No blog da KikaCastro de hoje, a referência a esta matéria publicada no blog Autofricção, do blogueiro Vinicius Luiz. Muito apropriada para o dia de ontem, quando se comemorou a Lei Aurea. E que mostra que é coisa difícil a mudança de mentalidade de uma sociedade...
Pela milésima vez, não sou o garçom
Cena 1: festinha na casa de amiga na zona sul. Na portaria, favor se identificar ao porteiro: “Oi, vim pra festa da fulana” “Você é o garçom da festa?” “Não moço, vim festejar mesmo”. Aaah…okay.Cena 2: aniversário de amiga em famoso bar da Savassi. Chego, cumprimento metade da turma, quando sou interrompido por um rapaz meio afoito. “Traz um copo pra mim” “Hein?” “Um copo, uma cadeira, faz alguma coisa” “Moço, eu não sou o garçom” “Ah, desculpa”.
Essas
duas cenas ilustram situações que acontecem comigo volta e meia. O caso
do prédio já ocorreu em outras duas ocasiões, já dos bares, perdi a
conta. Não teria o menor problema em ser garçom, inclusive esse foi meu
primeiro emprego. O que me ofende é ser interpelado no meio da hora
feliz com cobranças e, mais, por saber que esse tipo de confusão ou gafe
encobre certo racismo.
Certamente,
essas cenas não se repetem porque uso o uniforme dos bares que eu
frequento,mas sim porque sou negro. Parece que parte da sociedade ainda
não consegue dissociar a imagem do negro de profissões tidas como
subalternas (ênfase no “tidas”). Quando essas pessoas captam um preto na
órbita do seu mundinho feliz, logo pensam: opa, aquele ali vai me
servir.
Não
tenho estatísticas de quantos garçons ou entregadores são negros, mas
conhecendo o Brasil de vista, a impressão que dá é que são a maioria.
Portanto, gostaria que ao chegar em um bar, as pessoas fizessem a
seguinte operação:
Ainda
que a realidade brasileira dê material pra que todos associem negros a
posições mais baixas na escala de prestígio das profissões, pense que
qualquer pessoa pode trabalhar com qualquer coisa. Em seguida, verifique
se o sujeito que você avistou com “pinta de garçom” está uniformizado
ou com um abridor de garrafas na mão. Vá em frente e seja atendido. E no
caso de o local não ter uniforme? Imagine assim “tá ali um cara que vai
me atender, aqui ou no hospital, já que além de garçom ele pode ser
médico também” (fui no extremo do politicamente correto pra facilitar a
ilustração). Nesse caso, levante a mão até que o verdadeiro garçom, que
pode ter feições negras, nórdicas ou nordestinas venha te atender. Em
ambas situações, trate bem o atendente, você não é melhor que ninguém.
Obrigado.
P.S: recomendo o artigo “O novo racismo”, publicado na Folha de domingo.
Que vergonha desse Brasil ainda tão colonial.
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