terça-feira, 14 de maio de 2013

Pela milésima vez, não sou o garçom

No blog da KikaCastro de hoje, a referência a esta matéria publicada no blog Autofricção, do blogueiro Vinicius Luiz. Muito apropriada para o dia de ontem, quando se comemorou a Lei Aurea. E que mostra que é coisa difícil a mudança de mentalidade de uma sociedade...

 

Pela milésima vez, não sou o garçom

Cena 1: festinha na casa de amiga na zona sul. Na portaria, favor se identificar ao porteiro: “Oi, vim pra festa da fulana” “Você é o garçom da festa?” “Não moço, vim festejar mesmo”. Aaah…okay.

Cena 2: aniversário de amiga em famoso bar da Savassi. Chego, cumprimento metade da turma, quando sou interrompido por um rapaz meio afoito. “Traz um copo pra mim” “Hein?” “Um copo, uma cadeira, faz alguma coisa” “Moço, eu não sou o garçom” “Ah, desculpa”.

Essas duas cenas ilustram situações que acontecem comigo volta e meia. O caso do prédio já ocorreu em outras duas ocasiões, já dos bares, perdi a conta. Não teria o menor problema em ser garçom, inclusive esse foi meu primeiro emprego. O que me ofende é ser interpelado no meio da hora feliz com cobranças e, mais, por saber que esse tipo de confusão ou gafe encobre certo racismo.

Certamente, essas cenas não se repetem porque uso o uniforme dos bares que eu frequento,mas sim porque sou negro. Parece que parte da sociedade ainda não consegue dissociar a imagem do negro de profissões tidas como subalternas (ênfase no “tidas”). Quando essas pessoas captam um preto na órbita do seu mundinho feliz, logo pensam: opa, aquele ali vai me servir.

Não tenho estatísticas de quantos garçons ou entregadores são negros, mas conhecendo o Brasil de vista, a impressão que dá é que são a maioria. Portanto, gostaria que ao chegar em um bar, as pessoas fizessem a seguinte operação:

Ainda que a realidade brasileira dê material pra que todos associem negros a posições mais baixas na escala de prestígio das profissões, pense que qualquer pessoa pode trabalhar com qualquer coisa. Em seguida, verifique se o sujeito que você avistou com “pinta de garçom” está uniformizado ou com um abridor de garrafas na mão. Vá em frente e seja atendido. E no caso de o local não ter uniforme? Imagine assim “tá ali um cara que vai me atender, aqui ou no hospital, já que além de garçom ele pode ser médico também” (fui no extremo do politicamente correto pra facilitar a ilustração). Nesse caso, levante a mão até que o verdadeiro garçom, que pode ter feições negras, nórdicas ou nordestinas venha te atender. Em ambas situações, trate bem o atendente, você não é melhor que ninguém. Obrigado.

P.S: recomendo o artigo “O novo racismo”, publicado na Folha de domingo.

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