaça do fim da espécie humana. Primeiro, estes “senhores” devastaram durante séculos o planeta a ponto de ele não poder, sozinho, recuperar sua sustentabilidade. Pelos eventos extremos, dá mostras de que os limites foram ultrapassados. Em seguida, no afã de acumular ilimitadamente e dominar o processo de planetização da humanidade, montaram uma máquina de morte que ameaça a vida na Terra e pode trazer o armagedon para a espécie humana.
Notáveis cientistas do mundo e os mais sérios teóricos da ecologia chamaram a atenção para esta ameaça real. Apenas não sabemos exatamente quando e como vai ocorrer. Mas, mantido o curso atual das coisas, ela será fatal. Michel Serres, renomado filósofo francês da ecologia, já o disse: depois de Hiroshima, Nagasáki e agora de Fukushima, a humanidade descobriu um novo tipo de morte: a morte da espécie. Sim, como Gorbachev não se cansa de repetir: podemos destruir toda a espécie humana, sem restar nenhum testemunho, com as armas químicas, biológicas e nucleares que já construimos e estocamos. Segurança? Nunca é absoluta. Lembremos Three Islands, Chernobyl e Fukushima
Então: a nossa espécie realmente se mostrou o Satã da Terra: aprendeu a ser homicida (mata seus semelhantes), etnocida (quantos povos originários não foram liquidados?), ecocida (devastou ecossistemas inteiros) e agora pode ser especiecida (leva a própria espécie ao suicídio).
O sistema imperial vive buscando bodes expiatórios (antes eram os comunistas, depois os subversivos, agora os terroristas, os imigrantes..., quem mais?) sobre os quais recai o desejo mimético e coletivo de vingança. E assim se autoexime de culpas e de erros. Mas principalmente faz de tudo para que esta ameaça letal sobre a espécie humana não seja lembrada e se transforme numa consciência mundial perigosa.
Ninguém aceita passivamente um veredito de morte. Vai lutar para garantir a vida e o futuro comum. Este deveria ser o objetivo de uma governança global, que exige a renúncia de uma vontade imperial que pensa só em sua perpetuação em vez de pensar no Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade. Por mais que se manipule o atentado de Boston, por quanto tempo, os poderosos ocultarão a situação dramática que pesa sobre nós? Oxalá acordemos todos, simplesmente porque não queremos morrer, mas viver e irradiar.
*Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é também escritor. É autor de 'Proteger a Terra - Cuidar da vida: como escapar do fim do mundo' (Record, 2011). - lboff@leonardoboff.com
Precisamos estar atentos ao significado político-ideológico da espetacularização do atentado de Boston. É uma forma de desviar a atenção mundial de questões muito mais fundamentais: a primeira é o estado de terror que o Estado norte-americano está impondo internamente a seus cidadãos e ao mundo inteiro. Com isso atraiçoa o que de melhor tinha: a defesa dos direitos fundamentais. Não fechou Guantánamo nem ratificou instrumentos internacionais importantes como o Tratado de Roma da Corte Penal Internacional nem a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José de Costa Rica). Não quer que as violações e atentados que seus agentes perpetram pelo mundo afora para garantir o império sejam levados àqueles tribunais.
Mas pela ininterrupta ocupação das mídias mundiais (a nossa Globo estava em peso por lá) a propósito do atentado, os “senhores do mundo” querem desviar a atenção da segunda questão, esta, sim, de consequências funestas e que pode afetar a todos: a ameaça do fim da espécie humana. Primeiro, estes “senhores” devastaram durante séculos o planeta a ponto de ele não poder, sozinho, recuperar sua sustentabilidade. Pelos eventos extremos, dá mostras de que os limites foram ultrapassados. Em seguida, no afã de acumular ilimitadamente e dominar o processo de planetização da humanidade, montaram uma máquina de morte que ameaça a vida na Terra e pode trazer o armagedon para a espécie humana.
Notáveis cientistas do mundo e os mais sérios teóricos da ecologia chamaram a atenção para esta ameaça real. Apenas não sabemos exatamente quando e como vai ocorrer. Mas, mantido o curso atual das coisas, ela será fatal. Michel Serres, renomado filósofo francês da ecologia, já o disse: depois de Hiroshima, Nagasáki e agora de Fukushima, a humanidade descobriu um novo tipo de morte: a morte da espécie. Sim, como Gorbachev não se cansa de repetir: podemos destruir toda a espécie humana, sem restar nenhum testemunho, com as armas químicas, biológicas e nucleares que já construimos e estocamos. Segurança? Nunca é absoluta. Lembremos Three Islands, Chernobyl e Fukushima
Então: a nossa espécie realmente se mostrou o Satã da Terra: aprendeu a ser homicida (mata seus semelhantes), etnocida (quantos povos originários não foram liquidados?), ecocida (devastou ecossistemas inteiros) e agora pode ser especiecida (leva a própria espécie ao suicídio).
O sistema imperial vive buscando bodes expiatórios (antes eram os comunistas, depois os subversivos, agora os terroristas, os imigrantes..., quem mais?) sobre os quais recai o desejo mimético e coletivo de vingança. E assim se autoexime de culpas e de erros. Mas principalmente faz de tudo para que esta ameaça letal sobre a espécie humana não seja lembrada e se transforme numa consciência mundial perigosa.
Ninguém aceita passivamente um veredito de morte. Vai lutar para garantir a vida e o futuro comum. Este deveria ser o objetivo de uma governança global, que exige a renúncia de uma vontade imperial que pensa só em sua perpetuação em vez de pensar no Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade. Por mais que se manipule o atentado de Boston, por quanto tempo, os poderosos ocultarão a situação dramática que pesa sobre nós? Oxalá acordemos todos, simplesmente porque não queremos morrer, mas viver e irradiar.
*Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é também escritor. É autor de 'Proteger a Terra - Cuidar da vida: como escapar do fim do mundo' (Record, 2011). - lboff@leonardoboff.com
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