De como não só o delegado, mas também os “homens de bem”,
cândidos privilegiados, sustentam o sorriso de escárnio dos estupradores
Por Maurício Ayer
A República do Escárnio, como bem definiu o [Vladimir] Safatle ao
tratar dos sitiadores do governo federal, está toda no sorriso de pop star do estuprador e divulgador do vídeo expondo a menina agredida ao sair de seu depoimento na delegacia.
A polícia diz ter dúvidas se foi estupro e não achou que a divulgação
do vídeo de uma menina de 16 anos com a genitália sangrando dê ensejo a
um flagrante. Não entendo de direito criminal, não sei quais são todos
os crimes implicados neste ato, mas a polícia obviamente sabe. E deu
plena sustentação ao sorriso escarnecedor deste indivíduo.
Mas é outra sustentação ao sorriso do estuprador que nós homens
precisamos enfrentar. Ele só sorri e acena para as câmeras porque
chegará em sua casa, em sua comunidade, em sua rua, e rirá junto com
outros muitos homens. Imagino o que é viver numa comunidade dessas, onde
os estupradores são tratados não apenas como pessoas normais, mas até
como pop stars, gente que de repente ficou famosa porque ousou
~ ir além do ~ ordinário ~, que seria estuprar, e ~ lacrou nas redes ~
mostrando e falando a escrotidão mais inacreditável. Que cara foda!
E o que o conceito de ~ cultura do estupro ~ mostra é que essa
comunidade sitiada pelo crime é esta aqui, a minha comunidade. Eu vivo
nessa comunidade que pratica cotidianamente o crime. Se alguém se sente à
vontade de ser violento, verbal, física ou simbolicamente, ao meu lado é
porque sou seu aliado, seu sorridente cúmplice. É porque fui eu mesmo
violentado em minha humanidade, que preciso recuperar não só para os
atos extremos mas para toda e qualquer violência. Se as pequenas
violências não fossem toleradas e estimuladas, as grandes não seriam
possíveis.
O único caminho que nos resta é o de agir ativamente pela destruição
desse estado violento, do qual muitos de nós se aproveitam e do qual
podemos ser cândidos beneficiários – das vantagens, dos melhores
pagamentos, de ter mais voz nos espaços, de não ser o objeto direto e
imediato da violência física.
Não se trata de ter vergonha de ser homem. É ter vergonha na cara. É
ter o orgulho de ser homem que enfrenta o seu desafio histórico: o de
desmantelar essa organização criminosa, essa máfia – fraterna – em que
fomos metidos e que age em nós, por nós.
(fonte: http://outraspalavras.net/brasil/a-cultura-do-estupro-e-a-mafia-fraterna-dos-homens/)
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